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Part I Métodos Matemáticos para Física Teórica I 1 Funções Complexas 1.1 Números complexos como Espaço Vetorial Seja i = √ −1. Nas soluções de uma equação de segunda ordem, surgem raízes do tipo z = x+ i y , onde x e y são números reais. Escrevemos Re (z) = x, Im (z) = y, e chamamos de parte real e de parte imaginária, respectivamente. Sabemos também que i nunca se torna um número real através da multiplicação por um número real, ou seja, α× i 6= real, para qualquer número real α. Isto equivale a dizer que a condição z = x+ iy = 0 (1) implica necessariamente x = y = 0. (2) Consideremos o conjunto de todas as combinações do tipo acima e o chamemos C. C = {z = x+ i y , x, y ∈ R} onde R é o conjunto de todos os números reais. Introduzimos as seguintes regras: ∀a ∈ R, ∀z = x+ i y ∈ C, az ≡ (ax) + i (ay) , e ∀z1 = x1 + i y1 ∈ C, ∀z2 = x2 + i y2 ∈ C, z1 + z2 = (x1 + x2) + i (y1 + y2) ∈ C, 1 Exercício 1: Mostre que se x1 + i y1 = x1 + i y2, então necessariamente x1 = x2, y1 = y2. Juntando as propriedades acima, podemos mostrar que o conjunto C forma um espaço vetorial de dimensão1 2, com o corpo (conjunto dos números es- calares) sendo o conjunto de números reais, ou seja, R. Exercício 2: Seguindo a definição de dimensão de um espaço vetorial mencionada na nota de rodapé, prove que o espaço vetorial de números complexos tem dimensão 2. Os elementos básicos de um espaço vetorial sáo: 1) noção de “direções” e 2) noção de “distância”. A dimensão do espaço é nada mais do que o número de direções indendentes. No caso do espaço vetorial formado de números complexos com corpo real, as direções são a parte real e a parte imaginária. Podemos expressar, assim, um número complexo num plano (x, y) como visto na figura abaixo. Im(z) Re(z) z=x+iy x y 1Num espaço vetorial, os elementos z1, z2, ..., zn são ditos linearmente dependentes, quando existe um conjunto de números {α1, α2, ..., αn} (escalares) não identicamente nulos, tal que nX i=1 αizi = 0. Inversamente, se a equação acima implica necessariamente em αi = 0, i = 1, ..., n então o conjunto de vetores {zi, i = 1.., n} é dito linearmente independente. O número máximo de elementos linearmente independentes num dado espaço vetorial é dito a dimensão do espaço. 2 Fig. 1. Plano Complexo Lembrete: Embora, um número complexo tenha propriedade vetorial, ou seja, possui sempre duas componentes, real e complexa, quando uma das componentes é nula, apenas escrevemos uma componente. Por exemplo, z = a+ i× 0 é denotado por simplesmente z = a, e z = 0 + α× i, denotamos por z = iα. Em particular, se ambas as componentes forem nulas, z = 0 + i× 0, escrevemos z = 0. 1.2 Multiplicação entre números complexos como oper- ação Sabemos que i× i = −1 ∈ R, i× 1 = i ∈ C. Desta forma, a multiplicação pelo número imaginário puro unitário transforma de uma direção para outra. Em geral, a multiplicação, z1 × z2 = z3 pode ser considerada como um mapeamento de C para C, z1 : z2 ∈ C z1→ z3 ∈ C. O mapeamento de um espaço vetorial para o próprio espaço vetorial é dito “operador”. Assim, a multiplicação de números complexos é um operador. Pos- tulando que vale a regra de distributividade, sabemos que a regra geral para a multiplicação entre dois números complexos é (x1 + iy1)× (x2 + iy2) = (x1x2 − y1y2) + i (x1y2 + y1x2) Note que esta regra é comutativa, ou seja, (x1 + iy1)× (x2 + iy2) = (x2 + iy2)× (x1 + iy1) . 3 Exercício 3: Prove que a regra de multiplicação acima satisfaz: 1) comutatividade z1 × z2 = z2 × z1, (3) 2) associatividade, z1 × (z2 × z3) = (z1 × z2)× z3. (4) e 3) distributividade e linearidade, z1 × (αz2 + βz3) = α (z1 × z2) + β (z1 × z3) , onde α e β são números reais. Podemos considerar que a regra acima define a propriedade operatorial de um número complexo no sentido de que, quando se aplica este número complexo em outro (um vetor), ele gera um outro número complexo (outro vetor). Por exemplo, vamos considerar o número i. Para um número complexo z = x+ iy, temos i× z = i× (x+ iy) = ix− y. Im(z) Re(z) z=x+iy i × z = -y + ix Fig. 2 Efeito de multiplicação i. Vemos que a multiplicação de i por um número complexo z corresponde à op- eração de rotação de z por 90 graus em torno da origem. Exercício 4: Quais são os números complexos que correspondem às seguintes rotações, respectivamente? a) rotação de 180 graus. b) rotação de 270 graus, c) rotação de -90 graus. Vamos considerar um número complexo, e (θ) ≡ cos θ + i sin θ. (5) 4 Para um número complexo z = x+ iy, temos e (θ)× z = (cos θ + i sin θ)× (x+ iy) = (x cos θ − y sin θ) + i (x sin θ + y cos θ) . Podemos ver que e (θ) : z → z0 = e (θ)× z = (x cos θ − y sin θ) + i (x sin θ + y cos θ) , ou seja, e (θ) : µ x y ¶ → µ x0 y0 ¶ = µ x cos θ − y sin θ x sin θ + y cos θ ¶ Isto corresponde à rotação no plano (x− y) por um ângulo θ. Exercício 5: Mostre geometricamente que, quando um vetorµ x y ¶ é rodado por umângulo θ, o vetor resultante ficaµ x0 y0 ¶ = µ x cos θ − y sin θ x sin θ + y cos θ ¶ . Mostre ainda que pode ser escrito comoµ x0 y0 ¶ = A (θ) µ x y ¶ , onde A é uma matriz (2× 2), A(θ) = µ cos θ − sin θ sin θ cos θ ¶ . Exercício 6: Mostre que para αeβ reais, e (α)× e (β) = e (α+ β) . (6) Exercício 7: Mostre que A (α)A (β) = A (α+ β) . 1.3 Representação Polar Para um número complexo arbitrário z = x+ iy, 5 podemos escrever sempre z = α µ 1 α x+ i 1 α y ¶ , onde α é real. Escolhendo α tal queµ 1 α x ¶2 + µ 1 α y ¶2 = 1, temos α = p x2 + y2, e podemos escrever sempre 1 α x = cos θ, 1 α y = sin θ, já que (cos θ)2 + (sin θ)2 = 1. Assim, temos z = p x2 + y2 (cos θ + i sin θ) = p x2 + y2e (θ) . O ângulo θ é dado pelo ângulo entre o vetor z e o eixo real no plano complexo (x− y). O ângulo θ é chamado de “argumento” de z e r = p x2 + y2 é dito o módulo de z. O efeito geométrico de multiplicar o número complexo Eq.