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Controle de Constitucionalidade

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Teoria e Prát~(a
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Teoria e PráticaL . ._~-.,---
r..-- ...._\
I 18 I CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirleyda Cunha Júnior
6. Arguição incidental ~ 362
6.1. Legitimidade ad causam 366
6.2. Objeto. 369
6.3. Controvérsia constitucional relevante 369
7. Ocaráter subsidiário da arguição de descumprimento de preceito funda-
mental. O significado e alcance do ~ 1º do art. 4º da Lei nº 9.882/99 371
8. Aarguição de descumprimento de preceito fundamental e as omissões
do poder público 380
9. AArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental como instru-
mento de reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional. 384
9.1. O Estado de Coisas Inconstitucional. 384
9.2. OProjeto de Lei nº 736, de 2015 e as alterações na Lei nº 9.882/99
(Lei da ADPF) 385
Capítulo XII
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS-MEMBROS 389
1. Consi derações gerais 389
2. O Controle de constitucionalidade difuso-incidental nos Estados 389
3. OControle de constitucionalidade concentrado-principal rios Estados 394
BI BLIOG RA F IA •.••••••••••..••••.•.......••.•.•.•••.•.••.••••.•.•••••••.•••••..•.••••.•..•••••••...•••.•.••.•••.•.••••••. 401
-,
Capítulo I
CONSTITUIÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
«no espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer
coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei
conlum': (Ferdinand Lassalle)l
1.CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO
A ideia de Constituição não é um privilégio dos tempos hodiernos. Com
efeito, consoante ressaltou Ferdinand Lassalle, sustentando sua concepção
sociológica da Constituição, u~a «Constituição real e efetiva a possuíram e a
possuirão sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição
é uma prer~ogativa dos tempos modernos. Não é certo isso'?
Assim, Lassalle chamou a atenção para o fato de que todos os Estados
possuen1 e sempre possuíram, em todos os momentos da sua história, uma
Constituição real e verdadeira. A diferença surgida em tempos mais recentes
não é a presença de Constituições reais e efetivas, que sempre existiram, mas
sim o aparecimento de Constituições escritas nas folhas de papel 3. Deveras, na
maior parte dos Estados modernos, testemunhamos o surgimento, num de-
terminado momento de sua história, de uma Constituição escrita, cuja missão
é a de estabelecer, em documento solene, todas as instituições e princípios do
governo vigente4• Coerente com esse raciocínio, convém defender que, na ver-
dade, a ideia de Constituição precede ao próprio constitucionalismo, entendido
este como um movimento político-constitucional que pregava a necessidade
da elaboração de Constituições escritas que regulassem o fenômeno político e
o exercício do poder, em benefício de um regime de liberdades públicas. Isso
porque, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, em havendo Esta-
do, sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que
dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade.
A Essência da Constituição, p. 24.
Ibidem, p. 39.
Ibidem, p. 41.
A Essência da Constituição, p. 41.
8 • J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 47 .. '
J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 51.
10 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 07.
11 Ibidem, mesma página.
12 Ibidem, mesma página.
13 Alexandre Parodi, La vie publique et le vie économique,em Encydopédie, t. 10.
14 Op. cit., p. 08.
uma técnica especifica de limitação do poder com fins garantísticos 8. Quer dizer,
qualifica-se como uma teoria n,)rmativa do governo limitado e das garantias
individuais, sendo temas centrais do constitucionalismo, portanto) afundação e
legitimação do poder político ea constitucionalização das liberdades9 • Cuida-se de
um movimento político e jurídico que visa a estabelecer em toda parte regimes
constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes)
submetidos a Constituições escritas10•
Confunde-se, no plano político, com o liberalismo e, comeste, sua marcha
no século XIX e nos primeiros três lustros do ,séculoXX) foi triunfal. Assim,
ou pela derruba dos tronos) ou pela outorga dos monârcas~'tbdos os Estados
europeus) um a um) exceto a Rússia, adotaram Constituiçãol1• A ideia e ne-
cessidade de Constituição ganhou força no liberalismo político e econômico,
que triunfa com as revoluções dos séculos XVIII e XIX. No plano econômico,
o liberalismo afirma a virtude da livre concorrência, da não-intervenção do
Estado, enfim, o laissez-faire, que enseja a expansão do capitalismo. No plano
político, o liberalismo encarece os direitos naturais do homem, tolera o Estado
como um mal necessário e exige, para prevenir eventuais abusos, a separação
de poderes que MONTESQUIEU teorizou no seu Espírito das leis.12A dizer, a
concepção liberal do Estado nasceu de uma dupla influência: de um lado, o
individualismo fIlosófico e político do século XVIII e da Revolução Francesa,
que considera como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção
de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, ó
liberalismo econômico dos fisiocratas e de ADAM SMITH, segundo o qual o
Estado é impróprio para exercer funções de ordem econômica13•
Nas Américas, a independência em face às imposições coloniais impôs a
adoção de constituições escritas, nas quais, rompendo a organização histórica,
a vontade dos libertadores pudesse fIXaras regras básicas da existência inde-
pendente. Quer dizer, o constitucionalismo na América se identifica com o
europeu, exceto pela.pec,uliaridade de que, na América, a Constituição escrita
era exigência da própria' independência, pois esta implicava, sobremodo) no
rompimento dos costumes, como anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho14•
Ainda segundo o ilustre autor,
21Cap.1 • CONSTITUiÇÃO ESUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 03.
Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, p. 21.
Limites da Revisão Constitucional, p. 26.
CONTROLE DECONSTITUCIONAUDADE - Dirley da Cunha Júnior
o constitucionalismo, contudo, tem origens históricas que variam de
tempo e espaço. Com efeito, desde a Antiguidade já se constatava que, entre
as leis, algumas há que organizam o próprio poder. São leis que fixam os seus
órgãos, estabelecem as suas atribuições e seus limites, enfim, numa palavra,
definem a sua Constituiçãos. A noção de Constituição, pois, já existia entre os
gregos e romanos, no domínio do pensamento filosófico e político. Aristóte-
les distinguia entre. uma categoria de normas que organizavame fIXavamos
fundamentos do Estado (as normas de organização), e as normas comuns (as
regras) que eram elaboradas e interpretadas em consonância com as primeiras.
Tal distinção, porém, somente veio a ser valorizada no século XVIII, a partir
do movimento denominado constitucionalismo, que surgiu, inicialmente, com
o propósito de limitar o poder, afirmando a existência de leis que seriam a ele
anteriores e superiores. É, daí em diante que a expressão Constituição passou
a ser empregada para designar o corpo de normas que definem a organização
. fundamental do Estado.
É preciso insistir, contudo, quemesmo antes do advento do chamado Estado
deDireito, já existiaum Estado, chamado Absoluto, fundado numa Constituição
queprescrevia obediência irrestrita ao soberano. Sendo assim, o constituciona-
lismo,como movimento, não se destinou a conferir 'Constituições' aos Estados,
que já as possuíam, pelo menos no sentido material, mas, sim, a fazer com que
asConstituições (os Estados) abrigassem preceitos asseguradores da separação
das funções estatais e dos direitos fundamentais6• Nesse contexto, podemos
afirmar, com o mestre baiano EDVALDOBRITO, que o constitucionalismo ((é
expressão da &oberaniapopular que representa, em certo momento histórico,
o deslocamento do eixo do poder, cuja titularidade ou exercício era exclusiva-
mente do (soberano":7O constitucionalismo, portanto) deve ser visto como uma
aspiração de uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes
e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio
da primeira forma de Estado. Não é por acaso que as primeiras Constituições
do mundo. (exceto a norte-americana) trataram de oferecer resposta ao esque-
ma do poder absoluto do monarca) submetendo-o ao controle do parlamento.
Nessa linha de raciocínio, de afirmar~se que o constitucionalismo, como
esclarece CANOTILHO~apresenta-se como uma teoria formada por umcon-
junto de ideias, que exalta o princípio do governo limitado como indispensável
à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social
de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representa
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
Alexandre de Moraes, Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais, p. 36.
J. J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 48.
Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 151.
Manoel Gonçalves ..., op. cit., p. 08.
19
20
17
18
Cap.1 . CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL-----_._-----_._---_._---'-- ----
1791, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do
poder estatal, por meio da previsão de Direitos e Garantias Fundamentais17• Já no
constitucionalismo moderno, a noção de Constituição envolve uma força capaz
de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso mesmo, ela é
concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma
norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as
outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado
por procedimentos especiais e solenes previstos em seu próprio texto. Como
decorrência disso, institui um sistema de responsabilização jurídico-política do
. poder que a desrespeitar, inclusive por meio do controle de constitucionalidade
dos atos do Parlamento.
