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THOMAS ROBERT MALTHUS ENSAIO SOBRE A POPULAÇÃO * Tradução de Antonio Alves Cury * Traduzido de Population: The First Essay. Ann Arbor Paperbacks, The University of Michigan Press, 1959. PREFÁCIO Este ensaio se originou de uma conversa com um amigo acerca do tema do ensaio do Sr. Godwin sobre a avareza e a prodigalidade, no seu Enquirer. A discussão começou com a questão geral sobre o aperfeiçoamento futuro da sociedade, e o autor tinha inicialmente a intenção de simplesmente expressar ao amigo seus pensamentos por escrito de uma forma mais clara do que pensava que poderia fazê-lo numa conversa. Como o assunto se lhe apresentou, ocorreram algumas idéias que ele não se lembrava de ter percebido antes, e como pensou que qualquer mínimo esclarecimento sobre um tema, no geral tão in- teressante, poderia ser recebido com boa vontade, resolveu organizar seus pensamentos de forma adequada para publicação. O ensaio poderia ter sido, sem dúvida alguma, muito mais com- pleto, mediante uma compilação de maior número de fatos na elucidação da argumentação geral. Mas uma longa e quase completa interrupção por causa de muitos negócios particulares, aliada a uma vontade (talvez imprudente) de não atrasar muito além do prazo que originariamente se propunha, impediram o autor de dar ao assunto uma completa aten- ção. Ele supõe, contudo, que os fatos que expôs não servirão de base para criar nenhuma evidência sem valor, por causa da validade de sua opinião com relação ao aperfeiçoamento futuro da humanidade. Atualmente, da forma que o autor concebe esta opinião, pouco mais lhe ocorre ser necessário para fundamentá-la do que uma simples afir- mação, além da mais superficial visão da sociedade. É uma verdade óbvia, observada por muitos escritores, que a população deve sempre ser mantida abaixo do nível dos meios de sub- sistência; mas nenhum escritor que o autor cita investigou particular- mente os meios pelos quais esse nível é atingido; é uma concepção desses meios que constitui, no seu modo de pensar, o mais forte obs- táculo no caminho de um grande aperfeiçoamento futuro da sociedade. O autor espera que essa concepção surja da discussão deste interessante assunto porque ele é movido unicamente por amor à verdade e não por preconceito contra qualquer grupo de homens ou de opiniões. O 235 autor afirma ter lido alguns estudos sobre o aperfeiçoamento futuro da sociedade com uma disposição de ânimo muito diferente do desejo de achá-los visionários, mas ele não adquiriu aquele domínio sobre o seu conhecimento que lhe possibilitaria crer no que queria, sem a evi- dência, ou recusar sua aprovação ao que poderia ser desagradável quan- do seguido da evidência. Esse ponto de vista que o autor formulou sobre a vida humana tem um aspecto sombrio mas ele percebe conscientemente que extraiu essas negras tintas de uma convicção de que elas estão realmente no quadro e não de uma visão parcial ou de uma depressão inerente ao temperamento. O pensamento teórico que ele esboçou nos dois últimos capítulos explica sua própria interpretação, de maneira satisfatória no que diz respeito à existência da maioria dos males da vida, mas se ele terá os mesmos efeitos sobre os outros, deve ser deixado ao julga- mento de seus leitores. Se o autor lograsse atrair a atenção dos homens mais capazes para o que ele admite ser a principal dificuldade no caminho para o aperfeiçoamento da sociedade e conseqüentemente tivesse essa dificul- dade removida, mesmo na teoria, de bom grado, ele mudaria suas atuais opiniões e se alegraria com a certeza de seu erro. 7 de junho de 1798 OS ECONOMISTAS 236 SUMÁRIO CAPÍTULO I — A questão formulada. — Pequena perspectiva para sua determinação a partir do antagonismo de suas partes opostas. — O principal argumento contra a per- fectibilidade do homem e da sociedade nunca foi respon- dido adequadamente. — A natureza da dificuldade de- corrente da população. — Resumo do principal argumento do ensaio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 CAPÍTULO II — As diferentes proporções em que crescem a população e o alimento. — As conseqüências necessárias dessas diferentes proporções de crescimento. — A oscila- ção produzida por elas na condição das classes mais bai- xas da sociedade. — Razões pelas quais essa oscilação não foi tão estudada como se poderia esperar. — Três proposições de que depende o argumento geral do ensaio. — Os diferentes estágios que a humanidade experimen- tou, apresentados em uma análise com relação a essas três proposições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 CAPÍTULO III — O estágio selvagem ou da caça, revisto re- sumidamente. — O estágio do pastoreio ou as tribos de bárbaros que invadiram o Império Romano. — A supe- rioridade do poder de crescimento da população em com- paração com os meios de subsistência. — A causa do gran- de fluxo da emigração setentrional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 CAPÍTULO IV — O estágio das nações civilizadas. — A pro- babilidade de que a Europa seja hoje muito mais populosa do que na época de Júlio César. — O melhor critério sobre o crescimento da população. — O provável erro de Hume num dos critérios que ele propõe como auxiliar de uma estimativa da população. — O lento crescimento da população na atual idade, na maioria dos Estados da Eu- 237 ropa. — Os dois principais obstáculos ao crescimento da população. — O primeiro, ou obstáculo preventivo, ana- lisado com relação à Inglaterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 CAPÍTULO V — O segundo, ou obstáculo positivo ao cresci- mento da população na Inglaterra. — A verdadeira causa pela qual a imensa soma arrecadada na Inglaterra para os pobres não melhora sua condição. — A forte tendência das leis dos pobres para invalidar seu próprio objetivo. — O paliativo proposto para a miséria dos pobres. — A absoluta impossibilidade decorrente das leis fixas de nos- sa natureza de que a pressão da necessidade possa ser sempre completamente eliminada das classes baixas da sociedade. — Todos os obstáculos ao crescimento da po- pulação podem ser reduzidos à miséria e ao vício . . . . . . 