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Sociologia do Esporte na Alemanha* Gunter A. Pilz Origem e história da sociologia do esporte Já no século XIX a sociologia se ocupava do esporte, colocando-se diante de questões como a sua origem, as relações entre a cultura e o esporte e entre este e a religião. Até mesmo vários dos "clássicos" da sociologia, de Max Weber, Georg Simmel, Leopold von Wiese, Max Scheler e Thorstein Veblen até Norbert Elias, trataram do tema do esporte em seus trabalhos (ver Voigt & Thieme, 1993: 134). A primeira vez que a temática foi tratada de forma mais completa foi por Steinitzer (1910), que em seu livro Esporte e cultura já fazia inclusive uma abordagem crítica do esporte de rendimento. O primeiro trabalho mais abrangente, com o título Sociologia do esporte, foi publicado por Risse (1921), cujo objetivo era doutorar-se com Alfred Weber estudando essa temática. Weber desaconselhou Risse a desenvolver o trabalho, “por um lado devido à discutível posição ocupada pela sociologia em relação a outras áreas do conhecimento mais tradicionais, por outro com a observação de que não haveria segurança quanto à compreensão dos outros professores que avaliariam o trabalho quanto à legitimidade da relação vida e esporte” (Risse 1984: 7). Isso demonstra que por longo tempo o esporte não foi observado pelos sociólogos como fenômeno social, da mesma forma que a sociologia do esporte também não era reconhecida como disciplina específica da sociologia. O esporte encontrava espaço somente em outra disciplinas e teorias sociológicas, como a sociologia da cultura ou do lazer, as teorias do conflito, de grupos etc. (para os dois últimos casos, consultar Lüschen, 1966). * Nota: A tradução do original alemão e as notas de rodapé são de Alexandre Fernandez Vaz, professor assistente do Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina e doutorando em ciências humanas na Universidade de Hannover, Alemanha, onde é bolsista da Capes. Se a preocupação com o esporte como tema já havia sido levantada pelos clássicos, ela seria retomada e desenvolvida de forma mais direta por trabalhos como o de Plessner (1956) — sobre o vínculo entre o desenvolvimento das sociedades industriais e o advento do esporte — e os de Habermas (1958) e Linde (1967), que discutiram a tese de Plessner. Mais tarde, outros trabalhos também se aproximaram de uma abordagem sociológica, retomando temáticas que, em meio a outras, constituíram pontos de investigação para os pesquisadores da primeira fase da sociologia do esporte. São exemplos os trabalhos de Linde e Heinemann (1968), sobre o vínculo entre rendimento escolar e rendimento no esporte, de Lenk (1966), sobre o significado do conflito em equipes de remo, de Klein e Christiansen (1966), sobre a estrutura de grupo e o rendimento em equipes de basquete, e de Hammerich (1972), sobre carreiras de atletas profissionais de alto nível. Como ciência ou disciplina autônoma da sociologia, a sociologia do esporte desenvolveu-se de fato apenas na segunda metade dos anos 70. É característico que ela tenha nascido, por um lado, de interesses especificamente sociológicos e, por outro, a partir de um processo de diferenciação dos interesses no próprio esporte. Esse processo continha tanto uma base prática no esporte institucional quanto uma base teórica na então nascente ciência do esporte1 como ciência aplicada (Rigauer, 1982: 14). Dessa forma, a sociologia do esporte encontra-se no cruzamento dos interesses do esporte, da ciência do esporte e da sociologia (Rigauer, 1982). Fatores preponderantes para o desenvolvimento da sociologia do esporte como disciplina tanto da ciência do esporte quanto da sociologia foram, segundo Lüschen e Weis (1976: 15): 1) “o desenvolvimento da sociologia e de seus campos de trabalho legítimos”, com o conseqüente incremento de recursos materiais e pessoais; 2) “o reconhecimento do esporte como objeto legítimo de pesquisa”; 3) “o aumento da instituição do esporte, com a correspondente necessidade de investigação