Enfim, o constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da cha-
mada constituição moderna, entendida como "a ordenação sistemática e racional
da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as
liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político':lB Desdobrando
esse conceito de Constituição, considerado por Canotilho como um conceito
ideal, tem -se que ela deve ser entendida como: (1) uma norma jurídica funda-
mental plasmada num documento escrito; (2) uma declaração, nessa carta escrita,
de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia e,
finalmente, (3) um instrumento de organização e disciplina do poder político,
segundo esquemas t'endentes a torná-lo um poder limitado e moderado.
Assim, no constitucionalismo moderno, a Constituição deixa de ser
concebida como simples manifesto político para ser compreendida como uma
norma jurídica fundamental e suprema, elaborada para exercer dupla função:
garantia do existente e programa ou linha de direção para ojuturo19•
A primeira Guerra Mundial, contudo, embora não marque o fim do consti-
tucionalismo, assinala uma profunda mudança em seu caráter. Assim, ao mesmo
tempo em que gerav~ novos Estados, que adotaram, todos, Constituições escritas,
o após Primeira G~(lY},d~Guerra desassocia esse movimento do liberalismo. Os
partidos socialist.~s e'~érlstãos impõem às novas Constituições uma preocupa-
ção com o econômico e com o social, fazendo com que essas Cartas Políticas
inserissem em seus textos direitos de cunho econômico e sociapo.
Passaram, pois, as Constituições a configurar um novo modelo de Estado,
então liberal e passivo, agora social e intervencionista, conferindo-lhe tarefas,
diretivas, programas e fins a serem executados através de prestações positivas
Op. cit., p. 04.
J. J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 48.
"a ideia de Constituição escrita, instrumento de institucionalização política,
não foi inventada por algum doutrinador imaginoso~ é uma criação coletiva
apoiada em precedentes históricos e doutrinários. Elementos que se vão com-
binar na ideia de Constituição escrita podem ser identificados, de um lado,
nos pactos e nos forais ou cartas de franquias e contratos de colonização; de
outro, nas doutrinas contratualistas medievais e na das leis fundamentais do
Reino, formulada pelos legistas. Combinação esta realizada sob os auspícios
da fuosofia iluministà: 15
15
"fala -se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político,
social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona
nos planos político, fIlosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio
político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação
e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio
nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto
é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da
existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente
limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num
tempo longo, desde os fins da Idade Média até o século XVIII".16
É importante, ademais, não perder de vista a distinção, frequenteIl?-ente
lembrada, entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno.
Segundo Canotilho, numa acepção histórico-descritiva,
16
Designa, assim, de constitucionalismo antigo todo o esquema de organi-
zação político-jurídica que precedeu o constitucionalismo moderno, como o
constitucionalismo grego e o constitucionalismo romano.
No constitucionalismo antigo, a noção de Constituição é extremamente
restrita, uma vez que era concebida como um texto não escrito, que visava tão
só à organização política de velhos Estados e a limitar alguns órgãos do poder
estatal (Executivo e Judiciário) com o reconhecimento de certos direitos funda-
mentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante,
uma vez' que inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse os direitos
de seus súditos. Ademais, o Parlamento, considerado absoluto, não se vincu-
lava às disposições constitucionais, não havendo possibilidade de controle de
constitucionalidade dos atos parlamentares. O Parlamento podia, até, alterar a
Constituição pelas vias ordinárias.
A origem formal do constitucionalismo moderno está ligada às Constitui-
ções escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de
r';~~....!-! C_ON_T_R_O_lE_D_E__C_O_N_ST_.ITUelONAL! DADE - Dirley da Cunha Júnior
2.A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O CARÁTER VINCULANTE
E IMPERATIVO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Todas as normas constitucionais das Constituições rígidas, independen-
temente de seu conteúdo, têm estrutura e natureza de normas jurídicas, ou
seja, são normas providas de juridicidade, que encerram um imperativo, vale
dizer, uma obrigatoriedade de um comportamento. São, pois, verdadeiras nor-
mas jurídicas. É certo, porém, que a Constituição brasileira, como a maioria
das Constituições contemporâneas, contém normas de diversos tipos, função e
natureza, de modo que algumas são dotadas de maior eficácia que outras. Mas
isso não significa, no entanto, que haja em seu texto normas não-jurídicas. Todas
as normas constitucionais, sem exceção, mesmo as permissivas, são dotadas de
imperatividade, por determinarem uma conduta positiva ou uma omissão, de
cuja realização são obrigadas todas as pessoas e órgãos às quais elas se dirigem.
Não existe norma constitucional destituída de eficácia: todas elas irradiam efei-
tos jurídicos, já ressaltava de há muito o grande RUY BARBOSA, de tal sorte
que, segundo o ilustre baiano, "não há, numa Constituição, cláusulas a que se
CCa) la constitucióh es la fuente primaria de validez positiva deIorden jurídico;
b) la constitución habilita la creación sucesiva y descendente de ese mismo
orden en cuanto a la forma y en cuanto aI contenido deI siste~a normativo;
Capo I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ;' 25 I
__ H __ ~ ~M_M "_' • ,~,~ • • ----.- ••• --.- ••••• _---1
Ruy Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, v. 2, p. 475 e ss.
Ritinha Alzira Stevenson Georgakilas, 1\ Constituição e sua supremacia: In: Constituição de
1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia, p. 101. '
Teoria Pura do Direito, p. 247.
Ibidem, p. 247.
deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas
têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos
seus órgãos': 1
Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem imperativas.
Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade
assume uma feição peculiar, qual seja, a da sua supremacia em face às demais
nor.mas do sistema jurídico. Assim, a Constituição, além de imperativa como
toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de
proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar,
seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), sejà quanto à
matéria de que tratam (conformação material). Essa supremacia da Constituição
(ou sua imperatividade reforçada e superlativa) em face às demais entidades
normativas advém, naturalmente, da soberania da fonte que a produziu: o poder
constituinte originário, circunstância que a distingue, sobremaneira, das outras
normas do sistema jurídico, que são postas pelos poderes constituídos. Para
além disso, ainda vigora na doutrina a ideia de que a Constituição é suprema
em razão da natureza de suas normas, na medida em que estas refletem a real
estrutura da organização do poder político de determinado Estado, que elas
retratam e disciplinam2• Dediquemo-nos, em linhas que se seguem, um pouco
mais à supremacia da Constituição no sistema normativo.
KELSEN, com a sua clássica teoria do escalonamento da ordem jurídi-
ca, concebeu o Direito como um sistema hierarquizado de normas jurídicas.
Segundo o jusfilósofo, a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas
dispostas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas sim uma
construção escalonada de diferentes degraus ou camadas de normas jurídicas3•
Na cúspide dessa ordem jurídica encontra-se a Constituição, considerada o
fundamento supremo de validade de todas as normas jurídicas. Assim, na or-
dem jurídica nacio~.al, a Constituição representa o escalão de Direito positivo
mais elevado4• E is.s.oin:tplica, segundo o magistério de BIDART CAMPOS, as
seguintes consequênci'as:
r
"
Ernst Forsthoff, Tratado de derecho administrativo, Madrid, Instituto de Estudios Políticos,
1958.
" oferecidas à sociedade. A história, portanto, testemunha a passagem do Estado
liberal ao Estado social e, consequentemente, a metamorfose da Constituição, de
Constituição Garantia, Defensiva ou Liberal para Constituição Social, Dirigente,
Programática ou Constitutiva.
O Estado do Bem-Estar Social, adquiriu dimensão jurídica a partir do
momento em que as Constituições passaram a discipliná-lo sistematicamente, o
que teve início com a revolucionária Constituição mexicana de 1917. No Brasil,
a Constituição de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar de
1919, foi a primeira a delinear os contornos da 'atuação desse Estado interven-
cionista, do tipo social, dualista, na consecução do seu objetivo de promover o
desenvolvimento econômico e o bem-estar social. E desde a Carta de 1934 até
a atual, o regime constitucional brasileiro tem se pautado por uma conjugação
de democracia liberal e de democracia social. Na atual, de 1988, esta assertiva
está descortinada nos arts. 170 e 193, respectivamente.
Pois bem, a Constituição de 1988 ordena e sistematiza a atuação estatal
interventiva para conformar a ordem socioeconômica. É o arbítrio conforma-
dor, a que se refere FORSTHOFPl, pelo qual o Estado, dentro de certos limites
estabelecidos pela ordem jurídica, exerce uma ação modificadora de direitos e
relações jurídicas dirigidas à totalidade, ou a uma parte considerável da ordem
social.
21
German J. Bidart Campos, La interpretación y eI controI constitucionaIes en la jurisdición
constitucional, p. 37- 38.
J. J. Gomes Canotilho, Direíto Constitucional e Teoria da Constituição, p. 826.
Assim, em face de sua supremacia, todas as manifestações normativas, em
um Estado de Direito, devem estar em consonância com a Constituição e jamais
contra ela, de tal sorte que ((Sila ruptura de ese ligamen de subordinación se pro-
duce, la violación implica una anti -constitucionalidad o inconstitucionalidad': 5
A noção de supremacia é inerente à noção de Constituição, desde que essa
superioridade normativa implique a ideia de uma norma fundamental, de uma
Fundamental Law, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de
validade de toda a ordem positiva estabelecida no Estado. A Constituição é a
base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como norma jurídica
fundamental, ela goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas
do ordenamento jurídico.