267 CAPÍTULO VI — As novas colônias. — As razões de seu rápido crescimento. — As colônias norte-americanas. — O ex- cepcional exemplo de crescimento dos núcleos coloniais afastados. — A rapidez com que mesmo os velhos Estados se recuperaram das devastações da guerra, da peste, da fome ou dos cataclismos da natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . 277 CAPÍTULO VII — A provável causa das epidemias. — Algumas das tabelas do Sr. Susmilch. — Repetições periódicas de estações insalubres previstas em determinados casos. — A proporção de nascimentos em comparação com os óbitos, em qualquer país e em breves períodos: um critério inade- quado do crescimento real médio da população. — O melhor critério de um permanente crescimento da população. — A grande escassez dos meios de vida, uma das causas da fome na China e no Hindustão. — A má intenção de um dos artigos do Projeto de Lei dos Pobres do Sr. Pitt. — Um único caminho adequado para estimular o crescimento da população. — As causas da prosperidade das nações. — Fome, o último e mais pavoroso método pelo qual a natureza reprime o excesso da população. — As três proposições con- sideradas como demonstradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281 CAPÍTULO VIII — O Sr. Wallace. — O erro de se supor que a dificuldade provocada pela população está a uma grande distância. — O esboço do Sr. Condorcet sobre o progresso do espírito humano. — Período em que a oscilação men- cionada peloSr. Condorcet deve ser aplicada à espécie humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291 OS ECONOMISTAS 238 CAPÍTULO IX — A conjectura do Sr. Condorcet a respeito da perfectibilidade orgânica do homem, e a continuação in- definida da vida humana. — A falácia do argumento que infere um progresso ilimitado de um aperfeiçoamento par- cial; o limite que não pode ser verificado, exemplificado com a procriação dos animais e o cultivo das plantas . . . . 295 CAPÍTULO X — O sistema de igualdade do Sr. Godwin. — O erro de se atribuir todos os vícios da humanidade às ins- tituições humanas. — A primeira resposta, totalmente insuficiente, do Sr. Godwin à dificuldade resultante da população. — O belo sistema de igualdade do Sr. Godwin supostamente realizável. — Sua completa destruição, simplesmente a partir do princípio da população, no curto prazo de trinta anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301 CAPÍTULO XI — A conjectura do Sr. Godwin a respeito da extinção futura da paixão entre os sexos. — Pequenas bases tangíveis para tal suposição. — A paixão amorosa conciliável com a razão ou com a virtude . . . . . . . . . . . . . 313 CAPÍTULO XII — A conjectura do Sr. Godwin com respeito à continuação indefinida da vida humana. — Inferência ine- xata a partir dos efeitos dos estimulantes mentais sobre a estrutura humana, exemplificados em várias situações. — Conjecturas não fundamentadas em algumas indi- cações do passado não devem ser consideradas conjec- turas filosóficas. — A conjectura do Sr. Godwin e do Sr. Condorcet quanto ao acesso do homem à imortali- dade na terra: um curioso exemplo da inconseqüência do ceticismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 CAPÍTULO XIII — O erro do Sr. Godwin em considerar dema- siadamente o homem do ponto de vista de um ser sim- plesmente racional. — No complexo ser que é o homem, as paixões sempre atuarão como forças perturbadoras nas decisões da inteligência. — Os raciocínios de Godwin so- bre o tema da coerção. — Algumas verdades por natureza não comunicáveis de um homem para outro . . . . . . . . . . . 327 CAPÍTULO XIV — As cinco proposições não fundamentadas do Sr. Godwin com relação à verdade política, das quais depende todo o seu trabalho. — Razões que temos para admitir, dada a miséria provocada pelo princípio de po- pulação, que os vícios e a fraqueza moral do homem nunca poderão ser totalmente erradicados. — A perfectibilidade, MALTHUS 239 no sentido em que o Sr. Godwin usa o termo, não aplicável ao homem. — A natureza da real perfectibilidade do ho- mem devidamente explicada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 CAPÍTULO XV — Modelos demasiado perfeitos podem, algumas vezes, mais impedir do que promover o aperfeiçoamento. — O ensaio do Sr. Godwin sobre a avareza e a prodiga- lidade. — A impossibilidade de dividir pacificamente en- tre todos o trabalho necessário de uma sociedade. — Os ataques ao trabalho podem produzir o mal presente com pouca ou nenhuma possibilidade de se conseguir um bem futuro. — Um crescimento do volume do trabalho agrícola deve sempre ser um benefício para o trabalhador . . . . . . 