(5) por outro número complexo z é o de rodar z por um ângulo θ. Por outro lado, o efeito geométrico de multiplicar um número complexo z por um número real α é esticar z por α vezes sem mudar a sua direção. Desta forma, o efeito geométrico da multiplicação por um número complexo geral é a combinção dos dois efeitos acima, ou seja, rodar por ângulo θ igual ao argumento de z e depois esticar o vetor na direção por fator igual ao módulo de z. Exercício 8: Obtenha a expressão polar dos seguintes números complexos. z = 1 + i √ 3, 1.4 Divisão por números complexos como operação in- versa da multiplicação Por construção, para dois números complexos arbitrários, z1, z2 ∈ C, sempre existe z3 ∈ C tal que z3 = z1 × z2. (7) 6 Já discutimos que z1 é uma operação que leva o elemento z2 para z3. Vamos considerar a operação inversa. Suponhamos que exista2 um número complexo z4, tal que z4 × z3 = z2. Então, escrevemos que z4 = z −1 1 , por razão óbvia. Por exemplo, multiplicando z4 dos dois lados da Eq.(7), temos z4 × z3 = z4 × (z1 × z2) = (z4 × z1)× z2 Assim, temos z2 = (z4 × z1)× z2 para qualquer z2 ∈ C . Portanto, (z4 × z1) = 1. Podemos mostrar também que z1 × z4 = 1. (8) Exercício 9: Prove a Eq.(8). Vimos que z × z−1 = z−1 × z = 1. Isto justifica que para z, z = x+ iy, podemos escrever que z−1 = 1 x+ iy . Mas isto não mostra qual é o número complexo correspondente. Usando a definição, podemos obter explicitamente o número complexo inverso de um dado z = x+ iy do seguinte modo. Temos z−1 (x+ iy) = 1. (9) Escrevendo z−1 = u+ iv, temos ux− vy = 1, uy + vx = 0. 2Note que não é necessariamente garantido que exista. 7Queremos u e v em função de x e y. As equações acima constituem um sistema linear para u e v. Colocando na forma matricial, temosµ x −y y x ¶µ u v ¶ = µ 1 0 ¶ Temos µ u v ¶ = µ x −y y x ¶−1µ 1 0 ¶ . Mas µ x −y y x ¶−1 = 1 x2 + y2 µ x y −y x ¶ , se x2 + y2 6= 0, portanto, temosµ u v ¶ = 1 x2 + y2 µ x y −y x ¶µ 1 0 ¶ = 1 x2 + y2 µ x −y ¶ e, conseqüentemente, z−1 = x x2 + y2 − i y x2 + y2 . (10) O método acima é um método padrão para obter o elemento inverso a partir da sua definião. Mas no caso de número complexo, o mesmo resultado pode ser obtido da seguinte forma. Da Eq.(9), temos z−1 (x+ iy) = 1. Multiplicando dos dois lados o número complexo, (x− iy) , temos z−1 (x+ iy) (x− iy) = x− iy. Mas (x+ iy) (x− iy) = x2 + y2, e, portanto, z−1 ¡ x2 + y2 ¢ = x− iy. Dividindo os dois lados por ¡ x2 + y2 ¢ , temos a expressão Eq.(10). O exercício acima para obter z−1 mostra que, para qualquer z, sempre existe z−1, exceto se x2 + y2 = 0. Mas x2 + y2 = 0 implica em x = y = 0, e portanto z = 0. Assim, sempre existe z−1, exceto se z = 0. Exercício 10: Para um número complexo expresso na forma polar, z = r (cos θ + i sin θ) , obtenha o inverso, z−1. Interprete geometricamente o resultado e o papel de z−1 como um operador3. 3O inverso de e (θ) é e (−θ) . Isto pode ser visto da Eq.(6), fazendo α = θ, β = −θ, já que e (0) = cos (0) + i sin (0) = 1. 8 No exercício acima, r = p x2 + y2 representa o módulo do vetor z no plano (x− y) e o denotamos por |z| . |z| = r = p x2 + y2 Quando estamos operando com z = x+ iy, freqüentemente aparece a quan- tidade x− iy, portanto é útil introduzir uma notação específica para esta. Denotemos x− iy por z∗ para z = x + iy e o chamemos de “conjugado complexo” (ou às vezes simplesmente conjugado) de z. O conjugado complexo do conjugado complexo é o próprio z, (z∗)∗ = z. Tomar o conjugado complexo de um número complexo z é um mapeamento de C para C e, portanto, um operador. Além disto, é um operador linear. Exercício 11: Expresse o módulo e o argumento das seguintes expressões em termos de módulo e do argumento de z, kzk e arg z = θ. w = (z + 1) , w = (z − i) z, w = z + 1 z − 1 . Exercício 12: Para z = x+ iy, obtenha um número complexo ez que transforma z em z∗. 1.5 Produto Escalar Para um espaço vetorial, podemos definir o produto escalar. Vamos lembrar o produto escalar. Seja V um espaço vetorial e denotemos os elementos de V (vetores) por4 |xi, |yi, ... . Ou seja, V = {|xi, |yi, |zi, .....} . Sejam |xi, |yi elementos arbitrários de V. Quando está definida uma regra de mapeamento deste par ordenado (|xi, |yi) para um número real5 (escalar = elemento do corpo), é dito que o produto escalar está definido, desde que esta regra satisfaça as seguintes propriedades: 1. linearidade: (|xi, a|yi) = a (|xi, |yi) . 2. distributividade: (|xi, |yi+ |zi) = (|xi, |yi) + (|xi, |zi) . 4Notação de Dirac. 5No momento, restringimos o corpo ao conjunto de números reais. 9 3. reciprocidade: (|xi, |yi) = (|yi, |xi) . 4. positividade: ∀|xi ∈ V, (|xi, |xi) ≥ 0, e a igualdade vale se e somente se |xi = 0. A quantidade (|xi, |xi)1/2 é chamada de módulo do vetor |xi e denotada por k|xik. No caso do espaço vetorial tridimensional Euclidiano 3R, sabemos que o produto escalar entre dois vetores, r1 = ⎛ ⎝ x1 y1 z1 ⎞ ⎠ r2 = ⎛ ⎝ x2 y2 z2 ⎞ ⎠ , é definido por (r1, r2) = x1x2 + y1y2 + z1z2 (11) e podemos provar que esta definição de produto escalar satisfaz todas as condições 1) a 4) e o módulo do vetor r fica krk = p x2 + y2 + z2. Exercício 13: Prove que a definição de produto escalar na Eq.