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Teoria e Prát~(a F.~'••,'-""" -- ~.. 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Arguição incidental ~ 362 6.1. Legitimidade ad causam 366 6.2. Objeto. 369 6.3. Controvérsia constitucional relevante 369 7. Ocaráter subsidiário da arguição de descumprimento de preceito funda- mental. O significado e alcance do ~ 1º do art. 4º da Lei nº 9.882/99 371 8. Aarguição de descumprimento de preceito fundamental e as omissões do poder público 380 9. AArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental como instru- mento de reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional. 384 9.1. O Estado de Coisas Inconstitucional. 384 9.2. OProjeto de Lei nº 736, de 2015 e as alterações na Lei nº 9.882/99 (Lei da ADPF) 385 Capítulo XII CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS-MEMBROS 389 1. Consi derações gerais 389 2. O Controle de constitucionalidade difuso-incidental nos Estados 389 3. OControle de constitucionalidade concentrado-principal rios Estados 394 BI BLIOG RA F IA •.••••••••••..••••.•.......••.•.•.•••.•.••.••••.•.•••••••.•••••..•.••••.•..•••••••...•••.•.••.•••.•.••••••. 401 -, Capítulo I CONSTITUIÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL «no espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei conlum': (Ferdinand Lassalle)l 1.CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO A ideia de Constituição não é um privilégio dos tempos hodiernos. Com efeito, consoante ressaltou Ferdinand Lassalle, sustentando sua concepção sociológica da Constituição, u~a «Constituição real e efetiva a possuíram e a possuirão sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prer~ogativa dos tempos modernos. Não é certo isso'? Assim, Lassalle chamou a atenção para o fato de que todos os Estados possuen1 e sempre possuíram, em todos os momentos da sua história, uma Constituição real e verdadeira. A diferença surgida em tempos mais recentes não é a presença de Constituições reais e efetivas, que sempre existiram, mas sim o aparecimento de Constituições escritas nas folhas de papel 3. Deveras, na maior parte dos Estados modernos, testemunhamos o surgimento, num de- terminado momento de sua história, de uma Constituição escrita, cuja missão é a de estabelecer, em documento solene, todas as instituições e princípios do governo vigente4• Coerente com esse raciocínio, convém defender que, na ver- dade, a ideia de Constituição precede ao próprio constitucionalismo, entendido este como um movimento político-constitucional que pregava a necessidade da elaboração de Constituições escritas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime de liberdades públicas. Isso porque, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, em havendo Esta- do, sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade. A Essência da Constituição, p. 24. Ibidem, p. 39. Ibidem, p. 41. A Essência da Constituição, p. 41. 8 • J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 47 .. ' J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 51. 10 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 07. 11 Ibidem, mesma página. 12 Ibidem, mesma página. 13 Alexandre Parodi, La vie publique et le vie économique,em Encydopédie, t. 10. 14 Op. cit., p. 08. uma técnica especifica de limitação do poder com fins garantísticos 8. Quer dizer, qualifica-se como uma teoria n,)rmativa do governo limitado e das garantias individuais, sendo temas centrais do constitucionalismo, portanto) afundação e legitimação do poder político ea constitucionalização das liberdades9 • Cuida-se de um movimento político e jurídico que visa a estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes) submetidos a Constituições escritas10• Confunde-se, no plano político, com o liberalismo e, comeste, sua marcha no século XIX e nos primeiros três lustros do ,séculoXX) foi triunfal. Assim, ou pela derruba dos tronos) ou pela outorga dos monârcas~'tbdos os Estados europeus) um a um) exceto a Rússia, adotaram Constituiçãol1• A ideia e ne- cessidade de Constituição ganhou força no liberalismo político e econômico, que triunfa com as revoluções dos séculos XVIII e XIX. No plano econômico, o liberalismo afirma a virtude da livre concorrência, da não-intervenção do Estado, enfim, o laissez-faire, que enseja a expansão do capitalismo. No plano político, o liberalismo encarece os direitos naturais do homem, tolera o Estado como um mal necessário e exige, para prevenir eventuais abusos, a separação de poderes que MONTESQUIEU teorizou no seu Espírito das leis.12A dizer, a concepção liberal do Estado nasceu de uma dupla influência: de um lado, o individualismo fIlosófico e político do século XVIII e da Revolução Francesa, que considera como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, ó liberalismo econômico dos fisiocratas e de ADAM SMITH, segundo o qual o Estado é impróprio para exercer funções de ordem econômica13• Nas Américas, a independência em face às imposições coloniais impôs a adoção de constituições escritas, nas quais, rompendo a organização histórica, a vontade dos libertadores pudesse fIXaras regras básicas da existência inde- pendente. Quer dizer, o constitucionalismo na América se identifica com o europeu, exceto pela.pec,uliaridade de que, na América, a Constituição escrita era exigência da própria' independência, pois esta implicava, sobremodo) no rompimento dos costumes, como anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho14• Ainda segundo o ilustre autor, 21Cap.1 • CONSTITUiÇÃO ESUPREMACIA CONSTITUCIONAL Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 03. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, p. 21. Limites da Revisão Constitucional, p. 26. CONTROLE DECONSTITUCIONAUDADE - Dirley da Cunha Júnior o constitucionalismo, contudo, tem origens históricas que variam de tempo e espaço. Com efeito, desde a Antiguidade já se constatava que, entre as leis, algumas há que organizam o próprio poder. São leis que fixam os seus órgãos, estabelecem as suas atribuições e seus limites, enfim, numa palavra, definem a sua Constituiçãos. A noção de Constituição, pois, já existia entre os gregos e romanos, no domínio do pensamento filosófico e político. Aristóte- les distinguia entre. uma categoria de normas que organizavame fIXavamos fundamentos do Estado (as normas de organização), e as normas comuns (as regras) que eram elaboradas e interpretadas em consonância com as primeiras. Tal distinção, porém, somente veio a ser valorizada no século XVIII, a partir do movimento denominado constitucionalismo, que surgiu, inicialmente, com o propósito de limitar o poder, afirmando a existência de leis que seriam a ele anteriores e superiores. É, daí em diante que a expressão Constituição passou a ser empregada para designar o corpo de normas que definem a organização . fundamental do Estado. É preciso insistir, contudo, quemesmo antes do advento do chamado Estado deDireito, já existiaum Estado, chamado Absoluto, fundado numa Constituição queprescrevia obediência irrestrita ao soberano. Sendo assim, o constituciona- lismo,como movimento, não se destinou a conferir 'Constituições' aos Estados, que já as possuíam, pelo menos no sentido material, mas, sim, a fazer com que asConstituições (os Estados) abrigassem preceitos asseguradores da separação das funções estatais e dos direitos fundamentais6• Nesse contexto, podemos afirmar, com o mestre baiano EDVALDOBRITO, que o constitucionalismo ((é expressão da &oberaniapopular que representa, em certo momento histórico, o deslocamento do eixo do poder, cuja titularidade ou exercício era exclusiva- mente do (soberano":7O constitucionalismo, portanto) deve ser visto como uma aspiração de uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio da primeira forma de Estado. Não é por acaso que as primeiras Constituições do mundo. (exceto a norte-americana) trataram de oferecer resposta ao esque- ma do poder absoluto do monarca) submetendo-o ao controle do parlamento. Nessa linha de raciocínio, de afirmar~se que o constitucionalismo, como esclarece CANOTILHO~apresenta-se como uma teoria formada por umcon- junto de ideias, que exalta o princípio do governo limitado como indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representa CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior Alexandre de Moraes, Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais, p. 36. J. J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 48. Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 151. Manoel Gonçalves ..., op. cit., p. 08. 