339 CAPÍTULO XVI — O provável erro do Dr. Adam Smith em apresentar todo o aumento da renda ou do capital de uma sociedade como um aumento dos fundos para a ma- nutenção do trabalho. — Situações em que um aumento da riqueza pode não apresentar nenhuma tendência para melhorar a condição do trabalho do pobre. — A Inglaterra cresceu em riquezas sem um aumento proporcional dos fundos para a manutenção do trabalho. — A situação dos pobres da China não melhorou pelo aumento dos bens produzidos pelas manufaturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347 CAPÍTULO XVII — A questão da definição adequada da riqueza de um Estado. — A explicação dada pelos economistas franceses para considerar todos os manufatores como tra- balhadores improdutivos não é a verdadeira explicação. — O trabalho dos artífices e dos manufatores é muito produtivo para os indivíduos, não, porém, para o Estado. — Um notável trecho dos dois volumes de estudos do Dr. Price. — O erro do Dr. Price em atribuir a prosperidade e o rápido povoamento da América principalmente a seu particular estágio de civilização. — Nenhum proveito pode ser esperado se fechamos nossos olhos às dificuldades na busca do aperfeiçoamento da sociedade . . . . . . . . . . . . . . . 355 CAPÍTULO XVIII — A permanente pressão da miséria sobre o homem, pelo princípio de população, parece orientar nossas esperanças para o futuro. — O tempo de provação inconciliável com nossas idéias da presciência de Deus. — O mundo, provavelmente um forte processo para des- pertar a matéria para a espiritualidade. — A teoria da formação do espírito. — Os estímulos surgidos das ne- OS ECONOMISTAS 240 cessidades do corpo. — Os estímulos surgidos da atuação das leis gerais. — Os estímulos surgidos das dificuldades de vida resultantes do princípio de população . . . . . . . . . 363 CAPÍTULO XIX — Os sofrimentos da vida necessários para enternecer e humanizar o coração. — Os estímulos sur- gidos da solidariedade social produzem freqüentemente caracteres de uma ordem mais elevada do que os simples possuidores de aptidões. — O mal moral provavelmente necessário para a criação da perfeição moral. — Os es- tímulos surgidos das necessidades intelectuais continua- mente alimentados pela infinita diversidade da natureza e a obscuridade que envolve os assuntos metafísicos. — As dificuldades que tem a Revelação de ser explicada com base nesse princípio. — O grau de evidência que possuem as Escrituras, provavelmente mais apropriado para o aperfeiçoamento das faculdades humanas e o pro- gresso moral da humanidade. — A idéia de que o espírito é formado pelos estímulos parece explicar a existência do mal natural e moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371 MALTHUS 241 CAPÍTULO I As grandes e inesperadas descobertas que ocorreram nos últimos anos na filosofia natural, a crescente difusão do conhecimento geral a partir do desenvolvimento da arte da impressão, o espírito de pesquisa ativo e firme que predomina por todo o mundo letrado e mesmo no iletrado, as novas e extraordinárias luzes que foram lançadas sobre os assuntos políticos e que fascinam e chocam o intelecto, e especial- mente o tremendo fenômeno de horizonte político — a Revolução Fran- cesa, que, como um cometa resplandecente, parece destinado a infundir nova vida e vigor ou a arrasar e destruir os tímidos habitantes da terra —, tudo isso concorreu para converter muitos homens talentosos à idéia de que nós estamos chegando a uma grande época, com as mais importantes mudanças que, em certa medida, seriam decisivas para a sorte futura da humanidade. Tem sido dito que a grande questão está hoje em debate: se doravante o homem se lançará para a frente, com velocidade acelerada, em direção a um aperfeiçoamento ilimitado e até agora inimaginável, ou se será condenado a uma permanente oscilação entre a prosperidade e a miséria e, depois de todo esforço, ainda permanecerá a uma inco- mensurável distância do objetivo desejado. Entretanto, com a apreensão de todo amigo da humanidade que deve esperar o fim desta aflitiva incerteza, e com o zelo da mente indagadora que acolheria todo esclarecimento que pudesse ajudar na sua visão do futuro, há muito a se lamentar que os es- critores, em cada aspecto desta momentosa questão, ainda se man- tenham a grande distância um do outro. Seus argumentos comuns não chegam a um estudo imparcial.A questão não é levada a se sustentar nos detalhes menores e, mesmo na teoria, parece estar longe de se aproximar de um equacionamento. O defensor dessa ordem de coisas é capaz de considerar a escola dos filósofos especulativos como um bando de vilões astutos e enge- nhosos que elogiam a caridade fervorosa e retratam quadros cativantes de um estágio mais feliz da sociedade, somente o mais próprio para 243 torná-los capazes de destruir as atuais instituições e promover seus planos grandiosos de ambição, ou como um bando de entusiastas sel- vagens e loucos cujas especulações estúpidas e absurdos contra-sensos não são dignos da atenção de nenhum homem sensato. O defensor da perfectibilidade do homem e da sociedade devota ao protetor das instituições igual desprezo. Ele o estigmatiza como escravo dos preconceitos mais ridículos e tacanhos ou como defensor dos abusos da sociedade civil, apenas porque se beneficia deles. Ele o retrata como uma personalidade que prostitui sua inteligência de acordo com seu interesse, ou como alguém cujos poderes do raciocínio não têm dimensão para se empenhar em qualquer coisa grande e nobre, que não consegue ver além de cinco jardas à sua frente e que deve ser, por esse motivo, completamente incapaz de examinar os pontos de vista do esclarecido benfeitor da humanidade. Neste debate inamistoso, a causa da verdade não consegue senão ter prejuízos. Os argumentos realmente bons, sobre cada aspecto da ques- tão, não são reconhecidos como tendo seu valor próprio. Cada um adota sua própria teoria, pouco interessado em corrigi-la ou aperfeiçoá-la por uma preocupação com o que é desenvolvido pelos seus adversários. O