(11) satisfaz todas as condições para ser produto escalar. Exercício 14: Usando somente as propriedades 1) a 4) que definem produto escalar, prove que vale a seguinte desigualdade6 (|xi, |yi)2 ≤ (|xi, |xi) (|yi, |yi) . (12) A desigualdade de Schwartz garante que −1 ≤ (|xi, |yi)k|xik k|yik ≤ 1 e, por isso, podemos definir o ângulo θ por cos θ = (|xi, |yi) k|xik k|yik . (13) 6Desigualdade de Schwartz. 10 Exercício 15: Prove que o ângulo θ definido acima é, de fato, o ângulo entre os dois vetores. Exercício 16: Usando a desigualdade de Schwartz, mostre que7 |k|xik− k|yik| ≤ k|xi− |yik ≤ |k|xik+ k|yik| . (14) O módulo do vetor diferença entre dois vetores k|xi− |yik é chamado de “distância” entre estes dois vetores e o denotamos por d (|xi, |yi) . No caso do espaço vetorial formado de números complexos, podemos definir o produto escalar entre dois números complexos, z1 = x1 + iy1 e z2 = x2 + iy2, por (z1, z2) = x1x2 + y1y2. Pela inspecção, podemos verificar que podemos escrever (z1, z2) = Re {z∗1z2} . Exercício 17: Mostre que Re {z∗1z2} = Re {z∗2z1} . Exercício 18: Usando a definição do ângulo θ (Eq.(13), calcule o ângulo entre dois números complexos, z1 = r1 {cos θ1 + i sin θ1} , z2 = r2 {cos θ2 + i sin θ2} . 1.6 Potenciação de um número complexo e raiz Até agora, definimos a álgebra do conjunto de todos os números complexos. Podemos, então, considerar a potenciação de um número complexo. A potenci- ação de um número complexo também é um número complexo. Por exemplo, z2 = z × z fica z2 = ¡ x2 − y2 ¢ + i2xy na forma Cartesiana, mas na forma polar fica z2 = r2 (cos 2θ + i sin 2θ) . Em geral, a potência maior fica mais simples na forma polar, zn = rn (cosnθ + i sinnθ) . (15) 7Desigualdade triangular 11 Exercício 19: Prove, por indução matemática8. Por outro lado, a n-ésima raiz de um número é a operação inversa da poten- ciação. Por exemplo, para um dado z, queremos calcular z1/n. Isto significa que ³ z1/n ´n = z, ou seja, queremos um número complexo cuja n-ésima potência resulta em z. Escrevendo z1/n = r (cos θ + i sin θ) , temos rn (cosnθ + i sinnθ) = kzk (cos θz + i sin θz) , (16) onde θz = arg (z) . Assim, temos r = kzk1/n , e uma possibilidade é obviamente nθ = θz, ou seja θ = 1 n θz. Mas esta não é a única solução. Existem mais possibilidades que satisfazem a Eq.(16), pois a condição cosα = cosβ, sinα = sinβ não implica necessariamente α = β, mas a solução mais geral é α = β + 2πk, 8 Indução Matemática: A forma de provar uma afirmação que vale para uma seqüência de números inteiros n em geral. A indução matemática é constituída de 2 etapas. 1) demostrar que a afirmação vale para um valor particular de n, digamos n0. Em geral, escolhe-se n0 = 0, ou 1, ou algum valor particular para o qual a afirmação é obviamente válida. 2) provar que, se vale a afirmação para n = K, então a afirmação vale também para n = K + 1. 1) e 2) juntos provam que a afirmação em questão é válida para qualquer n ≥ n0. É importante que, na etapa 2), use-se somente a hipótese, ou seja, a validade da afirmação para um valor particular n = K, e não se pode generalizar para qualquer K + 1, etc. Se na etapa 2), prova-se que , se vale a afirmação para n = K, então a afirmação vale também para n = K − 1, junto com 1), então demostra-se que a afirmação é válida para qualquer n ≤ n0. 12 onde k é qualquer número inteiro. Assim, as soluções distintas para a Eq.(16) são r = kzk1/n , e θk = 1 n θz + 2πk n , k = 1, .., n Exercício 20: Obtenha as seguintes raízes e represente-as no plano (x− y) : z3 = 1, z4 = 1√ 2 + 1√ 2 i, z3 = 4 + 4 √ 3i. Exercício 21: Mostre que, para n,m inteiros, in = ei π 2 n = ½ (−1)m, (−1)mi, n = 2m, n = 2m+ 1 1.7 Função Algébrica de variável complexa Com a álgebra e a potenciação definidas, podemos considerar as funções algébri- cas. Por exemplo, as funções de variável complexa, z, f (z) = az + b cz + d , f(z) = az2 + bz + c,etc, sendo a, b, c e d constantes (podendo ser complexas). A função f (z) é um mapeamento de C para C. O valor de f(z) é um número complexo e, portanto, tem parte real e parte imaginária. Vamos escrever f (z) = u+ iv. Mas z = x+ iy, então, o mapenamento z → z0 = f (z) é um mapeamento de um espaço bidi- mensional para outro espaço bidimensional, u = u(x, y), v = v(x, y). Isto pode ser visto como uma mudança de variáveis de (x, y) para (u, v) . Por outro lado, a mudança de variáveis pode ser vista como uma transformação de coordenadas. Podemos considerar (u, v) como um novo conjunto de coordenadas 13 para expressar um ponto P num espaço bidimensional (um plano) no lugar das coordenadas Cartesianas (x, y) . Por exemplo, a linha x = a = const. no plano (x, y) será mapeada na linha, expressa parametricamente, u = u(a, y), v = v(a, y). Se eliminarmos y das equações acima, teremos u = u (v, a) que representa a linha no plano (u, v). Vamos considerar um outro exemplo. Seja w = z2. Escrevendo w = u+ iv, z = x+ iy, temos u = x2 − y2, v = 2xy. Para x = a = const, temos a forma paramétrica da curva u = u (v, a) , u = a2 − y2, v = 2ay. Eliminando o parâmetro y, temos u = a2 − ³ v 2a ´2 . (17) Analogamente, para y = b = const, temos u = ³ v 2b ´2 − b2. (18) Exercício 22: Desenhe várias curvas v = v(u) no plano (u, v) correspondentes a x = a = const. e y = b = const. variando a e b, fazendo, por exemplo, a = 1/3, 1/2, 1, 2, 3, 4 e idem para b. Observe que as duas famílias de curvas se cruzam perpendicularmente em todos os pontos. Exercício 23: Prove que as duas famílias de curvas no plano (u, v) acima se cruzam perperdicularmente entre elas. 14 Exercício 24: Desenhe as famílias de curvas no plano (u, v) corrrespondentes a x = a = const. e y = b = const. para a função u+ iv = z + 1 z − 2 . Prove, novamente, que as duas famílias de curvas no plano (u, v) corre- spondentes a x = a = const. e y = b = const. se cruzam perperdicular- mente entre elas. 1.8 Funções Analíticas Os exemplos acima mostram que o mapeamento do plano (x, y) para o plano (u, v) gera um sistema de coordenadas curvilíneas ortogonais. Isto é de fato sempre verdade para uma função chamada função analítica. Definiremos em seguida o que é uma função analítica e estudaremos suas propriedades. 