19 20 17 18 Cap.1 . CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL-----_._-----_._---_._---'-- ---- 1791, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de Direitos e Garantias Fundamentais17• Já no constitucionalismo moderno, a noção de Constituição envolve uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso mesmo, ela é concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado por procedimentos especiais e solenes previstos em seu próprio texto. Como decorrência disso, institui um sistema de responsabilização jurídico-política do . poder que a desrespeitar, inclusive por meio do controle de constitucionalidade dos atos do Parlamento. Enfim, o constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da cha- mada constituição moderna, entendida como "a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político':lB Desdobrando esse conceito de Constituição, considerado por Canotilho como um conceito ideal, tem -se que ela deve ser entendida como: (1) uma norma jurídica funda- mental plasmada num documento escrito; (2) uma declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia e, finalmente, (3) um instrumento de organização e disciplina do poder político, segundo esquemas t'endentes a torná-lo um poder limitado e moderado. Assim, no constitucionalismo moderno, a Constituição deixa de ser concebida como simples manifesto político para ser compreendida como uma norma jurídica fundamental e suprema, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou linha de direção para ojuturo19• A primeira Guerra Mundial, contudo, embora não marque o fim do consti- tucionalismo, assinala uma profunda mudança em seu caráter. Assim, ao mesmo tempo em que gerav~ novos Estados, que adotaram, todos, Constituições escritas, o após Primeira G~(lY},d~Guerra desassocia esse movimento do liberalismo. Os partidos socialist.~s e'~érlstãos impõem às novas Constituições uma preocupa- ção com o econômico e com o social, fazendo com que essas Cartas Políticas inserissem em seus textos direitos de cunho econômico e sociapo. Passaram, pois, as Constituições a configurar um novo modelo de Estado, então liberal e passivo, agora social e intervencionista, conferindo-lhe tarefas, diretivas, programas e fins a serem executados através de prestações positivas Op. cit., p. 04. J. J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 48. "a ideia de Constituição escrita, instrumento de institucionalização política, não foi inventada por algum doutrinador imaginoso~ é uma criação coletiva apoiada em precedentes históricos e doutrinários. Elementos que se vão com- binar na ideia de Constituição escrita podem ser identificados, de um lado, nos pactos e nos forais ou cartas de franquias e contratos de colonização; de outro, nas doutrinas contratualistas medievais e na das leis fundamentais do Reino, formulada pelos legistas. Combinação esta realizada sob os auspícios da fuosofia iluministà: 15 15 "fala -se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, fIlosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo, desde os fins da Idade Média até o século XVIII".16 É importante, ademais, não perder de vista a distinção, frequenteIl?-ente lembrada, entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno. Segundo Canotilho, numa acepção histórico-descritiva, 16 Designa, assim, de constitucionalismo antigo todo o esquema de organi- zação político-jurídica que precedeu o constitucionalismo moderno, como o constitucionalismo grego e o constitucionalismo romano. No constitucionalismo antigo, a noção de Constituição é extremamente restrita, uma vez que era concebida como um texto não escrito, que visava tão só à organização política de velhos Estados e a limitar alguns órgãos do poder estatal (Executivo e Judiciário) com o reconhecimento de certos direitos funda- mentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante, uma vez' que inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse os direitos de seus súditos. Ademais, o Parlamento, considerado absoluto, não se vincu- lava às disposições constitucionais, não havendo possibilidade de controle de constitucionalidade dos atos parlamentares. O Parlamento podia, até, alterar a Constituição pelas vias ordinárias. A origem formal do constitucionalismo moderno está ligada às Constitui- ções escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de r';~~....!-! C_ON_T_R_O_lE_D_E__C_O_N_ST_.ITUelONAL! DADE - Dirley da Cunha Júnior 2.A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O CARÁTER VINCULANTE E IMPERATIVO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Todas as normas constitucionais das Constituições rígidas, independen- temente de seu conteúdo, têm estrutura e natureza de normas jurídicas, ou seja, são normas providas de juridicidade, que encerram um imperativo, vale dizer, uma obrigatoriedade de um comportamento. São, pois, verdadeiras nor- mas jurídicas. É certo, porém, que a Constituição brasileira, como a maioria das Constituições contemporâneas, contém normas de diversos tipos, função e natureza, de modo que algumas são dotadas de maior eficácia que outras. Mas isso não significa, no entanto, que haja em seu texto normas não-jurídicas. Todas as normas constitucionais, sem exceção, mesmo as permissivas, são dotadas de imperatividade, por determinarem uma conduta positiva ou uma omissão, de cuja realização são obrigadas todas as pessoas e órgãos às quais elas se dirigem. Não existe norma constitucional destituída de eficácia: todas elas irradiam efei- tos jurídicos, já ressaltava de há muito o grande RUY BARBOSA, de tal sorte que, segundo o ilustre baiano, "não há, numa Constituição, cláusulas a que se CCa) la constitucióh es la fuente primaria de validez positiva deIorden jurídico; b) la constitución habilita la creación sucesiva y descendente de ese mismo orden en cuanto a la forma y en cuanto aI contenido deI siste~a normativo; Capo I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ;' 25 I __ H __ ~ ~M_M "_' • ,~,~ • • ----.- ••• --.- ••••• _---1 Ruy Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, v. 2, p. 475 e ss. Ritinha Alzira Stevenson Georgakilas, 1\ Constituição e sua supremacia: In: Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia, p. 101. ' Teoria Pura do Direito, p. 247. Ibidem, p. 247. deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos': 1 Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem imperativas. Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade assume uma feição peculiar, qual seja, a da sua supremacia em face às demais nor.mas do sistema jurídico. Assim, a Constituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), sejà quanto à matéria de que tratam (conformação material). Essa supremacia da Constituição (ou sua imperatividade reforçada e superlativa) em face às demais entidades normativas advém, naturalmente, da soberania da fonte que a produziu: o poder constituinte originário, circunstância que a distingue, sobremaneira, das outras normas do sistema jurídico, que são postas pelos poderes constituídos. Para além disso, ainda vigora na doutrina a ideia de que a Constituição é suprema em razão da natureza de suas normas, na medida em que estas refletem a real estrutura da organização do poder político de determinado Estado, que elas retratam e disciplinam2• Dediquemo-nos, em linhas que se seguem, um pouco mais à supremacia da Constituição no sistema normativo. KELSEN, com a sua clássica teoria do escalonamento da ordem jurídi- ca, concebeu o Direito como um sistema hierarquizado de normas jurídicas. Segundo o jusfilósofo, a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas dispostas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas sim uma construção escalonada de diferentes degraus ou camadas de normas jurídicas3• Na cúspide dessa ordem jurídica encontra-se a Constituição, considerada o fundamento supremo de validade de todas as normas jurídicas. Assim, na or- dem jurídica nacio~.al, a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado4• E is.s.oin:tplica, segundo o magistério de BIDART CAMPOS, as seguintes consequênci'as: r " Ernst Forsthoff, Tratado de derecho administrativo, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1958. " oferecidas à sociedade. A história, portanto, testemunha a passagem do Estado liberal ao Estado social e, consequentemente, a metamorfose da Constituição, de Constituição Garantia, Defensiva ou Liberal para Constituição Social, Dirigente, Programática ou Constitutiva. O Estado do Bem-Estar Social, adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as Constituições passaram a discipliná-lo sistematicamente, o que teve início com a revolucionária Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a Constituição de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar de 1919, foi a primeira a delinear os contornos da 'atuação desse Estado interven- cionista, do tipo social, dualista, na consecução do seu objetivo de promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. E desde a Carta de 1934 até a atual, o regime constitucional brasileiro tem se pautado por uma conjugação de democracia liberal e de democracia social. Na atual, de 1988, esta assertiva está descortinada nos arts. 170 e 193, respectivamente. Pois bem, a Constituição de 1988 ordena e sistematiza a atuação estatal interventiva para conformar a ordem socioeconômica. É o arbítrio conforma- dor, a que se refere FORSTHOFPl, pelo qual o Estado, dentro de certos limites estabelecidos pela ordem jurídica, exerce uma ação modificadora de direitos e relações jurídicas dirigidas à totalidade, ou a uma parte considerável da ordem social. 