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Dick Lehr e Gerard OʼNeill 2015 Aliança do Crime

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Narra	
  a	
  vida	
  do	
  lendário	
  gângster	
  James	
  “Whitey”	
  Bulger,	
  um	
  dos	
  criminosos	
  mais	
  cruéis	
  e	
  notórios	
  da	
  história	
  dos	
  Estados	
  Unidos.	
  Considerado	
  em	
  certa	
  época	
  o	
  segundo	
  nome	
  na	
   lista	
  de	
  mais	
  procurados	
  do	
  FBI,	
  atrás	
  apenas	
  de	
  Osama	
   bin	
   Laden,	
   James	
   “Whitey”	
   Bulger	
   construiu	
   um	
   impressionante	
  império	
   do	
   crime.	
   Na	
   década	
   de	
   1980	
   ele	
   aterrorizou	
   a	
   cidade	
   de	
   Boston	
  praticamente	
   sem	
   ser	
   importunado	
   pela	
   lei.	
   Houve	
   quem	
   atribuísse	
   isso	
   a	
  suas	
   conexões	
   políticas,	
   pois	
   James	
   era	
   irmão	
   do	
   inSluente	
  William	
   Bulger,	
  presidente	
  do	
  Senado	
  Estadual	
  de	
  Massachusetts.	
  Os	
  dois	
   tinham	
  reputação	
  de	
  astutos	
  e	
  inescrupulosos,	
  mas,	
  provou-­‐se	
  mais	
  tarde,	
  o	
  anjo	
  de	
  James	
  tinha	
  outro	
  sobrenome:	
  Connolly.	
  Agente	
  em	
  franca	
  ascensão	
  na	
  divisão	
  de	
  Boston	
  do	
   FBI,	
   John	
   Connolly	
   foi	
   criado	
   em	
   South	
   Boston,	
   mesma	
   vizinhança	
   de	
  Whitey,	
   um	
  gângster	
   até	
   então	
  pouco	
   inSluente.	
   Era	
   a	
   época	
  da	
   caça	
   à	
  Cosa	
  Nostra,	
  e,	
  após	
  muitas	
  tentativas	
  de	
  agentes	
  do	
  bureau,	
  Connolly	
  conseguiu	
  o	
  que	
  poucos	
  acreditavam	
  ser	
  possível:	
   transformou	
  Bulger	
  em	
   informante.	
  O	
  gângster,	
  porém,	
  fez	
  muito	
  mais	
  do	
  que	
  seu	
  dever	
  de	
  casa	
  –	
  além	
  de	
  colaborar	
  para	
   o	
   desmantelamento	
   da	
   MáSia	
   italiana,	
   manobrou	
   uma	
   série	
   de	
  assassinatos	
   e	
   passou	
   a	
   comandar	
   o	
   tráSico	
   de	
   drogas	
   na	
   cidade.	
   O	
   acordo	
  entre	
  Bulger	
  e	
  Connolly	
  saiu	
  completamente	
  do	
  controle	
  e,	
  anos	
  mais	
  tarde,	
  veio	
   a	
   se	
   tornar	
   o	
   maior	
   escândalo	
   da	
   história	
   do	
   FBI	
   envolvendo	
  informantes.	
   Escrito	
   por	
   dois	
   ex-­‐repórteres	
   que	
   cobriram	
   o	
   caso,	
   o	
   livro	
   é	
  uma	
   narrativa	
   épica	
   de	
   pura	
   violência,	
   trapaça	
   e	
   corrupção,	
   cujo	
   ponto	
  central	
   é	
   a	
   amizade	
   entre	
   dois	
   garotos	
   cujas	
   vidas	
   seguiram	
   caminhos	
  opostos,	
  porém	
  igualmente	
  nebulosos.
LISTA	DE	PERSONAGENS
A	GANGUE	DE	BULGER
James	J.	“Whitey”	Bulger
Stephen	J.	“Homem-Rifle”	Flemmi
Nick	Femia,	soldado
Kevin	Weeks,	soldado	e	“filho	substituto”	de	Bulger
Kevin	O’Neil,	comparsa
Patrick	Nee,	comparsa
Joseph	Yerardi,	comparsa
George	Kaufman,	comparsa
A	GANGUE	WINTER	HILL	ORIGINAL
conta	com	membros	da	gangue	de	Bulger	e:
Howard	Winter,	chefe
John	Martorano,	matador	de	aluguel
William	Barnoski,	comparsa
James	Sims,	comparsa
Joseph	McDonald,	comparsa
Anthony	Ciulla,	arranjador	de	resultados	em	páreos
Brian	Halloran,	comparsa
MÁFIA	EM	BOSTON
Gennaro	J.	“Jerry”	Angiulo,	subchefe
Ilario	“Larry”	Zannino,	caporegime	e	consigliere
Donato	“Danny”	Angiulo,	caporegime
Francesco	“Frankie”	Angiulo,	comparsa
Mikey	Angiulo,	comparsa
J.	R.	Russo,	caporegime
Vincent	“Animal”	Ferrara,	caporegime
Bobby	Carrozza,	caporegime
Frank	“Cadillac	Frank”	Salemme,	amigo	de	 infância	de	Flemmi	e	principal
líder	mafioso	na	década	de	1990
FEDERAL	BUREAU	OF	INVESTIGATION	(FBI),	DIVISÃO	DE	BOSTON
H.	Paul	Rico,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Dennis	Condon,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
John	J.	Connolly	Jr.,	responsável	pelos	informantes	Bulger	e	Flemmi
John	Morris,	supervisor	do	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Lawrence	Sarhatt,	agente	especial	encarregado	no	início	dos	anos	1980
James	Greenleaf,	agente	especial	encarregado	em	meados	dos	anos	1980
James	Ahearn,	agente	especial	encarregado	no	fim	dos	anos	1980
Robert	Fitzpatrick,	assistente	do	agente	especial	encarregado
James	Ring,	assistente	do	agente	especial	encarregado
Nicholas	Gianturco,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Tom	Daly,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Mike	Buckley,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Edward	Quinn,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
Jack	Cloherty,	Esquadrão	de	Crime	Organizado
John	Newton,	agente	especial
Roderick	Kennedy,	agente	especial
AUTORIDADES	FEDERAIS,	ESTADUAIS	E	LOCAIS
Robert	Long,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Rick	Fraelick,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Jack	O’Malley,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Tenente-coronel	 John	 O’Donovan,	 comandante	 da	 Polícia	 Estadual	 de
Massachusetts
Thomas	Foley,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Joe	Saccardo,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Thomas	Duffy,	Polícia	Estadual	de	Massachusetts
Richard	Bergeron,	detetive	de	polícia	de	Quincy,	Massachusetts
Al	Reilly,	agente	federal	da	Drug	Enforcement	Administration	(DEA)
Stephen	Boeri,	agente	federal	da	Drug	Enforcement	Administration	(DEA)
Daniel	Doherty,	agente	federal	da	Drug	Enforcement	Administration	(DEA)
Jeremiah	T.	O’Sullivan,	promotor	federal	do	Departamento	de	Justiça
Fred	Wyshak,	promotor	federal	do	Departamento	de	Justiça
Brian	Kelly,	promotor	federal	do	Departamento	de	Justiça
James	Herbert,	promotor	federal	do	Departamento	de	Justiça
PRÓLOGO
Certo	dia	de	verão	em	1948,	um	garoto	tímido	de	calça	curta	chamado	John
Connolly	entrou	numa	loja	de	esquina	com	dois	colegas.	Queriam	dar	uma
olhada	 nos	 doces	 do	 estabelecimento,	 próximo	 ao	 conjunto	 habitacional
Old	 Harbor,	 em	 South	 Boston,	 onde	 moravam.	 “Olha	 o	 Whitey	 Bulger”,
sussurrou	um.
O	 lendário	Whitey	 Bulger:	 magrelo	 e	 tenso,	 com	 ar	 de	 valentão	 e	 um
cabelo	louro-claro	e	bem	cheio	que	levou	os	policiais	a	lhe	darem	o	apelido
de	Whitey,	“esbranquiçado”,	embora	ele	odiasse	o	apelido	e	preferisse	seu
nome	de	 verdade,	 Jimmy.	Ele	 era	o	mítico	 adolescente	durão	que	 andava
com	a	gangue	Shamrocks.
Bulger	viu	os	meninos	olhando	para	ele	e,	num	impulso,	se	ofereceu	para
pagar	uma	rodada	de	casquinhas	para	todos.	Dois	já	foram	logo	dizendo	os
sabores.	Mas	o	pequeno	 John	Connolly	hesitou,	 obediente	 à	mãe,	 que	 lhe
dizia	para	não	aceitar	nada	de	estranhos.	Quando	Bulger	lhe	perguntou	por
que	 também	 não	 tomava	 um,	 os	 outros	 meninos	 caçoaram	 do	 conselho.
Então,	Bulger	interveio:	“Ei,	garoto,	eu	não	sou	nenhum	estranho.”
Então,	 deu	 ao	 garoto	 uma	 lição	 rápida	 e	 crucial	 sobre	 história	 e
linhagens:	os	ancestrais	dos	dois	eram	irlandeses.	Eles	não	eram	estranhos
um	ao	outro.
“De	que	sabor	você	quer?”,	perguntou	Whitey	outra	vez.
Connolly	 murmurou	 que	 gostava	 de	 baunilha.	 De	 bom	 grado,	 Bulger
ergueu	o	garoto	e	o	pôs	no	balcão	para	receber	o	sorvete.
Foi	a	primeira	vez	que	John	viu	Whitey.	Muitos	anos	depois,	ele	diria	que
a	emoção	de	encontrar	Bulger	por	acaso	nesse	dia	foi	como	a	de	“conhecer
Ted	 Williams”,	 o	 então	 famoso	 rebatedor	 do	 Boston	 Red	 Sox,	 time	 de
beisebol	da	cidade.
INTRODUÇÃO
Na	 primavera	 de	 1988,	 começamos	 a	 escrever	 para	 o	 Boston	 Globe	 a
história	de	dois	 irmãos,	 Jim	“Whitey”	Bulger	e	seu	irmão	mais	novo,	Billy.
Numa	 cidade	 de	 passado	 tão	 antigo	 e	 rico	 quanto	 Boston,	 pródiga	 em
figuras	históricas	de	todos	os	naipes,	os	Bulger	eram	lendas	vivas.	No	que
faziam,	ambos	eram	insuperáveis.	Whitey,	de	58	anos,	era	o	gângster	mais
poderoso	da	cidade,	um	notório	assassino.	Billy	Bulger,	de	54,	era	o	político
mais	 influente	 de	 Massachusetts,	 presidente	 de	 mais	 longo	 mandato	 em
208	 anos	 de	 história	 do	 Senado	 Estadual.	 Os	 dois	 tinham	 reputação	 de
astutos	e	 inescrupulosos,características	que	punham	em	prática	em	seus
respectivos	mundos.
Era	a	quinta-essência	da	saga	bostoniana,	a	história	de	dois	irmãos	que
cresceram	 num	 conjunto	 habitacional	 no	 mais	 isolado	 dos	 bairros
irlandeses,	South	Boston	—	“Southie”,	como	era	muitas	vezes	chamado.	Era
comum	 ver	 um	 Whitey	 jovem,	 o	 primogênito	 rebelde,	 no	 tribunal,	 mas
nunca	 na	 escola.	 Havia	 brigas	 de	 rua	 e	 frenéticas	 perseguições	 de	 carro,
tudo	 com	um	 certo	 toque	 hollywoodiano.	 Durante	 a	 década	 de	 1940,	 ele
entrou	com	o	carro	nos	trilhos	do	bonde	e	passou	à	toda	pela	antiga	estação
da	 Broadway,	 sob	 os	 olhares	 chocados	 dos	 passageiros	 na	 plataforma
abarrotada.	Com	um	boné	de	tweed	na	cabeça	e	uma	loura	no	carona,	ele
acenou	 e	 buzinou	 para	 a	multidão.	Depois	 se	mandou.	 Já	 seu	 irmão	Billy
enveredou	 pela	 direção	 oposta.	 Estudou:	 história,	 língua	 e	 literatura
clássicas	e,	por	último,	direito.	Entrou	na	política.
Ambos	viraram	notícia,	mas	 suas	vidas	nunca	 tinham	sido	compiladas.
Assim,	 naquela	 primavera,	 junto	 com	 dois	 outros	 repórteres	 do	 Globe,
arregaçamos	 as	 mangas	 para	 mudar	 isso.	 Christine	 Chinlund,	 que	 se
interessava	pela	política,	se	concentrou	em	Billy	Bulger.	Kevin	Cullen,	então
melhor	repórter	policial	da	cidade,	ficou	com	Whitey.	Nós	nos	revezávamos
entre	 os	 dois,	 mas	 no	 fim	 Lehr	 trabalhou	 mais	 com	 Cullen,	 e	 O’Neill
supervisionou	 a	 operação	 toda.	 Ainda	 que	 normalmente	 realizássemos
reportagens	 investigativas,	o	projeto	era	visto	como	um	estudo	biográfico
aprofundado	 de	 dois	 dos	 personagens	 mais	 curiosos	 e	 interessantes	 da
cidade.
Havíamos	 todos	 concluído	 que	 a	 vida	 supostamente	 fascinante	 de
Whitey	 Bulger	 era	 central	 para	 a	 história.	 De	 fato,	 Whitey	 chegara	 a
cumprir	nove	duríssimos	anos	em	prisão	 federal,	 alguns	em	Alcatraz,	por
uma	série	de	roubos	a	banco,	à	mão	armada,	na	década	de	1950.	Mas,	desde
seu	retorno	a	Boston,	em	1965,	ele	não	fora	autuado	sequer	uma	vez,	nem
por	 infração	 de	 trânsito.	 Nesse	meio-tempo,	 sua	 ascensão	 nas	 fileiras	 do
submundo	 de	 Boston	 foi	 constante.	 De	 temido	 soldado	 raso	 na	 gangue
Winter	Hill,	 ele	galgara	os	degraus	do	estrelato	ao	 status	de	mais	 famoso
chefe	do	submundo	da	cidade.	Em	certo	ponto	da	trajetória,	associara-se	ao
assassino	 Stevie	 “Homem-Rifle”	 Flemmi,	 e	 dizia-se	 que	 estavam
empreendendo	uma	jornada	criminosa	inexorável	rumo	à	fama	e	à	riqueza
graças	 à	 capacidade	 de	 levar	 a	 melhor	 sobre	 os	 investigadores	 que
tentavam	reunir	evidências	contra	eles.