científica”, tarefa incentivada tanto pela sociologia e pela ciência do esporte quanto por órgãos oficiais e federações esportivas; 4) “o incentivo do campo e de jovens investigadores interessados por parte de uma série de pesquisadores abalizados da sociologia geral, como König, 1 A “ciência do esporte” foi oficializada na Alemanha Ocidental em 1971, tendo como referência os Jogos Olímpicos de Munique, a serem celebrados no ano seguinte. Essa tentativa de legitimação levou a área (Sportwissenschaft) a poder, por exemplo, expedir o título de doutor. Plessner, Schelsky e Elias”; 5) “a formação de um comitê de pesquisa específico na Associação Internacional de Sociologia”. Esse processo foi acelerado pela “fraca” participação de atletas alemães nos Jogos Olímpicos de 1968 no México e pela grande expectativa de um bom desempenho nos Jogos de Munique em 1972, o que levou o esporte organizado, principalmente, a incentivar e forçar a implementação de institutos de ciências do esporte nas universidades e escolas superiores. Isso levou a uma crescente importância e institucionalização da ciência do esporte, em decorrência da qual a sociologia do esporte se transformou em matéria na formação de professores de educação física. Também fez parte desse processo o crescimento do número cátedras de sociologia do esporte nos institutos de ciências do esporte das escolas superiores. Correspondeu a esse movimento o fato de os sociólogos do esporte se terem organizado de duas formas. Por um lado, na Seção de Sociologia do Esporte da Associação Alemã de Ciência do Esporte (DVS), fundada em 1982; por outro, na Seção de Sociologia do Esporte da Sociedade Alemã de Sociologia (DGS). Os que optaram pela segunda entidade partiram do ponto de vista de que a sociologia do esporte não se poderia afastar da sua “ciência mãe”, a sociologia, onde são desenvolvidas as bases teóricas e metodológicas, bem como o instrumental do trabalho e da reflexão sociológica (Rigauer, 1982). Ainda que os membros de ambas as seções sejam em grande parte os mesmos, pertencem à Seção da Associação de Ciência do Esporte (DVS) aqueles sociólogos do esporte que se sentem mais ligados à ciência do esporte. Há uma tendência para que os temas trabalhados nessa seção sejam aqueles mais afeitos à aplicação prática no campo dos esportes e à questão da ciência dos esportes, por oposição aos temas trabalhados na outra seção, que são relativos à sociologia geral ou a problemas teóricos, sem que questões ou abordagens específicas do campo esportivo sejam deixadas de lado. A pretensão da sociologia do esporte como uma disciplina especializada e reconhecida da sociologia (Voigt & Thieme, 1993) resulta, de um lado, do crescente significado social do esporte e, de outro, da contribuição do estudo do fenômeno do esporte para o conhecimento sociológico e para a construção de teorias. Elias (1966, 1970), por exemplo, elucida sua sociologia figurativa e explica o conceito de figuração a partir do futebol. Bourdieu (1982) precisa seu conceito de habitus e descreve os distintos estilos de vida diferenciados nas classes sociais tomando como exemplo o comportamento no exercício do esporte, especificamente no que toca à prática e à escolha de determinadas modalidades. Entretanto, a sociologia do esporte dos anos 70 foi primeiro fortemente influenciada pela crítica da “nova esquerda” ao caráter burguês do esporte, sobretudo ao esporte de rendimento. O esporte era tratado, com base na teoria crítica da escola de Frankfurt, e parcialmente também em teorias neomarxistas, como parte da sociedade de classes (Vinnai, 1972), como manifestaçãodo capitalismo tardio (Böhme et alii, 1972), como “reprodução da força de trabalho” (Maier, 1975), ou ainda no contexto das “condições das estruturas de mercado” (Rigauer, 1979; ver também Heinemann, 1990: 30). Essa crítica algo veemente ao esporte burguês e à teoria burguesa do esporte ameaçou a própria evolução da sociologia do esporte. Sobretudo o esporte institucional dificultou durante longo tempo o