1.8.1 Revisão - Expansão de Taylor para uma função de uma variável real Vamos fazer uma revisão. Seja f(x) uma função suave da variável real x em torno do ponto x = a. Então, para x “suficientemente próximo” de a, podemos escrever f (x) ' f (a) + 1 1! f (1) (a) (x− a) + 1 2! f (2) (a) (x− a)2 + 1 3! f (3) (a) (x− a)3 + ... (19) que chamamos de expansão de Taylor da função f em torno do ponto x = a. Aqui, f (n) (a) = dnf (x) dxn ¯¯¯¯ x=a é a n-ésima derivada da função f no ponto x = a. O significado da expressão “suficientemente próximo” depende da função em questão. Dependendo da função e do valor de (x− a) , a série pode nem mesmo convergir. O valor máximo de |x− a| para que a série de Taylor convirja é chamado de “raio de convergência”. Exercício 25: Deduza a expressão (19). Exercício 26: Obtenha a expansão de Taylor das seguintes funções em torno de ponto x0 = 0 e calcule o raio de convergência: f(x) = ex, (20) f(x) = 1 x+ 1 , (21) f (x) = sin−1(x), (22) f (x) = tan−1(x). (23) 15 Exercício 27: Consideremos a soma formal ∞X n=0 an n! dn dxn = 1 + a 1! d dx + a2 2! d2 dx2 + · · · , onde a é uma constante. Formalmente, usando o resultado da Eq.(20), podemos escrever ea d dx = 1 + a 1! d dx + a2 2! d2 dx2 + · · · Mostre que ea d dx f (x) = f (x+ a) . 1.9 Função Exponencial Utilizando o resultado da Eq.(20), podemos definir a função exponencial de uma variável complexa z como ez def = ∞X n=0 1 n! zn. (24) Esta série tem raio de convergência infinito. Exercício 28: Usando a definição acima, prove que, para quaisquer números complexos z1 e z2, temos ez1ez2 = ez1+z2 . (25) Exercício 29: Mostre que (ez)−1 = e−z. (26) Exercício 30: Usando a definição, mostre que lim n→∞ µ 1 + 1 n z ¶n = ez. (27) Exercício 31: Usando o resultado acima, mostre que (ez1)z2 = ez1z2 . (28) Para z = x+ iy, temos ez = ex+iy e, usando a propriedade Eq.(25), temos ez = exeiy. 16 O primeiro fator ex é a exponencial comum. Vamos estudar o segundo fator eiy. Usando a definição, temos eiy = ∞X n=0 1 n! (iy)n . Vamos separar a soma em duas partes: uma com n par e outra com n ímpar, eiy = ∞X n:par 1 n! (iy)n + ∞X n:´ımpar 1 n! (iy)n = ½ 1− 1 2! y2 + 1 4! y4 − · · · ¾ + i ½ y − 1 3! y3 + 1 5! y5 − · · · ¾ = cos y + i sin y, que é e (y) que definimos na Eq.(5). Temos, assim, a fórmula de Euler, eiθ = cos θ + i sin θ. (29) 1.10 Expansão de Taylor para funções de muitas variáveis A generalização da fórmula na Eq.(19) para uma função que tem n variáveis é f (x1, x2, ..., xn) ' f (a1, a2, .., an) + 1 1! nX i=1 ∂f ∂ai (a1, a2, , ..., an) (xi − ai) + 1 2! nX i=1 nX j=1 ∂2f ∂ai∂aj (a1, a2, , ..., an) (xi − ai) (xj − aj) + 1 3! nX i=1 nX j=1 nX k=1 ∂3f ∂ai∂aj∂ak (a1, a2, , ..., an) (xi − ai) (xj − aj) (xk − ak) + · · · , (30) onde ∂f ∂ai (a1, a2, , ..., an) ≡ ∂f (x1, x2, ..., xn) ∂xi ¯¯¯¯ (x1=a1,x2=a2,,...,xn=an) etc. Exercício 32: Deduza a expressão (30), usando indução matemática. Exercício 33: Mostre que nX i1=1 nX i2=1 · · · nX ik=1 ∂kf ∂ai1∂ai2 · · · ∂aik (a1, a2, , ..., an) (xi1 − ai1) (xi2 − ai2) · · · (xik − aik) = " nX ik=1 (xi − ai) ∂ ∂ai #k f (a1, a2, ..., an) . 17 Vamos introduzir a notação vetorial. Escrevemos ∇ = ⎛ ⎜⎜⎜⎝ ∂ ∂x1 ∂ ∂x2 ... ∂ ∂xn ⎞ ⎟⎟⎟⎠ . Assim, podemos escrever9 nX ik=1 (xi − ai) ∂ ∂ai = ((r − a) ·∇) , onde r = ⎛ ⎜⎜⎜⎝ x1 x2 ... xn ⎞ ⎟⎟⎟⎠ e a = ⎛ ⎜⎜⎜⎝ a1 a2 ... an ⎞ ⎟⎟⎟⎠ . Exercício 34: Mostre que ea·∇f (x1, x2, .., xn) = f (x1 + a1, x2 + a2, · · · , xn + an) . 1.11 Derivada de funções com variáveis complexas A derivada de uma função com variável real é definida por df (x) dx = lim ∆x→0 f (x+∆x)− f (x) ∆x , caso exista o limite indicado. No caso de números complexos, como z tem dois graus de liberdades, z = x+ iy, temos que tomar cuidado com a existência do limite. Exercício 35: Calcule os dois limites: lim ∆y→0 ⎡ ⎣ lim ∆x→0 ∆xq (∆x)2 + (∆y)2 ⎤ ⎦ , lim ∆x→0 ⎡ ⎣ lim ∆y→0 ∆xq (∆x)2 + (∆y)2 ⎤ ⎦ , 9Note que (r − a) ·∇ 6= ∇ · (r − a) . 18 Se o limite df (z) dz = lim ∆z→0 f (z +∆z)− f (x) ∆z (31) existe, então, o valor do limite deve ser independente da direção de ∆z ao se aproximar do elemento 0. Ou seja, o valor lim ∆x→0, ∆y→0 f (x+ iy +∆x+ i∆y)− f (x+ iy) ∆x+ i∆y tem que ser independente da razão ∆x/∆y. Escrevendo f = u+ iv, u = u (x, y) , v = v(x, y), temos f (x+ iy +∆x+ i∆y) = u (x+∆x, y +∆y) + iv (x+∆x, y +∆y) = u (x, y) +∆x ∂u (x, y) ∂x +∆y ∂u (x, y) ∂y + · · · + i ∙ v (x, y) +∆x ∂v (x, y) ∂x +∆y ∂v (x, y) ∂y + · · · ¸ , onde usamos a expansão de Taylor em relação a x e y. Então, até a primeira ordem, temos f (z +∆z)− f (z) ∆z = 1 ∆x+ i∆y ½ ∆x ∙ ∂u (x, y) ∂x + i ∂v (x, y) ∂x ¸ +∆y ∙ ∂u (x, y) ∂y + i ∂v (x, y) ∂y ¸¾ . Para que esta expressão não dependa da razão ∆x/∆y, devemos ter ∙ ∂u (x, y) ∂y + i ∂v (x, y) ∂y ¸ = i ∙ ∂u (x, y) ∂x + i ∂v (x, y) ∂x ¸ . (32) Exercício 36: Confira a afirmação acima. Assim, como condição necessária e suficientepara que a função f (z) tenha a derivada Eq.(31), as derivadas parciais das partes reais e imaginárias têm que satisfazer a Eq.(32), ou seja, ∂u (x, y) ∂y = −∂v (x, y) ∂x , (33) ∂v (x, y) ∂y = ∂u (x, y) ∂x . (34) Estas são conhecidas como as condições de Cauchy-Riemann. Uma função f (z) é dita analítica no ponto z = z0 quando existe a derivada desta função neste ponto. 