defensor da ordem atual das coisas condena todas as especu- lações políticas em conjunto. Ele próprio não se permite examinar os argumentos a partir dos quais é deduzida a perfectibilidade da socie- dade. Muito menos se dará ele ao trabalho de modo franco e honesto para empreender uma explicação de sua própria falácia. Da mesma forma, o filósofo especulativo afronta a causa da ver- dade. Com os olhos voltados para um estágio mais feliz da sociedade, nos benefícios que ele pinta com as cores mais fascinantes, ele próprio se permite deliciar-se com as mais cruéis diatribes contra toda presente instituição, sem usar os seus talentos para estudar os meios mais se- guros e melhores de eliminar os abusos e sem parecer conhecer os terríveis obstáculos que ameaçam opor-se, mesmo na teoria, ao avanço do homem em direção à perfeição. É uma verdade reconhecida pela filosofia que uma teoria verda- deira sempre será confirmada pela experiência. Entretanto, tanto atrito e tantas pequenas circunstâncias ocorrem na prática que é quase im- possível à inteligência mais aberta e perspicaz prever que, em poucos assuntos, uma teoria possa ser declarada correta e que não tenha re- sistido ao teste da experiência. Mas uma teoria não verificada na prática não pode ser razoavelmente assegurada como provável, muito menos como correta, até que todos os argumentos contra ela tenham sido sabiamente confrontados e refutados clara e firmemente. Li com grande prazer algumas especulações sobre a perfectibilidade do homem e da sociedade. Fiquei entusiasmado e feliz com o quadro encantador que descreveram. Anseio fervorosamente por esses venturosos aperfeiçoamentos. Mas vejo, no meu entender, grandes e insuperáveis OS ECONOMISTAS 244 dificuldades no seu caminho. É meu propósito expressar essas dificul- dades, demonstrando, ao mesmo tempo, que longe de me regozijar com elas, como um motivo de vitória sobre os amigos da novidade, nada me daria mais prazer do que vê-las completamente eliminadas. A argumentação mais importante que apresentarei certamente não é nova. Os princípios sobre os quais está subordinada foram ex- plicados parcialmente por Hume e, de modo mais geral, pelo Dr. Adam Smith. A argumentação foi desenvolvida e aplicada ao atual tema, embora sem o devido peso ou de acordo com um ponto de vista mais convincente, pelo Sr. Wallace, e pode ter sido firmada, provavelmente, por muitos escritores que nunca conheci. Eu, certamente, por esse mo- tivo, nunca pensaria em desenvolver novamente essa argumentação, embora pretenda colocá-la sob um ponto de vista de alguma forma diferente de tudo que tenho visto até aqui, ainda que ela tenha sido respondida de forma completa e satisfatória. A causa desse descuido, por parte dos defensores da perfectibi- lidade da humanidade, não é bem explicada. Não posso duvidar de talentos de homens tais como Godwin e Condorcet. Estou relutante em duvidar de sua imparcialidade. No meu entendimento, e provavel- mente no de muitos outros, a dificuldade se revela insuperável. En- tretanto, estes homens, de reconhecido discernimento e capacidade, mal se dignam mencioná-la e mantêm o curso de suas especulações com irrefreável entusiasmo e inquebrantável fé. Não tenho certamente nenhum direito de dizer que eles fecham propositadamente seus olhos a tais argumentos. Devo duvidar a priori da validade deles quando negligenciados por tais pessoas, embora, forçosamente, sua verdade possa chocar-se com o meu próprio pensamento. Entretanto, com relação a isto, deve ser reconhecido que estamos todos por demais sujeitos a errar. Se vi um copo de vinho reiteradamente oferecido a uma pessoa e ela não tomou conhecimento disso, eu estaria inclinado a pensar que ela era cega ou mal-educada. Uma filosofia mais justa poderia me ensinar antes a pensar que meus olhos me enganavam e que o ofere- cimento não era o que eu pensava que fosse. Para introduzir o argumento devo pressupor que excluo da ques- tão, no presente, todas as simples conjecturas, isto é, todas as supo- sições, cujo provável conceito não pode ser inferido com base em quais- quer premissas filosóficas legítimas. Um escritor pode dizer-me que ele pensa que o homem se transformará finalmente num avestruz. Propriamente não posso negá-lo. Mas antes que ele possa converter qualquer pessoa sensata ao seu modo de ver, ele deveria mostrar que o pescoço na espécie humana foi gradualmente se alongando, que os lábios se tornaram mais grossos e mais salientes, que as pernas e os pés estão permanentemente mudando sua forma e que o pêlo está começando a transformar-se em tocos de penas. E, até que a probabi- lidade de tão maravilhosa mutação possa ser demonstrada, certamente MALTHUS 245 é perder tempo e retórica divagar sobre a felicidade do homem em tal estágio: descrever seus poderes tanto de correr como voar, retratá-lo numa situação em que todos os pequenos luxos sejam desprezados, em que os homens se dedicariam somente a acumular as coisas ne- cessárias à vida e em que, conseqüentemente, cada parcela de trabalho do homem seria pequena, e grande sua parcela de lazer. Penso que posso elaborar adequadamente dois postulados. Primeiro: Que o alimento é necessário para a existência do homem. Segundo: Que a paixão entre os sexos é necessária e que perma- necerá aproximadamente em seu atual estágio. Essas duas leis, desde que nós tivemos qualquer conhecimento da humanidade, evidenciam ter sido leis fixas de nossa natureza e, como nós não vimos até aqui nenhuma alteração nela, não temos o direito de concluir que elas nunca deixarão de existir como existem agora, sem um pronto ato de poder daquele