21 German J. Bidart Campos, La interpretación y eI controI constitucionaIes en la jurisdición constitucional, p. 37- 38. J. J. Gomes Canotilho, Direíto Constitucional e Teoria da Constituição, p. 826. Assim, em face de sua supremacia, todas as manifestações normativas, em um Estado de Direito, devem estar em consonância com a Constituição e jamais contra ela, de tal sorte que ((Sila ruptura de ese ligamen de subordinación se pro- duce, la violación implica una anti -constitucionalidad o inconstitucionalidad': 5 A noção de supremacia é inerente à noção de Constituição, desde que essa superioridade normativa implique a ideia de uma norma fundamental, de uma Fundamental Law, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva estabelecida no Estado. A Constituição é a base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como norma jurídica fundamental, ela goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas do ordenamento jurídico. Ela se destaca numa ordenação jurídica estatal, consoante anota Gomes Canotilho, como uma Lei Suprema, quer porque ela é fonte da produção nor- mativa (norma normarum), quer porque lhe é reconhecido um valor normativo hierarquicamente superior que faz dela um parâmetro obrigatório de todos os atos da vida humana. A ideia de constituição como norma reguladora da pro- dução jurídica (superlegalidade formal) justifica a tendencial rigidez das Leis Fundamentais, traduzida na consagração, para as leis de revisão, de exigências processuais, formais e materiais, 'agravadas' ou 'reforçadas' relativamente às leis ordinárias. Por sua vez, a parametricidade material das normas constitucionais conduz à exigência da conformidade substancial de todos os atos do Estado e dos poderes públicos com as regras e princípios hierarquicamente superiores da Constituição (superlegalidade material). Da conjugação destas duas caracterís- ticas - superlegalidade formal e superlegalidade material da Constituição - de- riva o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos normativos, que encerra a ideia de que as normas jurídicas só estarão conformes com a Consti- tuição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses atos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais6• A supremacia da Constituição conduz à sua superioridade hierárquico-normativa relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. Essa superioridade, ainda segundo o autor de Coimbra, implica em que: a) as nor- mas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de 27Capo I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL Ibidem, p. 1074. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, p. 49-50. "sino precisamente. la prirrtera de las normas deI ordenamiento entero, la norma fundam.ental, lex superior. Por varias razones. Primero, porque la Constitución define el sistema de fuentes formales deI Derecho, de modo que sólo por dictarse conforme a lo dispuesto por la Constitución (...) una Ley será válida o un Reglamento vinculante; en este sentido, es la primera de las (normas de producción', la norma. normarum, la fuente de las fuentes. Segundo, porque en la medida en que la Constitución es la expresión de una intención fundacional, configuradora de unsistema entero que en ella se base, tiene una pretención de permanencia (...) o duración (...), lo que parece asegurarla una superioridad sobre las normas ordinárias (...). Esta Idea determinó, primero, la distinción entre un poder constituyente, que es de quien surge la Constitución, y los poderes constituídos por éste, de los que emanan todas las normas ordinarias. De aquí se dedujo inicialmente la llamada 'rigidez' de la norma constitucional, que la asegura una llamada 'superlegalidadformal:que impone formas reforzadas de cambio o modi- ficación constitucional frente a los procedimientos legislativos ordinarios (...). Pero la idea llevará también aI reconocimiento de una 'superlegalidad material', que asegura a la Constitución una preeminencia jerárquica sobre todas las demás normas deI ordenamiento, producto de los poderes consti- tuidos por la Constitución misma, obra deI poder constituyente. Esas demás normas sólo serán válidas si no contradicen, no yá sólo el sistema formal de produci6n de las mismas que la Constitución estabelece, sino, y sobre todo, el cuadro de \(aJoresy de limitaciones deI poder que en la Constitución se expresâ~8(grifado no original). Em decorrência d~~sa irrecusável posição de norma jurídica suprema, exige a Constituição que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e regras que ela adota. Essa indeclinável e necessária compatibilidade vertical entre as leis e atos normativos com a Constituição satisfaz, por sua vez, o prin- cípio da constitucionalidade: todos os atos normativos dospoderes públicos só são válidos e, consequentemente, constitucionais, na medida em que se compatibili- validade em si própria (autoprimazia normativa); b) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum), afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras nor.mas, e c) a superioridade normativa das normas constitucionais gera o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição7• A ideia de supremacia constitucional não escapou à percuciente análise de EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA que, em lúcida explanação, assevera que a Constituição não é somente uma norma, CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior c) la constitución obliga a que eIorden jurídico sea congruente y compatible con ella; d) la constitución descalificae invalida cualquier infracción a ellà~ 26 zem,formal e materialmente, com o texto supremo. Essa compatibilização deve ser formal, no sentido de que devem estar de acordo com o modo de produção legislativo tracejado na carta maior; e material, de modo que o conteúdo desses atos guarde harmonia com o conteúdo da lei magna9• Assim, a superioridade jurídica da Constituição implica, na prática brasileira, a revogação de todas as normas anteriores com ela materialmente contrastantes e a nulidade de todas as normas editadas posteriormente à sua vigêncialo. É importante ressaltar, todavia, que a superioridade hierárquico-normativa da Constituição só se coaduna com as chamadas Constituições rígidas. Vale dizer, a supremacia constitucional somente se verifica onde exista uma Constituição rígida. Isso porque, como de entendimento convencional, a Constituição rígida se caracteriza por demandar um processo especial para sua alteração, que se apresenta distinto, mais solene e excessivamente mais complexo e mais difícil do que aquele previsto para a elaboração das leis comuns, distinguindo-se das chamadas Constituições flexíveis, por se contentarem estas com o idêntico pro- cesso de reforma e elaboração das leis ordinárias, ou seja, por se submeterem a um processo de reforma coincidente com o modo de produção da legislação comum, inexistindo, pois, relativamente às Constituições flexíveis, qualquer diferença formal entre norma constitucional e norma infraconstitucional. As- sim, pode-se afirmar que, em face da supremacia das Constituições rígidas, que pressupõe um escalonamento entre as entidades normativas, existem normas constitucionais (superiores) e normas infraconstitucionais (inferiores). Onde não houver lugar para essa diferença, evidentemente não haverá espaço para' a rigidez constitucional, pois, segundo aponta o saudoso mestre Raul Machado Horta, não se põe dúvida que uma das principais consequên- cias da rigidez constitucional é a de reforçar, elevando-a ao máximo, a ideia de supremacia constitucional, de modo que ao conteúdo político das Constituições escritas, a rigidez acrescenta conteúdo jurídico. Assim, a Constituição passa a ser a fonte primária e o parâmetro obrigatório do ordenamento jurídico, impondo a hierarquização das normas, ordenando-as em duplo grau: no topo, postam-se as normas constitucionais; em escala descendente, as normas ordinárias ou in- fraconstitucionais. A norma infraconstitucional, que fere norma constitucional, torna-se norma inconstitucional, írrita e absolutamente nula. À rigidez cons- titucional é correlativa a noção de supremacia constitucionall!, que encontra a sua garantia máxima no controle de constitucionalidade. r--'\ i 28 I Cap. I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL Norma Constitucional e seus efeitos, p. 1S. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação ... , op. cit., p. 152. Essa ideia partiu do abade Emmanuel Joseph Sieyes que, no seu revolucionário opúsculo Quest-ce que le Tiers État?, defendeu a tese de que a Constituição extrai o fundamento de sua supremacia no poder constituinte. ADI 2.10S-MC, ReI. Min. Celso de Mello, DJ 28/04/00. E a supremacia da Constituição se justificaria, como bem salienta Maria Helena Diniz, para manter a estabilidade social, bem como a rigidez de seus preceitos, pressupondo a existência de meios de defesa encarregados da (guarda da Constituição: o que se verifica através do controle de constitucionalidade exercido pelos órgãos jurisdicionais12• A supremacia da Constituição, sem dúvida, é tributária da ideia de supe- rioridade do poder constituinte sobre todas as instituições jurídicas e políticas vigentes no Estado, de sorte que uma Constituição haure o fundamento de sua supremacia na própria supremacia do poder que a originou. Isso faz com que o produto do exercício deste poder, a Constituição, esteja situado no topo do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade a todas as d-emais normas13, e de referência obrigatória à atuação do poder público, que a ela se encontra vinculado. Importa destacar, outrossim, que a supremacia da Constituição não só impõe que toda atuação do poder público se conforme, material e formalmente, com os preceitos e diretrizes por ela estabelecidas, como também determina - em face da hodierna categoria jurídico-constitucional da inconstitucionalidade por omissão, o que só reforça mais ainda sua imperatividade - que o poder público obrigatoriamente atue quando para tanto foi exigido. A supremacia constitucio- nal ficaria comprometida - e, de resto, toda ordem jurídica - se as imposições constitucionais não fossem realizadas.Em consequência disso, todos os órgãos do Poder Político - Legislativo, Executivo e Judiciário - acham-se vinculados e obrigados a satisfazer os fins e tarefas impostas pelo texto magno. Com efeito, "Aautoridade hierárquico-normativa da Constituição da República impõe-se, a todos os Poderes do Estado. Nenhuma razão - nem mesmo a invocação do princípio do autogoverno da Magistratura - pode justificar o desrespeito à Constituição. Ninguém tem o direito de subordinar o texto constitucional à conveniê~cia dos interesses de grupos, de corporações ou de classes, pois o desprez~_peJ.