19 Exercício 37: Julgue se as funções abaixo são analíticas ou não nos pontos z = z0 indi- cados: f (z) = z + z∗, z0 = 1, f(z) = zz∗, z0 = 1, f(z) = z + 1 z − 1 , z0 = 0, f(z) = ez, z0 = 1 + i. Usando as condições de Cauchy-Riemann, podemos escrever de várias for- mas. df dz = ∂u (x, y) ∂x + i ∂v (x, y) ∂x = i ∂u (x, y) ∂x − ∂v (x, y) ∂x = ∂u (x, y) ∂x − i∂u (x, y) ∂y = i ∂v (x, y) ∂y − ∂v (x, y) ∂x . É interessante expressar as condições de Cauchy-Riemann em termos de linguagem de análise vetorial. Vamos introduzir o vetor tridimensional, A (x, y) = ⎛ ⎝ v (x, y) u (x, y) 0 ⎞ ⎠ . A divergência deste vetor fica ∇ · A ≡ ∂Ax ∂x + ∂Ay ∂y + ∂Az ∂z = ∂v ∂x + ∂y ∂y = 0, pela Eq.(33) (aqui z representa a coordenada Z e não o número complexo). Por outro lado, o rotacional, ∇× A ≡ ⎛ ⎜⎝ ∂Az ∂y − ∂Ay ∂z ∂Ax ∂z − ∂Az ∂x ∂Ay ∂x − ∂Ax ∂y ⎞ ⎟⎠ , fica ∇× A = ⎛ ⎝ 0 0 ∂u ∂x − ∂v ∂y ⎞ ⎠ = ⎛ ⎝ 0 0 0 ⎞ ⎠ , 20 pela Eq(34). Assim, temos ∇ · A = 0, (35) ∇× A = 0. (36) Sabemos que se ∇× A = 0, então, sempre existe uma função escalar ϕ tal que podemos escrever A = ∇ϕ. Exercício 38: Prove a afirmação acima. Então, substituindo na Eq.(35), temos ∇ ·∇ϕ = 0, ou seja ∇2ϕ = 0. Esta equação é conhecida como Equação de Laplace. Em geral, uma função que satisfaz a equação de Laplace é chamada de função harmônica. No caso de funções complexas, não há dependência na terceira componente, temos ϕ = ϕ (x, y) e µ ∂2 ∂x2 + ∂2 ∂y2 ¶ ϕ (x, y) = 0. Já que ∇2 (∇ϕ) = ∇ ¡ ∇2ϕ ¢ , temos também que ∇2 A = 0, ou seja ∇2 ⎛ ⎝ v (x, y) u (x, y) 0 ⎞ ⎠ = 0. (37) Isto é, ambas as partes real e imaginária de uma função complexa são funções harmônicas de variáveis x e y. Naturalmente, a Eq.(37) é demonstrada direta- mente das condições de Cauchy-Riemann, Eqs.(33,34). Exercício 39: Prove, diretamente das condições de Cauchy-Riemann, que ∇2u = 0, ∇2v = 0. 21 zo dz1 dz2 wo dw1 dw2 x y u v f(z) Figure 1: Fig.3 Mapeamento w = f (z) . Os vetores dz1 e dz2 são mapeados em dw1 e dw2, respectivamente, mantendo o ângulo entre eles. 22 Como mencionado antes, uma função de variável complexa f (z) define um mapeamento do plano (x, y) para o plano (u, v) . Para uma função analítica, este mapeamento possui a seguinte propriedade geométrica importante. Seja z0 um ponto onde f (z) é analítica e w0 = f (z0) , o ponto correspondente do ma- peamento. Sejam dz1 e dz2 dois deslocamentos infinitesimais a partir do ponto z = z0 no plano z = (x, y). Estes deslocamentos definem os deslocamentos in- finitesimais correspondentes no plano w = (u, v) (ver a figura acima). Podemos provar que o ângulo entre dois deslocamentos é preservado pelo mapeamento, ou seja, o ângulo entre dz1 e dz2 é idêntico ao ângulo entre dw1 e dw2. A prova é fácil. Como vimos, o ângulo entre dois deslocamentos dz1 e dz2 é dado por cos θz1∧z2 = (dz1, dz2) kdz1k kdz2k = dz∗1dz2 kdz1k kdz2k . Analogamente, o ângulo entre dw1 e dw2 fica cos θw1∧w2 = dw∗1dw2 kdw1k kdw2k . Mas dw1 = µ df dz ¶ z=z0 dz1, e dw2 = µ df dz ¶ z=z0 dz2, então temos cos θw1∧w2 = µ³ df dz ´ z=z0 dz1 ¶∗ ³ df dz ´ z=z0 dz2°°°°³ dfdz´z=z0 dz1 °°°°°°°°³ dfdz´z=z0 dz2 °°°° = dz∗1dz2 kdz1k kdz2k = cos θz1∧z2 . Exercício 40: Seja u+ iv = f (z) , z = x+ iy e f (z) uma função analítica num domínio Ω. Mostre que, dentro deste domínio, as curvas no plano (u, v) correspon- dentes a x = const. e y = const. se cruzam perpendicularmente. 1.12 Função Inversa Para uma função w = f (z) , (38) podemos considerar seu inverso, z = f−1 (z) . (39) Por exemplo, para w = z2, 23 temos z = w1/2. (40) Neste caso, como vimos, para um dado w, temos duas possibilidades para z, z1 = kwk1/2 ei argω/2 e z2 = kwk1/2 ei(argω/2−π) = −z1, e a função Eq.(40) tem valores múltiplos (função plurívoca). Estudaremos mais adiante a estrutura do mapeamento para funções plurívocas. No caso da função exponencial, w = ez, (41) podemos considerar o seu inverso z = log (w) . Em geral, temos w = kwk ei argw = elogkwk+i argw e, comparando com a Eq.(41), podemos identificar z = log kwk+ i argw. (42) Assim, podemos definir a função logaritmo como log (w) = log kwk+ i argw. (43) Exercício 41: Calcule log(z) para os seguintes valores de z : z = 1 + i, z = √ 3− i. 1.13 Alguns exemplos de funções complexas Usando a definição de log (z) , podemos definir a função mais geral de exponen- ciação za = ea log z, (44) sendo a complexo. Outras funções elementares são sin z = eiz − e−iz 2i , (45) cos z = eiz + e−iz 2 , (46) 24 que contêm a fórmula de Euler, e±iz = cos z ± i sin z. Igualmente, definimos as funções hiperbólicas por sinh z = ez − e−z 2 , (47) cosh z = ez + e−z 2 . (48) Inversamente, e±z = cosh z ± sinh z. No plano complexo, as funções trigonométricas e as funções hiperbólicas são essencialmente as mesmas. 1.14 Aplicação da propriedade harmônica de uma função analítica Vimos que as partes reais e imaginárias de uma função analítica são funções harmônicas. As funções harmônicas aparecem freqüentemente nos problemas de física. O mais conhecido é o potencial para o campo eletrostático. Suponha que é dada uma distribuição de densidade de carga elétrica (estática) ρ = ρ (r) . Sabemos que, pela Lei de Gauss, o campo elétrico E = E(r) satisfazI Ω E · dS = 1 ε0 QΩ, (49) onde Ω representa um domínio no espaço. A integração do lado esquerdo repre- senta a integração de área sobre toda a área do domínio Ω e QΩ é a carga total contida neste domínio. Podemos expressar a carga total dentro do domínio Ω pela integral de volume da densidade de carga, QΩ = Z Ω ρ d3V. (50) Mas, pelo Teorema de Gauss,I Ω E · dS = Z Ω ³ ∇ · E ´ d3V. (51) Exercício 42: Prove o teorema de Gauss, Eq.