Ser que primeiro ordenou o sistema do universo e que para proveito de suas criaturas ainda faz, de acordo com leis fixas, todas estas variadas operações. Não conheço nenhum escritor que tenha admitido que nesta terra o homem, fundamentalmente, seja capaz de viver sem alimento. Mas o Sr. Godwin prognosticou que a paixão entre os sexos pode ser extinta com o tempo. Contudo, como eleconsidera esta parte de seu trabalho um desvio para o campo da conjectura, não insistirei mais sobre isso agora, a não ser em afirmar que os melhores argumentos para provar a perfec- tibilidade do homem provêm de um estudo do grande progresso que ele já realizou desde o estado bárbaro e da dificuldade de dizer onde ele se detém. Mas, com relação à extinção da paixão entre os sexos, nenhum progresso, qualquer que ele seja, foi feito até aqui. Ela parece existir com tanto ímpeto agora como existia há dois ou há quatro mil anos. Existem exceções hoje como sempre existiram. Mas, como essas exceções não pa- recem crescer numericamente, decerto seria uma demonstração antifilo- sófica inferir, simplesmente a partir da existência de uma exceção, que a exceção com o tempo se tornaria a regra e a regra a exceção. Então, adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de crescimento da população é indefinidamente maior do que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem. A população, quando não controlada, cresce numa progressão geo- métrica. Os meios de subsistência crescem apenas numa progressão aritmética. Um pequeno conhecimento de números demonstrará a enor- midade do primeiro poder em comparação com o segundo. Por aquela lei da nossa natureza que torna o alimento necessário para a vida humana, os efeitos desses dois poderes desiguais devem ser mantidos iguais. Isso implica um obstáculo que atua de modo firme e constante sobre a população, a partir da dificuldade da subsistência. Esta difi- OS ECONOMISTAS 246 culdade deve diminuir em algum lugar e deve, necessariamente, ser duramente sentida por uma grande parcela da humanidade. Por todo o reino animal e vegetal a natureza espalhou largamente as sementes da vida, com a mão a mais generosa e pródiga. Ela foi re- lativamente parcimoniosa quanto ao espaço e à alimentação necessários para criá-los. As células vitais contidas nesta parte da terra, com bastante alimento e espaço para se expandir, preencherão milhões de mundos no decurso de uns poucos milhares de anos. A miséria que despoticamente permeia toda a lei da natureza limita estes mundos mediante determi- nadas restrições. Os reinos vegetal e animal se reduzem sob esta grande lei limitadora. E a espécie humana não pode, por simples esforços racionais, escapar dela. Entre as plantas e os animais suas conseqüências são a perda do sêmen, a doença e a morte prematura. Na espécie humana, a miséria e o vício. O primeiro, a miséria, é uma conseqüência absolutamente necessária da lei. O vício é uma conseqüência altamente provável e, por essa razão, o vemos predominar largamente, mas não pode, talvez, ser chamado de conseqüência absolutamente necessária. A provação da vir- tude é resistir a toda tentação do mal. Essa desigualdade natural dos dois poderes, da população e da produção da terra, e essa grande lei da nossa natureza que deve manter constantemente uniformes suas conseqüências constituem a grande di- ficuldade, que a mim me parece insuperável no caminho da perfecti- bilidade da sociedade. Todos os outros argumentos são de importância pequena e secundária em comparação com este. Não vejo nenhuma forma pela qual o homem possa escapar da influência desta lei que impregna toda a natureza viva. Nenhuma igualdade fantasista, ne- nhuma norma agrária, no seu maior alcance, podem remover a sua pressão mesmo por apenas um século. E, por essa razão, a lei se mostra decisiva contra a possível existência de uma sociedade em que todos os membros viveriam em tranqüilidade, prosperidade e num relativo ócio, e não sentiriam nenhuma angústia para providenciar os meios de subsistência para si e para os filhos. Conseqüentemente, se as premissas estão corretas, o argumento é conclusivo contra a perfectibilidade do conjunto da humanidade. Assim, esbocei as linhas gerais do argumento, e o examinarei mais particularmente, mas penso que será fundamentado na experiên- cia, a verdadeira fonte e base de todo o conhecimento que invariavel- mente comprova sua verdade. MALTHUS 247 CAPÍTULO II Afirmei que a população, quando não controlada, cresce numa progressão geométrica, e os meios de subsistência numa progressão aritmética. Vamos verificar se essa posição é correta. Penso que ela será levada em conta, visto que não existiu até hoje nenhum estágio (pelo menos de que tenhamos algum conhecimen- to) em que os costumes foram tão puros e simples e os meios de sub- sistência tão abundantes que nenhum obstáculo, seja qual for, tenha se colocado aos casamentos precoces nas classes mais baixas por causa de um medo de não prover bem a subsistência de seus filhos, ou, nas classes mais altas, devido a um medo de baixar sua condição de vida. Conseqüentemente em nenhum estágio que conhecemos até hoje o poder da população pôde se exercer com perfeita liberdade. Se a lei do casamento fosse instituída ou não, o preceito da na- tureza e da virtude parece ser uma ligação a uma única mulher. Ad- mitindo-se a liberdade de troca, no caso de uma escolha infeliz, esta liberdade não interferiria na população até que ela chegasse a um ponto muito viciado; e, agora, estamos admitindo a existência de uma sociedade em que o vício é pouco conhecido. Por essa razão, num estágio de