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Teoria da Literatura III - Conteúdo Online

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TEORIA DA LITERATURA III
AULA 1 – DO MÉTODO FORMAL À CONSCIÊNCIA ESTRUTURAL
O Método Formal
A palavra estruturalismo surgiu pela primeira vez nas pesquisas do Círculo Linguístico de Moscou, em 1914 e, mais tarde, nas Teses de 1929, no Círculo Linguístico de Praga, quando alguns estudantes decidiram estudar o objeto literário sob a perspectiva linguística.
Durante esse período foi criada a Associação para o Estudo da Linguagem Poética (conhecida pela sigla Opoiaz), com o objetivo em comum de estabelecer bases científicas para os estudos e análises literárias.
Ao estabelecerem uma base estritamente fundada na linguística, havia o propósito de criar uma ciência literária autônoma, com a finalidade de evitar as digressões críticas que levavam o estudo do objeto literário a um abstracionismo, seja ele existencial, filosófico, psicológico, religioso, político ou sociológico.
A recusa dessas tendências humanistas devia-se ao fato de serem perspectivas subjetivistas demais para a abordagem do literário como objeto concreto de análise. Consequentemente, restringiu-se o estudo literário a um processo de organização da obra voltado para os princípios linguísticos imediatos e contingenciais, de modo que o literário fosse transformado em uma matéria palpável e tangível de análise.
Ao estabelecer a linguística como base científica para os estudos literários e considerando que a linguística é a ciência que estuda os fatos da linguagem por excelência, o objeto literário passa a ser formalizado segundo a própria linguagem, ou seja, concebida como um sistema fechado, metodológico e formal. Entende-se por sistema aquilo que é programado para funcionar autonomamente, segundo uma lógica regida por formas e funções precisas, onde os recursos e técnicas disponíveis determinam suas regras de funcionamento, segundo sua contingência imediata.
Esse sistema de análise do objeto literário voltado apenas para as formas linguísticas em sua contingência imediata demonstra-se como um modelo estático, a-histórico, que evidencia o aspecto sincrônico da abordagem, distinguindo-se da análise diacrônica, passiva de uma perspectiva histórica e evolutiva.
Assim, para os chamados formalistas russos, o texto literário devia ser analisado como um sistema composto de uma metodologia formal que valorizava o aspecto gramatical, fonológico, semântico, morfológico, enfim, considerando os elementos estruturais e as técnicas de construção, sejam do poema ou da narrativa.
Segundo o formalista Boris Eikhenbaum1, em seu ensaio A teoria do método formal, o primeiro passo da metodologia dos formalistas foi classificar cientificamente o objeto literário segundo a distinção entre a linguagem poética e a linguagem cotidiana.
1 “O confronto da língua poética com a língua cotidiana ilustrou este procedimento metodológico. Foi desenvolvida nas primeiras pesquisas da OPOIAZ (os artigos de L. Jakobinski) e serviu de ponto de partida para o trabalho dos formalistas sobre os problemas fundamentais da poética. Enquanto que habitualmente os estudiosos tradicionais orientavam seus trabalhos em direção à história da cultura ou da vida social, os formalistas se orientaram para a lingüística, que se apresentava como uma ciência paralela à poética na sua matéria de estudo, mas que a abordava apoiando-se em outros princípios e propondo-se a outros objetivos.
Por outro lado, os lingüistas estão também interessados no método formal, na medida em que os fatos da língua poética podem, enquanto fatos da língua, ser considerados como pertencentes ao domínio puramente lingüístico.” (EIKHENBAUM, 1973, p. 9).
Desse modo, fica claro que o método formalista tinha por objetivo investigar os traços distintivos que evidenciassem a construção estética de sua linguagem poética ao contrastá-la com a linguagem cotidiana, marcada pela usualidade e objetividade. Essa objetividade era condizente com o automatismo do dia a dia, onde as pessoas utilizam a língua visando apenas a comunicação, sem prestarem atenção aos detalhes formais, fônicos, semânticos ou morfológicos.
Além de dar início ao processo de especificação e concretização da ciência literária como princípio organizador do método formal, vimos que esse confronto entre linguagem poética e a linguagem cotidiana tinha a finalidade de especificar os traços formais e distintivos de uma obra literária.
Roman Osipovich Jakobson: foi um pensador russo que se tornou num dos maiores lingüistas do século XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.
A esse conjunto de traços distintivos que formalizam esteticamente a obra literária, chamou-se de literariedade, como sentenciou Roman Jakobson, ao declarar que “A poesia é a linguagem em sua função estética. (...) Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária.”
É evidente que a linguagem poética não se sujeita a uma norma ou código de regras fixas e gramaticais, nem tampouco ao uso cotidiano, voltado apenas para a comunicação e automatismo da mensagem. Sendo assim, para o método formal, a linguagem poética está condicionada ao desvio das normas pela literariedade e pela construção técnica do objeto literário enquanto um sistema formal. Em poucas palavras, não importa ‘o que’ se diz, mas sim ‘como’ se enuncia a mensagem poética, ao colocarmos a linguagem em evidência, no primeiro plano de nossa atenção.
Ainda dentro do programa de análise formalista, é importante ressaltar a valorização técnica na construção das narrativas, quando se tentou elaborar uma espécie de teoria da narrativa, ou narratologia.
Da Transição do Método Formal Para a Consciência Estrutural
No ensaio Os problemas dos estudos literários e linguísticos, os teóricos formalistas J. Tynianov e Roman Jakobson utilizaram o método formal para aproximarem os estudos das formas literárias das formas linguísticas, como o próprio título sugere, além de investigarem os traços que caracterizariam a literariedade como elemento determinante.
Yuri Tynianov: foi um famoso escritor soviético/russo, crítico literário e tradutor nascido em Rezhitsa, atualmente Letónia. Foi importante membro do Formalismo Russo.
Os Estudos dos Círculos Linguísticos
Esses estudos constituíram uma espécie de matriz do formalismo russo, com os estudos de Saussure. São eles: a recusa da interpretação subjetivista da obra literária; a relação entre os conceitos de diacronia e sincronia; a relação entre a língua e a fala.
Em primeiro lugar, como já foi visto por nós, essa matriz formalista recusava a interpretação psicologizante da obra literária, descredibilizando a análise literária que privilegiasse os aspectos subjetivos e humanistas do sujeito autor como fator determinante para a compreensão da obra. Em contrapartida, buscava-se reconhecer a obra literária segundo sua materialidade linguística e os aspectos intrínsecos à linguagem, privilegiando-a como um sistema autônomo, funcional e anti-humanista.
Em segundo lugar, o formalismo estabeleceu a oposição entre o aspecto sincrônico, constituído pela valorização imediata e concreta da língua como um sistema autônomo, e o aspecto diacrônico, voltado para um caráter histórico e evolutivo da língua.
Ferdinand de Saussure: foi um linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística enquanto ciência autônoma.
É importante dizer que esta noção de sincronia pretendia reunir as obras literárias a partir de um eixo comum, baseado em um sistema formal e imanente de sua estrutura linguística, ao exaltar o aspecto científico e libertar-se do comparativismo histórico sobre as produções literárias desde a filologia. Assim, a diacronia passaria a tratar não mais da evolução histórica das obras, mas da evolução das estruturas e seus desvios formais.
Em terceiro e último ponto de influência saussureana destacado por Tynianov e Jakobson, há a oposição das noções de langue (língua) e parole (fala), ao considerarem a língua como um código euma norma, e a fala como a manifestação fônica e individual da língua ao visar a comunicação entre os indivíduos falantes.
Em síntese, segundo o método formal, a obra literária passa a ser vista como um sistema autoconsciente e imanente, com suas formas e funções articuladas pela combinação dos signos, independente do sujeito, além de localizar-se na fronteira entre passado e presente, e entre a língua e a fala, ao subverter as regras gramaticais acentuando sua sonoridade pela métrica, pela rima, pelo paralelismo, paronomásia, aliteração e outros recursos fônicos.
Para os formalistas, a linguagem poética possui existência própria ao ser colocada em primeiro plano de nossa percepção, ao tornar-se o foco principal de nossa atenção a partir de um procedimento técnico de combinação dos signos e segundo uma construção formal. Por isso ela possui sua autonomia e deve ser focalizada como um sistema autoconsciente, como um objeto de valor em si, independente de sua distância histórica ou de seu uso referencial. 
“O funcionamento poético da linguagem ‘promove a palpabilidade dos signos’, chama a atenção para suas qualidades materiais e não simplesmente para o seu uso como elementos de comunicação. No ‘poético’, o signo é deslocado de seu objeto: a relação habitual entre signo e referente é modificada, o que permite ao signo uma certa independência como objeto de valor em si.”(EAGLETON, 2003, p. 135).
Analisemos as seguintes construções: 
O método formal de análise de uma obra literária é pertinente se estiver vinculado ao desvio formal, jamais ao autor, ao eu, já que não é o sujeito cartesiano quem determina o poético, considerando, mais uma vez, que a obra é um sistema autoconsciente em sua formalização estética.
Para eles, era necessário afirmar a visão do poético sob um sistema imanente e dialético, do qual fosse possível analisar a linguagem poética tanto em sua relação diacrônica, considerando a evolução histórica das formas, quanto sincrônica, ao estabelecer a aproximação e diálogo entre a literatura e o uso cotidiano da língua, justamente onde esta é experimentada, renovada e atualizada.