No	 fim	dos	 anos	1980,	 contudo,	 as	polícias	municipal	 e	 estadual,	 além
dos	 agentes	 de	 narcóticos	 federais,	 chegaram	 a	 uma	 nova	 teoria	 sobre	 a
ficha	imaculada	de	Bulger.	Diziam	que,	sem	dúvida,	o	homem	era	astuto	e
extremamente	cuidadoso,	mas	sua	capacidade	de	se	evadir	à	lei,	como	um
verdadeiro	 Houdini,	 era	 sobrenatural.	 Para	 eles,	 havia	 algum	 trabalho
interno.	Argumentavam	que	Bulger	estava	ligado	ao	FBI,	que,	por	sua	vez,
secretamente	lhe	fornecera	cobertura	ao	longo	de	todos	aqueles	anos.	Que
outra	 explicação	 para	 o	 completo	 e	 rematado	 fracasso	 de	 todas	 as
tentativas	de	enquadrar	o	homem?	Mas	a	teoria	tinha	um	porém:	ninguém
que	a	propôs	foi	capaz	de	apresentar	uma	prova	irrefutável.
*	*	*
Para	nós,	a	ideia	parecia	forçada,	até	um	tanto	conveniente.
Para	 Cullen,	 que	 morava	 em	 South	 Boston,	 ela	 ia	 contra	 tudo	 que	 se
sabia	a	respeito	de	um	gângster	com	a	reputação	de	ser	um	mafioso	a	toda
prova,	 um	 chefão	 do	 crime	 que	 exigia	 total	 lealdade	 dos	 comparsas.	 Era
algo	 que	 desafiava	 a	 cultura	 do	 mundo	 de	 Bulger,	 South	 Boston	 e	 sua
herança	irlandesa.	Os	irlandeses	sempre	nutriram	um	ódio	particularmente
arraigado	 por	 informantes.	 Já	 vimos,	 alguns	 de	 nós	 mais	 de	 uma	 vez,	 o
famoso	filme	de	John	Ford	de	1934,	O	delator,	com	seu	retrato	atemporal	e
inigualável	do	horror	e	da	repulsa	que	os	irlandeses	sentem	por	eles.	Num
contexto	mais	local,	havia	a	história	de	uma	escuta	em	South	Boston	que	se
tornou	 um	 clássico	 nos	 círculos	 criminosos	 da	 cidade.	 A	 gravação
clandestina	 capturou	 um	 subalterno	 de	 Bulger	 conversando	 com	 a
namorada:
—	Eu	odeio	esses	ratos	do	caralho	—	queixou-se	John	Shea.	—	Eles	são	a
mesma	merda	que	um	estuprador	e	um	molestador	de	criança.	—	E	o	que
ele	faria	se	encontrasse	um	informante?	—	Eu	amarrava	o	cara	na	cadeira,
ok?	Então	pegava	um	bastão	de	beisebol	 e	 dava	minha	melhor	 tacada	na
cabeça	dele.	Depois	 ficava	 só	olhando	a	porra	da	 cabeça	 sair	 voando.	Daí
pegava	uma	serra	elétrica	e	cortava	os	dedões	fora.
—	A	gente	se	fala	mais	tarde,	querido	—	respondeu	a	namorada.
Esse	era	o	mundo	de	Whitey,	em	que	os	sentimentos	sobre	informantes
calavam	fundo	em	todas	as	camadas	da	sociedade	local,	da	escória	à	classe
alta.	Até	 seu	 irmão	Billy	 externou	uma	versão	mais	 refinada	do	ponto	de
vista	manifestado	por	Shea.	Em	seu	 livro	de	memórias	de	1996,	recordou
uma	 ocasião	 em	 que	 ele	 e	 alguns	 amigos	 de	 infância	 jogavam	 beisebol	 e
quebraram	uma	luminária	de	rua.	Os	meninos	foram	avisados	que	teriam	a
bola	de	volta	assim	que	identificassem	o	autor	do	estrago.	Ninguém	abriu	o
bico.	 “Odiávamos	 informantes”,	 escreveu	 Billy	 Bulger.	 “Nosso	 folclore
sangrava	 com	 os	 nomes	 dos	 informantes	 que	 haviam	 vendido	 os	 irmãos
para	carrascos	ou	coisa	pior	nas	terras	de	nossos	ancestrais.”
Uma	 vez	 que	 era	 também	 esse	 o	 folclore	 de	 Whitey,	 nós	 quatro,	 em
1988,	 ficamos	 incrédulos	 acerca	 do	 boato	 de	 ele	 ser	 informante.
Examinamos	 a	 teoria	 de	 todos	 os	 ângulos	 e	 concluímos:	 impossível.	 A
alegação	só	podia	corresponder	a	ataques	 infundados	e	 irresponsáveis	de
investigadores	 exasperados	 que	 fracassaram	 na	 tentativa	 de	 prender
Whitey	Bulger.	A	ideia	de	Bulger	como	informante	soava	absurda.
Mas	a	suspeita	continuou	 incomodando,	uma	comichão	 irresistível	que
permanecia	à	flor	da	pele.	E	se	fosse	mesmo	verdade?
Em	1988,	a	grande	notícia	em	Boston	foi	a	candidatura	a	presidente	do
governador	 de	 Massachusetts,	 Michael	 Dukakis,	 mas,	 durante	 todos	 os
meses	 de	 campanha	 presidencial	 ficamos	 cada	 vez	 mais	 intrigados	 e
envolvidos	 com	 a	 história	 de	Whitey.	 Assim,	 Cullen	 voltou	 à	 pesquisa,	 e
Lehr	 o	 acompanhou.	Houve	 novas	 entrevistas	 com	 os	 investigadores	 que
haviam	 tocaiado	 Bulger	 e	 tentado	 obter	 evidências	 contra	 ele.	 Os
investigadores	 revisaram	 minuciosamente	 o	 material,	 mas	 o	 final	 era
sempre	o	mesmo:	Bulger	em	liberdade,	livre	de	qualquer	acusação	e	ileso,
olhando	por	cima	do	ombro	e	rindo	ao	se	afastar.	Falaram	sobre	um	certo
agente	do	FBI,	 John	Connolly,	que,	assim	como	os	 irmãos	Bulger,	crescera
em	Southie.	Connolly	fora	visto	na	companhia	de	Whitey.
Escrevemos	 ao	 FBI	 em	 Boston	 e,	 baseados	 na	 Lei	 de	 Liberdade	 de
Informação,	requisitamos	arquivos	de	inteligência	e	material	sobre	Bulger.
Foi	uma	mera	formalidade;	que	o	pedido	tenha	sido	negado	não	constituiu
surpresa.	Mas	decerto	não	poderíamos	escrever	um	artigo	declarando	que
Bulger	 era	 informante	 do	 FBI.	 Tínhamos	 apenas	 a	 forte	 suspeita	 —	 e
nenhuma	prova	—	vinda	de	outros	órgãos	da	lei.	O	FBI	não	confirmaria	a
suspeita.	 Concluímos	 que	 o	melhor	 que	 tínhamos	 era	 uma	 história	 sobre
como	 Bulger	 dividira	 as	 forças	 da	 lei	 locais.	 Seria	 uma	 matéria	 sobre	 a
cultura	policial,	com	os	policiais	e	os	agentes	de	narcóticos	saindo	sempre
de	mãos	 abanando	 e	 depois	 aludindo	 a	 suas	 sinistras	 suspeitas	 contra	 o
FBI.	Em	certo	sentido,	Bulger	dividira	e	conquistara;	ele	vencera.
*	*	*
O	 submundo	 de	 Boston	 e	 a	 interação	 dos	 investigadores	 envolviam
suspenses,	 ilusões;	 a	 ideia	 de	 Bulger	 como	 informante	 ainda	 nos	 parecia
improvável.	 Mesmo	 assim,	 empreendemos	 um	 último	 esforço	 de
reportagem	para	testar	oque	havíamos	escutado	com	nossas	fontes	no	FBI.
A	essência	da	reportagem	está	descrita	no	capítulo	16	deste	livro.	No	fim,
conseguimos	 confirmar,	 dentro	 do	 FBI,	 que	 o	 impensável	 era	 verdade:
Bulger	era	informante	do	bureau,	e	foi	assim	por	anos.
A	 matéria	 saiu	 em	 setembro	 de	 1988,	 e	 os	 oficiais	 do	 FBI	 locais	 a
negaram	 com	 veemência.	 Em	Boston,	 os	 agentes	 estavam	 acostumados	 a
manipular	 a	 imprensa,	 fornecendo	 informação	 a	 repórteres	 agradecidos
por	um	furo	que,	é	claro,	sempre	deixava	o	FBI	bem	na	foto.	Nesse	contexto,
não	foi	surpresa	que	a	divisão	de	Boston	bancasse	a	parte	ofendida,	traída.
E	muitos	acataram	a	reação	—	afinal,	quem	tinha	mais	credibilidade?	O	FBI,
os	 orgulhosos	 homens	 do	 governo	 que	 vinham	 recebendo	 cobertura
favorável	por	desmantelar	a	Máfia	italiana?	Ou	um	grupo	de	jornalistas	que
o	 FBI	 pintava	 como	 pessoas	 com	 interesses	 escusos?	 Com	 a	 total
improbabilidade	 de	 Bulger	 ser	 informante	 e	 a	 pura	 veemência	 das
negações	oficiais,	a	matéria	foi	vista	como	especulação,	não	como	a	sinistra
verdade.
Quase	 uma	 década	 se	 passaria	 até	 que	 a	 justiça	 intimasse	 o	 FBI	 a
confirmar	o	que	repudiara	com	firmeza	por	tanto	tempo:	Bulger	e	Flemmi
haviam	de	fato	sido	informantes:	Bulger	desde	1975,	e	Flemmi	antes	disso.
As	 revelações	 foram	 feitas	 em	 1997,	 no	 início	 de	 uma	 investigação	 sem
precedentes	 da	 justiça	 federal	 sobre	 os	 laços	 de	 corrupção	 do	 FBI	 com
Bulger	 e	 Flemmi.	 Em	 1998,	 dez	 meses	 de	 depoimentos	 sob	 juramento	 e
pilhas	 de	 arquivos	 antes	 secretos	 revelaram	 um	 alarmante	 padrão	 de
conduta	indevida:	dinheiro	mudando	de	mãos	entre	informantes	e	agentes;
obstrução	da	justiça	e	múltiplos	vazamentos	no	FBI	para	proteger	Bulger	e
Flemmi	de	 investigações	em	outras	agências;	 trocas	de	presentes	e	 lautos
jantares	 entre	 agentes	 e	 informantes.	 Muitos	 comentários	 dos	 agentes
revelavam	uma	arrogância	inequívoca	—	era	como	se	fossem	os	donos	da
cidade.	 Foi	 fácil	 imaginar	 o	 FBI,	 Bulger	 e	 Flemmi	 comemorando	 seu
segredo,	erguendo	as	 taças	de	vinho	e	brindando	ao	sucesso	em	passar	a
perna	 nas	 polícias	 estadual	 e	 municipal,	 e	 nos	 agentes	 de	 narcóticos
federais	 que	 vinham	 tentando	 reunir	 evidência	 contra	 eles	 sem	 nunca
descobrir	o	esquema.
*	*	*
Claro	 que	 o	 caso	 Bulger	 não	 representa	 a	 primeira	 vez	 que	 o	 problema
envolvendo	agentes	e	 informantes	estourou	publicamente	para	o	FBI.	Em
meados	 da	 década	 de	 1980,	 um	 agente	 veterano	 em	 Miami	 admitiu	 ter
recebido	 850	mil	 dólares	 de	 suborno	 do	 informante	 durante	 um	 caso	 de
tráfico	de	drogas.	Um	episódio	mais	conhecido	é	o	de	Jackie	Presser,	antigo
presidente	do	Sindicato	dos	Caminhoneiros,	que	atuou	como	informante	do
FBI	 por	 uma	 década,	 até	morrer,	 em	 julho	 de	 1988.	 Os	 responsáveis	 por
Presser	 no	 bureau	 foram	 acusados	 de	 mentir	 para	 protegê-lo	 de	 um
indiciamento	em	1986.	No	fim,	um	supervisor	foi	exonerado.
Mas	 o	 escândalo	 Bulger	 é	 o	 pior	 de	 todos,	 uma	 história	 exemplar	 que
versa,	 mais	 fundamentalmente,	 sobre	 abusos	 de	 poder	 sem	 controle.	 O
arranjo	 pode	 ter	 feito	 sentido	 no	 início,	 como	 parte	 da	 cruzada	 do	 FBI
contra	 a	 Cosa	 Nostra.	 Em	 parte	 com	 a	 ajuda	 de	 Bulger	 e,	 sobretudo,	 de
Flemmi,	os	principais	chefes	da	Máfia	já	tinham	sumido	de	cena	na	década
de	1990,	substituídos	bem	antes	por	um	bando	de	mequetrefes	esquecíveis
com	apelidos	inesquecíveis.	Bulger,	por	sua	vez,	foi	o	chefão	criminoso	que,
ao	longo	dos	anos,	figurou	com	destaque	no	submundo.	Whitey	era	a	figura
pública,	e	ele	e	Flemmi,	as	principais	peças	no	campo	de	jogo.
Um	 “informante	de	escalão	 superior”	 significa	 alguém	que	 supre	o	FBI
com	segredos	em	primeira	mão	sobre	figuras	do	crime	organizado	no	mais
alto	nível.	As	diretrizes	do	FBI	exigem	que	eles	sejam	monitorados	de	perto
pelos	responsáveis	no	bureau.	Mas	o	que	acontece	se	é	o	informante	quem
passa	a	monitorar	os	agentes?	O	que	acontece	se,	em	vez	de	ser	o	FBI,	é	o
informante	quem	controla,	e	o	FBI	passa	a	chamá-lo	de	“good	bad	guy”	—
um	bandido	bonzinho?
O	que	acontece	se	o	FBI	tira	de	circulação	os	inimigos	do	informante,	que
por	sua	vez	ascende	ao	topo	do	submundo?	E	se	o	FBI	protege	o	informante
avisando	sobre	investigações	conduzidas	por	outros	órgãos	policiais?
O	que	acontece	se	os	homicídios	começam	a	se	acumular,	sem	solução?