completo reconhecimento da sociologia do esporte e o desenvolvimento de pesquisas no campo dos esportes que tivessem sua orientação ditada pelas ciências sociais. As primeiras grandes pesquisas empíricas que tomaram como tema as associações e clubes esportivos (Schlagenhauf, 1977; Timm, 1979; Winkler e Karhausen, 1985; Winkler, 1988), assim como aquelas que investigaram a relação entre esporte de rendimento e sistema social (Pfetsch et alii, 1975), ajudaram a derrubar preconceitos e a forjar o reconhecimento da sociologia do esporte também por parte das organizações esportivas. Apesar disso, nem todas as barreiras foram ultrapassadas até hoje. Deve- se isso em grande parte, sobretudo nos dias atuais, ao fato de que as questões e os resultados de pesquisa da sociologia do esporte contradizem, ou no mínimo colocam em questão, aquilo que no mundo dos esportes tradicionalmente é dado como inquestionável, como é o caso do significado e do efeito social do esporte (por exemplo, o fair play e a promoção da saúde). Do entrelaçamento entre a sociologia do esporte e outras disciplinas sociológicas Como o esporte se apresenta em estreita conexão com o lazer, com o corpo e a corporeidade (o esporte é, como escreve Rittner, uma forma específica e organizada da relação com o corpo e da disposição sobre ele); como o esporte é geralmente praticado de forma organizada, e assim, por organizações; como ele se estrutura em relação a valores culturais e ideologias; como é praticado conforme a idade e o gênero de seus praticantes, em diferentes intensidades e formas, por tudo isso, a sociologia do esporte busca as importantes contribuições de outras disciplinas da sociologia, como a sociologia do lazer, das organizações, da cultura, dos grupos etários, da família e médica, assim como da sociologia do corpo, da paz e dos conflitos. Neste último caso, os estudos têm-se voltado para os grandes eventos esportivos internacionais e para a questão de suas funções de promoção da paz e da coesão dos povos, mas também para o problema da violência, da falta de fair play e da fraude (o doping, por exemplo) no esporte e em torno dele. Contribuição da sociologia do esporte para a sociologia em geral e para outras áreas dessa disciplina e da ciência do esporte Esse não é, no entanto, um fluxo de mão única. A sociologia do esporte também tem oferecido importantes contribuições tanto para a sociologia em geral quanto para suas diversas disciplinas temáticas. Dessa forma, eu não estaria seguro em seguir Voigt e Thieme (1993: 129), que, avaliando o desenvolvimento da disciplina e seus principais temas de pesquisa, afirmaram que faltaria à sociologia do esporte reconhecimento de todos os lados. Essa falta de reconhecimento adviria, da parte do esporte, do fato de que a disciplina ofereceria pouca orientação no sentido das ações a serem realizadas; da parte da sociedade, do fato de a disciplina tratar de temas pouco mensuráveis e observáveis. A sociologia, por sua vez, consideraria que a disciplina teria pouca contribuição a dar à construção da teoria sociológica, e veria a sociologia do esporte como uma área do conhecimento pouco desenvolvida. É possível que a qualidade dos trabalhos de sociologia do esporte não esteja à altura da sua quantidade, mas afinal isso não se aplica também tanto à sociologia como um todo quanto às suas áreas disciplinares? A avaliação de Voigt e Thieme ignora, em primeiro lugar, a considerável e ainda hoje presente contribuição da sociologia do esporte para o desenvolvimento teórico da ciência do esporte. São exemplos as contribuições de Bette (1992), no sentido de uma reflexão teórico- sistêmica sobre a ciência do esporte, ou de Rittner (1974), tratando da problemática da constituição da ciência do esporte. É bastante clara, nesse contexto, a legitimação da sociologia do esporte dentro da ciência do esporte e da formação de professores de educação física. No início fortemente vinculada à pedagogia do esporte, a sociologia do esporte estabeleceu-se de tal forma que até mesmo os