A Consciência Estrutural Semiológica em Ferdinand de Saussure
Já vimos que o termo ‘estrutura’ foi utilizado primeiramente pelo Círculo Linguístico de Praga, em suas pesquisas sobre a linguagem poética, assumidamente influenciadas por Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral.
A importância de Saussure foi estabelecer uma ruptura com o estudo histórico das línguas, feito desde a filologia até a linguística tradicional, ao privilegiar a língua como um sistema formal e científico (sincrônico), libertando-a de seu filão histórico evolutivo (diacrônico). 
Inicialmente, ele opôs a língua e a fala, ao reconhecer a língua como um sistema em sua noção conceitual, e a fala como seu agente transformador e acústico.
Desse modo, Saussure afirmo que “O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação e é psico-física.” (SAUSSURE, 2004, p. 23)
Essa ruptura, chamada de “corte saussuriano”, definiu o início da linguística moderna, quando a linguagem passou a ser vista como uma estrutura sincrônica formalizada pelo signo, e não mais pelo aspecto histórico ou humanista. Para tanto, ele opôs a língua (segundo uma instituição social) e a fala, concebida como o lugar das trocas inconscientes entre os indivíduos.
Saussure assinalou seu interesse pela linguagem tanto a partir de uma perspectiva social quanto de uma esfera psíquica, já que seus estudos baseavam-se nas pesquisas sobre a infraestrutura da língua e sua dimensão mais profunda, ao nível inconsciente. 
Sua modernidade está em ter apostado no signo como o elemento intermediário entre a sociedade e o indivíduo, ao aproximar o universo simbólico da linguagem ao nível do inconsciente profundo, seja em seu aspecto fonológico e acústico (do significante), ou na articulação social dos signos (pelo significado), marcada pela semiologia.
O que é semiologia?
Em poucas palavras, a semiologia é a ciência que estuda o signo e sua relação social, ou seja, é o estudo dos signos lingüísticos como mediadores da esfera psíquica dos indivíduos e da estrutura social. Segundo Saussure, “pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social”.
Entretanto, se para os formalistas seus programas concentravam-se na valorização formal da linguagem, limitando seu aspecto fonológico à métrica, à rima, à aliteração, ou seja, à construção poética do texto como sistema e seus recursos fônicos, em Saussure essa valorização fonológica será potencializada a partir da fala, no âmbito da oralidade e das trocas sociais inconscientes, ultrapassando os limites formais e estéticos da linguagem estabelecidos pelo método formal.
Para Saussure, interessava antes saber sob quais regras a língua operava em sua convenção social, e qual a lógica que presidia oculta por detrás das falas individuais. Por isso ele separou o estudo da língua como um sistema formal que convenciona os eventos da fala, do estudo da fala como enunciação individual que articula, subverte e expande os limites da língua. 
Logo, vemos que a transição entre o método formal e estrutural ocorreu pela espessura fonológica, partindo da construção formal das formas poéticas do método formal para a desenvoltura oral, vista agora pelo prisma social, semiológico da perspectiva estrutural, e não apenas textual. 
AULA 2 – A CONSCIÊNCIA ESTRUTURAL EM SAUSSURE E LEVI-STRAUSS
A Teoria Estrutural Como Base Científica Fundamental
“A língua é um sistema que só conhece a sua própria ordem.” Ferdinand de Saussure
Além de precursor da linguística moderna, Ferdinand de Saussure foi quem lançou as bases para a consciência semiológica e a teoria estruturalista as quais influenciariam as ciências no ocidente, tal como a antropologia e a psicanálise. Em sua investigação das estruturas inconscientes e sobre a linguagem, ao compreender que a língua é um sistema de valores puros, ele considerou dois elementos: as ideias e os sons.
O fato é que a linguagem é indissociável do pensamento, já que sem ela as ideias seriam dispersas, amorfas e caóticas, sem qualquer delimitação, ordenação ou possibilidade de expressão. Enfim, de que outro modo seria possível tanger o pensamento sem o advento da linguagem, enquanto ela tem a função de formalizar o informe? Além disso, estrutura e ordena as ideias no pensamento a partir dos signos, tomados como elementos referenciais.
Mais, ainda, ao constatar a formalidade e a funcionalidade da língua como elemento estruturador do pensamento, é justamente em sua dimensão fonológica que consiste a mediação do inconsciente buscada por Saussure, ao considerar que: 
“O papel característico da língua frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para expressão das ideias, mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar-se ao se decompor.” (SAUSSURE, 2002, P. 131)
Para Saussure, embora a língua seja instituída socialmente por um sistema de signos, é a espessura fonológica da fala que atingirá a estrutura inconsciente quando subverte a norma, expande a língua para além de sua objetividade. Isso, mesmo que o uso da língua esteja subjacente aos princípios normativos mínimos de conscientização e comunicação do indivíduo em sua sociedade. 
Saussure constatou então que a língua fecha-se em si mesma, ao considerar que o signo é determinado por uma dupla acepção que envolve o significante (imagem acústica) e o significado (conceito).
Segundo o próprio linguista, um signo isolado constitui apenas um paradigma denotativo (referencial), de modo que, se o colocarmosem relação com outros em um sintagma (frase), sua significação poderá sofrer alterações. Logo, ainda que o sentido primordial denotativo do signo seja reprimido e ganhe nova conotação ao alinhar-se com outros, esse mesmo signo sempre remeterá a outras tantas significações possíveis no âmbito da própria língua, e jamais fora dela.
Mas, como estabelecer um sistema fonológico da fala? Como é possível investigar, compreender seu funcionamento? E segundo que leis reguladoras esse sistema opera em nosso pensamento?
Para responder a estas questões, Saussure estabeleceu uma teoria baseada em princípios universais que dirigissem o uso da linguagem a uma metodologia governada por conceitos que fundamentassem o signo dentro de uma estrutura psíquica e sua representação concreta, ou seja, a escrita.
Embora a língua e a escrita constituam dois sistemas distintos de signos, segundo Saussure, a escrita só tem sentido devido à língua. E esta só existe devido à fala, pois é senso comum que a língua seja oriunda de uma tradição oral. Porém, sem o registro concreto de sua fluência, a língua estaria fadada ao desaparecimento ao longo do tempo.
Segundo Saussure: “Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro; o objeto linguístico não se define pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; esta última, por si só, constitui tal objeto.
Mas a palavra escrita se mistura tão intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel principal; terminamos por dar mais importância à representação do signo vocal do que ao próprio signo. É como se acreditássemos que, para conhecer uma pessoa, melhor fosse contemplar-lhe a fotografia do que o rosto.”(SAUSSURE, 2002, p. 34)
O mais importante neste programa foi que Saussure passou a fornecer as bases para o desenvolvimento da teoria estrutural que influenciou o pensamento científico do ocidente. Isto se comprovou com a antropologia estrutural de Claude Levi-Strauss, quando tentou investigar a matriz cultural das tribos primitivas, através da aproximação das narrativas pertencentes à tradição oral.
A linguística de Saussure valorizou a importância da escrita para o estudo da linguagem, ao considerar seu valor como registro ortográfico e também como materialização da oralidade. Ao concretizá-la de modo formal e palpável, evitava-se a abstração e o desaparecimento da língua pelo isolamento da fala, caso esta sofresse pela ausência de registro ou representação gráfica.
Saussure defendeu o prestígio do sistema escrito com base em quatro pontos:
As imagens gráficas constituem a unidade da língua através dos tempos, de modo mais sólido e permanente que os sons.
As impressões visuais são mais nítidas e duradouras que as impressões acústicas.
A língua literária constitui volume documental da língua através das gramáticas, dicionários, textos e livros que são regulamentados como código e utilizados como instrumento de ensino.
Quando houver desacordo entre a língua e a ortografia, é a forma escrita que se legitima como preponderante sobre o caráter volátil da fala.
Todavia, a língua e suas modulações passaram a ser estudadas pelo registro literário como um sistema escrito, e este era o elemento básico da teoria estrutural. 
Quando nos referimos à palavra estrutura, este termo que vem do latim structura sugere a ideia de “construção”, em que cada um de seus elementos possui uma função determinada pela relação compartilhada por todos, seja ela de equivalência ou oposição.
Em termos literários, o conceito de estrutura se aplica ao texto tal qual um sistema verbal regido por um conjunto de elementos ordenados e encadeados entre si, constituindo uma totalidade dinâmica. O texto é visto como um sistema constituído de signos e sintagmas, ou seja, palavras e frases, onde cada signo é parte integrante de um sintagma, que, por sua vez, constitui uma unidade funcional.
Lembremos que, para o método formal, o texto era um sistema estático e imanente em suas relações formais intrinsecamente estéticas. Já o método estrutural ultrapassa os limites do formalismo estético e amplia suas interpretações para a dimensão semiológica, onde o signo é colocado sob a perspectiva psíquica e social.
Com a contribuição da antropologia moderna estrutural de Claude Levi-Strauss, esta relação entre o inconsciente e o social atinge uma dimensão cultural, mediada pela linguagem. Isso ocorrerá se considerarmos o fato de todo ser humano possuir uma competência narrativa desenvolvida desde a infância, como modo de organização do pensamento pela matéria fônica.