(51). 25 Substituindo as Eqs.(50,51), temosZ Ω µ ∇ · E − 1 ε0 ρ ¶ d3V = 0. Note que esta equação deve valer para qualquer Ω arbitrário. Concluímos que temos que ter ∇ · E − 1 ε0 ρ = 0. (52) Por outro lado, pela lei de Faraday, a variação de fluxo magnético gera uma corrente elétrica de acordo comZ S dS · ∂ B ∂t = − I S E · dl, (53) onde a integral do lado esquerdo representa a integral de área numa superfície S e a integral do lado direito é a integral de linha ao longo do contorno da superfície S. Mas, como o teorema de Stokes dizI S E · dl = Z S dS · ³ ∇× E ´ , (54) temos Z s dS · à ∂ B ∂t +∇× E ! = 0. Já que esta equação vale para qualquer superfície arbitrária, temos que ter ∂ B ∂t +∇× E = 0. (55) Em particular, para o caso estático, ∂ B ∂t = 0, e portanto ∇× E = 0. (56) Exercício 43: Prove o teorema de Stokes, Eq.(54). Como o rotacional do campo elétrico se anula no caso estático, existe um campo escalar ϕ = ϕ (r) tal que E = −∇ϕ. (57) Substituindo esta expressão na Eq.(52), temos ∇2ϕ = − 1 ε0 ρ. 26 Em particular, se ρ = 0, então ∇2ϕ = 0, ou µ ∂2 ∂x2 + ∂2 ∂y2 + ∂2 ∂y2 ¶ ϕ = 0. Se não há dependência em z (não o número complexo, mas o terceiro eixo!), temos µ ∂2 ∂x2+ ∂2 ∂y2 ¶ ϕ = 0. (58) Um outro problema em que aparece a função harmônica é o movimento de fluidos. Vamos considerar um fluido perfeito. A dinâmica do fluido pode ser descrita em termos da distribuição de densidade, ρ = ρ (r, t) , e do campo de velocidades, v = v (r, t) . Quando o movimento do fluido possui vórtice, a integral em volta do vórtice ao longo do movimento do fluido I Γ d l · v, (59) onde Γ representa uma curva fechada, certamente tem um valor positivo, pois sempre podemos escolher d l · v > 0. Desta forma, quando existe um vórtice, a integral Eq.(59) não é nula. A integral é chamada de “circulação”. Quando a circulação é nula para todo espaço, temosI Γ d l · v = 0, ∀Γ, e então usando o teorema de Stokes,I Γ d S · (∇× v) = 0, ∀Γ onde S é a superfície cercada pela curva Γ. Como Γ é arbitrário, temos ∇× v = 0, ∀r. Quando acontece isto, dizemos que o movimento de fluido é irrotacional e existe uma função escalar ϕ tal que v = ∇ϕ. (60) A função ϕ é chamada de potencial do campo de velocidade v. 27 O movimento de um fluido, em geral, conserva a massa (ou número de partículas), e, portanto, satisfaz a equação de continuidade, ∂ρ ∂t +∇ · (ρv) = 0. (61) Exercício 44: Deduza a equação de continuidade acima. Suponhamos que o fluido é imcompressível. Neste caso, a densidade ρ é uma constante, ρ = ρ0. Então, da Eq.(61), temos ∇ · v = 0. (62) Substituindo a Eq.(60) na Eq.(62), temos ∇2ϕ = 0. Isto é, quando um fluido incompressível tem movimento irrotacional, o potencial do campo de velocidade é uma função harmônica. Quando o fluido é homogêneo na direção Z, então temos a equação Eq.(58). A equação (58) é válida tanto no caso de campo elétrostático sem fonte, quanto para o potencial de campo de velocidade irrotacional e imcompressível. Naturalmente, se houver fonte, ou carga, a Eq.(58) não é satisfeita. Analoga- mente para um fluido cujo movimento é rotacional, ou a densidade é variável, não vale a Eq.(58). Por exemplo, vamos considerar uma função, w = C log z, onde C é uma constante. Colocando w = u+ iv, z = x+ iy, temos u = log kzk = logC + log p x2 + y2 = log r + Const, v = arg z = tan−1 y x . Vamos escolher ϕ = A u (x, y) , onde A é uma constante a ser determinada. Fazendo com que este ϕ seja um potencial eletrostático, temos o campo elétricocorrespondente, E = −∇ϕ = −A1 r er, (63) onde r = p x2 + y2 é a distância radial da origem e er é um vetor unitário radial. Assim, o campo elétrico está sempre na direção radial e tem a mesma intensidade para o mesmo valor de r = p x2 + y2 (ver a figura abaixo). 28 r=const. x y E σ Fig. 4 Campo Elétrico em torno de linha reta carregada homogeneamente. Considerando a integral do campo E sobre a superfície de um cilindro de raio r e comprimento L, temos 2πrLE = −2πLA = const. Pela Lei de Gauss, isto tem que ser igual à carga total dentro do cilindro. Desta forma, concluímos que a situação física correspondente à Eq.(63) é o campo gerado por um fio infinito, carregado homogeneamente, com densidade linear σ = −2πAε0. Daí, temos A = − σ 2πε0 . Podemos interpretar a mesma solução como o campo de velocidades de um fluido incompressível e irrotacional. Fazendo ϕ = u (x, y) , o campo de velocidades fica v = ∇ϕ. Novamente, a velocidade é radial, saindo da origem. A situação física corre- sponde a um sistema com uma fonte de fluido na origem, com taxa constante, no qual o fluido escoa no plano x− y espalhando homogeneamente. Nas duas interpretações acima, note que o ponto de origem r = 0 é um ponto singular da solução. Exercício 45: Podemos escolher v = ϕ. Interprete a situação física correspondente a esta escolha. 29 Exercício 46: Desenhe as linhas equipotenciais (ϕ = const. seja ϕ = u, ou ϕ = v) da função harmônica dada pelas seguintes funções complexas e interprete a situação física: u+ iv = log(z + 1)− log(z − 1), u+ iv = z2, u+ iv = z1/2. 