concursos para os cargos de “professor C4”2 destinados à pedagogia e à didática da educação física e do esporte passaram a ter áreas de conhecimento principais ligadas às ciências sociais, o que estimulou cada vez mais os especialistas em sociologia do esporte a procurar essas vagas. A avaliação de Voigt e Thieme ignora ainda que a sociologia do esporte contribuiu e contribui seriamente tanto para o desenvolvimento teórico quanto para a proposição de soluções para problemas atuais em áreas prementes da nossa sociedade, como a educação para a saúde, a consciência em relação à saúde e ao meio ambiente e a prevenção da violência (cf., entre outros, Bette, 1989; Becker & Pilz, 1988; Cachay, 1988; Franke, 1986; Klein, 1989; Pilz, 1991; Rittner, 1985). Esporte e meio ambiente como área temática da sociologia do esporte É das contribuições de Digel (1989), apoiadas na teoria de Beck sobre a sociedade de risco e a tese da individualização, e de Cachay (1988), baseadas na teoria sistêmica de Luhmann, que emerge a problematização do tema esporte e meio ambiente. Diante dos problemas decorrentes do significativo aumento da oferta de modalidades esportivas, radicais ou não, muitas delas ligadas ao ambiente natural, esses autores oferecem boas análises e construtivas proposições. Tanto Cachay quanto Digel demonstram que o esporte nem é cego nem “acrítico frente a si mesmo e seu desenvolvimento” (Cachay, 1988: 323). O problema de fundo é, no entanto, como o esporte e suas 2 Na Alemanha, a denominação de “professor” é restrita aos professores titulares das universidades. O sistema alemão lhes confere enorme autonomia acadêmica, principalmente em comparação com aquela de que gozam os professores brasileiros. Só eles podem, por exemplo, orientar doutorandos, sendo a categoria “C4” a mais alta delas, e portanto o ponto mais alto possível da carreira docente. organizações traduzem essa (auto)crítica em estratégias e programas que possam gerar soluções para os problemas encontrados. A estratégia do “esporte para todos”, cujo objetivo é envolver grande parte da população em atividades esportivas, acaba agravando ainda mais o conflito entre esporte e meio ambiente. Faz então sentido a pergunta de Cachay (1988: 330), se “a enorme expansão do esporte decorrente dessa estratégia não acaba por gerar por si mesma uma fronteira, já que embora a importância do esporte em si permaneça, ele acaba por atuar de forma cada vez mais prejudicial”. Digel levanta ainda o problema do estreito entrelaçamento do esporte e das federações esportivas mais destacadas com as indústrias de artigos esportivos, lazer e turismo, que faz duvidar dos esforços do esporte no sentido de contribuir para a solução dos problemas ambientais. As soluções propostas são tão simples quanto conseqüentes: é preciso, na medida do possível, trazer o esporte de volta para as zonas de moradia, aumentando lá mesmo as ofertas de prática esportiva, o que por sua vez recoloca, no entanto, o problema da poluição sonora. Além disso, o “esporte [deve] não apenas aceitar as discussões sobre seus limites, mas até mesmo ser seu porta-voz” (Cachay, 1988: 331). Isso quer dizer que as modalidades esportivas devem ser analisadas quanto à sua relação com o meio ambiente, de modo que as atividadesque sejam fortemente nocivas a este (os esportes a motor, por exemplo) sejam até mesmo excluídas da organização esportiva, proibindo-se sua realização. Esporte e saúde — uma relação mais complicada do que se pensa Quem poderia contrapor-se à afirmação de que esporte é saúde? Em qualquer revista ilustrada3 ou especializada em esporte e medicina, podemos ler que “quem pratica esporte vive de maneira mais saudável”. Mais uma vez a contribuição das pesquisas de sociologia do esporte, sobretudo do Instituto de Sociologia do Esporte e Pesquisas do Lazer de Colônia, mostra que “a discrepância entre o estereótipo ‘esporte é saúde’ e o que de fato pode ser comprovado 3 Revistas de banca, normalmente semanais, que trazem reportagens e fotos, inclusive sobre “costumes” e “vida moderna”. empiricamente é muito grande” (Mrazek, 1986: 97) e que “não há até agora nenhuma prova convincente que leve à imediata concordância de que quanto maior for a prática esportiva, melhor será a saúde de uma população” (Mücke, 1986: 191). Na análise crítica da relação esporte e saúde, não é o caso de se questionar totalmente o significado do esporte para uma forma de vida saudável. É preciso, no entanto, fazer uma análise crítica da forma de inclusão do esporte na idéia de um modo de vida saudável, da maneira como ele vai compor a educação para a saúde. Um importante ponto crítico foi, e em parte ainda é, a redução, por parte da medicina (esportiva) e principalmente dos defensores do esporte organizado, do conceito de saúde ao de capacidade física. Mrazek (1986) tem razão em dizer que a redução da relação esporte e saúde a seus elementos biológico e fisiológico acaba ameaçando prejudicar a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida daqueles que praticam atividade física com essas premissas. Sobretudo entre praticantes jovens já há tempos filiados a associações esportivas, a melhoria da saúde é motivo “insuficiente para garantir à prática esportiva a condição de comportamento estável e habitual” (Mücke, 1986: 202). Mais ainda, pelo fato de as pesquisas explicitamente demonstrarem que a melhoria da saúde é sobretudo uma motivação da classe média,4 Mücke (1986: 203) adverte que “a propaganda em torno da questão da saúde — por exemplo, ‘Saúde e bem-estar com o Trimming 130’5 — pode antes aumentar a já existente segregação parcial do que ampliar as possibilidades de integração no esporte por parte de outras classes sociais”. Por esse motivo é tão importante, como apontam Rittner (1986) e Mrazek (1986), incluir questões como estilo de vida e ambiente social no debate sobre a saúde, extraindo-se as orientações prescritivas. 4 Optei por traduzir Mittelschicht por classe média pelo uso mais corrente que essa expressão tem em português, ao contrário de, por exemplo, extrato médio. É preciso apontar, no entanto, para a existência da expressão Mittelklasse em alemão, vinculada à tradicional concepção da sociedade de classes. Esta explicação vale, evidentemente, também para a expressão classes sociais, utilizada logo a seguir. 5 Trata-se de um programa de atividades físicas, atualmente fora de moda, feito em estações ao ar livre. O que daí resulta para a prática esportiva — relacionada à saúde — é que uma educação que enfatiza a saúde no e para o esporte só terá sucesso se, junto do aspecto físico, também o bem-estar psíquico e social for levado apropriadamente em conta. “Apropriadamente” tem a ver aqui menos com valores conhecidos objetivos e generalizáveis do que com a imaginação (fantasias) e com a estrutura das necessidades do indivíduo forjadas pelo estilo de vida do mundo ocidental. É preciso então — e esta é uma conseqüência da situação atual da pesquisa em sociologia do esporte — construir um equilíbrio, orientado pelo modo de vida e pelas necessidades humanas, entre seriedade e diversão, obrigação e livre escolha, inutilidade e eleição de meios para chegar a fins. A conseqüência disso é que, no lugar de “puros” programas de condicionamento físico e da absolutização do princípio da saúde, as ofertas de programas de atividade física para a saúde devem orientar-se pelas necessidades e interesses do grupo, e devem tentar construir um equilíbrio específico a partir das perspectivas de saúde particulares. Violência no, em torno do e através do esporte Foi sobretudo Elias (1975) quem demonstrou que a violência no campo esportivo de forma alguma é um fenômeno específico do esporte moderno. Há relatos dos Jogos Olímpicos da Antigüidade segundo os quais já havia então extrema brutalidade, doping, agressão e desordem entre os espectadores (Pilz, 1982). Se isso correspondia, no entanto, a um grau de violência socialmente tolerado, nos dias de hoje a violência está sujeita a um forte tabu social. O debate científico a respeito do fenômeno da violência