~J~onstituiçãofaz instaurar um perigoso estado de insegurança jurídica, além1 de subverter, de modo inaceitável, os parâmetros que devem reger a atuação legítima das autoridades constituídas:'14 13 12 A vinculação da"Constituição e de suas normas é uma realidade do constitucionalismo contemporâneo, que impõe uma cefuerzavinculante bilateral 14 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 48. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dog- mática constitucional transformadora, p. 150. Direito Constitucional, p. 125.11 10 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior "de la norma"15) isto é, que vincula tanto os órgãos do Poder Político como os cidadãos. Assim, "tudo que a Constituição concede com sua imperatividade suprema (direitos individuais, poderes públicos) tem -se o direito de fazer, e tudo que a Constituição exige, tem-se o dever de cumprir):16Como Lei, e Lei Fundamental, ela é elaborada para ser aplicada, efetivada e para ser respeitada e cumprida, quer imponha uma abstenção (non jacere) ou uma atuação (facere) do Estado, ou mesmo de outra pessoa. A Constituição não recomenda, mas sim ordena, e o que ela determina é para se cumprir, máxime no que se refere a condutas das quais dependa a viabilidade do exercício de direitos fundame~tais por ela declarados!7. Tudo isso porque a Constituição deve ser preservada, não só por si mes- ma, mas porque é a maneira encontrada de se resguardarem os mais básicos e fundamentais valores acolhidos pela sociedade, alcançados por esta e lançados num corpo jurídico, como resultado.de um longo evoluir histórico18• Do que se conclui que a supremacia da Carta Magna, sem dúvida, é uma exigência do povo, titular absoluto do poder constituinte que a originou e uma garantia de sua autodeterminação. Ora, em coerência com o conceito moderno de Constituição, como um sistema jurídico aberto de normas fundamentais (princípios e regras), na me- dida em que se manifesta em interação com a realidade social, conformando-a e sendo por ela conformada, e se a Constituição, em razão disso, também é depositária dos reclamos da sociedade e emissora dos valores eleitos por essa mesma sociedade, a supremacia da Constituição apresenta-se, com efeito, não só como uma.exigência do discurso científico, mas também como uma neces- sidade democrática. Assim, "o poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições e controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos. É preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação delineados no texto constitucional. Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples escritura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e das nações. Todos os atos estatais que repugnem a Constituição expõem-se à censura jurídica dos Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer 15 16 17 18 Eduardo García de Enterría) op. cit.) p. 49. Agustin Gordillo) Princípios gerais de direito público) p. 95. Cármen Lúcia Antunes Rocha) O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais) p. 53. André Ramos Tavares) Tribunal e Jurisdição Constitucional, p. 09-10. Cap.l- CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL 31 -.----- ...-.--------.--------.-----.----.----.- .. - -.-.---_. ._._a _ validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes consti- tuídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais.efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada:'19 3. A UNIDADE NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO Um ordenamento jurídico só pode ser concebido como um conjunto de normas. Vale dizer, é condição de existência de uma ordem jurídica a concor- rência de normas. Não obstante a pluralidade de normas jurídicas que abrange, o ordenamento constitui uma unidade, quer porque suas normas nascem de mesma fonte (ordenamento simples), quer porque suas normas, ainda que nas- cidas de fontes distintas, têm o mesmo fundamento de validade (ordenamento complexo)20. É a Constituição, portanto, como fonte máxima de produção de todo o Di- reito e último fundamento de validade das normas jurídicas, que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento jurídico. Mas ela própria representa uma unidade normativa, enquanto ordem unitária da vida política e social da ossatura estatal. Isso implica em afirmar que toda Constituição deve ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores21. Essa unidade normativa pressupõe a inexistência de hierarquia normativa ou formal entre as normas constitucionais, sem qualquer distinção entre normas materiais ou formais ou entre normas-princípios e normas-regras, uma vez que as normas constitucionais são frutos de uma vontade unitária e geradas simultaneamente22. Vale dizer, têm a mesma fonte e o mesmo fundamento de validade: o poder constituinte originário. Todas as normas constitucionais, portanto, independentemente de sua categoria, seja m~terial ou formal, princípio ou regra, programática ou não, têm idêntica hierarqt£iájormal-normativa23 e exercem a mesma força normativa 19 ADI 293-MC) ReI. Min. Celso de Mello) DJ 16/04/93. 20 Norberto Bobbio) Teoria do Ordenamento Jurídico) p. 48-49. 21 Flávia C. Piovesan) op. cit.) p. 25. li Luís Roberto Barroso) Interpretação e aplicação ... ) op. cit.) 187. 23 Sem embargo) é possível reconhecer a existência de uma hierarquia axiológica em face da ordenação de valores constitucionais. Nesse particular) os .princípios constitucionais, por serem normas dotadas de intensa carga axiológica, são hierarquicamente superiores às regras constitucionais. Ademais) entre os próprios princípios constitucionais existe um escalonamento hierárquico de valores) podendo se falar) daí) em princípios e subprincípios (estes) meros desdobramentos daqueles ou princípios derivados). Canotilho) por exemplo) , ••~_, •• , .•• _tl. •.-..'_ .••. ._. _ 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Capítulo I1 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA DA CONSTITUiÇÃO o Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, p. 129.24 Como já sublinhado, a supremacia da Constituição - enquanto princípio jurídico que atribui à Constituição uma força subordinante e a eleva à condição de legitimidade e validade de todas as normas jurídicas positivadas em um dado Estado - é a base de sustentação do próprio Estado Democrático de Direito, seja porque assegura o respeito à ordem jurídica, seja porque proporciona a efetivação dos valores sociais. Mas essa supremacia constitucional restaria comprometida se não existisse um sistema que pudesse garanti-la e, em consequência, manter a superioridade e fqrça normativa da Constituição, afastando toda e qualquer antinomia que v~~ha/;,agredir os preceitos constitucionai~. É nesse contextoque avulta a importância do controle de constitucionalidade. como um meca- nismo de garantia da supremacia das normas constitucionais delineado pelo próprio texto constitu.ciona1. Dito doutro modo: em razão da supremacia constitucional, todas as normas jurídicas devem compatibilizar-se, formal e materialmente, com a Constituição. Caso contrário, a norma lesiva a preceito constitucional, através do controle de constitucionalidade, é invalidada e afastada do sistema jurídico positivado, como meio de assegurar a supremacia do texto magno. É, exatamente, na garantia de uma superior legalidade, que o controle judi- cial de constitucionalidade das leis encontra sua razão de ser: e trata -se de uma garantia que, por muitos, já é considerada como um importante, se não necessário, coroamento do Estado de direito e que, contraposta à concepção do Estado absoluto, representa um dos valores mais preciosos do pensamento jurídico e político contemporâneo" (Mauro Cappelletti)24. estabelece uma hierarquia entre os princípios constitucionais, nesta ordem decrescente: princípios estruturantes, princípios gerais e princípios específicos. Nesse sentido, J,J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição; Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional; Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, entre outros. I-~;-'.\ CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dir/ey da Cunha JúniorL__....._--L . .. ..._. _- _. _ .,ante a realidade à qual se dirigem. A única ressalva que necessariamente se deve fazer - o que será feito ao diante - diz respeito ao grau (maior ou menor) de eficácia imediata que a norma constitucional está capacitada a produzir. A unidade normativa da Constituição é importante, na medida em que o descumprimento de uma norma constitucional põe em perigo a própria unidade do texto magno. Assim, a garantia da supremacia de uma norma constitucional proporciona a garantia da própria Constituição. 2.1 Conceito 2. CONCEITO, PRESSUPOSTOS E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ; 35 :Cap.1I • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ... Pedro Cruz Villalon, op. cit., p. 26. Ver, por todos, Clemerson Merlin Cleve, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito brasileiro, p. 28-34; Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 402-405 e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. II, p. 376-377. É claro que, do ponto de vista sociológico, as Constituições costumeiras ou históricas são naturalmente rígidas, devido a grande dificuldade de serem alteradas em face da realidade da vida social. Assim, a Constituição inglesa (não escrita ou costumeira), do ponto de vista jurídico, é flexível; contudo, do ponto de vista sociológico, ela é, sem sombra de dúvida, mais rígida do que a Constituição brasileira (escrita). 26 27 25 2.2.1. A Constituição formal Como sentencia a dou.trina26, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos reclama os seguintes pressupostos: a) existência de uma Constituição formal; b) a compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental e a c) instituição de, pelo menos, um órgão com competência para o exercício dessa atividade de controle. 2.2. Pressupostos o controle da constitucionalidade dos atos normativos requer a existên- cia de uma Constituição formal e escrita. Quer dizer, demanda um conjunto normativo de princípios e regras escritas, plasmados num texto jurídico supremo. A chamada Çonstituição costumeira ou histórica (não escrita), por ser juridicamente um~ ~,o~stituição flexível, não dispõe de um controle de constitu- cionalidade, já que, nos países que a adotam, vige o princípio da supremacia do parlamento, não se aceitando a fiscalização dos atos dele decorrentes.27 Em suma, o controle de constitucionalidade consiste numa atividade de verificação da conformi~ade ou adequação da lei ou do ato do poder público com a Constituição. Ante essas breves considerações conceituais, resulta claro que constitui pressuposto universal e onipresente da existência de um controle de constitu- cionalidade, a supremacia da Constituição. Fica evidente que, sem essa virtude ou força condicionante da Constituição sobre todos os atos do poder público, não haveria controle de constitucionalidade25• No entanto, a existência de uma Constituição rígida e suprema, apesar de indispensável, não é o pressuposto único para o desempenho da jurisdição constitucional por meio do controle de constitucionalidade. Outros pressupostos são encarecidos, como veremos, em sumária análise, em item separado. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Oirley da Cunha Júnior34 Mas o controle de constitucionalidade, a par de assegurar a superioridade e força normativa da Constituição, como forma de sempre manter a prevalência das normas constitucionais, também se apresenta como um relevante meio de conter os excessos, abusos e desvios de poder, garantindo os direitos fundamentais. O controle de constitucionalidade, portanto, revela-se como uma im- portante garantia da supremacia da Constituição, haurindo daí a sua própria razão de ser. O controle de constitucionalidade, enquanto garantia de tutela da suprema- cia da Constituição, é uma atividade de fiscalização da validade e conformidade das leis e atos do poder público à vista de uma Constituição rígida, desenvolvida por um ou vários órgãos constitucionalmente designados. De feito, partindo da premissa teórica de que uma Constituição rígida é suprema ante todos os comportamentos e atos do poder público, é indubita- velmente manifesta a necessidade em que se encontra o próprio texto consti- tucional de organizar um sistema ou processo adequado de sua própria defesa, em face dos atentados que possa sofrer, quer do Poder Legislativo, através das leis em geral, quer do Poder Executivo, através de atos normativos e concretos. Assim, "é ju~tamente a tais sistemas ou processos de defesa, ou guarda das Constituições rígidas, frente a tais ataques, que hoje se denomina (controle da constitucionalidade das leis":46 Para esse exato sentido apontam as lições de Pedro Cruz Villalon47, que concebe o controle de constitucionalidade como "eImodo a través deI cua! un ordenamiento reacciona frente a la existencia de normas contrarias a la Constitución': Ou, consoante assegura o próprio autor, como "la garantía jurisdiccional de la primacía de la Constitución sobre el res- to deI ordenamiento, pero de forma primordial sobre las leyes como suprema manifestación ordinaria de la potestad normativa deI Estado': Do ponto de vista prático, o controle de constitucionalidade ocorre assim: quando houver dúvida se uma norma entra em conflito com a Constituição, o órgão ou os órgãos competentes para o controle de constitucionalidade, quando provocados, realizam uma operação de confronto entre as normas antagônicas, de modo que, constatada a inequívoca lesão a preceito constitucional, a norma violadora é declarada inconstitucional e tem retirada, em regra retroativamente, a sua eficácia, deixando de irradiar efeitos, quer para o caso concreto (no controle concreto), quer para todos ou "erga omnes" (no controle abstrato). 2.2.2. A Constituição como norma jurídica fundamental, rígida e suprema Ademais de uma Constituição formal, é necessário compreendê-la como uma norma jurídica fundamental, rígida e suprema, a fim de que se possa distingui -la das leis comuns. Aliás, a rigidez constitucional decorre exatamente da previsão de um processo especial e agravado, reservado para a alteração das norm~s cons- titucionais, significativamente distinto do processo comum e simples, previsto para a elaboração e alteração das leis complementares e ordinárias. Essa diferença de regime, consistente na exigência de um processo especial e demasiadamente complexo para a alteração das normas constitucionais, confere à Constituição o statusde norma jurídica fundamental, suprema em relação a todas as outras. O controle de constitucionalidade só se manifesta, portanto, nos lugares que adotam Constituições rígidas28• Não obstante isso, é possível imaginar, como bem sublinha Clemerson MerlinCleve29, a existência do controle de constitucio- nalidade nos Estados que ~dotam Constituições flexíveis, pelo menos em relação à inconstitucionalidade formal. A dizer, a inconstitucionalidade formal pode se verificar em face de uma Constituição flexível, uma vez que, fIxado nesta um procedimento para a elaboração das leis, qualquer violação desse procedimento consistirá em inconstitucionalidade30• Por outro lado, embora possível a incons- titucionalidade formal, não é cogitável a inconstitucionalidade material perante as Constituições flexíveis. A rigidez constitucional, sim, é que se coaduna com os conceitos de inconstitucionalidade formal e material. Decorre da rigidez constitucional, como já acentuado, a distinção entre as leis constitucionais (superiores ou supremas) e as leis comuns (inferiores), existindo entre elas, necessariamente, uma relação de hierarquia. Daí afirmar-se, corretamente, que a supremacia constitucional decorre logicamente da rigidez da Constituição. Assim, rigidez e supremacia constitucional constituem pressupostos indeclináveis do controle de constitucionalidade, de modo que inexistirá este inexistindo aqueles. Desse modo, a ideia de controle de constitucionalidade das leis e atos do poder público surge como decorrência lógica da noção de rigidez constitucional. Deveras, se no sistema das Constituições rígidas estas não podem ser modificadas por leis ordinárias, mas tão-somente mediante os processos especiais agravados de emenda ou revisãq constitucional, tracejados pela própria Constituição, segue-se logicamente que toda lei ordinária contrária à Constituição não pode ter validez, é radicalmente nula, é inconstitucionaPl, devendo ser expulsa do sistema jurídico. ;-'. ! 36 37Cap.1I • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ... Op. cit., p. 34. Isto em tese, porque, como lembra José de Sousa e Brito, os juízes constitucionais tam- bém recebem a sua legitimação democrática do sufrágio popular, embora indiretamente, através da intervenção dos diretamente eleitos no processo de nomeação dos juízes ('Jurisdição Constitucional e Princípio Democrático'. In: Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional. Colóquio no 10° Aniversário do Tribunal Constitucional, p. 42). Lembramos que, no caso brasileiro, os juízes do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo Presidente da República eleito, após a aprovação de seus nomes pelos Senadores, também eleitos. Embora o sufrágio universal esteja na origem de toda decisão demo- crática, ele, por si só, não assegura o caráter democrático da decisão, razão porque se impõe descortinarmos outros elementos legitimadores da jurisdição constitucional, tarefa que se propõe o texto. 