Se	 os	 trabalhadores	 são	 ameaçados	 e	 extorquidos,	 sem	 ter	 a	 quem
recorrer?	 Se	 repetidas	 vezes	 um	 cartel	 de	 cocaína	 engana	 os
investigadores?	 Se	 elaboradas	 operações	 de	 escuta	 do	 governo	 custam
milhões	dos	contribuintes	mas	vazam	e	são	arruinadas?
Isso	jamais	poderia	ter	acontecido,	não	é?	Como	um	acordo	entre	o	FBI	e
um	informante	de	escalão	superior	pôde	chegar	a	esse	ponto?
Mas	chegou.
Hoje	 sabemos	 que	 o	 acordo	 entre	 Bulger	 e	 o	 FBI	 era	 mais	 profundo,
sórdido	e	pessoal	do	que	qualquer	um	imaginara,	e	foi	sacramentado	numa
noite	 enluarada	de	1975	entre	dois	 filhos	de	Southie:	Bulger	 e	um	 jovem
agente	do	FBI	chamado	John	Connolly.
DICK	LEHR	E	GERARD	O’NEILL
Boston,	abril	de	2000
INTRODUÇÃO	À	EDIÇÃO	ATUALIZADA
Há	doze	anos,	publicamos	nos	Estados	Unidos	a	primeira	edição	de	Aliança
do	crime.	É	uma	grande	alegria	que	a	PublicAffairs,	nossa	editora	original,
esteja	 lançando	 uma	 edição	 nova	 e	 atualizada.	 Bastante	 coisa	 aconteceu
desde	 a	 primeira	 publicação.	 Muitos	 dos	 assim	 chamados	 poderosos
caíram,	de	agentes	federais	corruptos	do	passado	e	do	presente	até	o	alto
escalão	da	gangue	de	Bulger.	Desde	o	lançamento	de	Aliança	do	crime,	uma
série	de	outros	livros	foi	publicada	sobre	Bulger	e	o	FBI,	criando,	na	prática,
um	 gênero	 Bulger	 todo	 próprio:	 livros	 de	 outros	 jornalistas,	 livros	 de
memórias	 ao	 estilo	 “contando	 tudo”	 escritos	 por	 antigos	 membros	 da
gangue	 de	 Bulger	 e,	 mais	 recentemente,	 relatos	 internos	 escritos	 por
investigadores	 que	 perseguiram	 Bulger	 e	 acabaram	 topando	 com	 algum
agente	do	FBI	corrupto	a	bloquear	o	caminho.	Em	6	de	novembro	de	2008,
o	agente	federal	no	centro	do	escândalo,	John	J.	Connolly	Jr.,	foi	condenado
por	homicídio	de	segundo	grau	ao	conspirar	com	Bulger	para	o	assassinato
de	um	homem	disposto	a	cooperar	com	investigadores	numa	ação	contra
os	 dois.	 Hoje	 com	 71	 anos,	 Connolly	 está	 preso	 numa	 penitenciária	 da
Flórida.	E	o	mais	significativo:	após	se	tornar	fugitivo	da	justiça	em	1995	e
figurar	na	 lista	dos	dez	mais	procurados	do	FBI,	o	personagem	central	do
escândalo	 histórico,	 James	 J.	 “Whitey”	 Bulger	 Jr.,	 foi	 capturado	 em	 22	 de
junho	 de	 2011,	 em	 Santa	 Monica,	 Califórnia,	 onde	 se	 escondera	 à	 plena
vista,	 levando	 uma	 vida	 de	 aposentado	 ao	 lado	 de	 sua	 companheira	 de
longa	 data,	 Catherine	 Greig.	 Aliança	 do	 crime	 é	 uma	 narrativa	 sobre	 o
sinistro	 acordo	 do	 FBI	 com	Bulger	 que	 revela	 suas	 origens,	 o	 reinado	 de
terror	do	gângster	durante	os	anos	1980	sob	os	auspícios	do	FBI	e,	por	fim,
a	 revelação	 pública	 durante	 a	 década	 de	 1990	 da	 profunda	 e	 perniciosa
corrupção	 da	 agência	 federal.	 Com	 novos	 acontecimentos	 surgem	 novas
informações,	e	somos	gratos	por	ter	a	chance	de	atualizar	a	história	do	FBI
e	de	Bulger	neste	livro.
DICK	LEHR	E	GERARD	O’NEILL
Janeiro	de	2012
PARTE	UM
“O	Príncipe	das	Trevas	é	um	cavalheiro.”
William	Shakespeare,	Rei	Lear,	ato	3,	cena	4
CAPÍTULO	UM
1975
Sob	a	 lua	cheia,	o	agente	do	FBI	 John	Connolly	entrou	com	seu	Plymouth
surrado	 numa	 vaga	 de	 estacionamento	 junto	 à	Wollaston	 Beach.	 Às	 suas
costas,	as	águas	marulhavam	e,	mais	além,	as	luzes	de	Boston	cintilavam.	A
cidade	de	Quincy,	centro	de	construção	naval	que	faz	fronteira	com	o	sul	de
Boston,	era	o	local	perfeito	para	o	tipo	de	encontro	que	Connolly	tinha	em
mente.	 A	 rua	 ao	 longo	 da	 praia,	 QuincyShore	 Drive,	 dava	 direto	 na
Southeast	 Expressway.	 Na	 direção	 norte,	 qualquer	 saída	 próxima	 da	 via
expressa	 levava	 direto	 a	 South	 Boston,	 bairro	 onde	 Connolly	 e	 seu
“contato”	haviam	crescido.	Usando	essas	ruas,	o	trajeto	de	ida	e	volta	para
Southie	 levava	 apenas	 alguns	 minutos.	 Mas	 não	 foi	 só	 a	 conveniência	 o
principal	 motivo	 para	 a	 escolha	 do	 lugar:	 acima	 de	 tudo,	 tanto	 Connolly
quanto	o	homem	que	deveria	encontrar	não	queriam	ser	vistos	 juntos	no
bairro	de	infância.
Entrando	 de	 ré	 na	 vaga	 junto	 à	 praia,	 Connolly	 se	 acomodou	 no
Plymouth	e	começou	a	espera.	Nos	anos	seguintes,	Connolly	e	o	homem	que
ele	 aguardava	 nunca	 se	 afastariam	 muito	 um	 do	 outro.	 Os	 dois	 tinham
Southie	em	comum,	e	moraram	e	trabalharam	sempre	no	raio	de	mais	ou
menos	 um	 quilômetro	 de	 distância	 num	 submundo	 povoado	 por
investigadores	e	gângsteres.
Mas	isso	viria	mais	tarde.	Por	ora,	Connolly	aguardava	ansiosamente	em
Wollaston	Beach,	 o	 ronco	 do	motor	 abafando	 o	 que	 parecia	 um	 zumbido
elétrico	da	atmosfera	carregada	no	interior	do	carro.	Transferido	para	sua
cidade	 natal	 um	 ano	 antes,	 ele	 estava	 pronto	 para	 deixar	 sua	 marca	 na
divisão	 de	 Boston	 da	 agência	 policial	 de	 elite	 da	 nação.	 Tinha	 apenas	 35
anos,	e	essa	seria	sua	grande	chance.	Seu	momento	no	FBI	chegara.
O	ousado	agente	amadurecia	trabalhando	num	FBI	que	lutava	contra	um
raro	revés	nas	relações	públicas.	No	Congresso,	sindicâncias	sobre	abusos
haviam	confirmado	que	o	falecido	diretor	J.	Edgar	Hoover	armazenara	por
muitos	 anos	 informações	 sobre	 a	 vida	 privada	 de	 políticos	 e	 figuras
públicas	 em	 arquivos	 secretos.	 Principal	 alvo	 do	 FBI,	 a	 Máfia	 também
constava	 no	 noticiário.	 Agitando-se	 em	 torno	 do	 turbilhão	 havia
sensacionais	 revelações	 envolvendo	uma	parceria	bizarra	 entre	 a	CIA	e	 a
Máfia,	também	descoberta	durante	as	investigações	no	Congresso.	Falava-
se	de	um	acordo	entre	a	CIA	e	os	mafiosos	para	matar	o	líder	cubano,	Fidel
Castro,	 e	 complôs	 de	 assassinato	 que	 envolviam	 canetas	 e	 charutos
envenenados.
Parecia	 que,	 de	 repente,	 a	Máfia	 estava	 por	 toda	 parte,	 e	 todo	mundo
queria	 tirar	 casquinha	 da	 misteriosa	 e,	 de	 certo	 modo,	 glamorosa
organização,	 incluindo	 Hollywood.	 A	 obra-prima	 cinematográfica	 de
Francis	Ford	Coppola,	O	poderoso	chefão	—	parte	2,	 fora	 exibida	para	um
enorme	 público	 no	 ano	 anterior.	 Meses	 antes	 daquele	 encontro,	 o	 filme
faturara	 uma	 porção	 de	 Oscar.	 O	 FBI	 de	 Connolly	 estava	 profundamente
empenhado	 em	 seu	 tão	 propalado	 ataque	 contra	 a	 Cosa	 Nostra.	 Era	 a
prioridade	 nacional	 do	 FBI,	 uma	 guerra	 para	 reverter	 a	 má	 imagem	 na
imprensa,	 e	 Connolly	 tinha	 um	 plano	 em	 andamento	 para	 incrementar	 a
causa.
O	agente	esquadrinhou	a	rua	à	beira-mar,	vazia	àquela	hora.	De	vez	em
quando,	 um	 carro	 passava	 pela	 Quincy	 Shore	 Drive.	 O	 bureau	 queria	 a
Máfia,	 e,	 para	 reunir	 evidências	 contra	 ela,	 os	 agentes	 precisavam	 de
informações.	Para	obtê-las,	precisavam	de	infiltrados.	No	FBI,	o	valor	de	um
homem	se	media	pela	capacidade	de	cultivar	informantes.	Connolly	estava
no	bureau	havia	sete	anos,	sabia	que	isso	era	verdade	e	estava	determinado
a	se	tornar	um	dos	principais	agentes	—	um	agente	com	o	toque	certo.	O
plano:	 conseguir	 o	 acordo	 que	 outros	 no	 escritório	 de	 Boston	 tinham
tentado,	 mas	 sem	 sucesso.	 John	 Connolly	 estava	 prestes	 a	 fisgar	Whitey
Bulger,	 o	 gângster	 elusivo,	 astuto	 e	 extremamente	 inteligente	 que	 já	 era
uma	 lenda	 em	 Southie.	 Usar	 a	 escada	 não	 fazia	 o	 gênero	 do	 estiloso
carreirista	 do	 FBI.	 Ele	 era	 um	 homem	 de	 elevadores,	 e	Whitey	 Bulger	 o
levaria	ao	último	andar.
O	 bureau	 andava	 de	 olho	 em	 Bulger	 havia	 algum	 tempo.	 Antes,	 um
agente	veterano	chamado	Dennis	Condon	também	fizera	sua	tentativa.	Os
dois	se	encontraram	e	conversaram,	mas	Whitey	ficou	com	o	pé	atrás.	Em
maio	 de	 1971,	 Condon	 conseguiu	 extrair	 extensa	 informação	 interna	 de
Whitey	 sobre	 uma	 guerra	 de	 gangues	 irlandesa	 que	 estava	 dominando	 o
submundo	da	cidade	—	quem	se	aliara	a	quem,	quem	visava	quem.	Era	um
panorama	 completo	 e	 detalhado,	 acompanhado	 pela	 enumeração	 dos
personagens-chave.	Condon	chegou	a	abrir	uma	pasta	de	informante	para
Whitey	 nos	 arquivos.	Mas,	 tão	 rapidamente	 quanto	 colaborou,	Whitey	 se
fechou	 em	 copas.	 Eles	 se	 encontraram	diversas	 vezes	 ao	 longo	 do	 verão,
mas	as	conversas	azedaram.	Em	agosto,	Whitey	continuava	“relutante	em
fornecer	 informação”,	 relatou	 Condon.	 Em	 setembro,	 o	 agente	 jogara	 a
toalha.	 “Os	 contatos	 com	 o	 indivíduo	 supra	 têm	 sido	 improdutivos”,
escreveu	 em	 seus	 arquivos	 no	 FBI,	 a	 10	 de	 setembro	 de	 1971.
“Consequentemente,	o	assunto	está	 sendo	encerrado.”	Nunca	 se	 soube	ao
certo	 o	motivo	 exato	 para	Whitey	 ter	 se	 aberto	 e	 depois	 fechado	 o	 bico.
Talvez	 a	 natureza	 absolutamente	 irlandesa	 da	 informação	 que	 fornecera
tivesse	se	provado	inquietante.	Talvez	fosse	uma	questão	de	confiança:	por
que	Whitey	 Bulger	 deveria	 confiar	 em	 Dennis	 Condon,	 do	 FBI?	 Em	 todo
caso,	a	pasta	de	Whitey	foi	engavetada.
Em	 1975,	 Condon	 estava	 se	 preparando	 para	 sair,	 de	 olho	 na
aposentadoria	 iminente.	Mas	 ele	 treinara	 Connolly,	 e	 o	 agente	mais	 novo
estava	 ávido	por	 reabrir	 o	 arquivo	de	Whitey.	Afinal,	 levava	para	 a	mesa
algo	 que	 ninguém	mais	 tinha:	 ele	 conhecia	Whitey	 Bulger.	 Crescera	 num
prédio	de	tijolos	próximo	à	casa	dos	Bulger,	no	conjunto	habitacional	Old
Harbor,	 em	 South	 Boston.	 Whitey	 era	 onze	 anos	 mais	 velho	 do	 que
Connolly,	 mas	 o	 agente	 exalava	 confiança.	 Os	 velhos	 laços	 do	 bairro	 lhe
proporcionavam	 a	 influência	 que	 os	 demais	 do	 escritório	 de	 Boston	 não
tinham.
Então,	de	repente,	a	espera	terminou.	Sem	aviso,	a	porta	do	passageiro
foi	aberta,	e	Whitey	Bulger	entrou	no	Plymouth.	Connolly	levou	um	susto,
surpreendido	pela	rapidez	com	que	o	outro	chegou	e	por	ser	pego	com	a
guarda	 baixa.	 Ele,	 um	 agente	 federal	 treinado,	 deixara	 a	 porta	 do	 carro
destrancada.