inaugura-se no início dos anos 70, a princípio com a questão da agressividade específica dos esportistas. Em primeiro plano também estavam outras questões, do interesse principalmente de psicólogos e pedagogos do esporte, como a catarse, a diminuição da agressão através do esporte, e a competição esportiva a serviço de uma “higiene social”, fomentando a repulsa à agressão. A partir de 1980, e sobretudo após os acontecimentos de Bruxelas em 1985,6 a violência entre os espectadores, especialmente de torcedores e hooligans, passou a ser assunto de interesse científico. Para além disso, passaram a ser mais estudados os condicionantes sociais da violência no esporte, bem como aqueles que são imanentes à sua própria organização (ver Lenk & Pilz, 1989). Em que pese a forte defesa das funções sociais e educativas do esporte no sentido de uma educação para o fair play, o cavalheirismo, a honradez e a camaradagem, o esporte de rendimento é muito mais uma instância de aceitação da falta de fair play, da violência e da fraude. O esporte associativo já na juventude ensina que em favor do sucesso esportivo é válido o desrespeito às regras. Isso vale tanto para rapazes quanto para moças (Pilz, 1982, 1993). A pesquisa em sociologia do esporte demonstrou, portanto, que a violência não é um privilégio do mundo masculino, não é uma questão de gênero, mas do campo, da situação e do contexto onde o esporte acontece. Se a orientação para a vitória é determinante, os atletas se comportam, da mesma forme que os homens, com violência, chegando à falta de fair play, ao doping e à fraude (ver Pilz, 1982). Bette (1989: 199 e seg.) identifica como as organizações do esporte se posicionam em relação a esses problemas segundo três “morais especiais”. As duas primeiras são a moral oficial interna do esporte de alto rendimento, cujos principais elementos são o fair play e a codificação das regras, e uma moral “cuja imagem é necessariamente opaca e secreta, uma moral clandestina”, que procura impor arbitrariamente seu próprio código. “O doping, as atitudes vinculadas à farsa e ao engano, além de outras formas de ‘ilegalidade útil’” são, segundo Bette (1989: 200), “expressão dessa moral que assume formalmente o código oficial, mas que na prática abdica de colocá-lo em prática”. Ao lado disso encontra-se o contínuo interesse do esporte convencional em dissimular a existência dessa moral que lhe é, na verdade, imanente. O infringir das regras não é, nesse sentido, observado como condição necessária à disputa de competições, mas imputado individualmente à exagerada sede de vitória dos atletas. Corresponderia a essa atitude o surgimento de “uma moral externa, que se cruza de maneira difusa com a interna, e que critica e sanciona as normas da 6 Trata-se dos episódios ocorridos em 29 de maiode 1985, antes da partida final da Copa Européia dos Campeões daquele ano, no Estádio Heysel, em Bruxelas. Do pânico gerado pelo conflito entre torcedores, resultou o desabamento de parte das grades de proteção das arquibancadas e um saldo de 39 mortes. moral clandestina” (Bette, 1989: 200). Essa moral é ativada, sempre de forma cuidadosa, quando, através de indiscrições e escândalos, desmistificam-se valores sociais positivos imputados ao esporte, ou ainda quando esses valores são desmascarados como mera aparência. É em grande parte mérito das pesquisas de sociologia do esporte, nesse campo, ter desmascarado declarações das federações esportivas a respeito do esporte de alto rendimento para crianças, do problema do doping e das iniciativas de promoção do fair play como álibis e formas de tranqüilizar e confundir a opinião pública. Essas táticas deveriam, por um lado, tranqüilizar os espectadores e outros grupos ligados ao esporte (sobretudo patrocinadores), e por outro apenas servir à manutenção do esporte de alto nível, incluindo sua moral clandestina do “ou tudo ou nada”. No que diz respeito à cultura das torcidas de futebol, principalmente à dos hooligans, as pesquisas de sociologia do esporte (Bruder et alii, 