Sob esta perspectiva, ao analisarmos a estrutura narrativa tradicional, partimos do princípio de que ela possui uma organização interna regida por elementos que se inter-relacionam em suas respectivas funções, como o foco narrativo, o enredo, o conflito, os personagens, o tempo, o espaço, o clímax e o desfecho, por exemplo.
Após os estudos de Vladimir Propp que você viu na primeira aula, a gramática ou teoria da narrativa passa a ser constituída por esferas de ação ou enunciados que, além de formarem a malha estrutural da narrativa, determinam o curso da trama, operando de modo integrado.
Então, veremos a seguir, com Claude Levi-Strauss e suas pesquisas junto às sociedades primitivas, de que modo ele estabeleceu seu método estrutural ao estudar as culturas aborígenes e sua tradição oral, a partir do método formal de Propp e da fonologia de Saussure e Jakobson.
Vladimir Propp: foi um académico estruturalista russo que analisou os componentes básicos do enredo dos contos populares russos visando identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis. Foi um dos expoentes da narratologia.
A Antropologia Estrutural de Claude Levi-Strauss
“Tanto em linguística quanto em antropologia, o método estrutural consiste em descobrir formas invariantes no interior de conteúdos diferentes.” Claude Levi-Strauss
Claude Levi-Strauss foi o precursor da Antropologia estrutural, e sua carreira de etnólogo teve início no Brasil, quando foi convidado a lecionar na Universidade de São Paulo em 1934. Lamentavelmente, ao retornar à França em 1939, precisou fugir neste mesmo ano, em decorrência da ocupação nazista.
Durante o período de exílio nos Estados Unidos, ele começou uma amizade com Roman Jakobson, que lecionava fonologia estrutural. Foi a partir desse encontro intelectual e afetivo com o linguista, que Levi-Strauss fundamentou suas pesquisas, dando origem à antropologia moderna.
Suas experiências com as sociedades primitivas visavam à natureza inconsciente dos fenômenos culturais segundo os princípios da linguagem, que serviram como eixo inteligível dessa investigação do pensamento autóctone. 
Suas pesquisas estavam fundamentadas cientificamente pelo modelo linguístico estrutural de Saussure e direcionadas ao estudo das sociedades primitivas. Levi-Strauss pretendia estudar o modo pelo qual os sistemas sociais e culturais primitivos estavam entronizados inconscientemente nos indivíduos, partindo da intermediação da linguagem como estrutura imanente a eles, ou seja, segundo o estudo das narrativas aborígenes e sua tradição oral.
Importante afirmar que, ao estudar os sistemas culturais indígenas, o modelo antropológico estrutural de Levi-Strauss acenou para uma perspectiva universalista que rompeu radicalmente com o modelo antropológico naturalista, baseado no evolucionismo ou no determinismo essencialmente biológico e racista, além de superar a metodologia tradicional, estritamente funcional e utilitarista.
Os estudos de Levi-Strauss foram imprescindíveis para a humanidade. Pois a título de exemplo, imaginemos que, se uma tribo tenha sido exterminada por uma peste ou dizimada em batalha por outra tribo adversária, sem que se houvesse conservado qualquer registro escrito de seu falar, suas canções, seus mitos, seus costumes e suas crenças rituais, o que teria acontecido com esta cultura? Ela estaria então condenada ao desaparecimento paratodo o sempre.
Para Levi-Strauss, ao pesquisar a relação entre a infraestrutura inconsciente e social das culturas primitivas, era necessário fundamentar suas propostas sob bases cientificamente comprovadas, como a fonologia desde Saussure, Jakobson até Trubetzkoy que, segundo Levi-Strauss, foi quem melhor definiu o método fonológico, ao resumi-lo em quatro procedimentos essenciais:
Em primeiro lugar, a fonologia passa do estudo dos fenômenos linguísticos conscientes para o de sua infraestrutura inconsciente;
Recusa-se a tratar os termos como entidades independentes, tomando por base de sua análise, ao contrário, as relações entre os termos;
Introduz a noção de sistema – (...)
Finalmente, ela visa à descoberta de leis gerais, descobertas ou por indução, ou por deduzidas logicamente, o que lhes dá um caráter absoluto.” (STRAUSS, 2008, p. 60)
Ao final da última seção, vimos que a narrativa é uma competência desenvolvida pelo ser humano desde a infância e ao longo da história da humanidade, ao operar como meio de estruturação dos fatos no tempo e no espaço, à medida que o pensamento é ordenado pela matéria fônica e transmitido através de uma sequência lógica, linear e progressiva pelo falante.
Ao investigar os índios, Levi-Strauss estabeleceu como objeto as narrativas míticas e observou que os indivíduos partilhavam o mito como um sistema simbólico e elemento integrador da estrutura inconsciente individual e coletiva.
Ele descobriu que o mito fornecia subsídios para a investigação não apenas de um sistema de pensamento, mas para uma cadeia significante e um universo simbólico no qual se revelava uma cultura estruturada pelo sonho e pela dimensão mágica do espírito humano.
Ao aproximar sua investigação do método fonológico, ele passou a estabelecer um sistema de análise das sociedades primitivas a partir de um novo método, criado e denominado por ele de sistema de parentesco1.
1 “Os ‘sistemas de parentesco’, assim como os ‘sistemas fonológicos’, são elaborados pelo espírito no estágio do pensamento inconsciente; e por fim, a recorrência em regiões afastadas do mundo e em sociedades profundamente diferentes, de formas de parentesco, regras de casamento e atitudes igualmente prescritas entre certos tipos de parentes etc. leva a crer que, num caso como no outro, os fenômenos observáveis resultam da operação de leis gerais, mas ocultas. O problema pode, portanto, ser formulado do seguinte modo: numa outra ordem de realidade, os fenômenos de parentesco são fenômenos do mesmo tipo que os fenômenos linguísticos. (Ibidem, p. 61)
Ao tomar uma narrativa mítica como um sistema fonológico em potencial, ele passou a analisar as unidades mínimas elementares que constituíam tal sistema, denominando-as mitemas, que estão para o sistema mítico, assim como os fonemas estão para o sistema fonológico.
Para tanto, Levi-Strauss retomou a morfologia formalista de Vladimir Propp, ao comparar os contos de fadas com os mitos indígenas, no ensaio A estrutura e a forma, e constatou que, enquanto o método formal valorizou apenas o elemento material da linguagem, o método estrutural ultrapassou-o até atingir sua abstração simbólica, ao relacionar as formas invariantes existentes entre as culturas autóctones e a respectiva infraestrutura inconsciente de seus indivíduos, coletiva e individualmente.
Ao retornar à análise morfológica de Propp como paradigma em sua pesquisa sobre as culturas autóctones, contrastou o método formalista dos contos de fada e o método estrutural das relações de parentesco entre os mitos indígenas, e os respectivos modelos de análise narrativa:
“Que nos seja permitido insistir neste ponto, que resume toda a diferença entre formalismo e estruturalismo. Para o primeiro, os dois domínios devem ser absolutamente separados, pois somente a forma é inteligível, e o conteúdo não é senão um resíduo desprovido de valor significante. Para o estruturalismo, esta oposição não existe: não há, de um lado, o abstrato e, de outro, o concreto. Forma e conteúdo são de mesma natureza, sujeitos à mesma análise. O conteúdo tira sua realidade da estrutura, e o que se chama forma é a ‘estruturação’ das estruturas locais que constituem o conteúdo.” (STRAUSS, 1993, p. 137-8)
Deste modo, o estudo das culturas passou pelo estudo dos mitos familiarizados por uma série de tribos, e esse sistema mítico constituiu a infraestrutura inconsciente e social das respectivas culturas como uma espécie de gênese partilhada, unidade fundante, desdobrada e diferenciada segundo cada tribo. Uma gênese respectivamente identificada segundo suas relações de familiaridade com outras através do sistema mítico, sendo logo reconhecidas pelo sistema de parentesco de Claude Levi-Strauss.
Isto porque, segundo Levi-Strauss, a análise de um sistema de parentesco não é determinada pelos laços objetivos de filiação ou consanguinidade entre os indivíduos, pois que “ele só existe na consciência dos homens, é um sistema arbitrário de representações, e não o desenvolvimento espontâneo de uma situação de fato”.
Mas, por que os mitos?
Porque, como já antecipamos, a importância do mito se deve pelo fato de sua matriz constituir-se por uma estruturação simbólica dinâmica e irredutível, já que essa matriz movimenta uma miríade de versões e expansões sem que se perca sua identidade. O mito ultrapassa qualquer cientificidade inteligível e racional, pelo fato de estar à margem de qualquer determinismo ou manipulação exterior, além de servir de campo fidedigno para a investigação das estruturas mais elementares e profundas do inconsciente e do espírito humano. Consideremos então que a linguística fonológica foi apenas um meio de representação e materialidade simbólicas deste universo.
Para o índio o mito é sua razão, sua lei, sua religiosidade, enfim, é o suporte de sua consciência, considerando que o universo mágico e transcendente faz parte de seu cotidiano e sua cultura, desde seus mais remotos ancestrais. Em comum entre o pensamento ‘civilizado’ e o ‘selvagem’, Levi-Strauss revelou que o pensamento mítico é tão ou mais integrado que o pensamento científico.
Fundamental é perceber que Levi-Strauss revelou o universo mítico como uma cadeia significante e uma espécie de estrutura catalisadora das relações naturais, ambientais e sociais, em torno de uma estrutura mágica que se coloca à margem de uma realidade referencial, ao fundar as bases naturais da cultura, sob a magnitude de um sistema irredutível que é o mito.