Ela se destaca numa ordenação jurídica estatal, consoante anota Gomes
Canotilho, como uma Lei Suprema, quer porque ela é fonte da produção nor-
mativa (norma normarum), quer porque lhe é reconhecido um valor normativo
hierarquicamente superior que faz dela um parâmetro obrigatório de todos os
atos da vida humana. A ideia de constituição como norma reguladora da pro-
dução jurídica (superlegalidade formal) justifica a tendencial rigidez das Leis
Fundamentais, traduzida na consagração, para as leis de revisão, de exigências
processuais, formais e materiais, 'agravadas' ou 'reforçadas' relativamente às leis
ordinárias. Por sua vez, a parametricidade material das normas constitucionais
conduz à exigência da conformidade substancial de todos os atos do Estado e
dos poderes públicos com as regras e princípios hierarquicamente superiores da
Constituição (superlegalidade material). Da conjugação destas duas caracterís-
ticas - superlegalidade formal e superlegalidade material da Constituição - de-
riva o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos normativos, que
encerra a ideia de que as normas jurídicas só estarão conformes com a Consti-
tuição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido,
da produção desses atos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente,
os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais6•
A supremacia da Constituição conduz à sua superioridade hierárquico-normativa relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. Essa
superioridade, ainda segundo o autor de Coimbra, implica em que: a) as nor-
mas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de
27Capo I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Ibidem, p. 1074.
La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, p. 49-50.
"sino precisamente. la prirrtera de las normas deI ordenamiento entero, la
norma fundam.ental, lex superior. Por varias razones. Primero, porque la
Constitución define el sistema de fuentes formales deI Derecho, de modo
que sólo por dictarse conforme a lo dispuesto por la Constitución (...) una
Ley será válida o un Reglamento vinculante; en este sentido, es la primera
de las (normas de producción', la norma. normarum, la fuente de las fuentes.
Segundo, porque en la medida en que la Constitución es la expresión de
una intención fundacional, configuradora de unsistema entero que en ella
se base, tiene una pretención de permanencia (...) o duración (...), lo que
parece asegurarla una superioridad sobre las normas ordinárias (...). Esta
Idea determinó, primero, la distinción entre un poder constituyente, que es
de quien surge la Constitución, y los poderes constituídos por éste, de los
que emanan todas las normas ordinarias. De aquí se dedujo inicialmente
la llamada 'rigidez' de la norma constitucional, que la asegura una llamada
'superlegalidadformal:que impone formas reforzadas de cambio o modi-
ficación constitucional frente a los procedimientos legislativos ordinarios
(...). Pero la idea llevará también aI reconocimiento de una 'superlegalidad
material', que asegura a la Constitución una preeminencia jerárquica sobre
todas las demás normas deI ordenamiento, producto de los poderes consti-
tuidos por la Constitución misma, obra deI poder constituyente. Esas demás
normas sólo serán válidas si no contradicen, no yá sólo el sistema formal de
produci6n de las mismas que la Constitución estabelece, sino, y sobre todo,
el cuadro de \(aJoresy de limitaciones deI poder que en la Constitución se
expresâ~8(grifado no original).
Em decorrência d~~sa irrecusável posição de norma jurídica suprema, exige
a Constituição que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios
e regras que ela adota. Essa indeclinável e necessária compatibilidade vertical
entre as leis e atos normativos com a Constituição satisfaz, por sua vez, o prin-
cípio da constitucionalidade: todos os atos normativos dospoderes públicos só são
válidos e, consequentemente, constitucionais, na medida em que se compatibili-
validade em si própria (autoprimazia normativa); b) as normas da constituição
são normas de normas (normae normarum), afirmando-se como uma fonte de
produção jurídica de outras nor.mas, e c) a superioridade normativa das normas
constitucionais gera o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes
públicos com a Constituição7•
A ideia de supremacia constitucional não escapou à percuciente análise
de EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA que, em lúcida explanação, assevera
que a Constituição não é somente uma norma,
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
c) la constitución obliga a que eIorden jurídico sea congruente y compatible
con ella; d) la constitución descalificae invalida cualquier infracción a ellà~
26
zem,formal e materialmente, com o texto supremo. Essa compatibilização deve
ser formal, no sentido de que devem estar de acordo com o modo de produção
legislativo tracejado na carta maior; e material, de modo que o conteúdo desses
atos guarde harmonia com o conteúdo da lei magna9• Assim, a superioridade
jurídica da Constituição implica, na prática brasileira, a revogação de todas as
normas anteriores com ela materialmente contrastantes e a nulidade de todas
as normas editadas posteriormente à sua vigêncialo.
É importante ressaltar, todavia, que a superioridade hierárquico-normativa
da Constituição só se coaduna com as chamadas Constituições rígidas. Vale dizer,
a supremacia constitucional somente se verifica onde exista uma Constituição
rígida. Isso porque, como de entendimento convencional, a Constituição rígida
se caracteriza por demandar um processo especial para sua alteração, que se
apresenta distinto, mais solene e excessivamente mais complexo e mais difícil
do que aquele previsto para a elaboração das leis comuns, distinguindo-se das
chamadas Constituições flexíveis, por se contentarem estas com o idêntico pro-
cesso de reforma e elaboração das leis ordinárias, ou seja, por se submeterem
a um processo de reforma coincidente com o modo de produção da legislação
comum, inexistindo, pois, relativamente às Constituições flexíveis, qualquer
diferença formal entre norma constitucional e norma infraconstitucional. As-
sim, pode-se afirmar que, em face da supremacia das Constituições rígidas, que
pressupõe um escalonamento entre as entidades normativas, existem normas
constitucionais (superiores) e normas infraconstitucionais (inferiores).
Onde não houver lugar para essa diferença, evidentemente não haverá
espaço para' a rigidez constitucional, pois, segundo aponta o saudoso mestre
Raul Machado Horta, não se põe dúvida que uma das principais consequên-
cias da rigidez constitucional é a de reforçar, elevando-a ao máximo, a ideia de
supremacia constitucional, de modo que ao conteúdo político das Constituições
escritas, a rigidez acrescenta conteúdo jurídico. Assim, a Constituição passa a ser
a fonte primária e o parâmetro obrigatório do ordenamento jurídico, impondo
a hierarquização das normas, ordenando-as em duplo grau: no topo, postam-se
as normas constitucionais; em escala descendente, as normas ordinárias ou in-
fraconstitucionais. A norma infraconstitucional, que fere norma constitucional,
torna-se norma inconstitucional, írrita e absolutamente nula. À rigidez cons-
titucional é correlativa a noção de supremacia constitucionall!, que encontra a
sua garantia máxima no controle de constitucionalidade.
r--'\
i 28 I Cap. I • CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Norma Constitucional e seus efeitos, p. 1S.
Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação ... , op. cit., p. 152. Essa ideia partiu do abade
Emmanuel Joseph Sieyes que, no seu revolucionário opúsculo Quest-ce que le Tiers État?,
defendeu a tese de que a Constituição extrai o fundamento de sua supremacia no poder
constituinte.
ADI 2.10S-MC, ReI. Min. Celso de Mello, DJ 28/04/00.
E a supremacia da Constituição se justificaria, como bem salienta Maria
Helena Diniz, para manter a estabilidade social, bem como a rigidez de seus
preceitos, pressupondo a existência de meios de defesa encarregados da (guarda
da Constituição: o que se verifica através do controle de constitucionalidade
exercido pelos órgãos jurisdicionais12•
A supremacia da Constituição, sem dúvida, é tributária da ideia de supe-
rioridade do poder constituinte sobre todas as instituições jurídicas e políticas
vigentes no Estado, de sorte que uma Constituição haure o fundamento de sua
supremacia na própria supremacia do poder que a originou. Isso faz com que
o produto do exercício deste poder, a Constituição, esteja situado no topo do
ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade a todas as d-emais
normas13, e de referência obrigatória à atuação do poder público, que a ela se
encontra vinculado.