grande igualdade e virtude em que os costumes simples e puros predominassem e os meios de sub- sistência fossem tão abundantes que nenhuma parcela da sociedade tivesse algum temor quanto aos recursos para prover fartamente a família e fosse permitido ao poder da população manifestar-se de forma livre, haveria evidentemente um crescimento da espécie humana muito maior do que qualquer outro até então conhecido. Nos Estados Unidos da América, onde os meios de subsistência têm sido muito maiores, os costumes do povo mais puros e conseqüen- temente os obstáculos aos casamentos precoces têm sido menores do que em qualquer um dos modernos países da Europa, a população se viu duplicada em 25 anos. Nós tomamos como nosso modelo essa proporção de crescimento, 249 embora pequena em relação ao poder máximo da população, ainda que como resultado da experiência atual, e afirmamos que a população, quando não controlada, se duplica cada 25 anos ou cresce numa pro- gressão geométrica. Vamos agora tomar qualquer lugar da terra, esta Ilha por exem- plo, e vejamos em que proporção podemos calcular o crescimento dos meios de subsistência que ela fornece. Começaremos com o seu atual estágio de cultivo. Se admito que pela melhor política possível, arroteando mais a terra e fornecendo grandes fomentos à agricultura, a produção desta Ilha possa ser duplicada nos próximos 25 anos, penso que esta produção estará fornecendo tanto quanto toda pessoa possa razoavelmente exigir. Nos 25 anos seguintes, é impossível admitir que a produção possa ser quadruplicada. Isto seria contrário a todo o nosso conhecimento acerca da capacidade da terra. O máximo que podemos conceber é que o aumento da produção nos 25 anos seguintes se iguale à atual pro- dução. Vamos, então, tomar isso como nosso critério, embora, certa- mente, muito distante da verdade, e admitir que, mediante um grande esforço, o produto total da Ilha possa ser aumentado cada 25 anos numa quantidade de meios de subsistência equivalente à que o país produz atualmente. O calculista mais entusiasmado não pode admitir um aumento maior do que este. Dentro de poucos séculos este aumento tornaria cada acre de terra da Ilha semelhante a um jardim. Entretanto, a progressão deste crescimento é, evidentemente, aritmética. Poder-se-ia afirmar claramente, por esse motivo, que os meios de subsistência crescem numa progressão aritmética. Vamos agoraapresentar as conseqüências dessas duas progressões juntas. Calcula-se que a população da Ilha esteja por volta de 7 milhões e admitiremos que a atual produção corresponda ao sustento de tal número. Nos primeiros 25 anos a população seria de 14 milhões e, sendo também o alimento duplicado, os meios de subsistência se igua- lariam a esse crescimento. Nos próximos 25 anos a população seria de 28 milhões e os meios de subsistência apenas se equiparariam ao sus- tento de 21 milhões. No período seguinte a população seria de 56 mi- lhões e os meios de subsistência apenas suficientes para a metade desse número. E no término do primeiro século a população seria de 120 milhões e os meios de subsistência somente seriam equivalentes ao sustento de 35 milhões, o que deixaria uma população de 77 milhões totalmente sem recursos. Uma grande emigração envolve necessariamente um ou outro tipo de inconveniência para o país que foi abandonado. Poucas pessoas deixarão suas famílias, suas relações, seus amigos e a terra natal para se estabelecer em regiões estrangeiras, desconhecidas, sem que persistam fortes causas OS ECONOMISTAS 250 de constrangimentos no país em que se encontram ou sem a esperança de que haja grandes vantagens no lugar para onde estão indo. Mas para apresentar o argumento mais geral, e menos prejudi- cado pelas visões parciais da emigração, vamos abranger toda a Terra em vez de um só lugar, e vamos supor que os limites ao crescimento da população foram universalmente removidos. Se os meios de subsis- tência que a terra fornece ao homem fossem acrescidos cada 25 anos de uma quantidade igual à que atualmente o mundo todo produz, isto permitiria que a capacidade de produção da Terra fosse totalmente ilimitada e sua proporção de crescimento muito maior do que possamos admitir que qualquer esforço possível da humanidade pudesse atingi-lo. Tomando a população do mundo como qualquer número, 1 bilhão, por exemplo, a espécie humana cresceria na progressão de 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512 etc. e os meios de subsistência na progressão de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 etc. Em dois séculos e um quarto a população estaria, para os meios de subsistência, na proporção de 512 para 10; em três séculos, de 4096 para 13; em 2 mil anos a diferença seria quase incalculável, embora a produção nesse período tivesse cres- cido em larga medida. Nenhum limite se coloca para a produção da terra; ela pode cres- cer incessantemente e ser maior do que qualquer quantidade deter- minável; entretanto, ainda que o poder da população seja um poder de uma ordem superior, o crescimento da espécie humana só pode ser mantido proporcional ao crescimento dos meios de subsistência por meio de uma permanente atuação da rigorosa lei da necessidade, que funciona como um obstáculo a um poder maior. Os efeitos deste obstáculo passam a ser considerados em seguida. Entre as plantas e os animais, a observação do problema é sim- ples. Todos eles são impelidos, por um poderoso instinto, a multiplicar suas espécies, e este instinto não se perturba por nenhum argumento ou dúvida quanto a garantir a subsistência de sua prole. Por essa razão, em qualquer parte, existe