Em seu programa foram abordados diversos temas, como o sexo, a família, a alimentação, os animais, os astros, a magia, o xamanismo, a religião, o casamento, a arte, uma diversidade de aspectos que dinamizam o universo cultural primitivo para além do mito. Desde a infraestrutura inconsciente em sua dimensão mágica, até deparar-se com o presente no próprio cotidiano dos hábitos, ritos e gestos, o mundo ocidental descobriu o outro primitivo fora da moldura do bom selvagem criado pelos iluministas. Levi-Strauss ofereceu ao ocidente uma rara oportunidade de ver-se através do olhar do outro, ao contrastar o ponto de vista do pensamento civilizado com o ‘pensamento selvagem’, na expressão do etnólogo.
AULA 3 – DO INCONSCIENTE DESEJANTE À ESCRITA AUTOMÁTICA
As Borboletas, Vladimir Kush
O que significa a psicanálise?
A psicanálise é um ramo da Psicologia criado por Sigmund Freud cuja base fundamental é o processo de análise científica do universo psíquico, conforme o próprio termo assinala: ‘psicoanálise’.
No entanto, embora Freud seja o primeiro referencial da psicanálise, é o nome de Jacques Lacan que destacaremos aqui pela sua contribuição ao pensamento estrutural pelo seu interesse por Saussure e, principalmente, por seu encontro com Lévi-Strauss, ao tratarem do inconsciente como um universo estruturado simbolicamente, segundo as respectivas abordagens. Pretende-se aqui aproximar a psicanálise e a linguagem literária sob o método teórico estrutural.
Em seguida, veremos a aproximação de Jacques Lacan com a arte contemporânea, através daexploração do inconsciente pela linguagem poética surrealista pelo método Escritura automática, durante o início do século XX, juntamente à eclosão das manifestações e experimentações artísticas das Vanguardas Modernas na Europa.
Antes de Claude Lévi-Strauss destacar o mito como objeto de pesquisa sobre a dimensão inconsciente - em sua investigação sobre as culturas primitivas através das narrativas oralizadas -, foi Sigmund Freud quem primeiro utilizou a estrutura mítica para explicar o funcionamento do inconsciente, ao final do século XIX, paralelamente ao Curso de Linguística Geral de Saussure.
Sabemos que a psicanálise de Freud apropriou-se do mito clássico de Édipo, de Sófocles, para explicar e formalizar a estrutura do inconsciente que passou a ser visto a partir desse momento como a nova perspectiva do sujeito moderno.
A Psicanálise e o Estruturalismo em Lacan
Segundo Freud, quando o menino é separado do corpo da mãe - ao qual esteve unido desde a gestação - logo após o período de amamentação, passa a nutrir desejo por ela e a rivalizar com o pai, ao ser reprimido pela autoridade paterna que se coloca entre ele e a mãe. Inversamente, segundo ele, é a menina que nutre desejo pelo pai e passa a rivalizar com a mãe, para ser então reprimida pela autoridade materna.
Freud fundamentou o sujeito a partir deste paradoxo que, segundo ele, constitui a base do ser humano, marcado pela relação entre o desejo e sua repressão, a partir dos conceitos de princípio de prazer e princípio de realidade.
Para ele, o indivíduo é essencialmente regido por impulsos prazerosos e libidinosos, mas, ao crescer, ele passa a tomar consciência dos limites impostos pela autoridade social das leis e da moral que tentam controlá-lo e modulá-lo através das instituições sociais representadas desde a família, até a escola, a igreja, o trabalho, etc.
Em outras palavras, ao nascermos sob o princípio de prazer, logo somos reprimidos pelo princípio de realidade imposto pelas instituições sociais que operam na modulação da consciência do sujeito. Como afirma Terry Eagleton, sobre o complexo de Édipo, em seu capítulo sobre a psicanálise:
“Não se trata apenas de mais um complexo: ele é a estrutura das relações pelas quais chegamos a ser os homens e as mulheres que somos. É o ponto em que somos produzidos e constituídos como sujeitos, e um dos problemas que ele nos cria é o de ser sempre, de alguma forma, um mecanismo parcial e incompleto. Ele indica a transição do princípio de prazer e o princípio de realidade; do âmbito fechado da família para a sociedade em geral, já que passamos do incesto para as relações extrafamiliares; (...)” (EAGLETON, 2003, p. 216)
Assim, postergamos a felicidade ao sacrificarmos o prazer imediato em nome de uma sociedade equilibrada, igualitária e uma realidade ideal. Consequentemente, ao invés do bem-estar, estabilidade e felicidade prometidas, a impossibilidade de realização deste ‘ideal’ pode desencadear em nós a frustração, a insegurança, a instabilidade, a angústia, e em alguns casos isso se agrava até as depressões, neuroses, psicoses e esquizofrenias.
A investigação freudiana do inconsciente era feita por meio dos sonhos, das pulsões, dos instintos, atos falhos, lapsos, mas, sobretudo da oralidade, como parte determinante no tratamento psicanalítico.
A psicanálise freudiana utilizava a técnica da transferência, quando o paciente revelava o inconsciente por meio da fala, deixando de ser apenas uma teoria da mente humana para uma prática de tratamento psíquico.
Desse modo, a transferência assemelha-se a uma forma ficcional à medida que o paciente se projeta através da linguagem numa narrativa de si, ao passo que o analista faz a ‘leitura interpretativa’ da estrutura profunda e inconsciente revelada simbolicamente pela oralidade, numa tentativa de materializar o sujeito pela sua alteridade radical, ao mesmo tempo desejante e reprimida pela consciência.
Nós já vimos, inclusive, que esta valorização do inconsciente pela espessura fonológica da fala (oralidade) foi objeto das pesquisas de Saussure e, logo em seguida, apropriada por Lévi-Strauss ao investigar a estrutura inconsciente dos índios. Por sua vez, este também assumiu ter sido influenciado pelos estudos de Freud e seu método da transferência, segundo ele mesmo reconheceu em entrevista a François Dosse:
“Li na época, entre 1925 e 1930, tudo o que estava traduzido de Freud, que desempenhou, portanto, um importante papel na formação de meu pensamento”. In.: DOSSE, François. História do estruturalismo. São Paulo: Edusc, 2007. p. 164.
No entanto, foi Jacques Lacan quem estabeleceu a aproximação entre a psicanálise e o método estrutural, ao retomar Freud, Saussure e Lévi-Strauss, pois, quando falamos da influência de Lévi-Strauss em Lacan, ela se estabeleceu a partir do momento em que este se apropriou do método estrutural daquele, ao reconhecer que o inconsciente é regido pela função simbólica das trocas entre o eu e o outro.
“Pela simbiose que ele realiza com a obra levi-straussiana, Lacan também tem por ambição fazer participar os avanços da psicanálise no projeto antropológico global de reflexão sobre a sutura natureza/cultura. Daí a importante temática do Outro em Lacan, reflexão sobre a alteridade, sobre o que escapa à razão, sobre o lugar da falta, sobre a descentralização do desejo, sobre sua errância.” (DOSSE, 2007, p. 171-2)
Segundo François Dosse, ao apropriar-se de Lévi-Strauss, Lacan o faz na tentativa de estabelecê-lo como modelo de cientificidade para seu discurso psicanalítico, ao fundamentar a alteridade inconsciente do sujeito, pela simbiose entre a etnologia, a linguística e a psicanálise.
Além da base científica estrutural, é importante registrar o contato de Lacan com a arte de vanguarda. Esta aproximação ocorreu a partir de seus encontros com os surrealistas, ao interessar-se pela Escritura Automática, como meio de exploração simbólica do inconsciente. Segundo François Dosse, ao referir-se a Lacan em A história do estruturalismo, ele afirma que:
“(...), seu modo extremamente singular de escritura, o seu estilo, deve-se sobretudo ao interesse pelos meios surrealistas, por ele freqüentados com assiduidade. Amigo de René Cravel, relaciona-se com André Breton, saúda em Salvador Dalí uma renovação surrealista e, em 1939, passa a viver com a primeira mulher de (George) Bataille, Sylvia, com quem se casará em 1953.” (DOSSE, p. 140)
Contudo, ao aproximar-se da arte contemporânea surrealista, Lacan o faz embasado pela linguística moderna de Saussure e pela antropologia estrutural de Lévi-Strauss, que fundamentam o domínio do simbólico sobre o inconsciente.
Do Significante Lacaniano à Escritura Automática Surrealista
“Creio na resolução futura desses dois estados, aparentemente tão contraditórios, tais sejam o sonho e a realidade, em uma espécie de realidade absoluta, de super-realidade se assim se pode chamar.” André Breton
A psicanálise de Jacques Lacan é marcada pelo retorno ao estado pré-edipiano da formação do sujeito. Ao considerar que no complexo edipiano a identidade da criança é constituída pela família, pela diferença sexual, pela exclusão, pela ausência e pela autoridade confrontada, Lacan diz que é durante esta fase que a criança passa a ter contato com a linguagem, ao expressar o seu desejo através de imagens ou signos referenciais.
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a linguagem expressa substitui o objeto a que a criança se refere, ela só o faz no momento em que percebe a ausência deste mesmo objeto, considerando que só é possível desejarmos aquilo que nos falta.