Importa destacar, outrossim, que a supremacia da Constituição não só
impõe que toda atuação do poder público se conforme, material e formalmente,
com os preceitos e diretrizes por ela estabelecidas, como também determina - em
face da hodierna categoria jurídico-constitucional da inconstitucionalidade por
omissão, o que só reforça mais ainda sua imperatividade - que o poder público
obrigatoriamente atue quando para tanto foi exigido. A supremacia constitucio-
nal ficaria comprometida - e, de resto, toda ordem jurídica - se as imposições
constitucionais não fossem realizadas.Em consequência disso, todos os órgãos
do Poder Político - Legislativo, Executivo e Judiciário - acham-se vinculados e
obrigados a satisfazer os fins e tarefas impostas pelo texto magno. Com efeito,
"Aautoridade hierárquico-normativa da Constituição da República impõe-se,
a todos os Poderes do Estado. Nenhuma razão - nem mesmo a invocação do
princípio do autogoverno da Magistratura - pode justificar o desrespeito à
Constituição. Ninguém tem o direito de subordinar o texto constitucional à
conveniê~cia dos interesses de grupos, de corporações ou de classes, pois o
desprez~_peJ.~J~onstituiçãofaz instaurar um perigoso estado de insegurança
jurídica, além1 de subverter, de modo inaceitável, os parâmetros que devem
reger a atuação legítima das autoridades constituídas:'14
13
12
A vinculação da"Constituição e de suas normas é uma realidade do
constitucionalismo contemporâneo, que impõe uma cefuerzavinculante bilateral
14
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 48.
Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dog-
mática constitucional transformadora, p. 150.
Direito Constitucional, p. 125.11
10
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
"de la norma"15) isto é, que vincula tanto os órgãos do Poder Político como os
cidadãos. Assim, "tudo que a Constituição concede com sua imperatividade
suprema (direitos individuais, poderes públicos) tem -se o direito de fazer, e
tudo que a Constituição exige, tem-se o dever de cumprir):16Como Lei, e Lei
Fundamental, ela é elaborada para ser aplicada, efetivada e para ser respeitada
e cumprida, quer imponha uma abstenção (non jacere) ou uma atuação (facere)
do Estado, ou mesmo de outra pessoa. A Constituição não recomenda, mas
sim ordena, e o que ela determina é para se cumprir, máxime no que se refere a
condutas das quais dependa a viabilidade do exercício de direitos fundame~tais
por ela declarados!7.
Tudo isso porque a Constituição deve ser preservada, não só por si mes-
ma, mas porque é a maneira encontrada de se resguardarem os mais básicos e
fundamentais valores acolhidos pela sociedade, alcançados por esta e lançados
num corpo jurídico, como resultado.de um longo evoluir histórico18• Do que
se conclui que a supremacia da Carta Magna, sem dúvida, é uma exigência do
povo, titular absoluto do poder constituinte que a originou e uma garantia de
sua autodeterminação.
Ora, em coerência com o conceito moderno de Constituição, como um
sistema jurídico aberto de normas fundamentais (princípios e regras), na me-
dida em que se manifesta em interação com a realidade social, conformando-a
e sendo por ela conformada, e se a Constituição, em razão disso, também é
depositária dos reclamos da sociedade e emissora dos valores eleitos por essa
mesma sociedade, a supremacia da Constituição apresenta-se, com efeito, não
só como uma.exigência do discurso científico, mas também como uma neces-
sidade democrática.
Assim, "o poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições
e controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva
das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos. É
preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação delineados
no texto constitucional. Uma Constituição escrita não configura mera peça
jurídica, nem é simples escritura de normatividade e nem pode caracterizar
um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e das nações. Todos os
atos estatais que repugnem a Constituição expõem-se à censura jurídica dos
Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer
15
16
17
18
Eduardo García de Enterría) op. cit.) p. 49.
Agustin Gordillo) Princípios gerais de direito público) p. 95.
Cármen Lúcia Antunes Rocha) O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização
para a eficácia dos direitos fundamentais) p. 53.
André Ramos Tavares) Tribunal e Jurisdição Constitucional, p. 09-10.
Cap.l- CONSTITUiÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL 31
-.----- ...-.--------.--------.-----.----.----.- .. - -.-.---_. ._._a _
validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes consti-
tuídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que
ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais.efetiva
de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo
Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa
realidade não seja desfigurada:'19
3. A UNIDADE NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
Um ordenamento jurídico só pode ser concebido como um conjunto de
normas. Vale dizer, é condição de existência de uma ordem jurídica a concor-
rência de normas. Não obstante a pluralidade de normas jurídicas que abrange,
o ordenamento constitui uma unidade, quer porque suas normas nascem de
mesma fonte (ordenamento simples), quer porque suas normas, ainda que nas-
cidas de fontes distintas, têm o mesmo fundamento de validade (ordenamento
complexo)20.
É a Constituição, portanto, como fonte máxima de produção de todo o Di-
reito e último fundamento de validade das normas jurídicas, que confere unidade
e caráter sistemático ao ordenamento jurídico. Mas ela própria representa uma
unidade normativa, enquanto ordem unitária da vida política e social da ossatura
estatal. Isso implica em afirmar que toda Constituição deve ser compreendida
como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores21.
Essa unidade normativa pressupõe a inexistência de hierarquia normativa ou
formal entre as normas constitucionais, sem qualquer distinção entre normas
materiais ou formais ou entre normas-princípios e normas-regras, uma vez
que as normas constitucionais são frutos de uma vontade unitária e geradas
simultaneamente22. Vale dizer, têm a mesma fonte e o mesmo fundamento de
validade: o poder constituinte originário.
Todas as normas constitucionais, portanto, independentemente de sua
categoria, seja m~terial ou formal, princípio ou regra, programática ou não,
têm idêntica hierarqt£iájormal-normativa23 e exercem a mesma força normativa
19 ADI 293-MC) ReI. Min. Celso de Mello) DJ 16/04/93.
20 Norberto Bobbio) Teoria do Ordenamento Jurídico) p. 48-49.
21 Flávia C. Piovesan) op. cit.) p. 25.
li Luís Roberto Barroso) Interpretação e aplicação ... ) op. cit.) 187.
23 Sem embargo) é possível reconhecer a existência de uma hierarquia axiológica em face
da ordenação de valores constitucionais. Nesse particular) os .princípios constitucionais,
por serem normas dotadas de intensa carga axiológica, são hierarquicamente superiores
às regras constitucionais. Ademais) entre os próprios princípios constitucionais existe um
escalonamento hierárquico de valores) podendo se falar) daí) em princípios e subprincípios
(estes) meros desdobramentos daqueles ou princípios derivados). Canotilho) por exemplo)
, ••~_, •• , .•• _tl. •.-..'_ .••. ._. _
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Capítulo I1
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
A GARANTIA DA SUPREMACIA DA CONSTITUiÇÃO
o Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, p. 129.24
Como já sublinhado, a supremacia da Constituição - enquanto princípio
jurídico que atribui à Constituição uma força subordinante e a eleva à condição
de legitimidade e validade de todas as normas jurídicas positivadas em um dado
Estado - é a base de sustentação do próprio Estado Democrático de Direito,
seja porque assegura o respeito à ordem jurídica, seja porque proporciona a
efetivação dos valores sociais.
Mas essa supremacia constitucional restaria comprometida se não
existisse um sistema que pudesse garanti-la e, em consequência, manter a
superioridade e fqrça normativa da Constituição, afastando toda e qualquer
antinomia que v~~ha/;,agredir os preceitos constitucionai~. É nesse contextoque avulta a importância do controle de constitucionalidade. como um meca-
nismo de garantia da supremacia das normas constitucionais delineado pelo
próprio texto constitu.ciona1.
Dito doutro modo: em razão da supremacia constitucional, todas as normas
jurídicas devem compatibilizar-se, formal e materialmente, com a Constituição.
Caso contrário, a norma lesiva a preceito constitucional, através do controle
de constitucionalidade, é invalidada e afastada do sistema jurídico positivado,
como meio de assegurar a supremacia do texto magno.
É, exatamente, na garantia de uma superior legalidade, que o controle judi-
cial de constitucionalidade das leis encontra sua razão de ser: e trata -se de
uma garantia que, por muitos, já é considerada como um importante, se não
necessário, coroamento do Estado de direito e que, contraposta à concepção
do Estado absoluto, representa um dos valores mais preciosos do pensamento
jurídico e político contemporâneo" (Mauro Cappelletti)24.
estabelece uma hierarquia entre os princípios constitucionais, nesta ordem decrescente:
princípios estruturantes, princípios gerais e princípios específicos. Nesse sentido, J,J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição; Paulo Bonavides, Curso de Direito
Constitucional; Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, entre outros.
I-~;-'.\ CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dir/ey da Cunha JúniorL__....._--L . .. ..._. _- _. _
.,ante a realidade à qual se dirigem. A única ressalva que necessariamente se deve
fazer - o que será feito ao diante - diz respeito ao grau (maior ou menor) de
eficácia imediata que a norma constitucional está capacitada a produzir.
A unidade normativa da Constituição é importante, na medida em que o
descumprimento de uma norma constitucional põe em perigo a própria unidade
do texto magno. Assim, a garantia da supremacia de uma norma constitucional
proporciona a garantia da própria Constituição.
2.1 Conceito
2. CONCEITO, PRESSUPOSTOS E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
; 35 :Cap.1I • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ...
Pedro Cruz Villalon, op. cit., p. 26.