2.2.3 A previsão de um órgão competente A defesa de uma Constituição formal e suprema, já asseveramos, operacio- naliza -se com o controle da constitucionalidade das leis e atos do poder público. Mas esse controle somente existirá se a própria Constituição previr, expressa ou implicitan1ente, um ou mais órgãos com competência para reali~á-Io. Esse órgão tanto pode exercer função jurisdicional como política; tanto pode, no primeiro caso, integrar a estrutura do Poder Judiciáriq como situar-se fo~a 4ela. O importante é que tenha competência para exercer o controle da constitucionalidade dos atos do Poder Público.32 No Brasil, desde a primeira Constituição que consagrou o controle de constitucionalidade entre nós (1891), e por influência da doutrina da judicial review oflegislation do direito norte-americano, cumpre ao Poder Judiciário o exercício do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do poder públi- co, em que pese a faculdade atribuída aos Poderes Legislativo e Executivo de desempenharem, em situações excepcionais, o controle preventivo e repressivo da constitucionalidade de certos atos e projetos legislativos. 32 33 2.3 O Controle Judicial de Constitucionalidade e sua legitimidade demo- crática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves anotações Um dos maiores óbices ao reconhecimento do controle judicial de consti- tucionalidade das leis é a invocada falta de legitimidade democrática dos juízes, que não são eleitos nem representam, consequentemente, a vontade popular. Esse obstáculo é frequentemente levantado sob o argumento de que não é ad- missível que juízes não eleitos pelo voto popular33 possam controlar e invalidar leis elaboradas por um Poder Legislativo eleito para tal e aplicadas por um Poder CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior Clemerson Merlin Cleve, op. cit., p. 31. Ibidem, mesma página. Ibidem, mesma página. J.H. Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, p. 372.' 29 31 30 28 ,--'-"\ l~_. C_O_N_T_R_O_LE_D_E_C_O,_N_S_T_IT_U_CI_O_N_A_L1 __D_AD_E_- __D_i_rl_e_y_d_a _Cu__n_h_G_Jú_n_io_, _ Executivo tarr~bém eleito. Para estes autores, a atuação dos juízes no controle de constitucionalidade das leis (no âmbito da charnaJa justiça constitucional) pode causar o que Dieter Grimm34 designou de "risco democrático" (demokratisches Risiko), agravado pelo fato de que, segundo aponta Gilmar Ferreira Mendes, e com apoio em Grimm, Lenio Luiz Streck,]urisdição ConstitucionaL., op. cit., p. 100. O autor conclui suas reflexões afirmando que o' "caráter existencial do Estado Democrático de Direito passa a ser, nessa espiral hermenêutica, 'á. condição de possibilidade do agir legítimo de uma instância encarre- gada até mesmo -:no liinite - para viabilizar políticas públicas decorrentes de inconstitucio- nalidades por omissão e repetidamente, constituir-se tal instância - a justiça constitucional - como remédio (por vezes, amargo, mas necessário) contra maiorias" (p. 106). Essa resistência tem por base a ideia da separação dos poderes e a inoportunidade de qualquer interferência do Poder Judiciário na atividade legislativa das assembleias populares. Vital Moreira. (Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade: In: Legitimidade e legitimação da justiça constitucional, p. 178 e ss. Reforma constitucional y control de constitucionalidad. Límites a la judiciabilidad de la en- mienda. 1a Ed, Buenos Aires: Ediar, 2007, p. 93: "La (garantia jurisdiccional de la constitución o 'controlo revisión de constitucionalidad' es el componente deI sistema cuyo adecuado fun- cionamiento es el que mayor aptitud reviste para garantizar que la constitución se mantenga como disposición suprema deI sistema jurídico estatal, respaldando la estructura jerárquica de éste': 41 40 38 39 É inegável, portanto, que a efetividade e o sucesso de uma Constituição dependem fundamentalmente de um controle judicial de constitucionalidade, que é a sua maior garantia. Sem esta garantia, afirma com propriedade o Pro- fessor argentino RAUL GUSTAVO FERREYRA 41, a Constituição fica vulnerável e exposta a violações de todas as ordens. uma justiça constitucional, de modo que) guardadas as peculiaridades destes Estados, a justiça constitucional deve ser considerada como uma condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito38• Ao revés de apontar dúvi- das quanto à legitimidade da justiça constitucional e) com ela, do controle judicial de constitucionalidade, devemos ter em mente que, hodiernamente, a existência da justiça constitucional e de uma fortalecida e ativa jurisdição constitucional tornaram-se um requisito de legitimação e credibilidade polí- tica dos próprios regimes constitucionais democráticos, haja vista que a ideia de justiça constitucional passou a ser progressivamente compreendida como elemento necessário da própria definição do Estado Democrático de Direito. Mesmona França, que tradicionalmente resiste39 à ideia de controle jurisdicio- nal da constitucionalidade das leis, o Conseil Constitutionnel tem evoluído no sentido de se transformar num verdadeiro Tribunal Constitucional, ao tempo que a doutrina pugna pelo alargamento deste poder aos tribunais comuns com a adoção do modelo americano de controle difuso-incidental. Outro tanto sucede na Inglaterra, onde já se fala, sem maiores reações, na criação de uma carta de direitos fundamentais, garantida constitucionalmente contra o legislador, e de confiar a sua defesa aos tribunais40• Ademais, há neste País uma tendência em se criar um Tribunal Constitucional. Verfassungsgerichtsbarkeit - Funktion und Funktionsgrenzen in demokratischem Staat, in Jus- -Didaktik, Heft 4, Munique, 1977, p. 83, apud Gilmar Ferreira Mendes, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional, p. 503. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional, p.503. Ibidem, p. 504. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, op. cit., p. 175. 35 "asdecisões da Corte Constitucional estão inevitavelmente imunes a qualquer controle democrático. Essas decisões podeD::1anular, sob a invocação de um direito superior que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório, a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. ~mbora não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de conformação bastante amplo, é certo que elaspodem ter a sua atuação repro- gramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés, eventual correção da jurisprudência de uma Corte Constitucional somente há de se fazer, quando possível, mediante emendà: (grifado no original)35. 34 37 Isso demonstra, ainda conforme Gilmar Mendes, que o controle judicial de constitucionalidade não está livre do perigo de converter uma vantagem democrática num eventual risco para a democracia, de tal modo que, concebido para reforçar o desenvolvimento do processo democrático, ele pode bloquear o ~esenvolvimento constitucional do Estado. Contudo, esse paradoxo, consistente na ameaça à democracia por quem está incumbido de protegê-la, não pode ser solucionado com a extinção ou, de qualquer modo, em desfavor do controle judicial de constitucionalidade das leis. Nesse passo, deve-se fazer um esforço no sentido de preservar o equilíbrio do sistema e evitar disfunções36• O tema tem sido objeto de forte testilha doutrinária. Contudo, importa salientar, desde logo, com Eduardo Garcia de Enterría, que a controvérsia a respeito da legitimidade democrática da justiça constitucional e do contro- le judicial de constitucionalidade «ha sido ya juzgada por eI Tribunal de la Historia, ante el cualla justicia constitucional no solo ha sido absuelta de tan graves cargos, sino que se ha afianzado definitivamente como una t.écnica quintaesenciada de gobierno humano".37 Deveras, a experiência constitucio- nal de vários Países tem apontado para o fato de que o Estado Democrático de Direito não pode funcionar nem realizar seus valores fundamentais sem 36 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior Desse modo, a ideia de soberania do Legislativo, em razão da representati- vidade popular, e da separação de Poderes, com a submissão do Judiciário à lei, cederam espaço para o novo paradigma do Estado Democrático de Direito, que se assenta num regime democrático e na garantia dos direitos fundamentais, onde a justiça constitucional é nota essencial. Com efeito, a soberania do Legislativo foi substituída pela soberania e supremacia da Constituição, em face da qual o Legislativo é um Poder constituído e vinculado pelas normas constitucionais, e o dogma da separação de Poderes foi superado pela prevalência dos direitos fundamentais ante o Estado. Destarte, o constitucionalismo contemporâneo encarece um Estado Democrático de Direito construído sobre os pilares do regime democrático e dos direitos fundamentais, de tal modo que as Constituições contemporâneas imunizam-se contra as próprias maiorias, quando estas não estão a serviço da realização dos direitos fundamentais ou tendem a sufocar as minorias. Nesse , particular, vale o registro da ((crise"pela qual passa o sistema representativo, onde a maioria parlamentar, em regra, não corresponde com a vontade popular, uma vez que a representação política não mais se presta como efetivo instrumento de representação dos interesses da população, circunstância que vem fortalecendo a descoberta de novos instrumentos de representação popular. Neste cenário de crise do sistema representativo, ainda mais agravado pela busca incessante, por outros caminhos legítimos, de pressão ao governo, torna-se cada vez mais ne- cessário o reconhecimento da jurisdição constitucional como remédio eficiente contra as maiorias. A crise da representação política e, consequentemente, da democracia representativa calcada na ideia da representação popular sintetiza a compreensãó de que a lei, outrora expressão da vontade geral, tem se tornado um veículo de opressão e manifesto meio de violação dos direitos fundamentais e da Constituição. A história e a experiência constitucional vêm demonstrando que os parlamentos, eleitos para servirem à vontade popular, têm prestado um desserviço à população - com a elaboração de leis conformadas e comprometidas tão-somente com a vontade governamental e à custa dos direitos fundamentais42• É nesse contexto que emerge a necessidade de uma justiça constitucional capaz de proteger, através do controle de constitucionalidade, os direitos fundamentais, as minorias, o sistema democrático e toda a Constituição. Isso porque, reitera- Cap.1I . CONTROLE DE CONST~_~CIONALlDADE: A GARANTIA DA_.?