a liberdade, o poder de crescimento se exerce e os efeitos do excesso são reprimidos pela falta de espaço e alimento, comum a animais e plantas, e, entre os animais, pelo fato de se tornar presa de outros. As conseqüências deste obstáculo no homem são mais complexas. Impelido ao crescimento de sua espécie por um instinto igualmente poderoso, a razão interrompe seu curso vital e questiona se ele não deve trazer seres ao mundo, porque não pode prover os meios de sub- sistência. Num estágio de igualdade isso seria uma simples questão. No atual estágio da sociedade ocorrem outras questões. O homem não baixará seu padrão de vida social? Não se sujeitará a maiores dificul- dades do que as que ele atualmente passa? Não será obrigado a tra- balhar mais penosamente? E se o homem possui uma família numerosa, seus maiores esforços o capacitarão a sustentá-la? Não pode o homem MALTHUS 251 ver sua prole em andrajos e na miséria, chamando pelo pão que ele não lhe pode dar? Não pode o homem ser forçado à desagradável con- dição de ser privado de sua independência e ser favorecido pela avarenta mão da caridade para poder se sustentar? Essas considerações são destinadas a impedir — e certamente o farão — um vasto número de pessoas de todas as nações civilizadas de seguir o ditame da natureza de uma ligação precoce a uma única mulher. E essa restrição, quase necessariamente, embora não absolu- tamente, gera o vício. Entretanto, em todas as sociedades, mesmo na- quelas que são mais corruptas, a tendência a uma ligação virtuosa é tão forte que há um constante esforço para o crescimento da população. Este constante esforço tende a subjugar as classes mais baixas da sociedade à miséria e a impedir qualquer grande e permanente melhora de sua condição. O modo pelo qual estas conseqüências se produzem parece ser este. Admitamos que os meios de subsistência em algum país correspon- dam exatamente a um tranqüilo sustento de seus habitantes. O constante esforço para o crescimento da população, que se constata existir mesmo nas sociedades mais corruptas, aumenta o número de pessoas antes que cresçam os meios de subsistência. Por esse motivo, o alimento que antes sustentava 7 milhões deve agora ser dividido entre 7,5 ou 8 milhões. Conseqüentemente, os pobres têm que viver em muito piores condições, muitos deles submetidos a cruéis sofrimentos. O valor do trabalho tende a decrescer, enquanto o preço dos man- timentos, por outro lado, tende a subir, estando o número de traba- lhadores também acima da capacidade de trabalho do mercado. Por essa razão o trabalhador deve trabalhar mais arduamente para ganhar o mesmo que ganhava antes. Durante este período de miséria, os de- sestímulos ao casamento e a dificuldade de sustento da família são tão grandes que a população fica perplexa. Neste ínterim, o aviltamento do trabalho, a grande quantidade de trabalhadores e a necessidade de uma crescente atividade entre eles, anima os agricultores a aplicar mais trabalho em suas terras, a preparar novas glebas, a adubar e cultivar melhor o que já existe na lavoura, até que finalmente os meios de subsistência fiquem na mesma proporção que a população, como no período de que nós tratamos. Estando novamente a situação dos tra- balhadores regularmente satisfatória, as restrições ao povoamento são, em certa medida, afrouxadas e se repetem os mesmos movimentos, retrógrados ou progressistas, com relação à prosperidade. Esse tipo de oscilação não será percebido por observadores su- perficiais e pode ser difícil, mesmo para as mentes mais perspicazes, precisar seus períodos. Entretanto, porque em todos os países antigos existiram algumas dessas oscilações, embora a partir de causas indi- retas de uma forma muito menos acentuada e muito mais irregular OS ECONOMISTAS 252 do que descrevi, nenhum homem ponderado que reflita profundamente no assunto pode certamente duvidar. Há muitas razões pelas quais essa oscilação tenha sido menos óbvia e menos resolutamente confirmada pela experiência do que na- turalmente se poderia esperar. A principal razão é que os estudos sobre a história da humanidade que nós possuímos são referentes às classes mais altas. Entretanto, nós temos bem poucas explicações que podem ser certas quanto aos hábitos e costumes desta parcela da humanidade em que, de modo especial, se deram esses movimentos retrógrados e progressistas. Uma história razoável desta classe, de um povo e de uma época exigiria uma atenção constante e detalhada de um espíritoobservador, durante uma longa vida. Alguns objetivos da pesquisa seriam: em que proporção estava o número de casamentos em relação ao número de adultos; em que medida os costumes corruptos predominavam em conseqüência das restrições ao casamento; qual era a mortalidade comparativa, entre as crianças da parcela mais pobre da comunidade e aquelas que viviam em maior bem-estar; quais eram as flutuações do preço real do trabalho e quais eram as diferenças observáveis na situação das classes mais baixas da sociedade com relação ao bem-estar e à prosperidade, nos diferentes momentos de uma determinada época. Semelhante história contribui enormemente para elucidar a ma- neira pela qual o constante obstáculo atua sobre a população e prova- velmente demonstraria a existência dos movimentos retrógrados e pro- gressistas que foram mencionados, embora o tempo de sua oscilação deva necessariamente ter se tornado irregular conforme a atuação de muitas causas perturbadoras, tais como a criação ou o declínio de certas manufaturas, uma maior ou menor tendência predominante de em- preendimento agrícola, anos de abundância ou de