1988; Becker e Pilz, 1988; Pilz, 1993) têm demostrado que o esporte não é apenas vítima dessa violência, já que o comportamento violento dos torcedores de futebol e hooligans não tem apenas raízes sociais, mas é também orgânico e imanente ao esporte. Além disso, as pesquisas também demostraram que o comportamento violento dos hooligans é em primeiro lugar uma resposta aos problemas que se lhes apresentam em seu mundo vivido. O conhecimento produzido pela sociologia do esporte sobre os distúrbios em partidas de futebol está presente também em outras áreas que pesquisam o fenômeno da violência, inclusive na pedagogia social e na política (ver, por exemplo, os relatórios “Esporte e violência”, feito por Pilz et alii, 1982; “Comportamento e cultura das torcidas”, de Bruder et alii, 1988; e o “Relatório sobre a violência” do governo federal, de autoria de Schwind e Baumann et alii, 1990). O “Conceito nacional de esporte e segurança”, feito por iniciativa do Gabinete do Primeiro-Ministro, não só aproveitou os resultados de pesquisas da sociologia do esporte — sobretudo no que diz respeito à organização dos projetos de acompanhamento sociopedagógico de torcidas (os Fan-Projekten) — , como atualmente os vem aplicando na prática. O “Conceito nacional de esporte e segurança” indica a formação de Fan-Projekten em todas as cidades onde haja equipes da primeira divisão de futebol, e nas cidades que tenham equipes da segunda divisão com correspondente potencial de violência de torcidas. Os trabalhos de sociologia do esporte sobre o tema da violência no contexto do futebol têm contribuído decisivamente também para uma melhor orientação do trabalho policial, que passou a ter uma atuação mais qualificada, julgando e reagindo adequadamente diante de situações de violência. Finalmente, os secretários estaduais de esporte, reunidos em 6 e 7 de junho de 1991, aprovaram, paralelamente às propostas de caráter sociopedagógico, um catálogo de medidas estruturais da pesquisa em sociologia do esporte. Aqui, aliás, aplicações concretas na prática ainda estão sendo esperadas, o que demonstra — como no caso do relatório governamental sobre a violência — a distância entre as intenções políticas e as aplicações práticas. Outros importantes campos de pesquisa que se têm desenvolvido na sociologia do esporte nos últimos anos tratam da relação entre esporte e economia (Heinemann, 1984) e entre esporte e mídia (Digel, 1983), de associações e federações esportivas (Heinemann & Schubert, 1994; Horch, 1982; Winkler, 1988, Winkler e Karhausen, 1985), da sociologia do corpo (Rittner, 1984; Bette, 1989), da sociologia do esporte de alto rendimento (Becker, 1987; Bette, 1984; Rose, 1991), de consultoria científica (Rütten, 1992) e de esporte e gênero (Klein, 1983). No caso desta última temática, sobretudo pelo empenho de sociólogas do esporte (Kröner, Pfister), a comissão “Pesquisas sobre a Mulher na Ciência do Esporte” impulsiona o desenvolvimento de uma teoria feminista do esporte. Não obstante essa impressão geral positiva, a sociologia do esporte terá no futuro que elevar seus padrões teóricos e metodológicos, para que possa continuar dando respostas válidas aos múltiplos problemas e questões colocados pela prática dos esportes. Isso, se quiser fazer jus ao crescente significado do esporte em nossa sociedade, à “esportivização” da sociedade, e ao objetivo das áreas da sociologia de descrever, informar, criticar, descobrir, mas também modificar, contribuir para a formação da teoria e prognosticar. Referências bibliográficas BECKER, P. (org.). 1987. Sport und Höchstleistung. Reinbek. _______ & PILZ, G. A.. 1988. Die Welt der Fans. München. BETTE, K.-H. 1984. Strukturelle Aspekte des Hochleistungssports in der Bundesrepublik Deutschland. St. Augustin. _______. 1984. Die Trainerrolle im Hochleistungssport. St. Augustin. _______. 1989. Körperspuren. Zur Semantik und Paradoxie moderner Körperlichkeit. Berlin. _______. 1992. Theorie als Herausforderung. 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