Enquanto para Freud o inconsciente era mensurado pela repressão da libido por parte das instituições sociais, para Lacan a estrutura inconsciente evidenciou-se pelo desejo e ausência, sob a dimensão social da linguagem, ou seja, a partir do desejo afirmativo do inconsciente a linguagem se torna sua representação simbólica, ao cumprir a função de representar o objeto que falta.
“Ao ganhar acesso à linguagem, a criança pequena inconscientementeaprende que um signo só tem significação porque se difere de outros signos, e aprende também que o signo pressupõe a ausência do objeto que significa.” (EAGLETON, 2003, p. 229)
Segundo Lacan, esta representação simbólica constitui-se como uma cadeia de significantes que ordena o pensamento pré-consciente. Durante esta fase, o pensamento é estruturado por signos imagéticos, o que já constitui propriamente uma linguagem.
Podemos citar os sonhos e os pesadelos como reflexos do funcionamento deste universo simbólico. Após esta fase, o pensamento da criança passa a ser estruturado pela linguagem falada e em seguida pela escrita, quando ela passa a inscrever-se como signo ao manifestar-se através da linguagem propriamente social.
Para Jacques Lacan, o lugar do sujeito deixa de ser apenas um receptáculo social da consciência reativa e reprimida de Freud para ser marcado pela dimensão inconsciente das trocas simbólicas com o outro, ou seja, é um novo sujeito moderno marcado pelo signo afirmativo do desejo e designado pelo outro como um significante e não mais como um sujeito que expressa sua subjetividade.
Isso quer dizer que o sujeito é visto como um significante pelos outros sujeitos (também significantes), o que afirma a preponderância deste sistema de significantes da linguagem sobre nossa estrutura inconsciente profunda, pois, se perguntamos ‘quem é aquele’ (sujeito)? Ele será imediatamente designado por um significante, seja pelo nome próprio ou sobrenome, seja por apelido ou profissão, cidade natal, por uma característica diferencial, como ‘o José’, ‘o Assis’, ‘o Zé’, ‘o bombeiro’, ‘o Pará’, ‘aquele do chapéu’, ‘aquele de óculos’, ‘aquele de bigode’, e não por um traço da subjetividade.
Se para Lacan o sujeito é um signo, ele não  é no sentido de Saussure, como um signo puramente linguístico, e sim como um signo desejante e dinâmico, na forma de um ‘significante desejante’ que se retira constantemente para dar lugar a outros significantes que demandam sua existência enquanto sujeito. Para ele, o sujeito moderno cartesiano é descentralizado (de sua razão e autossuficiência) pelo desejo, e passa a ser reconhecido somente a partir de sua relação com o outro – conceito apropriado de Lévi-Strauss -, para o qual o inconsciente era o lugar social das trocas simbólicas com o outro.
Sendo que a dimensão real, segundo ele, é inapreensível pelo simbólico da linguagem e está para além do desejo. Ele considera que o real é a dimensão que está sempre a escapar, seja da razão, da forma ou de qualquer definição, e pode ser exemplificada pelo gozo, como sendo algo que só é possível atingir pela troca com o outro.
Em termos literários, esta aproximação do inconsciente como espaço imaginário e desejante das trocas com o outro pode ser exemplificada pelo poema de Stéphane Mallarmé, Um lance de dados (Um coup de dês), ainda no século XIX, e mais tarde pela eclosão do surrealismo e sua Escritura automática, no início do século XX.
Em Um lance de dados, Mallarmé subverteu tanto a forma tradicional versificada e lírica, quanto o modo de leitura contemplativa da obra, ao transpor seu objeto para a própria linguagem literária e exigir do leitor algo além da mera contemplação do objeto.
Ao privilegiar a materialidade dos signos na espacialidade da página, focalizou-se a linguagem segundo suas formas tipográficas e a sintaxe espacial do texto, ao desvalorizar a versificação, a métrica, a rima, e consequentemente delegar ao leitor a produção do sentido ou da significação ao acaso da leitura participante, e em detrimento da figura (ex) dominante do sujeito autor.
Segundo ele, o texto literário se assemelha tal e qual a um jogo de dados que está sempre a revelar ao acaso o resultado numérico final. Assim, a significação de um texto literário só será possível a partir da efetiva ressignificação dos signos pelo leitor, como se o texto fosse um jogo que se joga com palavras. Em outras palavras, é preciso que o leitor jogue com os signos até extrair um sentido que, por sua vez, jamais permanecerá, pelo fato de escapar - tal e qual o real lacaniano - a qualquer atribuição definitiva.
Num jogo de dados, embora os números sejam sempre os mesmos, jamais saberemos de antemão qual será a combinação numérica ao lançarmos os dados, assim como o próprio título Um lance de dados e seu epíteto ‘jamais abolirá o acaso’ apontam metaforicamente o valor lúdico de ‘jogarmos’ com o significado dos mesmos significantes no texto poético.
É como se o pensamento funcionasse deste modo, sempre ‘jogando ao acaso’ com os signos que o estruturam em inconstante estabilidade, ao produzir a significação variável e contingente.
Entretanto, muito embora o inconsciente seja a manifestação natural dos nossos impulsos, instintos, desejos, lapsos de memória, atos falhos e sonhos, sua realidade só foi ‘aceita e reconhecida’ pela comunidade científica a partir do momento em que Freud o ‘descobriu’, através de suas pesquisas.
No início do século XX, após a ‘descoberta’ de Freud, alguns artistas de vanguarda criaram seus manifestos literários e romperam absolutamente com os modelos institucionais. O que eram as vanguardas e o que elas pretendiam?
O termo vanguarda vem da expressão francesa ‘avant garde’ (contrária à expressão ‘arret garde’, em português ‘retaguarda’ ou o que vem atrás) e significa aquele destacamento de soldados que vêm ‘à frente’ de todos os outros.
O termo foi apropriado pelos artistas devido à atmosfera bélica daquele período, já que muitos deles lutaram ou foram vítimas das batalhas e guerras, seja da Primeira Grande Guerra ou da Revolução Russa.
Os artistas de vanguarda inauguravam o espírito moderno e revolucionário do século XX e propunham a revolução social e cultural através da revolução artística. Este ímpeto revolucionário cultivava a fusão das linguagens estéticas e a livre experimentação técnica e formal, além da oposição radical e da crítica bem humorada ao academicismo, à mentalidade materialista e utilitarista do homem civilizado na era industrial moderna.
Eram as Vanguardas Europeias do início do século XX, e as de maior impacto foram: o expressionismo, o cubismo, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo. 
A arte de vanguarda do início do século XX colocava em xeque a lógica industrial da modernidade, diante da Primeira Guerra Mundial em 1914 e da Revolução Russa de 1917, quando os artistas e intelectuais romperam com as instituições acadêmicas e os modelos ortodoxos, que já estavam bastante desgastados e impertinentes diante daquela realidade bélica, sinalizando a crise do homem civilizado em meio aos avanços científicos e tecnológicos da sociedade moderna industrial.
Os artistas valorizavam a liberdade de experimentação técnica, pela valorização da realidade fantástica, onírica e maravilhosa do espírito imaginário e sonhador, pelo retorno ao ludismo da infância. Enfim, pretendiam expandir a consciência tão limitada pelo objetivismo ordinário da vida moderna através da arte, além do uso de entorpecentes e do misticismo como meio de transcendência.
No Brasil, sabemos que as vanguardas foram determinantes para o nosso modernismo, quando Mário de Andrade, afirmou, inclusive, que sua obra prima Macunaíma foi escrita sob a experimentação do método automático surrealista, além de subverter a sintaxe e a linearidade narrativa pela fragmentação e valorização do elemento lúdico, mítico e maravilhoso. Além dele, muitos outros artistas absorveram o espírito radical surrealista, como o poeta Murilo Mendes.
AULA 4 – LINGUAGEM E DISCURSO, PRAZER E PODER
Análise Estrutural e Semiológica em Roland Barthes
“A literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é precioso. Por um lado, ele permite designar saberes possíveis – insuspeitos, irrealizados: a literatura trabalha nos interstícios da ciência.” Roland Barthes
Hora da Revisão
Vimos anteriormente que o método estrutural consiste em identificar as partes que integram e compõem a estrutura do texto literárioenquanto um sistema, ao reconhecer seus níveis, suas relações e condições de funcionamento.
Vimos também que não há um modelo canônico de análise estrutural estabelecido, uma vez que, ao levantar os elementos estruturais e a lógica de funcionamento de um texto, busca-se revelar não apenas seus elementos invariantes, mas seus desvios e possibilidades significativas que variam segundo as múltiplas abordagens e leituras.
Sabemos que a análise estrutural das narrativas iniciou-se com a linguística de Truzbetskoy, Saussure e Jakobson, ao fornecer as bases para Vladimir Propp identificar as esferas nucleares de ação dos contos fantásticos russos para em seguida influenciar o método de Levi-Strauss em seus estudos etnográficos sobre as narrativas primitivas.
Em Roland Barthes, a análise estrutural da narrativa1 ultrapassou o nível da linguagem e atingiu o nível do discurso, ao objetar-se para além da estrutura linguística e funcional, e almejar a estruturação do enunciado e da enunciação do texto. Para ele, a compreensão de um texto evidencia-se pelos níveis funcionais das ações que determinam o curso da narração, e não apenas pela linearidade e encadeamento dos episódios, segundo uma progressão sequencial.     