“Que	diabos	você	 fez?	Caiu	aqui	de	paraquedas?”,	perguntou	quando	o
gângster	se	acomodou	no	assento	do	passageiro.	Connolly	imaginara	que	o
homem	chegaria	de	carro	e	encostaria	ao	lado	do	seu.	Bulger	explicou	que
estacionara	numa	das	 ruas	 laterais	 e	 caminhara	 ao	 longo	da	 praia.	Havia
esperado	 até	 ter	 certeza	 de	 que	 não	 tinha	 ninguém	 por	 perto,	 então	 se
aproximara	por	trás,	vindo	da	direção	do	mar.
Connolly,	 um	 dos	 mais	 novos	 agentes	 no	 prestigioso	 Esquadrão	 de
Crime	Organizado,	tentou	se	acalmar.	Whitey,	que	acabara	de	completar	46
anos	em	3	de	setembro,	estava	no	assento	do	carona,	mais	autoconfiante	do
que	 seus	 pouco	 mais	 de	 1,70	 metro	 e	 meros	 75	 quilos	 poderiam	 dar	 a
entender.	 Era	 musculoso	 e	 estava	 em	 boa	 forma,	 tinha	 olhos	 azuis
penetrantes	 e	 o	 cabelo	 louro	 característico,	 penteado	 para	 trás.	 Sob	 a
proteção	da	escuridão,	os	dois	 começaram	a	 conversar,	 e	 então	Connolly,
devidamente	servil	com	o	morador	mais	velho	de	seu	bairro,	que	além	do
mais	era	um	ícone,	fez	sua	oferta:	“Você	devia	pensar	em	usar	seus	amigos
na	lei.”
*	*	*
Foi	este	o	argumento	de	Connolly:	você	precisa	de	um	amigo.	Mas	por	quê?
No	 outono	 de	 1975,	 a	 vida	 na	 cidade	 era	 tumultuosa	 e	 mudava	 de
maneira	 imprevisível.	 Do	 ponto	 onde	 estavam	 na	 praia	 deserta,	 os	 dois
viam	a	linha	do	horizonte	de	Boston	além	do	mar.	Na	época,	os	bostonianos
estavam	 em	 êxtase	 com	 a	 inesperada	 boa	 sina	 de	 seu	 Red	 Sox.	 Yaz,	 Luis
Tiant,	 Bill	 Lee,	 Carlton	 Fisk,	 Jim	 Rice	 e	 Fred	 Lynn	 —	 que,	 ao	 final	 da
temporada,	seria	premiado	não	só	como	a	revelação	do	ano,	mas	também
como	o	jogador	mais	valioso	da	American	League,	uma	das	ligas	de	beisebol
quecompõem	a	Major	League	Baseball,	principal	liga	de	beisebol	do	país	—
estavam	em	meio	a	uma	gloriosa	disputa	pelo	título	da	World	Series	contra
os	poderosos	Cincinnati	Reds.
Só	que	mais	perto	de	casa	o	mundo	era	sombrio	e	instável.
O	pesadelo	do	transporte	entrara	no	segundo	ano.	Em	1974,	o	bairro	de
Roxbury	 se	 transformara	 numa	 zona	 de	 guerra	 após	 um	 mandado	 da
justiça	federal	ordenar	o	transporte	escolar	dos	alunos	negros	do	bairro	até
a	South	Boston	High	School,	de	modo	a	obter	equilíbrio	racial	nas	escolas
públicas	 segregadas	 da	 cidade.	 O	 restante	 do	 país	 ficou	 sintonizado,	 e	 as
pessoas	começaram	a	conhecer	Southie	por	meio	de	imagens	transmitidas
pela	TV	e	por	 fotos	na	primeira	página	dos	 jornais	 exibindo	 a	polícia	 em
tumultos,	policiais	estaduais	patrulhando	corredores	de	escola,	atiradores
de	elite	no	alto	de	prédios	e	legiões	de	negros	e	brancos	berrando	cantos	de
ódio	 mútuo.	 O	 Pulitzer	 de	 fotografia	 em	 1976	 foi	 concedido	 à	 chocante
imagem	 de	 um	 negro	 sendo	 agredido	 com	 uma	 bandeira	 americana
durante	um	distúrbio	na	frente	da	prefeitura.	Por	todo	o	país,	o	bairro	foi
visto	 através	 do	 prisma	 de	 um	 vidro	 quebrado	 —	 uma	 sangrenta,
traumática	e	horrível	primeira	impressão.
O	irmão	mais	novo	de	Whitey,	Billy,	estava	no	olho	desse	furacão.	Como
todos	os	líderes	políticos	do	bairro,	Billy	Bulger,	um	senador	estadual,	era
inimigo	 jurado	 do	 transporte	 escolar	 imposto	 pela	 justiça.	 Ele	 nunca
questionou	 o	 veredito	 federal	 de	 que	 as	 escolas	 da	 cidade	 eram
terrivelmente	 segregadas.	 No	 entanto,	 opunha-se	 a	 ferro	 e	 fogo	 contra
qualquer	paliativo	que	forçasse	os	alunos	a	deixar	seus	distritos	escolares.
Ele	 viajara	 a	 Washington,	 D.C.,	 para	 protestar	 e	 apresentar	 argumentos
diante	da	delegação	de	congressistas,	e,	 lá,	proferiu	seu	discurso	para	um
grupo	 de	 pais	 que	 se	 opunham	 ao	 transporte	 sob	 chuva	 torrencial.	 O
senador	estadual	execrava	a	visão	que	as	pessoas	de	fora	vinham	tendo	de
seu	bairro	e	denunciava	o	“retrato	incansável,	calculado,	 inadmissível	que
fazem	de	cada	um	de	nós,	de	que	somos	racistas	retrógrados,	veiculado	na
imprensa	nacional	e	na	 local,	no	rádio	e	na	TV”.	Para	ele,	a	questão	era	a
legítima	preocupação	de	seus	vizinhos	com	o	bem-estar	e	a	educação	dos
filhos.	Quando	estava	no	bairro,	Billy	Bulger	se	pronunciava	regularmente
contra	a	indesejada	intervenção	federal.
Mas	 a	 lei	 de	 transporte	 seguia	 vigorando,	 e	 o	 verão	 recém-terminado
não	 fora	nada	bom.	Em	 julho,	 seis	 jovens	negros	haviam	 ido	de	 carro	até
Carson	 Beach,	 em	 South	 Boston,	 e	 se	 envolvido	 numa	 briga	 com	 uma
gangue	de	rapazes	brancos,	e	o	resultado	foi	que	um	dos	negros	terminou
hospitalizado.	Quando	novo,	John	Connolly	trabalhara	como	salva-vidas	nas
praias	de	South	Boston,	assim	como	Billy	Bulger	antes	dele,	mas	as	areias
também	 haviam	 se	 tornado	 campo	 de	 batalha.	 Num	 domingo	 de	 agosto,
helicópteros	da	polícia	circularam	sobre	Carson	Beach,	e	barcos	da	Guarda
Costeira	 patrulharam	 as	 águas,	 enquanto	 mais	 de	 mil	 cidadãos	 negros
seguiam	 numa	 enorme	 carreata	 à	 beira-mar.	 A	 “investida”	 na	 praia	 foi
acompanhada	por	mais	de	oitocentos	policiais	uniformizados.	As	câmeras
filmaram.
Na	 época	 em	 que	 Connolly	 providenciara	 o	 encontro	 com	 Whitey	 na
Wollaston	 Beach,	 as	 escolas	 haviam	 sido	 reabertas.	 Boicotes	 de	 alunos	 e
brigas	 entre	 negros	 e	 brancos	 eram	 ocorrências	 regulares.	 Achando	 que
pudesse	ajudar	 a	 aliviar	 a	 tensão	 racial,	 as	 autoridades	pela	primeira	vez
tentaram	promover	a	integração	na	equipe	de	futebol	da	South	Boston	High
School.	 Mas	 os	 quatro	 jogadores	 negros	 que	 se	 apresentaram	 para	 o
primeiro	treino	precisaram	de	proteção	policial.
O	bairro	estava	dividido	e	Connolly	sabia,	sentia	essa	dor,	porque	aquele
também	era	seu	bairro,	e	ele	usara	esse	vínculo	ao	marcar	o	encontro	com
Bulger.	 Mas,	 embora	 o	 vínculo	 tivesse	 lhe	 rendido	 uma	 conversa	 com
Whitey,	 ele	 precisaria	persuadir	 seu	herói	 de	 infância	 a	 fazer	um	acordo.
Acima	 de	 tudo,	 Connolly	 queria	 explorar	 os	 distúrbios	 mais	 amplos	 do
submundo	que	fermentavam	entre	a	Máfia	de	Boston	e	uma	gangue	à	qual
Bulger	se	associara	na	cidade	vizinha	de	Somerville.	Encarregado	do	crime
organizado	 em	 Southie,	 a	 essa	 altura	 Bulger	 passara	 a	 trabalhar	 com	 o
chefão	do	crime	em	Somerville,	Howie	Winter.	A	gangue	operava	com	base
numa	oficina	mecânica	da	área	de	Winter	Hill	da	cidadezinha,	logo	do	lado
oeste	do	rio	Charles.	No	ano	anterior,	Whitey	agira	em	parceria	com	outro
membro	da	gangue,	Stevie	“Homem-Rifle”	Flemmi.	Os	dois	se	deram	bem,
descobriram	 que	 tinham	 certas	 coisas	 em	 comum	 e	 começaram	 a	 andar
juntos.
Quando	Connolly	e	Bulger	se	encontraram,	o	jovem	agente	fizera	a	lição
de	casa.	Ele	sabia	que	Bulger	e	a	gangue	Winter	Hill	enfrentavam	a	ameaça
em	duas	 frentes	de	uma	máfia	 local	que	por	décadas	 era	 controlada	pelo
poderoso	subchefe	Gennaro	J.	Angiulo	e	seus	quatro	irmãos.	No	momento,
ocorria	a	disputa	entre	as	duas	organizações	pela	 instalação	de	máquinas
de	venda	automática	por	toda	a	região.	Mafiosos	tinham	ameaçado	resolver
a	 questão	 à	 bala.	 Com	 toda	 essa	 instabilidade,	 argumentou	 Connolly,
amigos	viriam	a	calhar	para	um	sujeito	como	Bulger.
Além	disso,	Angiulo	 era	manhoso	e	 inescrutável.	O	mafioso	 costumava
armar	a	prisão	dos	que	não	 lhe	eram	mais	úteis.	Por	exemplo,	anos	antes
um	soldado	da	Máfia	 escapara	de	 seu	 controle.	Reza	a	 lenda	que	Angiulo
procurara	 seus	 contatos	 no	 Departamento	 de	 Polícia	 de	 Boston,	 e	 o
renegado	 não	 tardou	 a	 ser	 detido	 sob	 falsas	 acusações	 após	 os	 policiais
corruptos	 terem	plantado	armas	em	seu	carro.	Ninguém	sabe	ao	 certo	 se
Angiulo	 era	 de	 fato	 capaz	 de	 manipular	 uma	 prisão	 como	 essa.	 Mas	 a
história	 circulou,	 e	Whitey	 Bulger	 e	 o	 resto	 da	 gangue	 de	 Howie	Winter
acreditavam	nela.	Como	Connolly	bem	sabia,	convicção	sobre	a	veracidade
de	algo	era	tudo	que	importava	de	verdade.
—	E	se	três	policiais	me	pararem	à	noite	e	disserem	que	eu	tinha	uma
metralhadora	no	carro?	Em	quem	o	juiz	vai	acreditar?	Em	mim	ou	nos	três
policiais?	 —	 Bulger	 estava	 claramente	 preocupado	 com	 uma	 possível
armação	de	Angiulo.
Connolly	se	fez	valer	dessas	contracorrentes	de	paranoia	no	submundo.
Os	dois	estavam	no	Plymouth,	as	luzes	da	cidade	tremeluzindo	na	água.
—	Você	devia	usar	 seus	amigos	na	 lei	—	salientou	Connolly,	 frase	que
levou	Bulger	a	encarar	o	agente	intensamente,	pressentindo	uma	abertura
capaz	de	lhe	proporcionar	vantagem.
—	Quem?	—	perguntou	Whitey,	finalmente.	—	Você?
—	 É	 —	 respondeu	 Connolly	 para	 o	 homem	 impiedoso	 que	 usava	 as
pessoas	e	as	jogava	fora.	—	Eu.
*	*	*
A	proposta	de	Connolly	era	simples:	Bulger	devia	entregar	a	Cosa	Nostra	e
deixar	que	o	FBI	cuidasse	do	resto.	Connolly	lembrou	o	gângster	de	que	“se
nós	 do	 FBI	 estivermos	 perseguindo	 a	Máfia,	 vai	 ser	muito	 difícil	 a	Máfia
perseguir	vocês”.
No	momento	em	que	Connolly	dera	a	entender	que	queria	um	encontro,
Bulger	 sabia	 o	 que	 o	 FBI	 queria.	 Por	 semanas,	 já	 vinha	 trabalhando	 a
proposta,	 pesando	 prós	 e	 contras,	 visualizando	 os	 ângulos	 e	 potenciais
benefícios.	 Chegara	 a	 consultar	 Stevie	 Flemmi.	 Bulger	 tocou	 no	 assunto
quando	 os	 dois	 estavam	 em	 Somerville,	 na	 Marshall	 Motors,	 oficina
mecânica	 de	 Howie	 Winter.	 Com	 apenas	 um	 andar,	 a	 garagem	 era	 um
prédio	inconspícuo	feito	de	blocos	de	concreto.	Parecia	um	bunker	e	servia
de	fachada	para	a	infinidade	de	negócios	ilegais	da	gangue,	que	desde	1973
haviam	 se	 expandido	 e	 passado	 a	 arranjar	 resultados	 em	 corridas	 de
cavalos	por	toda	a	Costa	Leste.
Bulger	 contou	 a	 Flemmi	 que	 o	 agente	 federal	 John	 Connolly	 estava
fazendo	 uma	 oferta	 por	 seus	 serviços.	 “O	 que	 acha?”,	 perguntou	 Bulgerquando	ficaram	a	sós.	“Devo	me	encontrar	com	ele?”
A	 pergunta	 pairou	 no	 ar.	 Mais	 tarde,	 Flemmi	 concluiu	 que,	 se	Whitey
Bulger	 lhe	 confidenciara	 uma	 proposta	 do	 FBI,	 estava	 sinalizando	 que	 já
sabia	 algo	 sobre	 o	 “status”	 secreto	 do	 próprio	 Flemmi,	 que	 tinha	 um
passado	 com	 o	 FBI	 de	 Boston,	 e	 que	 passado.	 Ele	 fora	 recrutado	 como
informante	pela	primeira	vez	em	meados	dos	anos	1960.	Flemmi	adotou	o
codinome	 “Jack	 de	 South	 Boston”	 para	 tratar	 com	 seu	 responsável	 no
bureau,	um	agente	chamado	H.	Paul	Rico	(parceiro	de	Dennis	Condon).