Ver, por todos, Clemerson Merlin Cleve, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no
Direito brasileiro, p. 28-34; Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 402-405
e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. II, p. 376-377.
É claro que, do ponto de vista sociológico, as Constituições costumeiras ou históricas são
naturalmente rígidas, devido a grande dificuldade de serem alteradas em face da realidade
da vida social. Assim, a Constituição inglesa (não escrita ou costumeira), do ponto de vista
jurídico, é flexível; contudo, do ponto de vista sociológico, ela é, sem sombra de dúvida, mais
rígida do que a Constituição brasileira (escrita).
26
27
25
2.2.1. A Constituição formal
Como sentencia a dou.trina26, o controle da constitucionalidade das leis e
dos atos normativos reclama os seguintes pressupostos: a) existência de uma
Constituição formal; b) a compreensão da Constituição como norma jurídica
fundamental e a c) instituição de, pelo menos, um órgão com competência para
o exercício dessa atividade de controle.
2.2. Pressupostos
o controle da constitucionalidade dos atos normativos requer a existên-
cia de uma Constituição formal e escrita. Quer dizer, demanda um conjunto
normativo de princípios e regras escritas, plasmados num texto jurídico
supremo.
A chamada Çonstituição costumeira ou histórica (não escrita), por ser
juridicamente um~ ~,o~stituição flexível, não dispõe de um controle de constitu-
cionalidade, já que, nos países que a adotam, vige o princípio da supremacia do
parlamento, não se aceitando a fiscalização dos atos dele decorrentes.27
Em suma, o controle de constitucionalidade consiste numa atividade de
verificação da conformi~ade ou adequação da lei ou do ato do poder público
com a Constituição.
Ante essas breves considerações conceituais, resulta claro que constitui
pressuposto universal e onipresente da existência de um controle de constitu-
cionalidade, a supremacia da Constituição. Fica evidente que, sem essa virtude
ou força condicionante da Constituição sobre todos os atos do poder público,
não haveria controle de constitucionalidade25• No entanto, a existência de uma
Constituição rígida e suprema, apesar de indispensável, não é o pressuposto
único para o desempenho da jurisdição constitucional por meio do controle
de constitucionalidade. Outros pressupostos são encarecidos, como veremos,
em sumária análise, em item separado.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Oirley da Cunha Júnior34
Mas o controle de constitucionalidade, a par de assegurar a superioridade e
força normativa da Constituição, como forma de sempre manter a prevalência das
normas constitucionais, também se apresenta como um relevante meio de conter
os excessos, abusos e desvios de poder, garantindo os direitos fundamentais.
O controle de constitucionalidade, portanto, revela-se como uma im-
portante garantia da supremacia da Constituição, haurindo daí a sua própria
razão de ser.
O controle de constitucionalidade, enquanto garantia de tutela da suprema-
cia da Constituição, é uma atividade de fiscalização da validade e conformidade
das leis e atos do poder público à vista de uma Constituição rígida, desenvolvida
por um ou vários órgãos constitucionalmente designados.
De feito, partindo da premissa teórica de que uma Constituição rígida é
suprema ante todos os comportamentos e atos do poder público, é indubita-
velmente manifesta a necessidade em que se encontra o próprio texto consti-
tucional de organizar um sistema ou processo adequado de sua própria defesa,
em face dos atentados que possa sofrer, quer do Poder Legislativo, através das
leis em geral, quer do Poder Executivo, através de atos normativos e concretos.
Assim, "é ju~tamente a tais sistemas ou processos de defesa, ou guarda das
Constituições rígidas, frente a tais ataques, que hoje se denomina (controle da
constitucionalidade das leis":46 Para esse exato sentido apontam as lições de
Pedro Cruz Villalon47, que concebe o controle de constitucionalidade como
"eImodo a través deI cua! un ordenamiento reacciona frente a la existencia de
normas contrarias a la Constitución': Ou, consoante assegura o próprio autor,
como "la garantía jurisdiccional de la primacía de la Constitución sobre el res-
to deI ordenamiento, pero de forma primordial sobre las leyes como suprema
manifestación ordinaria de la potestad normativa deI Estado':
Do ponto de vista prático, o controle de constitucionalidade ocorre assim:
quando houver dúvida se uma norma entra em conflito com a Constituição, o
órgão ou os órgãos competentes para o controle de constitucionalidade, quando
provocados, realizam uma operação de confronto entre as normas antagônicas,
de modo que, constatada a inequívoca lesão a preceito constitucional, a norma
violadora é declarada inconstitucional e tem retirada, em regra retroativamente, a
sua eficácia, deixando de irradiar efeitos, quer para o caso concreto (no controle
concreto), quer para todos ou "erga omnes" (no controle abstrato).
2.2.2. A Constituição como norma jurídica fundamental, rígida e suprema
Ademais de uma Constituição formal, é necessário compreendê-la como uma
norma jurídica fundamental, rígida e suprema, a fim de que se possa distingui -la
das leis comuns. Aliás, a rigidez constitucional decorre exatamente da previsão
de um processo especial e agravado, reservado para a alteração das norm~s cons-
titucionais, significativamente distinto do processo comum e simples, previsto
para a elaboração e alteração das leis complementares e ordinárias. Essa diferença
de regime, consistente na exigência de um processo especial e demasiadamente
complexo para a alteração das normas constitucionais, confere à Constituição
o statusde norma jurídica fundamental, suprema em relação a todas as outras.
O controle de constitucionalidade só se manifesta, portanto, nos lugares
que adotam Constituições rígidas28• Não obstante isso, é possível imaginar, como
bem sublinha Clemerson MerlinCleve29, a existência do controle de constitucio-
nalidade nos Estados que ~dotam Constituições flexíveis, pelo menos em relação
à inconstitucionalidade formal. A dizer, a inconstitucionalidade formal pode se
verificar em face de uma Constituição flexível, uma vez que, fIxado nesta um
procedimento para a elaboração das leis, qualquer violação desse procedimento
consistirá em inconstitucionalidade30• Por outro lado, embora possível a incons-
titucionalidade formal, não é cogitável a inconstitucionalidade material perante
as Constituições flexíveis. A rigidez constitucional, sim, é que se coaduna com
os conceitos de inconstitucionalidade formal e material.
Decorre da rigidez constitucional, como já acentuado, a distinção entre as leis
constitucionais (superiores ou supremas) e as leis comuns (inferiores), existindo
entre elas, necessariamente, uma relação de hierarquia. Daí afirmar-se, corretamente,
que a supremacia constitucional decorre logicamente da rigidez da Constituição.
Assim, rigidez e supremacia constitucional constituem pressupostos
indeclináveis do controle de constitucionalidade, de modo que inexistirá este
inexistindo aqueles. Desse modo, a ideia de controle de constitucionalidade
das leis e atos do poder público surge como decorrência lógica da noção de
rigidez constitucional. Deveras, se no sistema das Constituições rígidas estas
não podem ser modificadas por leis ordinárias, mas tão-somente mediante os
processos especiais agravados de emenda ou revisãq constitucional, tracejados
pela própria Constituição, segue-se logicamente que toda lei ordinária contrária
à Constituição não pode ter validez, é radicalmente nula, é inconstitucionaPl,
devendo ser expulsa do sistema jurídico.
;-'.
! 36 37Cap.1I • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ...
Op. cit., p. 34.
Isto em tese, porque, como lembra José de Sousa e Brito, os juízes constitucionais tam-
bém recebem a sua legitimação democrática do sufrágio popular, embora indiretamente,
através da intervenção dos diretamente eleitos no processo de nomeação dos juízes
('Jurisdição Constitucional e Princípio Democrático'. In: Legitimidade e Legitimação da
Justiça Constitucional. Colóquio no 10° Aniversário do Tribunal Constitucional, p. 42).
Lembramos que, no caso brasileiro, os juízes do Supremo Tribunal Federal são nomeados
pelo Presidente da República eleito, após a aprovação de seus nomes pelos Senadores,
também eleitos. Embora o sufrágio universal esteja na origem de toda decisão demo-
crática, ele, por si só, não assegura o caráter democrático da decisão, razão porque se
impõe descortinarmos outros elementos legitimadores da jurisdição constitucional,
tarefa que se propõe o texto.
2.2.3 A previsão de um órgão competente
A defesa de uma Constituição formal e suprema, já asseveramos, operacio-
naliza -se com o controle da constitucionalidade das leis e atos do poder público.
Mas esse controle somente existirá se a própria Constituição previr, expressa ou
implicitan1ente, um ou mais órgãos com competência para reali~á-Io.
Esse órgão tanto pode exercer função jurisdicional como política; tanto
pode, no primeiro caso, integrar a estrutura do Poder Judiciáriq como situar-se
fo~a 4ela. O importante é que tenha competência para exercer o controle da
constitucionalidade dos atos do Poder Público.32
No Brasil, desde a primeira Constituição que consagrou o controle de
constitucionalidade entre nós (1891), e por influência da doutrina da judicial
review oflegislation do direito norte-americano, cumpre ao Poder Judiciário o
exercício do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do poder públi-
co, em que pese a faculdade atribuída aos Poderes Legislativo e Executivo de
desempenharem, em situações excepcionais, o controle preventivo e repressivo
da constitucionalidade de certos atos e projetos legislativos.