1 Em seu texto Introdução à análise estrutural da narrativa, Barthes estabeleceu uma espécie de desenvolvimento da ciência ou teoria das narrativas, cujo método apresentado por ele sintetizou praticamente todos os analistas da narratologia, desde os formalistas até A. J. Greimas, Emile Bienveniste, Claude Brémond, Tzvetan Todorov e Gérard Genette. O delineamento deste conteúdo está presente na apostila impressa, em capítulo integral retirado do livro Análise estrutural da narrativa. (BARTHES, Roland et alii. Análise estrutural da narrativa. 6.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009).
Mas que níveis são estes?
Segundo o professor Orlando Pires, o método de análise literária de Roland Barthes divide-se em duas abordagens: a análise estrutural e a análise textual. A análise estrutural de Barthes tem por meta caracterizar a estrutura do texto a partir do estabelecimento de uma espécie de gramática estrutural da narrativa, ao identificar simultaneamente dois nivelamentos: o formal, ao destacar os aspectos fonológico, morfológico e fraseológico no texto, e o funcional, ao destacar o nivelamento das funções, ações e da própria narração.
Após estabelecer os referidos níveis formais, passamos aos funcionais, tornando necessário distinguir se as funções são distributivas ou integrativas, ao considerar que as distributivas se dividem em núcleos e catálises, enquanto que as integrativas se dividem em índices e informes. Segundo Pires, a partir da leitura do texto Introdução à análise estrutural da narrativa, de Barthes, tais categorias podem ser definidas como... (VER MATERIAL ADICIONAL - AULA 4 SLIDE 5)
“Compreender uma narrativa não é somente seguir o esvaziamento da história, é também reconhecer nela ‘estágios’, projetar os encadeamentos, horizontais do ‘fio’ narrativo sobre um eixo implicitamente vertical; ler (escutar) uma narrativa não é somente passar de uma palavra a outra, é também passar de um nível a outro.” (BARTHES, 1972, p. 26)
Em seguida, verificamos que os índices pertencem ao campo da significação, e funcionam como elementos ‘indicadores’ da personagem ou do ambiente, como uma significação a ser preenchida pelo leitor. Já os informes são dados objetivos, diretos e imediatos das personagens, como informações fornecidas prontamente ao leitor.
Vejamos como modelo, este parágrafo da narrativa A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa In.: ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. (p. 32-7)
“Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.” (ROSA, 1969, p. 33)
O núcleo está na ação “Nosso pai não voltou”, e a catálise em “Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, nunca mais.” 
O índice está em “A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia.” Enquanto o informe está em “Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.” 
Logo, mais do que um método literário, a consciência estrutural implica em distinguir em um texto literário - seja em uma frase, um parágrafo ou em um capítulo - o que é determinante e o que é complementar, o que é nuclear e o que é adjacente.
A diferença é que o método de Barthes propõe a passagem da análise estrutural para a análise textual, que pode igualmente ser chamada de análise semiológica, ao colocarmos os signos em sua perspectiva social, ou seja, ao explorar o texto como espaço das trocas inconscientes. 
Pois é justamente pela natureza simbólica do texto, e por ser o texto um sistema coerente de signos linguísticos, é que Barthes propõe a criação de novos códigos e modelos de análise da linguagem literária, ao considerar que o texto enquanto sistema possui uma inteligibilidade autônoma, própria, conforme a pluralidade de significações que podem ser veiculadas pela própria escritura.
E quais seriam estes códigos?
Novamente segundo Orlando Pires, Barthes propõe em sua análise textual a investigação de sua estruturação e não de sua estrutura, ou seja, ao considerar a narrativa enquanto um texto gerador de sentidos, sem se afastar do texto significante. 
Assim, Barthes estabelece o modo pelo qual um texto pode ser desconstituído em sua pluralidade de sentidos ao dividir o texto em lexias (unidades de leitura, como uma frase ou trecho de frase, pequeno grupo de frases ou até mesmo uma palavra) e em seguida reorganizá-lo segundo os códigos (campos associativos) possíveis. 
PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica literária. Rio de Janeiro: Presença, 1985. (p. 169-170)
Contudo, este foi o limite que Barthes transpôs e que determinou a transição do Estruturalismo para o Pós-Estruturalismo, ao passar da obra ao texto, da estrutura à estruturação, da linguagem ao discurso, ou seja, da matéria lingüística para a espessura semiológica do texto literário: este campo das trocas sociais, das críticas, das diferenças, das utopias e do prazer.
Em seu livro Aula, Barthes explica esta transição da linguagem para o discurso, ou seja, da estrutura para o texto, como uma ruptura com a lingüística operada pela sua semiologia:
“Por seus conceitos operatórios, a semiologia, que se pode definir canonicamente como a ciência dos signos, saiu da lingüística (...). Em resumo, quer por excesso de ascese, quer por excesso de fome, escanifrada ou empanzinada, a lingüística se desconstrói. É essa desconstrução da lingüística que chamo, quando a mim, semiologia.” (BARTHES, 2008, p. 30)
É possível rastreá-lo? Que espaço ou lugar ele ocupa? Mas o que é o leitor?
Segundo Roland Barthes, em O prazer do texto, o leitor é um espaço impalpável, intangível e indecifrável, é a ficção de um indivíduo estranho, contraditório e misteriosamente humano, além de ser um espaço crítico irredutível e impessoal. Ele trafega no texto ao nível orgânico do desejo e da sensibilidade, pois, como ele próprio diz “o desejo é mais forte que sua interpretação”. Seja o desejo por aquilo que falta, ou talvez, o desejo de ser surpreendido.
O Texto, o Leitor e o Prazer 
“A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa.” Roland Barthes
A análise textual e semiológica de Barthes concentra-se inicialmente em seus dois ensaios A morte do autor e Da obra ao texto, quando ele desarticula a concepção tradicional da literatura ao desconstruir os conceitos de autor e obra, privilegiando, respectivamente, o leitor e o texto literário, a leitura e a escritura. (In.: BARTHES, Roland. O rumor da língua.São Paulo: Martins Fontes, 2004.)
Para ele o conceito de autor é oriundo de uma lógica cartesiana e uma psicologia romântica, onde a realidade gira e é produzida em torno do Eu. Assim, a literatura ficou restrita a uma origem pessoal e intransferível da figura do sujeito autor que prevalece sobre a obra como se esta fosse somente possível de ser ‘explicada’ pela sua existência.
Ou ainda, como se a obra fosse uma projeção da interioridade e experiência pessoal do autor, sendo este, então, o revelador de suas confidências.
Barthes demonstra que o domínio do autor sobre o texto é fruto de nossa sociedade moderna, já que, segundo ele, mesmo nas sociedades primitivas, as narrativas míticas jamais estiveram atreladas a uma pessoa, a uma autoralidade humana, mas pertenceram à tribo, e jamais foram assumidas “por uma pessoa, mas por um mediador, xamã ou recitante, de quem, a rigor, se pode admirar a ‘performance’ (isto é, o domínio do código narrativo), mas nunca o ‘gênio’.” (Ibidem, p. 58.)
“O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida por nossa sociedade na medida em que, ao sair da Idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal na Reforma, ela descobriu o prestígio do indivíduo ou, como se diz mais nobremente, da ‘pessoa humana’. 
Então é a lógica que, em matéria de literatura, seja o positivismo, resumo e ponto de chegada da ideologia capitalista, que tenha concedido a maior importância à ‘pessoa’ do autor.” (BARTHES, 2004, p. 58)  
Neste ensaio, Barthes afirma que a moderna poesia ocidental teve seu marco determinante com Mallarmé no poema Um lance de dados, quando o poeta francês desumanizou o foco literário e o transferiu para a linguagem, ao revelar o texto em sua espacialidade dinâmica, lúdica, dos significantes na página em branco, e exigir a intervenção do leitor sobre a escritura.
Em seguida, no mesmo ensaio, ele cita o Surrealismo e a Escritura automática como sendo outra ‘sacudida’ no império do autor, já que a escrita automática derrubava a consciência racional ao mesmo tempo em que revelava outra esfera do pensamento, anterior à razão e à lógica, como a manifestação de nossa realidade inconsciente materializada através da linguagem.
Com estas demonstrações, Barthes ressaltou que é a escritura que deve ser valorizada na dinâmica literária, e não o autor, já que este desaparece no próprio ato literário, pois quando começa a escrever ocorre um ato de desligamento com toda a origem pessoal, social, afetiva ou histórica do autor.
Isto significa que o texto literário jamais é uma confissão, mas sim uma ficção impessoal, uma criação produzida segundo certa linguagem estilizada de modo que esta escritura, esta matéria verbal, comunique-se com outros leitores segundo a marca de sua humanidade impessoal, ao permitir ser relida, recriada e ressignificada múltiplas vezes, em diversos momentos, por diversas pessoas, em diversos lugares da cultura.  