Rico,	 um	 elegante	 agente	 veterano	 que	 gostava	 de	 vestir	 sobretudo
Chesterfield	 e	 usar	 abotoaduras	 francesas,	 mantinha	 Flemmi	 por	 seu
acesso	 à	 Máfia	 da	 região	 da	 Nova	 Inglaterra.	 Ele	 não	 era	 membro,	 mas
conhecia	todos	os	seus	atores	principais	e,	com	frequência,	estava	em	sua
companhia.	 A	 Máfia	 gostava	 de	 Flemmi,	 um	 ex-paraquedista	 do	 exército
que	saíra	de	um	centro	de	detenção	juvenil	com	17	anos	para	cumprir	dois
desdobramentos	 na	 Coreia	 com	 o	 187o	 Grupo	 de	 Combate	 Regimental
Aerotransportado.	 Flemmi	 tinha	 a	 reputação	 de	 ser	 um	 assassino
impiedoso,	apesar	de	seu	físico	diminuto:	1,70	metro	de	altura	e	64	quilos.
Ele	 atuava	 por	 conta	 própria,	 baseado	 no	 Marconi	 Club,	 em	 Roxbury,
propriedade	 sua	 que	 combinava	 casa	 de	 apostas,	 salão	 de	 massagem	 e
bordel,	 onde	 pegava	 recados,	 atendia	 a	 telefonemas	 e	marcava	 reuniões.
Flemmi	 era	 um	 sujeito	 popular,	 de	 cabelo	 castanho	 cacheado	 e	 olhos	 da
mesma	 cor,	 apreciador	 de	 carros	 e	 da	 companhia	 de	 jovens	mulheres	 na
noite.
Até	 o	 chefão	 da	 região	 da	 Nova	 Inglaterra,	 Raymond	 L.	 S.	 Patriarca,
manifestava	seu	apreço	por	ele.	No	inverno	de	1967,	Flemmi	foi	convocado
a	Providence.	Almoçou	com	Patriarca	e	o	irmão	do	mafioso,	Joe,	e	o	evento
se	 estendeu	 pela	 tarde	 afora.	 Conversaram	 sobre	 família.	 Patriarca
perguntou-lhe	 de	 onde	 na	 Itália	 eram	 seus	 pais.	 Conversaram	 sobre
negócios.	O	chefão	prometeu	 levar	carros	para	a	nova	oficina	de	 funilaria
que	 Flemmi	 abrira.	 Conversaram	 um	 pouco	 sobre	 o	 irmão	 de	 Flemmi,
Jimmy	“Urso”,	que	cumpria	pena	por	tentativa	de	homicídio.	Num	gesto	de
amizade,	Patriarca	deu	a	Flemmi	5	mil	dólares	em	dinheiro	para	sua	nova
oficina.
Em	Boston,	Flemmi	andava	na	maior	parte	do	tempo	com	um	colega	de
infância,	Frank	Salemme,	cujo	apelido	era	“Cadillac	Frank”.	Os	dois	haviam
crescido	 em	 Roxbury,	 onde	 a	 família	 de	 Flemmi	 morava	 no	 conjunto
habitacional	 Orchard	 Park.	 Seu	 pai,	 Giovanni,	 um	 imigrante	 italiano,
trabalhava	 como	 pedreiro.	 Flemmi	 e	 Salemme	 atuavam	 juntos	 nas	 ruas
como	soldados,	agenciadores	de	apostas	e	agiotas.	Frequentavam	o	North
End,	 bairro	 italiano	 fortemente	 unido	 onde	 o	 subchefe	 Gennaro	 Angiulo
mantinha	seu	escritório,	e	muitas	vezes	terminavam	em	festanças	tarde	da
noite,	na	companhia	do	beberrão	Larry	Zannino.
Zannino	era	o	mafioso	violento	e	cruel	em	quem	Angiulo	confiava	para
usar	de	 força	bruta	nas	empreitadas	da	Cosa	Nostra	em	Boston.	Zannino,
por	 sua	vez,	 confiava	em	Flemmi	e	Salemme	para	empregar	parte	de	 seu
dinheiro	de	agiotagem	nas	ruas.	Mas,	se	por	um	lado	todo	mundo	gostava
de	 Flemmi,	 o	 sentimento	 não	 era	mútuo.	 Ele	 não	 confiava	 no	North	 End,
tampouco	em	Angiulo,	e	menos	ainda	em	Zannino.	Quando	bebiam	juntos,
Flemmi	 pegava	 leve	 e	 tomava	 cuidado	 para	 não	 baixar	 a	 guarda.	 Mas
Zannino	e	os	outros	não	notavam	e	se	tornaram	cada	vez	mais	amigos	de
Flemmi.	 No	 verão	 de	 1967,	 por	 exemplo,	 houve	 a	 noite	 no	 restaurante
Giro’s,	 na	 Hanover	 Street,	 passada	 com	 um	 bando	 de	 mafiosos	 locais:
Zannino,	 Peter	 Limone,	 Joe	 Lombardi.	 Flemmi	 estava	 com	 Salemme.	 Eles
comeram	e	beberam,	então	Zannino	 insistiu	que	 fossem	para	um	bar	nas
proximidades,	Bat	Cave.
Após	 tantos	 copos	e	 com	a	voz	empastada,	Zannino	e	Limone	deram	a
entender	 que	 haviam	 decidido	 afiançar	 Flemmi	 e	 Salemme	 “para	 serem
membros	da	organização”.
Dando-se	ares	de	importância,	Peter	Limone	então	passou	os	braços	em
torno	de	Flemmi	e	Salemme.	“Normalmente,	antes	de	virar	membro	o	cara
tem	que	apagar	alguém”,	confidenciou	o	mafioso	mais	velho.	“Além	de	tudo,
eu	precisaria	ir	junto,	como	responsável,	para	verificar	se	fizeram	mesmo	o
serviço	 e	 informar	 como	 se	 saíram.	Mas,	 com	 a	 reputação	 de	 vocês	 dois,
talvez	isso	não	seja	necessário.”
Mas	 Flemmi	 não	 tinha	 intenção	 de	 se	 juntar	 à	 Máfia	 e	 resistiu	 à
abordagem.	 Para	 começar,	 não	 ia	 com	 a	 cara	 do	 brutal	 Zannino,	 que	 era
capaz	de	abraçar	você	num	momento	e	estourar	seus	miolos	no	seguinte.	O
mesmo	valia	para	Angiulo.	Além	do	mais,	Flemmi	tinha	Rico,	e	vice-versa.
Dada	a	guerra	de	gangues	e	todas	as	voláteis	alianças,	a	vida	de	Flemmi
estava	nas	mãos	de	quem	chegasse	primeiro.	Mais	de	uma	vez	ele	dissera	a
Rico	que	“era	alvo	preferencial	para	uma	execução”	e,	em	outros	informes,
Rico	 reportou	 que	 Flemmi	 não	 tinha	 endereço	 permanente	 porque,	 se	 “a
casa	 ficar	 conhecida,	 provavelmente	 vão	 tentar	 acabar	 com	 sua	 vida”.
Flemmi	 passou	 a	 confiar	 cada	 vez	 mais	 nos	 alertas	 de	 Rico	 quanto	 a
qualquer	problema	que	o	FBI	identificasse	por	meio	de	outros	informantes.
Mais	do	que	isso,	Flemmi	passou	a	esperar	que	Rico	não	o	pressionasse
para	saber	de	suas	atividades	criminosas	—	a	jogatina,	a	agiotagem,	muito
menos	os	assassinatos.	Na	primavera	de	1967,	após	o	desaparecimento	do
gângster	Walter	Bennett,	Flemmi	contou	a	Rico:	“O	FBI	não	deveria	perder
tempo	 procurando	 por	Walter	 Bennett	 na	 Flórida,	 nem	 em	 lugar	 algum,
porque	não	vai	 encontrar”.	Rico	perguntou	o	que	acontecera	de	 fato	 com
Bennett.	 Flemmi	 deu	 de	 ombros	 e	 respondeu	 que	 não	 fazia	 “o	 menor
sentido	 conversar	 sobre	 o	 paradeiro	 de	 Walter”,	 e	 que	 seu	 sumiço	 era
melhor	para	todos.	Rico	simplesmente	deixou	por	isso	mesmo.	No	fim	dos
anos	1960,	Flemmi	era	suspeito	da	chacina	de	vários	membros	de	gangue,
mas	o	FBI	jamais	o	pressionou	seriamente	para	falar	sobre	os	assassinatos.
No	início	de	setembro	de	1969,	Flemmi	foi	finalmente	indiciado	por	júris
secretos	 em	 dois	 condados.	 No	 condado	 de	 Suffolk,	 foi	 acusado	 pelo
homicídio	 do	 irmão	 de	Walter	 Bennett,	William,	morto	 a	 tiros	 no	 fim	 de
1967	e	jogado	de	um	carro	em	movimento	na	área	de	Mattapan,	de	Boston.
Depois,	no	condado	de	Middlesex,	Flemmi	e	Salemme	foram	acusados	pela
explosão	no	carro	de	um	advogado,	que	arrancou	a	perna	da	vítima.
Pouco	antes	da	sentença,	Flemmi	recebeu	um	telefonema.
Era	o	início	da	manhã	e	Paul	Rico	estava	no	outro	lado	da	linha.	“Foi	uma
conversa	 muito	 curta,	 breve”,	 lembrou	 Flemmi.	 “Ele	 me	 contou	 que	 as
acusações	 seriam	 formalizadas	 e	 sugeriu	 que	 eu	 e	meu	 amigo	 caíssemos
fora	de	Boston	imediatamente,	ou	qualquer	coisa	nesse	sentido.”
Flemmi	fez	exatamente	como	instruído.	Mandou-se	de	Boston	e	passou
os	quatro	anos	e	meio	seguintes	foragido,	primeiro	em	Nova	York	e	depois,
na	maior	parte,	em	Montreal,	onde	trabalhou	como	impressor	num	jornal.
Durante	 o	 período,	 ligou	 para	 Rico	 várias	 vezes,	 e	 o	 amigo	 o	 manteve
informado	do	andamento	dos	processos.	Rico	não	passou	adiante	qualquer
informação	 sobre	 o	 paradeiro	 de	 Flemmi	 para	 os	 investigadores	 de
Massachusetts	que	tentavam	rastreá-lo.
Ainda	 que	 Rico	 houvesse	 instruído	 Flemmi	 de	 que	 ele	 não	 devia	 se
considerar	empregado	do	FBI	e	tivesse	conversado	sobre	parte	das	outras
diretrizes	 básicas	 do	 bureau	 para	 os	 informantes,	 os	 dois	 encaravam	 a
maior	parte	das	instruções	como	uma	incômoda	formalidade.	O	importante
era	que	Rico	prometera	a	Flemmi	que	manteria	a	confidencialidade	sobre	o
fato	de	ele	ser	informante,	o	que	se	constituía	fundamental	para	a	aliança.
Era	 uma	 garantia	 que	 a	 maioria	 dos	 agentes	 normalmente	 dava	 aseus
informantes,	uma	garantia	tida	como	“sagrada”.	Mas,	para	Rico,	a	promessa
era	sagrada	a	qualquer	custo,	mesmo	se	exigisse	que	ele	cometesse	o	crime
de	auxiliar	e	encorajar	um	fugitivo.	Rico	prometeu	que,	enquanto	Flemmi
trabalhasse	como	seu	informante,	ele	tomaria	as	providências	para	que	não
o	processassem	por	atividades	criminosas.
Por	motivos	 óbvios,	 um	 acordo	 como	 esse	 se	mostrara	 vantajoso	 para
Flemmi.	Ele	também	apreciava	o	fato	de	que	Rico	não	o	tratava	como	algum
tipo	 de	 gângster	 do	 mal.	 Rico	 não	 era	 o	 pomposo	 homem	 do	 governo
preparado	 para	 borrifar	 o	 lugar	 com	 desinfetante	 assim	 que	 Flemmi
deixasse	 o	 ambiente.	 Estava	 mais	 para	 um	 amigo	 e	 um	 igual.	 “Era	 uma
parceria,	acredito”,	declarou	Flemmi.
No	 fim,	 as	 acusações	 criminais	 contra	 Flemmi	 foram	 retiradas	 após
testemunhas-chave	 terem	 dado	 para	 trás.	 E,	 em	 maio	 de	 1974,	 Flemmi
pôde	encerrar	a	vida	de	fugitivo	e	voltou	para	Boston.	Com	a	ajuda	do	FBI,
ele	 sobrevivera	 às	 guerras	 de	 gangues	 e	 superara	 as	 acusações	 de
homicídio	e	participação	no	atentado	contra	o	advogado.	Mas	Flemmi	não
tinha	a	menor	intenção	de	seguir	uma	vida	honesta.	Assim	que	regressou	a
Boston,	associou-se	a	Howie	Winter	e	voltou	ao	que	sabia	fazer	melhor.	E
dessa	vez	estava	ao	lado	de	Whitey	Bulger	na	Marshall	Motors.
—	Devo	me	encontrar	com	ele?	—	perguntara	Bulger.
Flemmi	refletiu	por	um	momento.	Não	fazia	um	ano	desde	que	voltara,	e
lhe	parecia	óbvio	que	as	coisas	estavam	caminhando.	Ficou	claro	para	ele
que	algum	novo	arranjo	estava	em	curso.	Ele	até	se	encontrara	a	sós	com
Dennis	Condon,	uma	breve	reunião	num	café	onde	foi	apresentado	a	John
Connolly.	 Flemmi	 encarou	 toda	 a	 conversa	 ao	 pé	 do	 ouvido	 como	 uma
espécie	 de	 “transição”,	 com	 Connolly	 sendo	 preparado	 para	 assumir,	 por
causa	 da	 transferência	 de	 Paul	 Rico	 para	 Miami	 e	 sua	 iminente
aposentadoria.	Com	o	tempo,	é	claro,	Flemmi	conhecera	um	lado	bastante
vantajoso	no	acordo	com	o	FBI.	Mas	ele	era	apenas	Steve	Flemmi,	não	o	já
lendário	Whitey	Bulger.