1.15 Funções Plurívocas e Superfície de Riemann Uma função de z pode ter múltiplos valores para um dado z como no exemplo f (z) = z1/2, ou f (z) = log(z). No caso de log (z) , já que f (z) = log kzk+ i arg z, dependendo de como se mede o ângulo de z no plano (x, y) , o valor de f muda. Por exemplo, para um dado z, o ângulo pode ser o valor principal de tan−1 ³y x ´ , mas também vale tan−1 ³y x ´ + 2nπ, para qualquer n inteiro. Por outro lado, é importante ter a correspondência um a um para se definir a analiticidade do mapeamento de z para w. Assim, de acordo com a necessidade, introduzimos mais planos (x, y) para z. Por exemplo, no caso de log (z) , para cada volta do vetor z em torno da origem, em vez de voltar ao mesmo plano (x, y) , entra na folha acima, como é mostrado na figura abaixo. Fig. 5 Superfície de Riemann para a função log (z). 30 ou Fig. 6 Idem a Fig.5 O espaço onde z é definido fica generalizado o plano (x, y). Em vez de uma folha plana, é agora as várias folhas subindo na forma espiral indefinidamente. Neste espaço, a função log (z) é definida univocamente. Este espaço para a variável z onde a função é definida univocamente é chamado de folha (superfície) de Riemann. A estrutura topológica da superfície de Riemann depende da função. No caso de log(z), precisamos de infinitas folhas espiralmente enroladas em torno da origem. Mas, para a função f (z) = z1/2, a superfície se torna a folha original quando se faz duas voltas em torno da origem. Ver a figura abaixo. Fig. 7 Superfície de Riemann para a função z1/2. Exercício 47: Que tipo de função cuja superfície de Riemann é demostrada na figura (o espaço em torno da origem é para facilitar a visão e não tem significado aqui)? 31 Fig. 8 Superfície de Riemann que tem 3 folhas. Exercício 48: Desenhe a superfície de Riemann para as seguintes funções: f (z) = ¡ 1− z2 ¢1/2 , f (z) = ¡ z2 − 1 ¢1/2 . 1.16 Problemas 1. Consideremos uma série S1 (z) = 1 + z + z 2 + z3 + · · ·+ zn + · · · e definamos Sp (z) = (S1 (z)) p , onde p é um número inteiro maior que zero. (a) Pela indução matemática em relação a n, mostre que 1 + p+ p(p+ 1) 2! + · · ·+ p(p+ 1) (p+ 2) · · · (p+ n− 1) n! = 1 n! (p+ 1) (p+ 2) · · · (p+ n) . (b) Usando o resultado acima, mostre que Sp (z) = X n≥0 µ p+ n− 1 n ¶ zn, onde µ k n ¶ = Cn,k = k! n! (n− k)! é o número combinatório. 32 (c) Pela definição, sabemos que Sp (z)Sq (z) = Sp+q (z) para p, q inteiros positivos. Usando este fato, demostre queX 0≤l≤n µ p+ l − 1 l ¶µ q + n− l − 1 n− l ¶ = µ p+ q + n− 1 n ¶ 2. Sejam x, y reais e n inteiro positivo e x 6= 2πk (k inteiro). Mostre que nX p=0 cos (px+ y) = cos ¡ n 2x+ y ¢ sin ¡ n+1 2 x ¢ sin ¡ x 2 ¢ , nX p=0 sin (px+ y) = sin ¡ n 2x+ y ¢ sin ¡ n+1 2 x ¢ sin ¡ x 2 ¢ . (dica: use a fórmula de Euler e a série geométrica). 3. Usando a definição, Eqs.(47,48), mostre que sin (iz) = i sinh(z), cos(iz) = cosh(z). Mostre também que cos2 (z) + sin2 (z) = 1, cosh2 (z)− sinh2 (z) = 1. 4. Para x real, mostre que sinh−1 x = log ³ x+ p x2 + 1 ´ , cosh−1 x = log ³ x+ p x2 − 1 ´ , tanh−1 x = 1 2 log 1 + x 1− x. 5. Para z = x+ iy, (a) Mostre ksin zk2 = sin2 x+ sinh2 y, kcos zk2 = cos2 x+ sinh2 y. (b) Determine os zeros das funções sin (az) , cos (az) , sendo a real. 33 6. Vamos resolver a equação algébrica de terceira ordem, x3 + ax2 + bx+ c = 0. (a) Pela mudança de variável, z = x+ d, e escolhendo d adequadamente, podemos sempre transformar a equação acima em z3 + pz + q = 0. (64) (forma padrão para a equação de terceira ordem). (b) Introduzimosainda a nova mudança de variável, u µ t+ 1 t ¶ = z, e, substituindo na Eq.(64), teremos termos t3, 1/t3, t, 1/t e const. Escolhendo u apropriadamente, podemos eliminar os termos t e 1/t. Determine u. (c) A equação que resta tem a forma t3 + 1 t3 = Const. Chamando t3 = X, a equação se reduz a uma equação de segunda ordem em X. Resolva a equação. (d) Expresse as 3 soluções explicitamente em função de p e q. 1.17 Integral de uma função de variável complexa Para uma função de variável real, a integral é definida como o limite de n→∞ da soma, nX i=1 f (xi) dxi onde nX i=1 dxi = b− a, Este é um exemplo de integral de linha, onde, neste caso, a linha é uma reta, ou seja o eixo x. No caso da variável complexa, o plano z tem duas dimensões e, portanto, para definir a integral tipoZ f (z) dz, 34 devemos especificar uma trajetória de z durante a integração. Para isto, deno- tamos um caminho C abaixo do sinal de integral, que ficaZ C dz f (z) = lim N→∞ NX n f(zi)dzi, onde N é o número de segmentos que divide a curva C, e dzi é o intervalo (complexo) correspondente a esse segmento. Ou seja, esta integral é definida como o limite da soma dos valores da função f (z) multiplicado pelo passo dz, ao longo da curva C como ilustrado na figura abaixo. x=Re(z) y=Im(z) dz=dx+i dy C dx dy Fig.9 Integral de linha no plano complexo. Separando a parte real e a parte imaginária, a integral acima ficaZ f (z) dz = Z C (u (x, y) + iv (x, y)) (dx+ idy) = Z C (udx− vdy) + i Z C (vdx+ udy) . (65) Para se ter uma melhor visualização, vamos introduzir a notação vetorial que já introduzimos anteriormente. A = ⎛ ⎝ v (x, y) u (x, y) 0 ⎞ ⎠ , Vimos que as condições de Cauchy-Riemann ficam ∇ · A = 0, e ∇× A = 0. 35 A parte real da Eq.(65) ficaZ C (udx− vdy) = Z C (Aydx−Axdy) . (66) Aqui, não há dependencia na terceira componente do vetor r, mas vamos imag- inar que existe o terceiro eixo ζ (seria z, mas usamos o símbolo ζ para evitar a confusão com z do número complexo). Todas as quantidades são constantes nesta direção. y=Im(z) ζ dζ C C´ x=Re(z) Fig. 10 Extensão da Fig.9 na direção perpendicular ao plano (x, y). Ou seja, introduzimos uma nova direção perpendicular ao plano complexo (x, y) e consideramos a fita formada de curvas C no plano (x, y) original e outra idên- tica C 0, mas deslocada na direção ζ por dζ (ver, na figura acima, a área trace- jada). O vetor normal do elemento de área nesta fita, formado de deslocamento dz = (dx, dy) no plano z e dζ na direção ζ é dS = ⎛ ⎝ dydζ −dxdζ 0 ⎞ ⎠ . Assim, a parte real, Eq.