_UPREMACI~_-Í_~~_-.: ('Aessa objeção deve-se responder, entretanto, que o órgão controlador n~o opõe sua própria vontade ao Legislativo, mas a vontade mesma da ~~ç~o, expressa de modo mais elevado, mais vigoroso e mais solene, na Constztuzçao. (Die Verfassungsentwicldung in den Vereinigten Staaten Von A~~rik~ 1939-1946. In: O~s- terreichische Zeitschrift für Offentliches Recht, 1946, apud C. A. LUCIO Blttencourt, O Contole Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, p. 22. ADI 2.010-MC, ReI. Min. Celso de Mello, DJ 12/04/02.44 43 Destarte, não procede a objeção dirigida à legitimidade da justiça con~- titucional, sob o argumento de que o controle de constitucionalidade das leIS realizado pelos juízes fere de frente o princípio da separação de Poderes e restringe a "vontade;,nacional" expressa através das leis votad.as ~o parlamento. Bem a propósito, é esclarecedora a resposta que Meirelles TeIXeIra, com o peso de sua autoridade, apresenta, formulada nestes exatos termos: mos, o sistema democrático fica gravemente afetado conl qualquer violação a um direito fundamental reconhecido na Constituição. O regime democrático e a necessidade de defesa e realização dos direitos fundamentais - premissas básicas do Estado Democrático de Direito - têm exi- gido dos órgãos da justiça constitucional uma atuação mais ativa na efetiv~çã~ e no desenvolvimento das normas constitucionais, máxime em face de omlssoes estatais lesivas a direitos fundamentais. Aqui reside, sem dúvida, a melhor das justificativas da legitimidade da justiça constitucional e do contr~le judic.ial_de constitucionalidade, como instrumento de efetivo controle das açoes e Offilssoes do poder público, cumprindo lembrar que, com Robert G. Neumann43, ~ que caracteriza a democracia não é, propriamente, a intervenção do povo na feItura das leis - hoje mera ficção - mas, sim, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, cuja guarda e defesa incumbe ao Poder Judiciário. A propósito, ('Adefesa da Constituição da República representa o encargo mais relevante do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal-. q~e é o gu~r-dião da Constituição, por expressa delegação do Poder ConstItUInte - nao pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema C~rte fa~har no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a IntegrIda- de do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente compro- metidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto ho.~verum P?~er Judiciário independente e consciente de sua alta responsabIlIdade poht1ca, social e jurídico- institucionaI:' 44 r. Jean Rivero salienta que "a ideia de representação da vontade do cidadão pelo eleito, tem progressivamente diminuído na realidade, mediante a tomada de consciência pelo eleitor de que, definitivamente, os homens que são eleitos atuam para si mesmos e não para eles. O cidadão, ante essa avalancha de leis, cada vez mais completas, cada vez mais técnicas, cada vez mais conformadas com a vontade governamental, não reconhece sua própria vontade'~ E arremata o autor: "essa transformação da lei conduz à tomada de consciência da necessidade de proteger os direitos fundamentais, inclusive perante a própria lei" CA modo de sintesis. In: Vários Autores. Tribunales constitucionales europeus y derechos fundamentales, p. 667). 42 J~~'! CO_N_T_R_O_L_E_D._E_CO_N_S_T_IT_U_C_IO_N_A_L_ID_A_D._E __ -_D_irle_y_d_a C_u_n_ha_J_ú_nJ_.o,_, _ No mesmo sentido, vale a pena lembrar o que disse Alexander H~milton a respeito do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, ao explicar o conteúdo da Constituição norte-americana, então recentemente elaborada, já se antecipando à célebre decisão do ChiefJustice Marshall, no lead caseMarbury v. Madison: Em consonância com esta posição, Dalmo de Abreu Dallari é elucidativo e preciso ao afiançar que: 43 «Se meditarmos, por um só momento, no papel das leis como instrumento de governo nos Estados modernos; na verdadeira pletora legislativa que os caracteriza, em virtude do número e da complexidade cada vez maior dos modernos problemas governamentais, se tivermos ainda em vista a interveríçãd~ cada vez mais necessária do Estado nas várias esferas da vida humana, como corolário inescapável da própria complexidade da vida e do desenvolvimento social; e se refletirmos, afinal, sobre os constantes perigos do arbítrio estatal, de violação das liberdades, de abuso do poder, de des- respeito aos direitos individuais e coletivos, quer por meio das próprias leis, quer por atos de agentes e autoridades públicas, após considerarmos toda essas contingências, que pesam como verdadeira fatalidade sobre todas as sociedades dos nossos dias, bem poderemos avaliar o que representa, tanto para a existência da Constituição, como para a própria sobrevivência da Cap.U • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA .•• 'O Controle de Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal: In: O Poder Judiciário e a Constituição, p. 87. 47 "O juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal de suas decisões, que muitas vezes. afetam de modo extremamente grave a liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a convivência na sociedade e toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou de muitas pessoas. Essa legitimação deve ser permanentemente complementada pelo povo, o que só ocorre quando, segundo a convicção predominante, os juízes estão cumprindo o seu papel constitucional, protegendo eficazmente os direitos e decidindo com justiça. Essa legitimação tem especial importância pelos efeitos políticos e sociais que podem ter as decisões judiciais':47 Evidentemente que, quando o juiz deixa de aplicar uma lei ordinária, por considerá-la inconstitucional, ele não mais faz do que aplicar a própria Cons- tituição, que representa a vontade «autênticà' e soberana do povo, expressa de modo mais elevado. Dito d'outro modo, o juiz constitucional, quando realiza o controle de constitucionalidade das leis, atua de forma a fazer sobrepor a vontade do legislador constituinte, expressa na Constituição, à vontade do legislador ordinário. A ideia que subjaz à justiça constitucional é a de que a vontade da maioria constituinte incorporada na Constituição (que é a vontade soberana e autêntica do povo) sempre prevaleça sobre a vontade da maioria ordinária ou governante de cada momento. Ainda, compartilhando as lições de Meirelles Teixeira, cumpre não perder de vista o que expõe o autor: '~. :f,-. ,;.'-:~ :~ '1 'j Entre a vontade da Nação, estabelecida de modo irreformável por lei ordi- nária, na Constituição, e a vontade da Nação manifestada pelo Legislativo, através da lei ordinária, e em desacordo com a Constituição, é evidente que só à primeira cabe prevalecer. Se num país de rigidez constitucional acha-se a lei ordinária em desacordo com a Constituição, essa lei ordinária é apenas uma <aparêncià da vontade nacional, uma pseudovontade da Nação, pois a autêntica, a verdadeira vontade nacional já se manifestou, cercando-se de todas as cautelas, soberana e inconfundível, nos preceitos constitucionais': 45 (grifado no originalJ «Alguma perplexidade quanto ao poder dos tribunais de pronunciar a nu- lidade de atos legislativos contrários à constituição tem surgido, fundada na suposição de que tal doutrina implicaria na superioridade do Judiciário sobre o Legislativo. Afirma-se que a autoridade que pode declarar os atos da outra nulos deve ser necessariamente superior àquela cujos atos podem ser declarados nulos. (...) Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. (...) A presunção natural, à falta de norma expressa, não pode ser a de que o próprio órgão legislativo seja o juiz de seus poderes e que sua interpretação sobre eles vincula os outros Poderes. (...) É muito mais racional supor que os tribunais é que têm a missão de figurar como corpo intermediário entre o povo e o Legislativo, dentre outras razões, para assegurar que este último se contenha dentro dos poderes que lhe foram deferidos. A interpretação das leis é o campo próprio e peculiar dos tribunais. Aos juízes cabe determinar o sentido da Constituição e das leis emanadas do órgão legislativo. Esta conclusão não importa, em nenhuma hipótese, em superioridade do Judiciário sobre o Legislativo. Significa, tão-somente, que o poder do povo é superior a ambos; e que onde a vontade do Legislativo, declarada nas leis que edita, situar-se em oposição à vontade do povo, declarada na Constituição, os juízes devem curvar-se à última, e não à primeirà'.46 Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 375. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, 1981, p. 226, apud Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, op. cit.) p. 155-156. Ver também Jorge Miranda, Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade, p. 54. 45 46 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior liberdade e da ideia do Direito, o controle adequado da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Púb lico".48 Por tudo isso se percebe que a legitimidade da justiça constitucional re- pousa na extraordinária capacidade que ela tem de harmonizar os valores do Estado Democrático - consubstanciados no governo da maioria - e os valores do Estado de Direito - consolidados na supremacia da Constituição e na defesa dos direitos fundamentais -, de tal sorte que não só as maiorias, mas também as minorias passam a merecer a proteção no âmbito do Estado Democrático de Direito. Assim, podemos' assegurar que a jurisdição constitucional extrai .. sua legitimidade formal da própria Constituição, que colhe como fórmula ou regime político o Estado Democrático de Direito e sua legitimidade material da necessidade indispensável de proteção dos direitosfundamentais. Isso implica asseverar que, em última instância, é a própria vontade popular, fonte do Poder Constituinte, que confere à justiça constitucional o tônus de sua legitimação. Portanto, não é exagero sustentar que a jurisdição constitucional, como instru- mento de controle da constitucionalidade dos atos e omissões do poder público, encontra -se ligada à própria lógica da soberania popular, cuj a expressão máxima é a Constituição. Para além de sua legitimidade adveniente da só previsão em Constitui- ção democrática, a jurisdição constitucional ainda haure sua legitimação da necessidade do controle do Poder pelo Poder. Nesse particular, a jurisdição constitucional, como instrumento de controle da constitucionalidade dos atos e omissões do poder público, é um imperativo ditado pela necessidade de um equilibrado si~tema de freios e contrapesos, isto é, de um controle recíproco entre os Poderes, de tal modo que ela seja empregada a fim de que ((iepouvoir arrête le pouvoir': Para essa direção apontam as observações feitas por Thomas Cooley, que, reportando-se às limitações judiciais às usurpações do Poder Legislativo no Direito Constitucional norte-americano, tem assim afirmado: Princípios Gerais ..., op. cit., p. 152. Ruy Barbosa. Obras completas de Rui Barbosa, v. 19, p. 300. Willes Santiago Guerra Filho, Processo Constitucional eDireitos Fundamentais, op. cit., p. 26. Hermenêutica ConstitucionaL.) op. cit., p. 14. 49 50 52 51 A legitimidade da justiça constitucional também encontra justificativa na aceitação de suas decisões pela opinião pública, razão por que todas as suas manifestações devem ser públicas e fundamentadas. Não sem razão, já dizia Ruy que a ((majestade dos tribunais assenta na estima pública':sO Com efeito, como já tivemos a oportunidade de afirmar, .essa legitimidade também reside na consistência das decisões do Poder Judiciário, que devem ser fundamenta- das e tornadas públicas, a fim de que se possa assegurar à sociedade que essas decisões não resultam de caprichos ou idiossincrasias dos juízes, mas sim de seus esforços em se manterem fiéis ao sentimento de equidade e justiça da co- munidade. Destarte, a justiça constitucional, ao elevar os valores fundamentais de uma Constituição sobre os interesses ocasionais dos grupos políticos, ao assegurar a efetividade de toda a Constituição, ao garantir o exercício imediato de todos os direitos fundamentais, enfim, ao fazer da Constituição o elemento de referência vinculante e obrigatório de todos os Poderes, grupos e cidadãos, é uma justiça, sem dúvida alguma, capaz de gerar consenso. Ademais, o processo judicial que se instaura para o exercício da jurisdição constitucional torna -se um instrumento de participação política e exercício permanente da cidadaniasl• Nesse particular, cumpre fazer referência à ((sociedade aberta dos intérpretes da Constituição': de Peter Hãberle, que propõe pela adoção de uma hermenêu- tica constitucional adequada à sociedade pluralista, ou seja, a uma sociedade aberta, pressupondo a integração da realidade no processo de interpretação da Constituição. O processo constitucional, por conseguinte, torna-se parte do direito de particip~ção democrática, onde todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos; pa~ticipantes materiais do process'o social, estão envolvidos, de tal modo que a interpretação constitucional é, a um só tempo, elemento resultante da sociedade ,~berta e elemento formador dessa mesma sociedade. Porém, esclarece Hãberle: ((Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação':s2 Cuida, tal proposta, de uma democratização da interpretação constitucional, Cap. 11• CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ... 45 ! _ ..-----------.---- .---- ..--- ..-------- ... ..._._. .._.0_ .._ .. ---L ~.' tuição, é claro que o poder delegado foi o que se excedeu; que o mandatário não se manteve dentro da órbita do mandato. O excesso) por conseguinte, é nulo e é dever do tribunal reconhecer e fazer efetiva a Constituição como o direito primordial, e recusar-se a dar execução ao ato legislativo, e assim .o anular na práticà:49 ((O fim dos tribunais é aplicar a lei local às contendas que, uma vez suscita- das, são levadas à decisão deles. Sua autoridade é coordenada à autoridade do Poder Legislativo. Não lhe é nem superior nem inferior, mas cada uma dessas autoridades deve agir com igual dignidade dentro da esfera que lhe é assinalada. Porém o Poder Judiciário, tendo de decidir qual a lei que deve ser aplicada em determinada controvérsia, pode encontrar a vontade do Poder Legislativo, conforme é expresso em lei, em conflito com a vontade do povo em conformidade do expresso na Constituição, e as duas se não puderem conciliar. Neste caso, como o Poder Legislativo é o conferido pela Consti- Op. cit., p. 373-374.48 o que corresponde a uma democratização da jurisdição constitucional, já que esta deve levar necessariamente em conta a opinião pública. No mesmo sentido, Otto Bachof já defendia que a legitimidade da juris- dição constitucional seria obtida através de uma permanente comunicação ou diálogo duradouro com as partes, com os colegas do próprio tribunal, com os tribunais do mesmo nível, com os tribunais superiores ou inferiores, bem como com o mundo jurídico, com a ciência, com o povo e com a própria opinião pública53• Recordamos, a propósito, algumas práticas desenvolvidas por alguns Tribunais de assegurar a órgãos e entidades de representatividade o «dlreito de manifestação" nos processos constitucionais de natureza objetiva. Entre 'nós, essa prática de legitimação democrática - denominada pelos norte-americanos de amicus curiae - está prevista na Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999 (no ~ 2° do art. 7°), que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Com essa manifestação franqueada aos órgãos e entidades representativas, tem-se um ((pedaço" de representação da sociedade pluralista no processo constitucional. A propósito, convém lembrar que o processo constitucional propicia a imediata e direta relação entre as partes e o juiz, de modo que a jurisdição constitucional também adquire sua legitimidade pelo incontestável fato de que os juízes, a despeito de não eleitos, são os que estão mais próximos de quem reclama por justiça, ou seja, a população em geral. É mais fácil o acesso do povo aos órgãos judiciários do que aos órgãos executivos e legislativos. No controle difuso-incidental, este acesso é significativamente amplo e manifesto, haja vista que qualquer pessoa pode, por meio de qualquer ação (desde que adequada para sua pretensão), provocar a jurisdição constitucional. No controle concen- trado-principalo acesso é um pouco restrito, pela natural circunstância de que, neste modelo de controle, inexiste interesse cÇ>ncretoa resolver de quem quer que seja. Não obstante isso, alguns países, como o Brasil, fIXam um amplo rol de legitimados, de grande representatividade popular (como, por ex., os partidos políticos, as entidades de classe e as confederações sindicais), para a instauração da jurisdição constitucional. Não podemos olvidar, ademais, que no sistema de Constituições rígidas, a Constituição é norma jurídica suprema, pois ocupa a cúspide do ordenamento jurídico estatal, conformando o Estado e vinculando os seus Poderes e todos os seus atos. Em razão dessa supremacia normativa da Constituição, Eduardo García de Enterría54 associa a ideia da legitimidade da justiça constitucional à ~ ! 46 I ~ C_ap_.• _11_- C_O._N_T_RO_L_E_D_E_C_O_N_ST_IT_U_C_IO__ N_A_L1_D_A_D_E_.: _A_G_AR_A_N_T_IA_D_A_S_U_P~_RE_M_A_C_IA__••_. _~ Die Verfassung aIs r~c1itliche Grundordnung dês Staates, p. 147, apud J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria
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