Com	 cautela,	 Flemmi	 optou	 por	 uma	 resposta	 curta.	 Carregada	 de
entrelinhas,	mas,	não	obstante,	breve.
—	Provavelmente	é	uma	boa	ideia	—	respondeu.	—	Vai	lá	e	fala	com	ele.
*	*	*
Connolly	não	tinha	a	menor	pressa	para	tentar	convencer	Bulger.	“Só	quero
que	 me	 escute”,	 disse	 dentro	 do	 carro	 na	 Wollaston	 Beach.	 Connolly	 se
aproveitou	 com	 cuidado	 da	 ameaça	 em	 duas	 frentes	 que	 Bulger	 e	 sua
gangue	Winter	Hill	vinham	enfrentando	com	a	Máfia	de	Gennaro	Angiulo:
“Ouvi	dizer	que	Jerry	está	passando	informação	para	os	federais	pegarem
você.”	Conversaram	sobre	como	Jerry	Angiulo	definitivamente	contava	com
uma	 vantagem	 na	 competição,	 sendo	 capaz	 de	 recorrer	 a	 um	 policial
corrupto	para	pedir	favor.	“A	Máfia	tem	todos	os	contatos”,	disse	Connolly.
Então,	 Connolly	 foi	 em	 frente	 e	 citou	 a	 pendenga	 das	 máquinas
automáticas.	Comentou	que	vinham	dizendo	nas	ruas	que	Zannino	estava
pronto	para	pegar	em	armas	contra	Bulger	e	seus	amigos	da	gangue	Winter
Hill.	“Sei	que	está	sabendo	que	a	organização	vai	tentar	alguma	coisa	contra
você.”
O	 comentário	 deixou	 Bulger	 particularmente	 de	 orelha	 em	 pé.	 Na
verdade,	a	Cosa	Nostra	e	a	Winter	Hill	sempre	haviam	encontrado	um	jeito
de	coexistir.	Não	que	não	houvesse	disputas	para	resolver,	mas	os	grupos
estavam	mais	 para	 parceiros	 cautelosos	 do	 que	 para	 inimigos	 à	 beira	 da
guerra.	 O	 venenoso	 e	 imprevisível	 Zannino,	 o	 duas-caras	 da	 Máfia,	 era
capaz	de	denunciar	a	Winter	Hill	durante	um	acesso	de	raiva	e	jurar	fazer
picadinho	 deles	 com	 uma	 saraivada	 de	 balas,	mas	 no	momento	 seguinte
ficar	melodramático	e	proclamar	com	ardor:	 “A	Hill	 somos	nós!”	Verdade
seja	 dita:	 na	 época,	 Gennaro	 Angiulo	 estava	 mais	 preocupado	 com	 as
ameaças	 que	 vinha	 recebendo	 de	 um	 desertor	 italiano	 cabeça	 quente
conhecido	como	“Bobby	Brilhantina”	do	que	com	uma	guerra	iminente	com
a	Winter	Hill.	Mas,	para	os	propósitos	de	Connolly,	era	melhor	enfatizar	a
rusga	 entre	 a	 Cosa	 Nostra	 e	 a	 Winter	 Hill	 a	 respeito	 das	 máquinas
automáticas,	 e	 Connolly	 percebeu	 ali	 mesmo	 que	 acertara	 um	 ponto
sensível	do	destemido	Bulger	ao	mencionar	o	potencial	para	a	violência	na
situação.	Bulger	ficou	claramente	enfezado.
—	Acha	que	a	gente	não	vence	esse	páreo?	—	retrucou.
Connolly	de	 fato	achava	que	Bulger	poderia	 levar	a	melhor.	Acreditava
piamente	que	Whitey	e	Flemmi	eram	muito	mais	duros	na	queda	do	que
Angiulo	 e	 seus	 rapazes	—	 “matadores	 rematados”,	 era	 como	 chamava	 a
dupla.	Mas	a	questão	não	era	essa.
—	Tenho	uma	proposta:	por	que	não	usa	a	gente	pra	 fazer	 com	eles	o
que	estão	fazendo	com	você?	Combater	fogo	com	fogo.
O	 acordo	 era	 simples	 assim:	 Bulger	 devia	 usar	 o	 FBI	 para	 eliminar	 os
rivais	 mafiosos.	 E,	 se	 isso	 por	 si	 só	 já	 não	 fosse	 motivo	 suficiente,	 caso
Bulger	 cooperasse,	 o	 bureau	 deixaria	 de	 tentar	 pôr	 as	 mãos	 nele.	 Na
verdade,	 naquele	 momento	 havia	 outros	 agentes	 do	 FBI	 farejando	 e
fazendo	perguntas	sobre	as	operações	de	agiotagem	de	Bulger.
—	Trabalhe	 com	a	 gente.	Vamos	proteger	 você	—	prometeu	Connolly,
assim	como	Rico	prometera	a	Flemmi	antes	dele.
Bulger	ficou	claramente	intrigado.
—	Não	 dá	 pra	 sobreviver	 sem	 amigos	 dentro	 da	 lei	—	 admitiu	 ele	 ao
final	da	noite.	Mas	foi	embora	sem	se	decidir.
Duas	 semanas	 depois,	 Connolly	 e	 Bulger	 voltaram	 a	 se	 encontrar	 em
Quincy,	dessa	vez	para	sacramentar	o	acordo.
—	Tudo	bem	—	afirmou	Bulger	—,	me	põe	nessa.	Se	eles	querem	jogar
dama,	a	gente	vai	jogar	xadrez.	Eles	que	se	fodam.
Isso	 foi	música	para	os	ouvidos	de	 John	Connolly.	Era	 incrível,	mas	ele
acabara	de	recrutar	Whitey	Bulger	para	o	FBI.	Se	manter	 informantes	era
considerado	 o	 ponto	 culminante	 do	 trabalho	 investigativo,	 Connolly
passara	 a	 ser	 cachorro	 grande,	 concluiu	 ele	 com	 orgulho.	 Numa	 única
jogada	ousada,	ele	deixara	todo	o	entediante	trabalho	burocrático	para	trás
e	passara	a	integrar	uma	nata	composta	por	homens	do	naipe	de	Paul	Rico,
prestes	a	se	aposentar.	Se,	para	Connolly,	Rico	era	o	agente	que	servia	de
modelo	para	um	monte	de	jovens	reformistas	do	bureau,	Bulger	era	a	lenda
do	bairro,	 reverenciada	por	 todos	os	rapazes	em	Southie.	Connolly	sentiu
que	o	momento	marcava	a	fusão	mágica	dos	dois	mundos.
Além	 do	 mais,	 esse	 acordo	 em	 particular	 gozava	 de	 um	 certo	 elã.	 O
último	gângster	que	qualquer	um	em	Boston	imaginaria	ser	informante	do
FBI	 era	Whitey	 Bulger,	 de	 South	 Boston.	 De	 fato,	 com	 o	 passar	 dos	 anos
Connolly	sempre	se	mostrou	sensível	a	essa	aparente	incongruência.	Entre
os	 colegas,	 ele	 raramente,	 se	 é	 que	 alguma	 vez,	 chamou	 Bulger	 de
informante,	delator,	dedo-duro	ou	caguete.	Sempre	ficava	irritado	quando,
mais	 tarde,	 escutava	 alguém	usar	 esses	 termos.	 Para	 ele,	 Bulger	 era	 uma
“fonte”.	 Ou	 então	 usava	 expressões	 que	 Bulger	 pedia:	 “estrategista”	 ou
“ligação”.	 Era	 como	 se	 nem	 o	 próprio	 homem	 que	 convencera	Whitey	 a
virar	 a	 casaca	 acreditasse.	 Ou,	 talvez,	 desde	 o	 início	 o	 acordo	 fosse	mais
uma	amizade	renovada	entre	Johnny	e	Whitey,	do	Old	Harbor,	do	que	um
entendimento	 formal	 com	 o	 FBI.	 E,	 embora	 John	 Connolly	 certamente
estivesse	pensando	em	sua	carreira,	o	trato	não	tinha	a	ver	com	o	que	podia
estar	por	vir,	mas	com	o	lugar	de	onde	ele	viera.	Um	círculo,	uma	volta,	um
laço:	todas	as	ruas	levavam	a	Southie.
Connolly	sempre	se	mostrou	respeitoso	com	Bulger,	que	era	mais	velho,
e	preferia	 tratá-lo	pelo	primeiro	nome,	 Jim,	em	vez	de	usar	o	apelido	das
ruas	que	a	mídia	adotara.	Essas	coisas	talvez	pareçam	detalhes,	mas	foram
detalhes	que	tornaram	o	acordo	palatável.	Bulger,	por	exemplo,	insistiu	que
forneceria	 informações	 apenas	 sobre	 a	 Máfia	 italiana,	 não	 sobre	 a
irlandesa.	 Alémdo	mais,	 insistiu	 que	 Connolly	 não	 contasse	 a	 seu	 irmão
Billy,	na	época	senador	estadual,	sobre	a	nova	“transação”.
Havia	 uma	 ironia	 carregada	 e	 inescapável	 no	 acordo	 entre	 Bulger	 e	 o
FBI,	que	 se	deu	durante	o	 segundo	ano	de	 transporte	escolar	 forçado	em
South	Boston.	O	panorama	era	bizarro.	O	povo	de	Southie,	incluindo	líderes
como	 Billy	 Bulger,	 não	 conseguira	 repelir	 o	 governo	 federal,	 que	 estava
varrendo	a	área	para	fazer	valer	a	lei.	As	autoridades	federais	chegaram	em
grande	número	e	eram	odiadas.	Essa	era	a	dura	realidade	da	vida	pública
dos	moradores.	Mas	Whitey	Bulger	 firmara	um	acordo	que	paralisaria	os
federais.	O	FBI	precisava	de	Whitey	e	não	contemplava	a	possibilidade	de
dar	cabo	dele.	O	resto	do	mundo	podia	pertencer	aos	federais,	mas	isso	não
valia	 para	 o	 submundo.	 Whitey	 encontrara	 uma	 forma	 de	 mantê-los
afastados	de	Southie.	Por	vias	tortas,	ele	fora	bem-sucedido	onde	seu	irmão
falhara.
Na	 mesma	 hora,	 a	 estrada	 da	 informação	 ganhou	 movimento.	 Houve
novos	encontros.	Bulger	incluiu	Flemmi,	e	firmou-se	um	pacote	de	acordos.
De	 sua	 parte,	 Bulger	 admitia	 claramente	 o	 valor	 de	 se	 juntar	 a	 Flemmi,
dado	o	rico	acesso	deste	aos	mafiosos	e	ao	tipo	de	informação	que	Connolly
tanto	 desejava.	 Por	 sua	 vez,	 Flemmi	 tinha	 que	 reconhecer	 o	 valor	 de	 se
associar	 a	 Bulger,	 não	 só	 por	 sua	 mente	 afiada,	 como	 pela	 condição	 de
protegido,	particularmente	com	Connolly.	Flemmi	percebia	algo	especial	se
passando	 entre	 Bulger	 e	 Connolly	 desde	 o	 início.	 “Eles	 tinham	 uma
relação.”
Para	Connolly,	Flemmi	era	um	recurso	já	utilizado,	mas	Bulger	era	dele,
uma	grande	 jogada	para	o	FBI	em	Boston.	Era	um	tremendo	acordo,	uma
conquista	 louvável,	 e	 Connolly	 ficou	 encarregado	 de	 dois	 gângsteres	 de
nível	intermediário	posicionados	para	ajudar	o	FBI	na	campanha	declarada
para	enfraquecer	as	operações	da	Máfia.	Mas	o	novo	acordo	não	significava
que	Whitey	refrearia	seu	estilo.	Na	verdade,	apenas	cinco	semanas	após	o
arquivo	do	 informante	Whitey	Bulger	 ter	 sido	oficialmente	aberto,	em	30
de	setembro	de	1975,	ele	realizou	o	primeiro	assassinato	em	seu	período
com	 o	 FBI.	 Ele	 e	 Flemmi	 liquidaram	 um	 estivador	 de	 Southie	 chamado
Tommy	 King.	 O	 crime	 foi	 parte	 briga	 por	 poder,	 parte	 vingança	 e,
principalmente,	questão	de	orgulho	para	Bulger.	Bulger	e	King,	que	nunca
haviam	sido	amigos,	tiveram	uma	discussão	certa	noite	num	bar	de	Southie.
A	pancadaria	começou.	King	derrubou	Bulger	e	o	socou	até	os	outros	enfim
o	 tirarem	 de	 cima.	 A	 oportunidade	 do	 troco	 surgiu	 para	 Bulger	 em	 5	 de
novembro	de	1975.	Sem	dúvida	encorajado	por	saber	secretamente	que	o
FBI	 sempre	 tentaria	 permanecer	 em	bons	 termos	 com	ele,	 Bulger	 atacou
King	com	Flemmi	e	um	comparsa.	O	estivador	desapareceu	de	Southie	e	do
mundo.	Não	surpreende	que	Bulger	não	tenha	mencionado	nada	disso	nos
encontros	 com	 Connolly;	 pelo	 contrário,	 um	 dos	 primeiros	 relatórios	 de
Bulger	foi	de	que	a	inquietação	da	gangue	irlandesa	e	o	derramamento	de
sangue	supostamente	iminente	entre	Winter	Hill	e	a	Máfia	havia	gorado	—
muito	barulho	por	nada.	As	ruas	estavam	calmas,	relatou	Bulger.
E	então	começou.
CAPÍTULO	DOIS
South	Boston
Para	esperar	por	Whitey	em	Wollaston	Beach,	John	Connolly	tinha	primeiro
que	conseguir	regressar	de	Nova	York.	Cadillac	Frank	Salemme,	amigo	de
infância	de	Flemmi,	seria	sua	passagem	de	volta	para	casa.
A	prisão	de	Salemme	aconteceu	numa	tarde	nova-iorquina	fria	e	de	céu
claro,	em	dezembro	de	1972,	quando	mocinhos	e	bandidos	se	cruzaram	na
Third	 Avenue.	 De	 repente,	 um	 rosto	 na	 multidão	 chamou	 a	 atenção	 de
Connolly,	que	pediu	aos	colegas	de	FBI	que	desabotoassem	os	casacos	de
inverno	 e	 sacassem	 as	 armas.	 Na	 neve,	 uma	 perseguição	 lenta,	 quase
cômica,	 terminou	 com	 o	 vendedor	 de	 joias	 Jules	 Sellick,	 da	 Filadélfia,
protestando	 que	 não	 era	 Frank	 Salemme,	 de	 Boston,	 procurado	 pela
tentativa	de	assassinato	de	um	advogado	da	Máfia.	Mas	era	ele.