“O Surrealismo, finalmente, para nos atermos a essa pré-história da modernidade, não podia, sem dúvida, atribuir à linguagem um lugar soberano, na medida em que a linguagem é sistema, e aquilo que se tinha em mira nesse movimento era, romanticamente, uma subversão direta dos códigos – aliás ilusória, pois um código não se pode destruir, pode-se apenas ‘jogar’ com ele; mas, recomendando sempre frustrar bruscamente os sentidos esperados (era a famosa ‘sacudida’ surrealista), confiando à mão o cuidado de escrever tão depressa quanto possível aquilo que a cabeça mais ignora (era escritura automática), aceitando o princípio e a experiência de uma escritura descritiva, o Surrealismo contribuiu para dessacralizar a figura do Autor.” (Ibidem, p. 60)
Logo, para Barthes, se de um lado desconstrói-se a individualidade e humanidade do sujeito autor, por outro se desconstrói a convenção reducionista do conceito de obra, ao referir-se ao livro, ao texto, ou à escritura. Se o autor é um sujeito, uma razão, ou um discurso, então ele é um domínio, um poder, uma anterioridade, ou até mesmo um lugar ideológico. Ou seja, ele é um lugar determinado por sua discursividade, sua sociedade, sua história, sua consciência, suas ações e demandas. Barthes conclui que o autor é apenas aquele que escreve e diz ‘eu’, uma vez que a linguagem conhece ‘um sujeito’, um pronome, mas não uma pessoa.
De modo semelhante, o conceito de obra tornou-se bastante reducionista à medida que a obra é sempre concebida como um produto acabado, pronto para o consumo, ou como um objeto que está na prateleira da estante, seja da livraria, biblioteca ou da própria casa. Em suma, tal como o conceito de autor, a obra é reduzida a uma mera função social.
Em contrapartida, para Barthes, a literatura deixa de ser ‘obra’ quando é lida, percorrida, explorada, comparada e ressignificada em sua multiplicidade, diversidade e expansão de significações. Sejam pelas referências, citações, paródias, ecos e intertextualidades, ou pelos ruídos, sons, silêncios, cores, luzes, temperaturas e vozes, entre substâncias heterogêneas, entre planos que se revezam ou superpõem-se, o texto é esse espaço aberto, dinâmico, irredutível e não computável. É isto que sua análise textual e semiológica propõe: sair do nível da linguagem para o do discurso.
Segundo Barthes, o texto é plural, é um campo de signos aberto às trocas sociais, ou seja, é esse grau zero, esse espaço neutro onde giram os saberes e sujeitos, onde prevalece este sistema de signos operados em rede, e deve ser trazido à tona pela sua tessitura constituída de múltiplas dimensões, pela irredutível permeabilidade de seu tecido, pela multiplicidade de camadas que se interpenetram e compõem sua escritura.  
Deste modo, ao afastar o autor de sua imperiosa posição de origem, de seu status de sujeito dominante na literatura, Barthes substitui a relação consagrada entre o autor e a obra por uma nova perspectiva, na abertura de um novo espaço configurado pela relação entre o texto e o leitor.
“Assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um mesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito.” (Ibidem, p. 64)  
E Mais...
Para Barthes, a literatura é - pelo prazer e subversão do código linguístico - um lugar fora do poder1, e por isso utópica. Enquanto a linguagem é um topos, a literatura faz girar seus limites, e torna-se esse espaço aberto, múltiplo, intangível, impossível, incomputável, incapturável e, contudo, social.
1 “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura.” In.: BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2008.
A escritura literária é um modo de desarticulação do poder, por se inscrever à margem dos discursos instituídos na linguagem, por fora dos lugares consagrados, ao ecoar nas brechas, fendas e interstícios do poder, seja ele oriundo da gramática, da ciência, da religião ou da ideologia.
Seja como uma espécie de jogo erótico que se estabelece com o texto, que se deixa entrever, sem revelar-se inteiramente, ao jogar com o desejo do leitor em ir até o fim, pelo que falta e jamais é preenchido.
Além disso, a literatura é considerada utópica por alojar-se entre a linguagem cotidiana e a linguagem estilística, dentro da perspectiva semiológica que envolve o psíquico e o social através do signo e da lógica das formas no espaço, quando Barthes retomou Saussure.Ao afirmar que a literatura deve ser vista sob a perspectiva da busca pelo prazer e gozo, pelo desejo daquilo que falta, da troca com o outro no espaço do texto, ele apropria-se do pensamento de Lacan, quando a utopia da linguagem está no ato de desejar justamente esse espaço real e impossível.
Logo, o prazer do ato literário é uma necessidade, uma ética, e está presente tanto no impulso desejante da escritura quanto no ato da leitura, ao considerar o desejo como marca deste novo sujeito leitor (mais uma vez sob a influência de Lacan), enfim, daquele que busca na leitura uma experiência vivencial movida pelo prazer e gozo. Para Barthes,
“Esse homem seria a abjeção de nossa sociedade: os tribunais, a escola, o asilo, a conversação, convertê-lo-iam em um estrangeiro: quem suporta sem nenhuma vergonha a contradição? Ora este contra-herói existe: é o leitor de texto; no momento em que se entrega a seu prazer.” (BARTHES, 2002, p. 8)
Contudo, enquanto o estruturalismo criou uma espécie de sintaxe funcional (ou gramática das narrativas) ao sistematizar os elementos formais e estruturais para além das ações e funções que compõem a matriz narrativa, até o nível profundo da linguagem social e inconsciente, Barthes foi ainda mais adiante, ao analisar o texto literário em sua dimensão semiótica e semiológica, segundo o desejo e o prazer que só a literatura pode proporcionar ao leitor.
AULA 5 – DA RECEPÇÃO AO EFEITO ESTÉTICO
A Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss
“A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com seu efeito estético, isto é, na compreensão fruidora e na fruição compreensiva.” Hans Robert Jauss
A Estética da Recepção foi uma corrente literária de origem alemã, criada por Hans Robert Jauss e que teve sua linhagem prolongada mais tarde pela Teoria do efeito estético, por Wolfgang Iser e Hans Gumbrecht.
Origem da corrente literária
Inicialmente, a Estética da Recepção surgiu como uma reação à perspectiva impressionista focada no autor e à escola semiológica francesa na literatura, representada por Roland Barthes.
O manifesto de Hans Robert Jauss
Entretanto, foi através de um manifesto intitulado A história literária como desafio à ciência literária, de Hans Robert Jauss, que se evidenciou sua focalização hermenêutica, onde se privilegiou a importância do domínio histórico e social na interpretação do texto literário pelo receptor ou leitor.
A Teoria da Recepção
A Teoria da Recepção se estabeleceu pela investigação das possibilidades interpretativas do leitor sobre o fato literário, ao delimitar os sentidos despertados pelo texto literário segundo uma verificação hermenêutica, situada entre o horizonte das leituras de um passado histórico em relação às leituras do presente.
Metodologia da teoria
Esta teoria estabeleceu como metodologia eliminar a valorização humanista do autor sobre o fato literário com o propósito investigativo de rastrear de que modo a herança cultural (histórica e social) do leitor poderia influenciar em sua expectativa e interpretação, além do efeito estético provocado pela obra.
Vejamos a definição de Iser:
“A estética da recepção comporta uma distinção básica entre um estudo da recepção propriamente dita e uma análise do chamado efeito ou impacto que um texto pode provocar. Estas duas perspectivas correspondem a aspectos diferentes de um mesmo problema. A recepção diz respeito ao modo como os textos têm sido lidos e assimilados nos vários contextos históricos. Procurando mapear as atitudes que determinaram certo modo de compreensão dos textos numa situação histórica específica, o estudo da recepção depende, de forma quase exclusiva, das evidências disponíveis.
A perspectiva recepcional visa, portanto, a identificar claramente as condições históricas que moldaram a atitude do receptor num dado período da história, numa determinada circunstância à qual juízos sobre literatura foram transmitidos. Assim, o objetivo primordial deste tipo de estudo consiste na reconstrução das condições históricas responsáveis pelas reações que a literatura, tomada em seu sentido amplo, podia provocar.” (ROCHA, 1999, p. 2)
Ao romper com a visão tradicional da produção e representação da obra literária, a Estética da Recepção instaurou um novo momento na literatura moderna, ao estabelecer a literatura enquanto um sistema triádico entre: a produção (o autor), a recepção (o leitor) e a comunicação (a obra).
Consequentemente, a literatura passou a ser vista sob uma dupla perspectiva em seu ato de leitura, considerado pela dimensão da obra, e pela projeção de um leitor como produto de sua sociedade.
A Estética da Recepção reconheceu que a obra não admitia mais o caráter tradicional de monumentalidade absoluta, mas concebia o texto literário como um sistema em que se constituem diversas intencionalidades interpretativas, de modo que os signos despertem e possibilitem uma consciência do leitor determinada pela sua focalização crítica, dentro da relação dinâmica entre autor, obra e leitor.
Entretanto, a Estética da Recepção, como o próprio termo ‘recepção’ sugeriu, privilegiou o leitor como objeto de sua teoria literária hermenêutica, ao recusar a figura autoral de origem humanista e impressionista - onde só era possível colher impressões subjetivas sobre o fato literário, e, por isso, foi denominada como crítica ‘impressionista’ -, e por considerar que este método se aplicava a partir de três momentos1, que seriam:
A leitura imediata que visa à assimilação espontânea e compreensão inicial.
A leitura reflexiva que visa à mediação e interpretação retrospectiva.
A leitura investigativa que visa à pesquisa do horizonte histórico, desde a gênese até o efeito da obra no leitor, ao confrontar, analisar e aplicar os horizontes do passado e presente, além de todas as outras interpretações possíveis.