32
33
2.3 O Controle Judicial de Constitucionalidade e sua legitimidade demo-
crática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves
anotações
Um dos maiores óbices ao reconhecimento do controle judicial de consti-
tucionalidade das leis é a invocada falta de legitimidade democrática dos juízes,
que não são eleitos nem representam, consequentemente, a vontade popular.
Esse obstáculo é frequentemente levantado sob o argumento de que não é ad-
missível que juízes não eleitos pelo voto popular33 possam controlar e invalidar
leis elaboradas por um Poder Legislativo eleito para tal e aplicadas por um Poder
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
Clemerson Merlin Cleve, op. cit., p. 31.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
J.H. Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, p. 372.'
29
31
30
28
,--'-"\
l~_. C_O_N_T_R_O_LE_D_E_C_O,_N_S_T_IT_U_CI_O_N_A_L1 __D_AD_E_- __D_i_rl_e_y_d_a _Cu__n_h_G_Jú_n_io_, _
Executivo tarr~bém eleito. Para estes autores, a atuação dos juízes no controle de
constitucionalidade das leis (no âmbito da charnaJa justiça constitucional) pode
causar o que Dieter Grimm34 designou de "risco democrático" (demokratisches
Risiko), agravado pelo fato de que, segundo aponta Gilmar Ferreira Mendes, e
com apoio em Grimm,
Lenio Luiz Streck,]urisdição ConstitucionaL., op. cit., p. 100. O autor conclui suas reflexões
afirmando que o' "caráter existencial do Estado Democrático de Direito passa a ser, nessa
espiral hermenêutica, 'á. condição de possibilidade do agir legítimo de uma instância encarre-
gada até mesmo -:no liinite - para viabilizar políticas públicas decorrentes de inconstitucio-
nalidades por omissão e repetidamente, constituir-se tal instância - a justiça constitucional
- como remédio (por vezes, amargo, mas necessário) contra maiorias" (p. 106).
Essa resistência tem por base a ideia da separação dos poderes e a inoportunidade de qualquer
interferência do Poder Judiciário na atividade legislativa das assembleias populares.
Vital Moreira. (Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade: In: Legitimidade e
legitimação da justiça constitucional, p. 178 e ss.
Reforma constitucional y control de constitucionalidad. Límites a la judiciabilidad de la en-
mienda. 1a Ed, Buenos Aires: Ediar, 2007, p. 93: "La (garantia jurisdiccional de la constitución
o 'controlo revisión de constitucionalidad' es el componente deI sistema cuyo adecuado fun-
cionamiento es el que mayor aptitud reviste para garantizar que la constitución se mantenga
como disposición suprema deI sistema jurídico estatal, respaldando la estructura jerárquica
de éste':
41
40
38
39
É inegável, portanto, que a efetividade e o sucesso de uma Constituição
dependem fundamentalmente de um controle judicial de constitucionalidade,
que é a sua maior garantia. Sem esta garantia, afirma com propriedade o Pro-
fessor argentino RAUL GUSTAVO FERREYRA 41, a Constituição fica vulnerável
e exposta a violações de todas as ordens.
uma justiça constitucional, de modo que) guardadas as peculiaridades destes
Estados, a justiça constitucional deve ser considerada como uma condição de
possibilidade do Estado Democrático de Direito38• Ao revés de apontar dúvi-
das quanto à legitimidade da justiça constitucional e) com ela, do controle
judicial de constitucionalidade, devemos ter em mente que, hodiernamente,
a existência da justiça constitucional e de uma fortalecida e ativa jurisdição
constitucional tornaram-se um requisito de legitimação e credibilidade polí-
tica dos próprios regimes constitucionais democráticos, haja vista que a ideia
de justiça constitucional passou a ser progressivamente compreendida como
elemento necessário da própria definição do Estado Democrático de Direito.
Mesmona França, que tradicionalmente resiste39 à ideia de controle jurisdicio-
nal da constitucionalidade das leis, o Conseil Constitutionnel tem evoluído no
sentido de se transformar num verdadeiro Tribunal Constitucional, ao tempo
que a doutrina pugna pelo alargamento deste poder aos tribunais comuns
com a adoção do modelo americano de controle difuso-incidental. Outro
tanto sucede na Inglaterra, onde já se fala, sem maiores reações, na criação
de uma carta de direitos fundamentais, garantida constitucionalmente contra
o legislador, e de confiar a sua defesa aos tribunais40• Ademais, há neste País
uma tendência em se criar um Tribunal Constitucional.
Verfassungsgerichtsbarkeit - Funktion und Funktionsgrenzen in demokratischem Staat, in Jus-
-Didaktik, Heft 4, Munique, 1977, p. 83, apud Gilmar Ferreira Mendes, Direitos Fundamentais
e Controle de Constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional, p. 503.
Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional,
p.503.
Ibidem, p. 504.
La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, op. cit., p. 175.
35
"asdecisões da Corte Constitucional estão inevitavelmente imunes a qualquer
controle democrático. Essas decisões podeD::1anular, sob a invocação de um
direito superior que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório,
a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. ~mbora
não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de
conformação bastante amplo, é certo que elaspodem ter a sua atuação repro-
gramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés,
eventual correção da jurisprudência de uma Corte Constitucional somente
há de se fazer, quando possível, mediante emendà: (grifado no original)35.
34
37
Isso demonstra, ainda conforme Gilmar Mendes, que o controle judicial
de constitucionalidade não está livre do perigo de converter uma vantagem
democrática num eventual risco para a democracia, de tal modo que, concebido
para reforçar o desenvolvimento do processo democrático, ele pode bloquear o
~esenvolvimento constitucional do Estado. Contudo, esse paradoxo, consistente
na ameaça à democracia por quem está incumbido de protegê-la, não pode ser
solucionado com a extinção ou, de qualquer modo, em desfavor do controle
judicial de constitucionalidade das leis. Nesse passo, deve-se fazer um esforço
no sentido de preservar o equilíbrio do sistema e evitar disfunções36•
O tema tem sido objeto de forte testilha doutrinária. Contudo, importa
salientar, desde logo, com Eduardo Garcia de Enterría, que a controvérsia a
respeito da legitimidade democrática da justiça constitucional e do contro-
le judicial de constitucionalidade «ha sido ya juzgada por eI Tribunal de la
Historia, ante el cualla justicia constitucional no solo ha sido absuelta de tan
graves cargos, sino que se ha afianzado definitivamente como una t.écnica
quintaesenciada de gobierno humano".37 Deveras, a experiência constitucio-
nal de vários Países tem apontado para o fato de que o Estado Democrático
de Direito não pode funcionar nem realizar seus valores fundamentais sem
36
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
Desse modo, a ideia de soberania do Legislativo, em razão da representati-
vidade popular, e da separação de Poderes, com a submissão do Judiciário à lei,
cederam espaço para o novo paradigma do Estado Democrático de Direito, que
se assenta num regime democrático e na garantia dos direitos fundamentais, onde
a justiça constitucional é nota essencial. Com efeito, a soberania do Legislativo
foi substituída pela soberania e supremacia da Constituição, em face da qual o
Legislativo é um Poder constituído e vinculado pelas normas constitucionais,
e o dogma da separação de Poderes foi superado pela prevalência dos direitos
fundamentais ante o Estado.
Destarte, o constitucionalismo contemporâneo encarece um Estado
Democrático de Direito construído sobre os pilares do regime democrático e
dos direitos fundamentais, de tal modo que as Constituições contemporâneas
imunizam-se contra as próprias maiorias, quando estas não estão a serviço da
realização dos direitos fundamentais ou tendem a sufocar as minorias. Nesse
, particular, vale o registro da ((crise"pela qual passa o sistema representativo, onde
a maioria parlamentar, em regra, não corresponde com a vontade popular, uma
vez que a representação política não mais se presta como efetivo instrumento de
representação dos interesses da população, circunstância que vem fortalecendo
a descoberta de novos instrumentos de representação popular. Neste cenário de
crise do sistema representativo, ainda mais agravado pela busca incessante, por
outros caminhos legítimos, de pressão ao governo, torna-se cada vez mais ne-
cessário o reconhecimento da jurisdição constitucional como remédio eficiente
contra as maiorias. A crise da representação política e, consequentemente, da
democracia representativa calcada na ideia da representação popular sintetiza
a compreensãó de que a lei, outrora expressão da vontade geral, tem se tornado
um veículo de opressão e manifesto meio de violação dos direitos fundamentais
e da Constituição. A história e a experiência constitucional vêm demonstrando
que os parlamentos, eleitos para servirem à vontade popular, têm prestado um
desserviço à população - com a elaboração de leis conformadas e comprometidas
tão-somente com a vontade governamental e à custa dos direitos fundamentais42•
É nesse contexto que emerge a necessidade de uma justiça constitucional capaz
de proteger, através do controle de constitucionalidade, os direitos fundamentais,
as minorias, o sistema democrático e toda a Constituição. Isso porque, reitera-
Cap.1I . CONTROLE DE CONST~_~CIONALlDADE: A GARANTIA DA_.?_UPREMACI~_-Í_~~_-.:
('Aessa objeção deve-se responder, entretanto, que o órgão controlador n~o
opõe sua própria vontade ao Legislativo, mas a vontade mesma da ~~ç~o,
expressa de modo mais elevado, mais vigoroso e mais solene, na Constztuzçao.