O	 jovem	 agente	 não	 tinha	 algemas	 e	 precisou	 apontar	 a	 arma,	 enfiar
Salemme	num	táxi	e	gritar	para	o	perplexo	motorista	levá-los	à	sede	do	FBI
mais	 próxima,	 na	 East	 Sixty-ninth	 com	 a	 Third.	 A	 questão	 das	 algemas
mereceu	uma	repreensão	afável	do	chefe,	mas	houve	sorrisos	 invejosos	e
tapinhas	nas	costas	pela	captura	de	um	dos	mafiosos	mais	procurados	de
Boston.	Alguns	ficaram	admirados	com	o	fato	de	Connolly	ter	sido	capaz	de
reconhecer	 Salemme,	 mas	 não	 foi	 tanto	 uma	 questão	 de	 sorte,	 como
pareceu.	Um	agente	 veterano	no	 escritório	 do	 FBI	 em	Boston	 fora	 com	a
cara	 de	 Connolly	 e	mais	 cedo	 lhe	 enviara	 fotografias	 e	 lugares	 prováveis
para	encontrar	Salemme,	dicas	que	obtivera	com	relatórios	de	informantes.
Foi	um	exemplo	perfeito	de	quão	valiosos	eles	podiam	ser.	Para	Connolly,	a
prisão	 de	 Cadillac	 Frank	 resultou	 numa	 transferência	 de	 volta	 para	 casa,
uma	volta	extraordinariamente	rápida	para	um	agente	com	apenas	quatro
anos	de	serviço.
Em	1974,	Salemme	foi	sentenciado	a	quinze	anos	de	prisão,	e	Connolly
estava	 de	 volta	 às	 ruas	 de	 sua	 infância.	 Na	 época,	 Bulger	 era	 o	 gângster
irlandês	 proeminente	 no	 bairro	 notoriamente	 irlandês	 de	 South	 Boston.
Quando	Connolly	 regressou,	Bulger	acabara	de	 solidificar	 seu	domínio	na
jogatina	e	na	rede	de	agiotagem	em	Southie,	a	culminação	de	uma	ascensão
lenta	e	constante	que	começara	em	1965,	ao	ser	libertado	das	prisões	mais
implacáveis	do	país.
Os	dois	falavam	a	mesma	língua	e	partilhavam	profundas	raízes	naquele
lugar	 tribal.	 Achavam-se	 cada	 um	 numa	 ponta	 do	 estreito	 espectro	 de
carreiras	disponíveis	para	católicos	irlandeses	morando	em	isolamento	na
península	 que	 avançava	 pelo	 oceano	 Atlântico.	 O	 coeso	 bairro	 ficava
separado	 do	 centro	 de	 Boston	 pelo	 Fort	 Point	 Channel	 e	 por	 um	 modo
único	 de	 pensar.	 Por	 décadas,	 Southie	 fora	 o	 imigrante	 irlandês	 contra	 o
mundo,	 lutando	 primeiro	 uma	 batalha	 perdida	 contra	 a	 vergonhosa
discriminação	 dos	 comerciantes	 de	 ascendência	 inglesa,	 ianques,	 que
haviam	 governado	 Boston	 por	 séculos,	 depois	 outra	 contra	 burocratas
negligentes	e	um	obstinado	 juiz	 federal	que	 impôs	o	 transporte	escolar	à
“cidade”	 que,	 para	 começo	 de	 conversa,	 odiava	 forasteiros.	 Ambos	 os
confrontos	foram	o	tipo	de	luta	honrada	que	deixou	os	moradores	do	jeito
que	 gostavam:	 ensanguentados,	 mas	 insubmissos.	 As	 batalhas
compartilhadas	 reafirmavam	 uma	 visão	 sobre	 a	 vida:	 nunca	 confie	 em
estranhos	e	nunca	se	esqueça	de	onde	veio.
Certa	vez,	um	policial	aposentado	recordou	as	escolhas	restritas	que	se
ofereciam	a	um	jovem	de	South	Boston	durante	as	décadas	de	1940	e	1950:
Forças	Armadas,	prefeitura,	empresas	de	serviços	públicos,	trabalho	fabril,
crime.	“Era	gás,	energia,	Gillette,	município,	policial,	bandido”,	declarou	ele.
As	décadas	de	 trabalho	árduo	tornaram	os	moradores	de	Southie	rápidos
na	briga	por	oportunidades	limitadas.
Bulger	 e	 Connolly,	 bandido	 e	 policial,	 cresceram	no	 primeiro	 conjunto
habitacional	 de	 Boston,	 um	 lugar	 espartano	 com	 34	 edifícios	 populares
exiguamente	 espaçados,	 feitos	 de	 tijolos.	 O	 projeto	 foi	 erguido	 por	 um
empreiteiro	amigo	do	lendário	prefeito	James	Michael	Curley,	com	dinheiro
da	 Agência	 Administrativa	 de	 Serviços	 Públicos,	 de	 Franklin	 Delano
Roosevelt.	Os	dois	eram	reverenciados	na	casa	dos	Bulger,	em	Logan	Way
—	Curley	pela	língua	afiada,	e	Roosevelt	por	salvar	a	classe	trabalhadora	da
devastação	do	capitalismo.
Os	 pais	 de	 Connolly	 —	 John	 J.	 Connolly,	 empregado	 da	 Gillette	 por
cinquenta	 anos,	 e	 sua	 modesta	 mãe,	 Bridget	 T.	 Kelly	 —	 moraram	 no
conjunto	até	John	completar	12	anos.	Em	1952,	a	família	“subiu	de	vida”	e
se	 mudou	 para	 City	 Point,	 melhor	 endereço	 de	 Southie,	 pois	 tinha	 vista
parao	mar,	no	extremo	do	promontório.	O	pai	de	Connolly	era	conhecido
como	 “Galway	 John”,	 nome	 do	 condado	 irlandês	 onde	 nasceu.	 Ele	 fez	 da
igreja,	de	South	Boston	e	da	família	o	centro	de	sua	vida.	De	algum	modo,	o
pai	de	três	crianças	conseguiu	ganhar	dinheiro	suficiente	para	mandar	John
para	 a	 Columbus	 High,	 escola	 católica	 no	 italiano	 North	 End.	 Era	 como
viajar	para	um	país	estrangeiro,	e	 John	 Jr.	gracejava	sobre	uma	baldeação
que	 exigia	 “carros,	 ônibus,	 trens”.	 O	 instinto	 de	 Southie	 para	 o	 dever
patriótico	 e	 o	 serviço	 público	 também	 conduziu	 o	 irmão	 mais	 novo	 de
Connolly,	 James,	para	as	forças	da	lei.	Ele	se	tornou	um	respeitado	agente
da	Drug	Enforcement	Administration	 (DEA),	uma	versão	atenuada	de	seu
fanfarrão	irmão	mais	velho.
Os	 irmãos	 Connolly	 e	 os	 Bulger	 chegaram	 à	 adolescência	 num	 lugar
limpo	e	bem-iluminado	à	beira-mar,	cercados	por	quilômetros	de	parques,
campos	de	futebol	americano	e	de	beisebol,	além	de	quadras	de	basquete.
Os	 esportes	 dominavam.	 Old	 Harbor	 tinha	 gerações	 de	 famílias	 inteiras,
sorvete	 de	 graça	 no	 Quatro	 de	 Julho	 e	 escadarias	 que	 viravam	 sedes	 de
clube,	com	cerca	de	trinta	garotos	por	prédio.	O	projeto	de	110	mil	metros
quadrados	 era	 o	 ponto	 intermediário	 entre	 City	 Point,	 com	 suas	 brisas
marinhas	e	cortinas	de	renda,	e	o	Lower	End,	com	mais	diversidade	étnica
e	 suas	 casinhas	 em	 forma	 de	 caixote	 ladeando	 rotas	 de	 caminhão	 que
levavam	a	fábricas,	garagens	e	tavernas	ao	longo	do	Fort	Point	Channel.	Até
hoje	o	bairro	mantém	de	maneira	consistente	a	porcentagem	mais	elevada
de	 moradores	 antigos,	 reflexo	 de	 uma	 ênfase	 histórica	 em	 permanecer
bravamente,	em	vez	de	ir	embora,	sinal	de	um	orgulho	poderoso.	À	medida
que	 South	 Boston	 se	 rendeu	 pouco	 a	 pouco	 à	 valorização	 imobiliária	 em
sua	 desocupada	 orla	marítima	 no	 fim	 da	 década	 de	 1990,	 os	 vereadores
locais	 procuraram	 reafirmar	 seus	 valores	 tradicionais,	 proibindo	 portas
francesas	nos	cafés	e	deques	de	cobertura	nos	condomínios	de	frente	para
o	mar.
*	*	*
A	 mentalidade	 “nós	 contra	 eles”	 no	 coração	 da	 vida	 em	 Southie	 é	 ainda
mais	 profunda	 do	 que	 as	 raízes	 irlandesas.	 Antes	 de	 a	 primeira	 grande
onda	de	 imigrantes	 irlandeses	 tomar	a	península,	após	a	Guerra	Civil,	 em
1847	 chegara	 à	 prefeitura	 uma	 petição	 furiosa	 ao	 governo	 “central”
queixando-se	 da	 falta	 de	 serviços	 municipais.	 Levaria	 algumas	 décadas
para	os	 imigrantes	 famintos	—	que	cambalearam	para	a	praia	em	Boston
quando	a	praga	da	batata	assolou	a	Irlanda	de	1845	a	1850	—	alcançarem
os	 ondulantes	 e	 verdejantes	 outeiros	 do	 que	 na	 época	 se	 chamava
Dorchester	Heights.	A	 fome	reduziu	em	um	 terço	a	população	da	 Irlanda,
com	a	morte	de	1	milhão	por	inanição	e	a	fuga	de	2	milhões	que	queriam	se
salvar.	Como	se	fosse	a	menor	distância	entre	dois	pontos,	muitos	rumaram
para	 Boston	 e	 se	 espalharam	 pelas	 fétidas	 habitações	 populares	 à	 beira-
mar	 do	 North	 End.	 Na	 década	 de	 1870,	 eram	 gratos	 por	 partilhar	 um
barraco	 em	que	 três	de	 cada	dez	 crianças	morriam	antes	de	 completar	1
ano.
Os	recém-chegados	católicos	irlandeses	se	aferraram	imediatamente	às
tradicionais	 implicâncias	 de	 Southie	 contra	 gente	 de	 fora.	 De	 fato,	 isso
ganhou	 força	 de	 palavra	 religiosa	 à	 medida	 que	 a	 comunidade	 se
congregava	em	 torno	da	 igreja	e	da	 família,	 formando	uma	sólida	 falange
contra	qualquer	um	que	não	compreendesse	seus	modos	e	costumes.	Desde
então,	 nada	 incomoda	 mais	 os	 moradores	 de	 Southie	 do	 que	 se
considerarem	menosprezados	por	alguém	de	fora	querendo	mudar	O	Modo
como	 as	 Coisas	 São.	 Na	 hegemonia	 católico-irlandesa	 que	 se	 formou,	 um
casamento	 misto	 não	 era	 apenas	 entre	 católico	 e	 protestante.	 Podia
também	ser	de	um	italiano	com	uma	irlandesa.
Embora	 Boston	 já	 fosse	 uma	 cidade	 estabelecida	 havia	 dois	 séculos	 à
chegada	dos	maltrapilhos	e	famintos	imigrantes,	South	Boston	só	se	tornou
uma	comunidade	irlandesa	integrada	após	a	Guerra	Civil,	quando	negócios
recém-criados	 levaram	 emprego	 estável	 para	 os	 moradores	 locais.	 No
período	 posterior	 à	 guerra,	 a	 população	 da	 península	 cresceu	 em	 30%,
comparado	à	população	atual,	de	30	mil	pessoas.	Trabalhadores	irlandeses
começaram	a	se	fixar	no	Lower	End	para	se	empregar	nos	estaleiros	e	nas
ferrovias	que	tanto	simbolizaram	a	época.	Pouco	depois,	os	bancos	locais	e
as	 igrejas	 católicas	 abriram	 as	 portas,	 incluindo	 a	 paróquia	 de	 Santa
Monica,	destino	dominical	do	irmão	mais	novo	de	Whitey	Bulger,	Billy,	e	de
seu	inseparável	parceiro,	John	Connolly.
No	 fim	 do	 século	 XIX,	 a	maioria	 dos	 homens	 trabalhava	 na	 estiva	 dos
cargueiros	 na	 Atlantic	 Avenue.	 As	 mulheres	 atravessavam	 a	 Broadway
Bridge	após	o	jantar	para	ir	ao	distrito	financeiro	da	cidade,	onde	limpavam
o	chão	e	esvaziavam	cestos	de	 lixo,	voltando	para	casa	pela	mesma	ponte
por	volta	da	meia-noite.	Ao	fim	do	século,	a	presença	católica	irlandesa	era
tal	 que	 os	 moradores	 se	 congregavam	 segundo	 o	 condado	 irlandês	 de
origem	—	Galway	nas	ruas	A	e	B,	gente	de	Cork	na	D	e	assim	por	diante.	O
espírito	de	clã	era	parte	da	maresia.	Foi	por	isso	que	John	Connolly	do	FBI
conseguiu	retomar	um	relacionamento	fácil	com	um	arquicriminoso	como
Whitey	Bulger.	Certas	coisas	faziam	diferença.
Além	 das	 raízes	 étnicas	 em	 comum,	 o	 ímã	 da	 vida	 diária	 era	 a	 Igreja
Católica.	 Tudo	 girava	 em	 torno	 dela	 —	 batismo,	 primeira	 comunhão,
crisma,	casamento,	unção	dos	enfermos,	velórios.	No	domingo,	dia	especial,
os	 pais	 iam	 à	 missa	 de	 manhã	 cedo,	 e	 os	 filhos	 assistiam	 à	 missa	 das
crianças,	às	9h30.	A	interação	de	religião	e	política	era	natural:	às	vezes,	um
dos	primeiros	passos	para	 a	 vida	pública	 era	passar	 o	 chapéu	de	 vez	 em
quando	pelos	assentos,	trabalho	de	alta	visibilidade.