1 Confira as palavras de Jauss sobre o método se aplicava a partir desses três momentos.
"Tentarei separar metodicamente, em três etapas de interpretação, aquilo que normalmente não é distinguido na prática de interpretação tanto filológica quanto de análise de texto. Enquanto nestas se fundem imediatamente a compreensão e a interpretação, a assimilação espontânea e a interpretação refletida de um texto literário, no decorrer da interpretação, proponho aqui destacar os horizontes de uma primeira leitura de percepção estética de uma segunda leitura de interpretação retrospectiva. A estas seguirá uma terceira leitura, a histórica, que inicia com a reconstrução do horizonte de expectativa, (...), e que depois acompanhará a história de sua recepção ou ‘leituras’ até a mais recente, a do autor.” (LIMA, 1983, p. 305)
Desse modo, o sistema metodológico de Jauss propôs o fato literário como um objeto constituído tanto por uma visão formal do texto literário, quanto pela sua visão de uma consciência legitimada como resposta à expectativa do leitor. A metodologia da Estética da Recepção fundamentou sua aplicação a partir de dois conceitos: Tema e Horizonte.
O Tema é a ideia central ou unidade lógica que constitui a consciência do texto literário e que estará sempre emoldurado por um Horizonte, implicando na apreensão de uma localização ou visibilidade possível, sempre condicionado ao processo hermenêutico do observador, que o tornará pertinente e visível na medida em que o insere dentro de um contexto, assim chamado Horizonte.
Evidentemente que todo Horizonte é, antes de qualquer apreensão, uma delimitação temporal, ou seja, uma colocação do Tema em uma perspectiva histórica. Porém, se o desejo do leitor for uma investigação histórica do objeto literário, é o tempo que se constituirá como Tema da obra em foco.
Entretanto, tais conceitos (Tema e Horizonte) tornam-se dinâmicos e variáveis por fundirem as etapas da leitura (compreensão e interpretação) como atos complementares, como acena Jauss em seu ensaio O texto poético na mudança de horizonte da leitura1.
1 “Por isso, separar a interpretação reflexiva da compreensão perceptiva de um texto poético nãoé tão artificial como parecia inicialmente. Isto se torna possível por meio da estrutura manifesta do horizonte de experiência advinda da leitura. Cada leitor conhece a experiência que muitas vezes o significado de um poema se torna claro apenas numa segunda leitura, após retornar do final ao início do texto. Num caso destes, a experiência da primeira leitura torna-se o horizonte da segunda leitura: aquilo que o leitor assimilou no horizonte progressivo da percepção estética torna-se tematizável no horizonte retrospectivo da interpretação.” (Ibidem, p. 309) 
In.: LIMA, Luiz Costa. Teoria da Literatura em suas fontes (vol. 2). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, P. 309.
Desse modo, percebe-se que a recepção da obra implica em uma relação dialógica entre o leitor e a obra, o que proporcionará no leitor um Horizonte de expectativa e uma resposta, ao fundir o horizonte da interpretação (presente) com o horizonte referido na obra (passado), legitimando-o como um quadro de referências dadas e experiências transformadas em significados a partir do diálogo com tal quadro.
Em suma, a efetiva leitura de um texto literário ocorre pela fusão do horizonte contido no texto com o horizonte proporcionado no leitor, durante o ato de leitura.
Segundo este método, se o horizonte de expectativa pode ser medido e localizado pelo público receptor sob uma perspectiva histórica, resta saber de que maneira é possível horizontalizar tal público historicamente sem que se leve em consideração a diversidade entre os sujeitos que compõem determinado público, seja ela pela experiência familiar, econômica, social, cultural, ou pelo seu desejo, segundo considerou Roland Barthes, por exemplo.
Portanto, segundo a Estética da Recepção, o ato literário apresenta-se como uma via de mão dupla, onde se buscou rastrear simultaneamente o horizonte histórico em que tal obra se insere, e a recepção desta obra pelo leitor, enfim, pela expectativa gerada da obra sobre o leitor, e pela resposta projetada do leitor sobre a obra, ou ainda, quais os efeitos que ela provoca, e que objeto é recriado pelo receptor desde o contexto histórico à experiência acumulada pelo expectador.
“Interpretar um texto literário como uma resposta deveria incluir as duas coisas: sua resposta a expectativas formais, como a tradição literária as determinava antes do surgimento do referido texto, e a resposta a questões de significado como poderiam ter surgido no mundo histórico dos primeiros leitores. Contudo, a reconstrução do horizonte de expectativa original recairia no historicismo, se a interpretação histórica não pudesse servir também para transformar a pergunta: ‘o que diz o texto?’ em ‘o que o texto me diz e o que eu digo sobre o texto?’.”(Ibidem, 312-13)
Do Efeito Estético de Wolfgang Iser às Comunidades Interpretativas de Stanley Fish
“A interpretação não é a arte de entender, mas sim a arte de construir.” Stanley Fish
Mesmo dentro de uma determinada sociedade e tempo histórico, uma obra pode ser lida e compreendida de diversas maneiras, uma vez que os leitores possuem suas próprias experiências, expectativas, anseios e imaginações.
Logo, ao considerar a efetiva participação do leitor como elemento recriador de novos sentidos sobre a obra em foco, surge então este impasse, que será determinante para a transição entre a Teoria (ou Estética) da Recepção e a Teoria do Efeito.
Embora as duas correntes estejam interligadas, uma vez que a Teoria da recepção mantém seu eixo sobre o leitor e a Teoria do Efeito o mantém sobre o texto, como seria possível emergir sobre o texto literário uma nova interpretação alheia à dimensão social e histórica, à herança cultural e à experiência empírica?
Ao perceber tal impasse, na medida em que a análise da recepção ficou comprometida pelo lastro histórico, houve então a necessidade de deslocamento de foco do leitor para o texto, ou seja, da recepção para o efeito estético da obra sobre o leitor, considerando este como o ponto de transição entre as duas supracitadas teorias, da recepção e do efeito estético, dentro da relação dialética entre ambas. Segundo Jauss e Iser:
“(...): para a análise da experiência do leitor ou da ‘sociedade de leitores’ de um tempo histórico determinado, necessita-se diferençar, colocar e estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto leitor. Ou seja, entre o efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção, como o momento condicionado pelo destinatário, para a concretização do sentido como duplo horizonte – o interno ao literário, implicado pela obra, e o mundivivencial (lebensweltlich), trazido pelo leitor de uma determinada sociedade. Isso é necessário a fim de se discernir como a expectativa e a experiência se encadeiam e para se saber se, nisso, se produz um momento de nova significação. No entanto, o estabelecimento do horizonte de expectativa interna ao texto é menos problemático, pois derivável do próprio texto, do que do horizonte de expectativa social, que não é tematizado como contexto de um mundo histórico.” (JAUSS, 1979, P. 72)
“Entretanto, o que tinha apenas uma relevância secundária na perspectiva da recepção adquire importância crucial no tocante ao efeito estético e às reações potenciais que este efeito é capaz de suscitar nos leitores. Daí a necessidade de se analisar o efeito estético como relação dialética entre texto e leitor, uma interação que ocorre entre ambos. Tem sido utilizado o termo ‘efeito estético’ porque, ainda que se trate de um fenômeno desencadeado pelo texto, a imaginação do leitor é acionada, para dar vida ao que o texto apresenta, reagir aos estímulos recebidos. (...) Neste sentido, uma teoria do efeito estético (theory of aesthetic response) é complementar a uma estética da recepção (aesthetics of reception), e ambas as vertentes conjugadas correspondem à realização plena do reader-response criticism. Se o estudo da literatura provém do nosso interesse por textos, não se pode negar a importância do que sucede a nós, leitores, no próprio ato de leitura desses textos. Por isso, a obra literária não deve ser considerada um registro documental de algo que existe ou já existiu, mas antes uma reformulação de uma realidade identificável, reformulação que introduz algo que não existia antes. Na melhor das hipóteses, a obra de arte seria uma realidade virtual.” (ROCHA, 1999, P. 20-21)
Diante deste quadro, Wofgang Iser propôs tal deslocamento de focalização, afirmando que a Teoria da Recepção de Jauss era complementada pela Teoria do efeito estético, ao considerar que a obra literária é em si uma realidade virtual que se constitui pelo efeito estético/crítico provocado no imaginário do leitor durante o ato da leitura. Em outras palavras, por mais que se tente imprimir uma delimitação sobre a interpretação do texto literário, a fim de evitar o abstracionismo impressionista da crítica, o ato de leitura ficcional sempre dependerá da subjetividade imaginária do leitor e das relações públicas que ele tece na experiência cotidiana e ao longo de sua existência.
No entanto, em função desta evidência, e embora Iser tenha plena consciência da importância social e histórica como horizonte de recepção, ele optou por privilegiar o aspecto estético da obra, deslocando o foco do leitor e seu horizonte histórico social como elemento determinante da interpretação e análise literária, para a o efeito estético produzido pela obra no seu imaginário.
Contudo, ainda na mesma linha, o crítico americano Stanley Fish1 vai mais além do que Iser, ao admitir que a interpretação não deve ser focalizada somente a partir da bagagem social ou da anterioridade histórica do leitor, tampouco alinhar os efeitos que o texto nos proporciona de um modo determinante, homogêneo ou estratificado.
1 Segundo Stanley Fish, em seu texto Como reconhecer um poema ao vê-lo, a interpretação é uma operação de construção do objeto a partir de estratégias interpretativas, em que somos também inseridos e reconstruídos permanentemente: “A conclusão a que chegamos,

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