escassez, guerras e pestes, leis dos pobres, invenção de processos para reduzir o trabalho sem a correspondente ampliação do mercado para os produtos e, par- ticularmente, a diferença entre o preço nominal e real do trabalho, circunstância que tem contribuído talvez muito mais do que qualquer outra, para ocultar, da observação comum, essa oscilação. Acontece muito raramente que cai o preço nominal do trabalho geral, mas bem sabemos que ele freqüentemente permanece o mesmo, enquanto o preço nominal das provisões vai gradativamente aumen- tando. Essa é, com efeito, uma queda real do preço do trabalho, e durante esse período a situação das classes mais baixas da comunidade deve gradualmente piorar cada vez mais. Mas os agricultores e os capitalistas se tornam mais ricos por causa do aviltamento real do trabalho. Seus capitais aumentados os tornam capazes de empregar um maior número de pessoas. Por esse motivo o trabalho poderia ser abundante e o seu preço, conseqüentemente, se elevaria. Mas a falta de liberdade no mercado de trabalho, o que ocorre mais ou menos em MALTHUS 253 todas as comunidades, seja por causa das leis dos pobres, seja pela causa mais geral — a facilidade de associação entre os ricos e a sua dificuldade entre os pobres — atua de modo a impedir a elevação do preço do trabalho no período normal e o mantém baixo por um tempo mais longo — talvez até por um ano de escassez, quando os protestos são bastante fortes e a necessidade por demais acentuada para ser suportada. A verdadeira causa da elevação do preço do trabalho é então ocultada e o rico finge outorgar o preço do trabalho como um ato de compaixão e favor para com o pobre, em vista de um ano de escassez; e, quando volta a abundância, os ricos se entregam ao mais insensato de todos os lamentos para que o preço não caia de novo, quando uma pequena reflexão lhes mostraria que o preço deve ter aumentado muito tempo antes, mas por causa de uma injusta conspiração deles próprios. Mas, embora os ricos através de desonestos conluios contribuam freqüentemente para prolongar o período de miséria entre os pobres, até agora nenhuma forma aceitável de sociedade pôde impedir a quase permanente atuação da miséria sobre uma grande parcela da popula- ção, embora num estágio de desigualdade e, sobretudo, ainda que todos fossem iguais. A teoria sobre a qual a verdade dessa posição se apóia me parece tão manifestamente clara que me sinto embaraçado para julgar que parte dela pode ser negada. Que a população não possa crescer sem os meios de subsistência é uma proposição tão evidente que não necessita de nenhuma explanação. Que a população cresce invariavelmente onde existem os meios de subsistência, é provado fartamente pela história de cada povo que tenha existido em qualquer época. E que o poder superior de crescimento da população não pode ser reprimido sem gerar a miséria ou o vício, é persuasivamente com- provado pela maior parte dos elementos tão amargos que compõem a sorte da vida humana e a continuação das causas físicas que parecem tê-los produzido. Mas, a fim de verificar mais completamente a validade dessas três proposições, vamos examinar os diferentes estágios em que se tem conhecimento de que a humanidade existe. Penso que mesmo um apres- sado retrospecto será suficiente para nos convencer de que essas pro- posições são verdades incontestáveis. OS ECONOMISTAS 254 CAPÍTULO III No estágio mais primitivo da humanidade, em que a caça era a principal ocupação e a única maneira de se obter alimentos, estando os meios de subsistência espalhados numa larga extensão do território, a população deveria, necessariamente, ser escassa. Afirma-se que a paixão entre os sexos é menos ardente entre os índios norte-americanos do que em qualquer outra raça humana. Entretanto, não obstante essa apatia, o aumento da população, mesmo nesse povo, parece ser sempre maior do que os meios de subsistência para sustentá-la. Isto se ma- nifesta pelo povoamento comparativamente rápido que ocorreu todas as vezes que uma tribo se estabeleceu em algum lugar fértil e tirou o seu alimento de fontes mais produtivas do que da caça. E observou-se freqüentemente que, quando uma família indígena erguia sua moradia perto de qualquer núcleo colonial europeu e adotava um modo de vida mais cômodo e civilizado, uma mulher chegava a criar cinco, seis ou mais filhos, embora, no estado selvagem, raramente acontecia que numa família um ou dois atingissem a maturidade. A mesma obser- vação foi feita com relação aos Hotentotes, da região do Cabo. Esses fatos mostram o poder superior da população em relação aos meios de subsistência das nações de caçadores, e que esse poder sempre se ma- nifestou no momento em que lhe foi permitido agir com liberdade. Resta investigar se esse poder pode ser contido e os seus efeitos mantidos iguais aos meios de subsistência, sem que haja vício ou miséria. Os índios norte-americanos, considerados como um povo, não po- dem propriamente ser chamados de livres e iguais. Em todos os relatos que nós temos deles e, na verdade, da maioria das nações indígenas, as mulheres se apresentam num estado de escravidão em relação ao homem muito mais completo do que os pobres em relação aos ricos nos países civilizados. Uma metade da nação, como os hilotas, parece produzir para a outra metade, e a miséria que controla a população incide principalmente, como sempre deve ocorrer, nessa parcela cuja condição é a mais baixa na escala social. A infância do homem, no seu estado mais natural, requer considerável atenção, mas essa atenção 255
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