(Die Verfassungsentwicldung in den Vereinigten Staaten Von A~~rik~ 1939-1946. In: O~s-
terreichische Zeitschrift für Offentliches Recht, 1946, apud C. A. LUCIO Blttencourt, O Contole
Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, p. 22.
ADI 2.010-MC, ReI. Min. Celso de Mello, DJ 12/04/02.44
43
Destarte, não procede a objeção dirigida à legitimidade da justiça con~-
titucional, sob o argumento de que o controle de constitucionalidade das leIS
realizado pelos juízes fere de frente o princípio da separação de Poderes e
restringe a "vontade;,nacional" expressa através das leis votad.as ~o parlamento.
Bem a propósito, é esclarecedora a resposta que Meirelles TeIXeIra, com o peso
de sua autoridade, apresenta, formulada nestes exatos termos:
mos, o sistema democrático fica gravemente afetado conl qualquer violação a
um direito fundamental reconhecido na Constituição.
O regime democrático e a necessidade de defesa e realização dos direitos
fundamentais - premissas básicas do Estado Democrático de Direito - têm exi-
gido dos órgãos da justiça constitucional uma atuação mais ativa na efetiv~çã~ e
no desenvolvimento das normas constitucionais, máxime em face de omlssoes
estatais lesivas a direitos fundamentais. Aqui reside, sem dúvida, a melhor das
justificativas da legitimidade da justiça constitucional e do contr~le judic.ial_de
constitucionalidade, como instrumento de efetivo controle das açoes e Offilssoes
do poder público, cumprindo lembrar que, com Robert G. Neumann43, ~ que
caracteriza a democracia não é, propriamente, a intervenção do povo na feItura
das leis - hoje mera ficção - mas, sim, o respeito aos direitos fundamentais da
pessoa humana, cuja guarda e defesa incumbe ao Poder Judiciário. A propósito,
('Adefesa da Constituição da República representa o encargo mais relevante
do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal-. q~e é o gu~r-dião da Constituição, por expressa delegação do Poder ConstItUInte - nao
pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema C~rte fa~har
no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a IntegrIda-
de do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do
ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a
legitimidade das instituições da República restarão profundamente compro-
metidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em
prática governamental consentida. Ao menos, enquanto ho.~verum P?~er
Judiciário independente e consciente de sua alta responsabIlIdade poht1ca,
social e jurídico- institucionaI:' 44
r.
Jean Rivero salienta que "a ideia de representação da vontade do cidadão pelo eleito, tem
progressivamente diminuído na realidade, mediante a tomada de consciência pelo eleitor
de que, definitivamente, os homens que são eleitos atuam para si mesmos e não para eles. O
cidadão, ante essa avalancha de leis, cada vez mais completas, cada vez mais técnicas, cada
vez mais conformadas com a vontade governamental, não reconhece sua própria vontade'~ E
arremata o autor: "essa transformação da lei conduz à tomada de consciência da necessidade
de proteger os direitos fundamentais, inclusive perante a própria lei" CA modo de sintesis.
In: Vários Autores. Tribunales constitucionales europeus y derechos fundamentales, p. 667).
42
J~~'! CO_N_T_R_O_L_E_D._E_CO_N_S_T_IT_U_C_IO_N_A_L_ID_A_D._E __ -_D_irle_y_d_a C_u_n_ha_J_ú_nJ_.o,_, _
No mesmo sentido, vale a pena lembrar o que disse Alexander H~milton
a respeito do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, ao explicar
o conteúdo da Constituição norte-americana, então recentemente elaborada, já
se antecipando à célebre decisão do ChiefJustice Marshall, no lead caseMarbury
v. Madison:
Em consonância com esta posição, Dalmo de Abreu Dallari é elucidativo
e preciso ao afiançar que:
43
«Se meditarmos, por um só momento, no papel das leis como instrumento
de governo nos Estados modernos; na verdadeira pletora legislativa que
os caracteriza, em virtude do número e da complexidade cada vez maior
dos modernos problemas governamentais, se tivermos ainda em vista a
interveríçãd~ cada vez mais necessária do Estado nas várias esferas da vida
humana, como corolário inescapável da própria complexidade da vida e do
desenvolvimento social; e se refletirmos, afinal, sobre os constantes perigos
do arbítrio estatal, de violação das liberdades, de abuso do poder, de des-
respeito aos direitos individuais e coletivos, quer por meio das próprias leis,
quer por atos de agentes e autoridades públicas, após considerarmos toda
essas contingências, que pesam como verdadeira fatalidade sobre todas as
sociedades dos nossos dias, bem poderemos avaliar o que representa, tanto
para a existência da Constituição, como para a própria sobrevivência da
Cap.U • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA .••
'O Controle de Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal: In: O Poder Judiciário
e a Constituição, p. 87.
47
"O juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal de
suas decisões, que muitas vezes. afetam de modo extremamente grave a
liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a convivência na sociedade e
toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou de muitas pessoas.
Essa legitimação deve ser permanentemente complementada pelo povo, o
que só ocorre quando, segundo a convicção predominante, os juízes estão
cumprindo o seu papel constitucional, protegendo eficazmente os direitos
e decidindo com justiça. Essa legitimação tem especial importância pelos
efeitos políticos e sociais que podem ter as decisões judiciais':47
Evidentemente que, quando o juiz deixa de aplicar uma lei ordinária, por
considerá-la inconstitucional, ele não mais faz do que aplicar a própria Cons-
tituição, que representa a vontade «autênticà' e soberana do povo, expressa de
modo mais elevado. Dito d'outro modo, o juiz constitucional, quando realiza o
controle de constitucionalidade das leis, atua de forma a fazer sobrepor a vontade
do legislador constituinte, expressa na Constituição, à vontade do legislador
ordinário. A ideia que subjaz à justiça constitucional é a de que a vontade da
maioria constituinte incorporada na Constituição (que é a vontade soberana e
autêntica do povo) sempre prevaleça sobre a vontade da maioria ordinária ou
governante de cada momento. Ainda, compartilhando as lições de Meirelles
Teixeira, cumpre não perder de vista o que expõe o autor:
'~.
:f,-. ,;.'-:~
:~
'1
'j
Entre a vontade da Nação, estabelecida de modo irreformável por lei ordi-
nária, na Constituição, e a vontade da Nação manifestada pelo Legislativo,
através da lei ordinária, e em desacordo com a Constituição, é evidente que
só à primeira cabe prevalecer. Se num país de rigidez constitucional acha-se
a lei ordinária em desacordo com a Constituição, essa lei ordinária é apenas
uma <aparêncià da vontade nacional, uma pseudovontade da Nação, pois a
autêntica, a verdadeira vontade nacional já se manifestou, cercando-se de
todas as cautelas, soberana e inconfundível, nos preceitos constitucionais': 45
(grifado no originalJ
«Alguma perplexidade quanto ao poder dos tribunais de pronunciar a nu-
lidade de atos legislativos contrários à constituição tem surgido, fundada
na suposição de que tal doutrina implicaria na superioridade do Judiciário
sobre o Legislativo. Afirma-se que a autoridade que pode declarar os atos
da outra nulos deve ser necessariamente superior àquela cujos atos podem
ser declarados nulos. (...)
Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. (...)
A presunção natural, à falta de norma expressa, não pode ser a de que o
próprio órgão legislativo seja o juiz de seus poderes e que sua interpretação
sobre eles vincula os outros Poderes. (...) É muito mais racional supor que
os tribunais é que têm a missão de figurar como corpo intermediário entre
o povo e o Legislativo, dentre outras razões, para assegurar que este último
se contenha dentro dos poderes que lhe foram deferidos. A interpretação das
leis é o campo próprio e peculiar dos tribunais. Aos juízes cabe determinar o
sentido da Constituição e das leis emanadas do órgão legislativo.
Esta conclusão não importa, em nenhuma hipótese, em superioridade do
Judiciário sobre o Legislativo. Significa, tão-somente, que o poder do povo é
superior a ambos; e que onde a vontade do Legislativo, declarada nas leis que
edita, situar-se em oposição à vontade do povo, declarada na Constituição,
os juízes devem curvar-se à última, e não à primeirà'.46
Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 375.
Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, 1981, p. 226, apud
Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, op. cit.) p. 155-156. Ver
também Jorge Miranda, Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade, p. 54.
45
46
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Dirley da Cunha Júnior
liberdade e da ideia do Direito, o controle adequado da constitucionalidade
das leis e dos atos do Poder Púb lico".48
Por tudo isso se percebe que a legitimidade da justiça constitucional re-
pousa na extraordinária capacidade que ela tem de harmonizar os valores do
Estado Democrático - consubstanciados no governo da maioria - e os valores
do Estado de Direito - consolidados na supremacia da Constituição e na defesa
dos direitos fundamentais -, de tal sorte que não só as maiorias, mas também
as minorias passam a merecer a proteção no âmbito do Estado Democrático
de Direito. Assim, podemos' assegurar que a jurisdição constitucional extrai
.. sua legitimidade formal da própria Constituição, que colhe como fórmula ou
regime político o Estado Democrático de Direito e sua legitimidade material da
necessidade indispensável de proteção dos direitosfundamentais. Isso implica
asseverar que, em última instância, é a própria vontade popular, fonte do Poder
Constituinte, que confere à justiça constitucional o tônus de sua legitimação.
Portanto, não é exagero sustentar que a jurisdição constitucional, como instru-
mento de controle da constitucionalidade dos atos e omissões do poder público,
encontra -se ligada à própria lógica da soberania popular, cuj a expressão máxima
é a Constituição.
Para além de sua legitimidade adveniente da só previsão em Constitui-
ção democrática, a jurisdição constitucional ainda haure sua legitimação da
necessidade do controle do Poder pelo Poder. Nesse particular, a jurisdição
constitucional, como instrumento de controle da constitucionalidade dos atos
e omissões do poder público, é um imperativo ditado pela necessidade de um
equilibrado si~tema de freios e contrapesos, isto é, de um controle recíproco entre
os Poderes, de tal modo que ela seja empregada a fim de que ((iepouvoir arrête le
pouvoir': Para essa direção apontam as observações feitas por Thomas Cooley,
que, reportando-se às limitações judiciais às usurpações do Poder Legislativo no
Direito Constitucional norte-americano, tem assim afirmado:
Princípios Gerais ..., op. cit., p. 152.
Ruy Barbosa. Obras completas de Rui Barbosa, v. 19, p. 300.
Willes Santiago Guerra Filho, Processo Constitucional eDireitos Fundamentais, op. cit., p. 26.
Hermenêutica ConstitucionaL.) op. cit., p. 14.
49
50
52
51
A legitimidade da justiça constitucional também encontra justificativa
na aceitação de suas decisões pela opinião pública, razão por que todas as suas
manifestações devem ser públicas e fundamentadas. Não sem razão, já dizia
Ruy que a ((majestade dos tribunais assenta na estima pública':sO Com efeito,
como já tivemos a oportunidade de afirmar, .essa legitimidade também reside
na consistência das decisões do Poder Judiciário, que devem ser fundamenta-
das e tornadas públicas, a fim de que se possa assegurar à sociedade que essas
decisões não resultam de caprichos ou idiossincrasias dos juízes, mas sim de
seus esforços em se manterem fiéis ao sentimento de equidade e justiça da co-
munidade. Destarte, a justiça constitucional, ao elevar os valores fundamentais
de uma Constituição sobre os interesses ocasionais dos grupos políticos, ao
assegurar a efetividade de toda a Constituição, ao garantir o exercício imediato
de todos os direitos fundamentais, enfim, ao fazer da Constituição o elemento
de referência vinculante e obrigatório de todos os Poderes, grupos e cidadãos, é
uma justiça, sem dúvida alguma, capaz de gerar consenso. Ademais, o processo
judicial que se instaura para o exercício da jurisdição constitucional torna -se
um instrumento de participação política e exercício permanente da cidadaniasl•
Nesse particular, cumpre fazer referência à ((sociedade aberta dos intérpretes
da Constituição': de Peter Hãberle, que propõe pela adoção de uma hermenêu-
tica constitucional adequada à sociedade pluralista, ou seja, a uma sociedade
aberta, pressupondo a integração da realidade no processo de interpretação da
Constituição. O processo constitucional, por conseguinte, torna-se parte do
direito de particip~ção democrática, onde todas as potências públicas, todos os
cidadãos e grupos; pa~ticipantes materiais do process'o social, estão envolvidos,
de tal modo que a interpretação constitucional é, a um só tempo, elemento
resultante da sociedade ,~berta e elemento formador dessa mesma sociedade.
Porém, esclarece Hãberle: ((Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição
constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação':s2
Cuida, tal proposta, de uma democratização da interpretação constitucional,
Cap. 11• CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA ... 45 !
_ ..-----------.---- .---- ..--- ..-------- ... ..._._. .._.0_ .._ .. ---L ~.'
tuição, é claro que o poder delegado foi o que se excedeu; que o mandatário
não se manteve dentro da órbita do mandato. O excesso) por conseguinte,
é nulo e é dever do tribunal reconhecer e fazer efetiva a Constituição como
o direito primordial, e recusar-se a dar execução ao ato legislativo, e assim
.o anular na práticà:49
((O fim dos tribunais é aplicar a lei local às contendas que, uma vez suscita-
das, são levadas à decisão deles. Sua autoridade é coordenada à autoridade
do Poder Legislativo. Não lhe é nem superior nem inferior, mas cada uma
dessas autoridades deve agir com igual dignidade dentro da esfera que lhe é
assinalada. Porém o Poder Judiciário, tendo de decidir qual a lei que deve ser
aplicada em determinada controvérsia, pode encontrar a vontade do Poder
Legislativo, conforme é expresso em lei, em conflito com a vontade do povo
em conformidade do expresso na Constituição, e as duas se não puderem
conciliar. Neste caso, como o Poder Legislativo é o conferido pela Consti-
Op. cit., p. 373-374.48
o que corresponde a uma democratização da jurisdição constitucional, já que
esta deve levar necessariamente em conta a opinião pública.
No mesmo sentido, Otto Bachof já defendia que a legitimidade da juris-
dição constitucional seria obtida através de uma permanente comunicação ou
diálogo duradouro com as partes, com os colegas do próprio tribunal, com os
tribunais do mesmo nível, com os tribunais superiores ou inferiores, bem como
com o mundo jurídico, com a ciência, com o povo e com a própria opinião
pública53• Recordamos, a propósito, algumas práticas desenvolvidas por alguns
Tribunais de assegurar a órgãos e entidades de representatividade o «dlreito de
manifestação" nos processos constitucionais de natureza objetiva. Entre 'nós,
essa prática de legitimação democrática - denominada pelos norte-americanos
de amicus curiae - está prevista na Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999
(no ~ 2° do art. 7°), que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante
o Supremo Tribunal Federal. Com essa manifestação franqueada aos órgãos e
entidades representativas, tem-se um ((pedaço" de representação da sociedade
pluralista no processo constitucional.
A propósito, convém lembrar que o processo constitucional propicia a
imediata e direta relação entre as partes e o juiz, de modo que a jurisdição
constitucional também adquire sua legitimidade pelo incontestável fato de que
os juízes, a despeito de não eleitos, são os que estão mais próximos de quem
reclama por justiça, ou seja, a população em geral. É mais fácil o acesso do povo
aos órgãos judiciários do que aos órgãos executivos e legislativos. No controle
difuso-incidental, este acesso é significativamente amplo e manifesto, haja vista
que qualquer pessoa pode, por meio de qualquer ação (desde que adequada
para sua pretensão), provocar a jurisdição constitucional. No controle concen-
trado-principalo acesso é um pouco restrito, pela natural circunstância de que,
neste modelo de controle, inexiste interesse cÇ>ncretoa resolver de quem quer
que seja. Não obstante isso, alguns países, como o Brasil, fIXam um amplo rol de
legitimados, de grande representatividade popular (como, por ex., os partidos
políticos, as entidades de classe e as confederações sindicais), para a instauração
da jurisdição constitucional.
Não podemos olvidar, ademais, que no sistema de Constituições rígidas, a
Constituição é norma jurídica suprema, pois ocupa a cúspide do ordenamento
jurídico estatal, conformando o Estado e vinculando os seus Poderes e todos
os seus atos. Em razão dessa supremacia normativa da Constituição, Eduardo
García de Enterría54 associa a ideia da legitimidade da justiça constitucional à
~
! 46 I ~ C_ap_.• _11_- C_O._N_T_RO_L_E_D_E_C_O_N_ST_IT_U_C_IO__ N_A_L1_D_A_D_E_.: _A_G_AR_A_N_T_IA_D_A_S_U_P~_RE_M_A_C_IA__••_. _~
Die Verfassung aIs r~c1itliche Grundordnung dês Staates, p. 147, apud J. J. Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria

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