Como	 a	 própria	 Irlanda,	 Southie	 era	 um	 ótimo	 lugar	—	 contanto	 que
você	 tivesse	 emprego.	 A	Depressão	 passou	 como	uma	 bola	 de	 demolição
pela	falange	interdependente	de	família	e	igreja.	A	rede	que	funcionara	tão
bem	entrou	 em	 colapso	quando	o	 chefe	 da	 casa	 ficou	 sem	 trabalho.	Uma
implacável	taxa	de	desemprego	de	30%	prejudicou	gravemente	a	visão	de
que	era	possível	assegurar	o	futuro	com	trabalho	duro	e	ficha	limpa.	Mudou
o	 estado	 de	 espírito	 de	 um	 lugar	 aprazível,	 e	 o	 entusiasmo	 deu	 lugar	 ao
desespero.	E	não	foi	apenas	em	Southie:	a	economia	de	Boston	estagnara,	e,
já	em	meados	da	década	de	1940,	anos	de	formação	para	os	irmãos	Bulger
e	 John	 Connolly,	 a	 cidade	 se	 tornou	 um	 malfadado	 rincão	 atrasado.	 Os
prédios	de	escritórios	eram	baixos	e	tristes,	e	as	perspectivas,	sombrias.	A
renda	 estava	 lá	 embaixo,	 os	 impostos	 lá	 em	 cima,	 e	 os	 negócios
enfrentavam	 uma	 letargia.	 A	 cidade	 era	 afligida	 pelo	 legado	 de	 uma
oligarquia	 governante	 da	 elite	 tradicional	 que	 perdera	 a	 verve.	 Os
dinâmicos	 ianques	 do	 século	 XIX	 tinham	 dado	 lugar	 a	 banqueiros
suburbanos	 indiferentes	 ao	 centro	 da	 cidade,	 uma	 geração	 de	 unhas	 de
fome	que	cultivava	fundos	fiduciários	em	vez	de	forjar	negócios.	Ao	mesmo
tempo,	 imigrantes	 esperançosos	 tornavam-se	 deprimentes	 burocratas.
Pouco	mudou	até	a	renovação	urbana	da	década	de	1960.
Foi	 nessa	 época	 e	 nesse	 lugar	 austeros	 que	 James	 e	 Jean	 Bulger
chegaram	em	1938,	à	procura	de	um	terceiro	dormitório	para	sua	família
cada	vez	maior	no	primeiro	conjunto	habitacional	de	Boston.	James	tinha	9
anos,	Billy,	4.	Os	Bulger	pretendiam	criar	três	meninos	num	quarto	e	 três
meninas	 no	 outro.	 Embora	 o	 condomínio	 Old	 Harbor	 fosse	 um	 imenso
playground	para	as	crianças,	os	pais	precisavam	estar	praticamente	falidos
para	 acabar	 ali,	 e	 os	 Bulger	 preenchiam	 esse	 critério	 com	 facilidade.
Quando	novo,	James	Joseph	Bulger	perdera	boaparte	do	braço,	preso	entre
dois	vagões	de	trem.	Embora	trabalhasse	vez	ou	outra	como	escriturário	no
estaleiro	da	marinha	em	Charlestown,	pegando	o	último	turno	aos	feriados
como	 tapa-buraco,	 ele	 nunca	 mais	 conseguiu	 um	 emprego	 em	 período
integral.
Baixinho,	de	óculos	e	cabelo	louro-claro,	liso	e	penteado	para	trás,	James
Bulger	andava	por	praias	e	parques	de	South	Boston	fumando	charuto,	com
o	paletó	pendurado	no	ombro	do	braço	amputado.	A	vida	dura	 começara
nos	 prédios	 populares	 do	 North	 End,	 no	 exato	 momento	 em	 que	 a
vizinhança	 irlandesa	da	era	da	 fome	dava	 lugar	a	outra	onda	 imigratória,
dessa	 vez	 vinda	 do	 sul	 da	 Itália,	 na	 década	 de	 1880.	 Ele	 era	 muito
interessado	em	atualidades;	um	dos	amigos	de	infância	de	Billy	lembrava-
se	 de	 ter	 topado	 com	 ele	 numa	 caminhada	 e	 ser	 alugado	 numa	 longa
conversa	 sobre	 “política,	 filosofia,	 todo	 esse	 negócio”.	 Mas	 o	 pai	 era	 um
solitário	 que	 ficava	 no	 apartamento	 a	 maior	 parte	 do	 tempo,	 sobretudo
quando	 o	 rádio	 transmitia	 jogos	 dos	 Red	 Sox.	 Por	 outro	 lado,	 era	 fácil
encontrar	a	falante	Jean	na	varanda	de	fundos	que	dava	para	a	Logan	Way,
conversando	com	os	vizinhos,	mesmo	após	um	duro	dia	de	trabalho.	Muitos
deles	 se	 lembravam	de	 Jean	Bulger	 como	uma	mulher	 alegre,	 inteligente,
fácil	de	gostar	e	difícil	de	tapear.	Diziam	que	Billy	era	como	ela,	amistoso	e
extrovertido,	 correndo	 para	 a	 biblioteca	 com	 uma	 mochila	 carregada	 de
livros	ou	indo	à	igreja	para	um	casamento	ou	enterro,	a	sotaina	de	coroinha
esvoaçando	sobre	o	ombro.
Mas	 Billy	 também	 partilhava	 do	 apreço	 paterno	 por	 privacidade	 e
solidão.	Numa	rara	entrevista	sobre	a	 família,	Bulger	 falou	saudosamente
do	pai,	seus	modos	estoicos	e	seu	destino	ingrato,	desejando	que	tivessem
conversado	mais	e	passado	mais	tempo	juntos.	Ele	recordou	o	dia	em	que
foi	para	o	exército,	perto	do	fim	da	Guerra	da	Coreia,	com	os	pais	tensos	de
preocupação	porque	o	genro	fora	morto	em	ação	dois	anos	antes.	James	e
Jean	levaram	Billy	a	South	Station,	para	pegar	o	trem	até	Fort	Dix,	em	Nova
Jersey.	Seu	pai,	então	com	quase	70	anos,	o	seguiu	pelo	corredor	do	trem
até	seu	assento.	“Eu	pensei:	‘Qual	é?’	Você	sabe	como	são	os	jovens.	Meu	pai
pegou	minha	mão	e	disse:	‘Bom,	Deus	te	abençoe,	Bill.’	E	isso	era	incomum
vindo	 dele.	 Eu	 lembro	 porque	 foi	 bem	 mais	 do	 que	 meu	 pai	 costumava
dizer.”
*	*	*
Billy	Bulger	 concorreu	 a	um	 cargo	público	 em	1960	porque	precisava	de
emprego,	uma	vez	que	estava	perto	de	se	 formar	na	Faculdade	de	Direito
da	Universidade	de	Boston	e	ia	se	casar	com	a	namorada	de	infância,	Mary
Foley.	 John	 Connolly	 foi	 um	 dos	 que	 trabalharam	 na	 campanha.
Originalmente,	Bulger	pretendia	permanecer	alguns	mandatos	na	Câmara
dos	 Representantes	 e	 depois	 deixar	 o	 cargo	 para	 se	 tornar	 advogado	 de
defesa	criminal.	Mas	não	saiu,	equilibrando	um	pouco	da	prática	legal	com
a	vida	pública	e	uma	família	cada	vez	maior.	Os	Bulger	teriam	nove	filhos,
quase	 um	 por	 ano	 ao	 longo	 da	 década	 de	 1960.	 Billy	 chegou	 ao	 Senado
Estadual	 em	1970	e	 se	 tornaria	o	presidente	da	 câmara	que	permaneceu
por	mais	tempo	no	cargo	na	história	de	Massachusetts.
Com	 o	 passar	 do	 tempo,	 exercendo	 a	 legislatura,	 Billy	 passou	 a	 ser	 o
exemplo	perfeito	 de	 South	Boston,	 com	 seu	queixo	 erguido	 e	 sua	 agenda
conservadora.	Ele	se	 tornou	uma	 figura	provocativa	conhecida	em	todo	o
estado,	 e	 se	 regozijava	 em	 emendar	 liberais	 suburbanos	 que	 julgavam	 a
imposição	do	transporte	escolar	uma	boa	ideia	para	o	bairro	dele,	mas	não
para	o	bairro	em	que	moravam.	Tinha	paixão	por	voltar	a	disputar	antigas
batalhas	 perdidas,	 a	 mais	 emblemática	 de	 todas	 sendo	 a	 dos	 plebiscitos
estaduais	que	impingiu	a	um	eleitorado	indiferente	na	década	de	1980	para
corrigir	 um	 antigo	 erro	 que	 encontrou	 na	 constituição	 do	 estado.	 Uma
cláusula	 anticatólica	 de	 1855	 proibia	 a	 ajuda	 às	 escolas	 paroquianas,	 e,
embora	Bulger	fosse	o	primeiro	a	admitir	que	isso	não	causara	nenhum	mal
duradouro,	ele	queria	vê-la	removida	por	causa	da	intenção	original.	Que	a
emenda	corretiva	 fosse	esmagadoramente	 rejeitada	duas	vezes	nas	urnas
não	fez	diferença.	O	importante	era	brigar.
Tudo	 isso	 era	 parte	 do	 que	 fazia	 dele	 um	dos	políticos	 dominantes	 de
seu	 tempo,	 um	 personagem	 paradoxal	 que	 combinava	 a	 rara	mistura	 de
educação	 formal	 e	 sabedoria	 das	 ruas.	 Ele	 era	 ao	 mesmo	 tempo	 um
pequeno	déspota	 e	um	conciliador	prodigioso,	um	homem	reservado	que
adorava	uma	audiência,	uma	figura	pública	brincalhona	com	um	lado	negro
que	 o	 fazia	 levar	 qualquer	 acinte	 para	 o	 lado	 pessoal.	 Sua	 metade	 ruim
continua	sendo	uma	faceta	não	muito	agradável	de	se	presenciar.
Embora	 Billy	 Bulger	 fosse	 notório	 pelo	 estilo	 douto	 e	magnânimo,	 ele
era	 capaz	 de	 mostrar	 outro	 lado.	 Em	 1974,	 quando	 manifestantes
contrários	ao	transporte	escolar	forçado	foram	presos	diante	de	uma	escola
do	bairro,	Bulger	estava	no	local	e	denunciou	a	polícia	por	agir	com	força
desmedida.	Confrontou	o	comissário	de	polícia	da	cidade,	Robert	diGrazia,
pondo-lhe	o	dedo	na	cara	e	acusando-o	de	chefiar	tropas	da	“Gestapo”,	para
em	seguida	se	afastar,	enfurecido.	DiGrazia	retrucou	algo	sobre	os	políticos
não	terem	tido	“colhões”	para	lidar	com	a	dessegregação	antes,	quando	as
coisas	 poderiam	 ter	 sido	 diferentes.	 Bulger	 girou	 nos	 calcanhares	 para	 o
segundo	round,	aproximando-se	outra	vez	de	diGrazia,	que	era	bem	mais
alto.	“Vai	se	foder”,	disse	raivosamente	o	senador	na	cara	do	comissário.
Quando	a	questão	do	transporte	escolar	deixou	Southie	de	pernas	para	o
ar,	 até	 Whitey	 Bulger	 entrou	 em	 cena,	 mas	 no	 incongruente	 papel	 de
apaziguador.	Ele	agiu	nos	bastidores	para	tentar	levar	um	pouco	de	calma
às	 ruas,	 entre	 seus	asseclas.	Mas	 suas	exortações	dificilmente	podiam	ser
consideradas	 fruto	 de	 altruísmo	 cívico.	 Ao	 trazer	 a	 perspectiva	 de	 uma
presença	 prolongada	 da	 polícia	 em	 South	 Boston,	 a	 lei	 do	 transporte
simplesmente	era	ruim	para	os	negócios.	Whitey	 instruiu	os	comparsas	a
não	exacerbar	as	tensões	que	cresciam	nas	escolas.
A	despeito	dos	 turbulentos	anos	1970,	Billy	progrediu	rapidamente	no
Senado	Estadual	e	o	presidiu	com	mão	de	 ferro	até	o	 fim	da	década,	mas
lutaria	contra	uma	imagem	entranhada	no	folclore	de	Southie,	a	do	bom	e
do	 mau.	 Isso	 fez	 dele	 um	 herói	 na	 cidade	 e	 um	 anátema	 num	 estado
democrático	 liberal.	 Seu	dilema	 foi	 capturado	no	 fim	da	década	de	 1980,
quando	 combateu	 o	 mais	 recente	 movimento	 reformista	 para	 levar	 o
debate	e	a	democracia	ao	Senado	Estadual.	Um	colega	tentou	convencê-lo
de	que	poderia	ser	visto	como	herói	caso	relaxasse	um	pouco	o	controle	na
câmara.	Mas	 Bulger	 apenas	 fez	 que	 não:	 “Não,	 caras	 como	 eu,	 nunca.	 Eu
sempre	vou	ser	o	irlandesinho	atrasado	e	reacionário	de	South	Boston.”
*	*	*
Criado	no	conjunto	habitacional,	Connolly	conhecia	os	dois	irmãos	Bulger.
Ficou	bastante	amigo	de	Billy,	atraído	pela	maturidade	e	pelo	humor	que	o
tornavam	 tão	 distinto	 quanto	 Whitey	 era	 notório.	 Era	 com	 Billy	 que
Connolly	voltava	para	casa	após	a	missa	na	Santa	Monica	e	foi	Billy	quem	o
levou	 a	 gostar	 de	 livros,	 embora,	 de	modo	 geral,	 Connolly	 e	 seus	 amigos
considerassem	 isso	 uma	 maluquice	 num	 ambiente	 tão	 fanático	 por
esportes.
Connolly	 também	 conheceu	 o	 infame	Whitey	 como	 o	 encrenqueiro	 do
Old	Harbor	que	tumultuava	o	condomínio	com	brigas	de	rua	e	palhaçadas
ousadas.	 Na	 verdade,	 todo	 mundo	 o	 conhecia,	 até	 os	 garotos	 de	 8	 anos,
como	Connolly,	 que	 certa	 vez	 estava	 numa	partida	 de	 beisebol	 em	que	 a
coisa	 ficou	 feia.	 Um	 menino	 mais	 velho	 decidiu	 que	 ele	 estava	 levando
tempo	 demais	 para	 recuperar	 a	 bola	 e	mandou	 outra	 com	 toda	 força	 no
meio	 de	 suas	 costas.	 Bem	 menor

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