(66) pode ser escrita comoZ C (Aydx−Axdy) = − 1 dζ Z S dS · A (67) onde S representa a área da fita. Vamos considerar a parte imaginária da 65. A parte imaginária fica escrita como Z C (vdx+ udy) = Z C A · dr, (68) 36 já que a componente ζ de A é nula. Quando a curva C é uma curva fechada, então I C (vdx+ udy) = I C A · dr mas, usando o teorema de Stokes, temosI C (vdx+ udy) = Z Z S ³ ∇× A ´ · dσ, onde S é a superfície arbitrária cujo contorno é a curva C, e dσ é o elemento de superfície. Como ∇× A = 0 pelas condições de Cauchy-Riemann, temosI C (vdx+ udy) = 0. Para a parte real, (67), I C (udx− vdy) = − 1 dζ I S dS · A, onde S agora representa a superfície do cilindro formado pela fita C e C 0. Com- pletamos os dois lados do cilíndro sem alterar a integral, pois a componente de A é nula na direção ζ. Usando o teorema de Gauss, temosI C (udx− vdy) = − 1 dζ Z Z Z dV ³ ∇ · A ´ , onde a integral de volume se refere ao volume do cilindro. Como ∇ · A = 0 pelas condições de Cauchy-Riemann, temosI C (udx− vdy) = 0. Finalmente concluímos que, para uma curva fechada,I C f (z) dz = 0, (69) se f (z) é analítica dentro da área com contorno sendo a curva C. Baseamos a prova acima nos teoremas de Gauss e Stokes nas suas represen- tações vetoriais, mas podemos provar, até mais diretamante, usando diretamente as Eqs.(33,34). Lembramos que a integral no plano complexo é a integral de linha, e, portanto, tem noção de direção. Por exemplo, as duas integrais ao longo da mesma curva C, mas com direções opostas têm mesmo valor, exceto pelo sinal. Exercício 49: Prove a Eq.(69) diretamente da condição de Cauchy-Riemann, Eqs.(33,34), sem usar o recurso da notação vetorial. 37 1.17.1 Cortes e Pontos de ramificação O teorema de Cauchy, Eq.(69), tem um papel fundamental na teoria de funções de variável complexa. Uma coisa que deve ser enfatizada é que, quando se aplica o teorema acima, deve-se utilizar a superfície de Riemann de tal forma que a função seja bem definida univocamente. Ou seja, quando há mais de uma folha de Riemann para definir a função univocamente, o contorno da integral, C, tem que ser definido em cada folha, e quando duas folhas se cruzam, a curva C tem que acompanhar continuamente uma das folhas. Por exemplo, vamos considerar a integral, I = Z C z1/2dz. Como vimos, a superfície de Riemann para função, f (z) = z1/2 é mostrada na Fig.7, tendo duas folhas, que se cruzam no eixo x positivo. A B B´ A´ Im(z) Re(z) 1a Folha 2a Folha Im(z) Re(z) Fig.11 Duas folhas de Riemann para função f (z) = z1/2. Cada folha tem corte no eixo x positivo. Para mostrar a estrutura da superfície de Riemann, freqüentemente se usa uma figura como a Fig.11 acima. A variável z pode estar numa das folhas. Cada folha tem corte no eixo x positivo, e o segmento A da primeira folha está conectado continuamente no segmento A0 da segunda folha, e o segumento B0 da segunda folha está conectado com o segmento B da primeira folha. Definindo a função f (z) = z1/2 em cima desta superfície de Riemann, f (z) é analítica exceto no ponto z = 0. O ponto z = 0 neste caso é chamado de ponto de ramificação. Note que lim y→+0 (x+ iy)1/2 6= lim y→−0 (x+ iy)1/2 numa mesma folha. Para aplicar o teorema de Cauchy, a curva fechada tem que ser definida nesta superfície. Assim, a curva como na figura abaixo, 38 Re(z) Im(z) I II C Fig. 12 O contorno C para a integral R C z 1/2dz. possui a região I e a região II que têm que estar em folhas distintas. Ou seja, se 0 ≤ arg z ≤ π 2 para o contorno enquanto integrando na região I, então devemos usar o ramo, 7π 2 ≤ arg z ≤ 4π, e não 3π 2 ≤ arg z ≤ 2π. Exercício 50: Efetue a integração de linha no plano complexo diretamente da integralZ C z1/2dz onde C é indicada na figura abaixo. r=const r=const. 2 - 2i1-i -1-i -2 - 2i Re(z) Im(z) Fig. 13 39 1.17.2 Pólos A função f (z) = 1 z − z0 , onde z0 é uma constante (complexa) é analítica em todo plano, exceto no ponto z = z0. Um ponto singular isolado como este é chamado de pólo. Pelo teorema de Cauchy, para qualquer contorno C que não contém o pólo, z = z0, dentro, a integral I C f (z) dz = 0. z = z0 Re(z) Im(z) C Fig. 14 Contorno que não contém o pólo z = z0. Na figura acima, mostramos um exemplo deste contorno que não contém o pólo z = z0. O fato de que a integral se anula não depende da forma do contorno, mas depende somente do fato de que o contorno contém o pólo dentro da sua área interna ou não. Assim, podemos deformar o contorno arbitrariamente sem alterar o valor da integral, desde que o contorno não atravesse o pólo. Assim, a integral ao longo do contorno na figura abaixo também é nula. 40 z = z0 Re(z) Im(z) C Fig. 15 Deformação do contorno sem alterar o valor da integral. Mas, como mencionamos anteriormente, se houver o passo da integral de ida e volta no mesmo caminho, a soma das integrais se anulam, pois a ida e volta tem o mesmo valorde integral com sinais diferentes. Finalmente, podemos concluir que mesmo que o domínio da integral tenha topologia multiplamente conexa, para a integral sobre a curva fechada ao redor de um domínio que não contém pólos, vale o teorema de Cauchy. z = z0 Re(z) Im(z) C As integrais se cancelam. Fig. 16 Integral sobre o contorno de um domínio que é multiplamente conexo. Note que a direção da integral do contorno interno é a oposta da do externo. No exemplo acima, a integral pode ser decomposta em duas partes: uma sendo a integral ao longo do contorno externo e outra, a integral ao longo do contorno interno, com a direção contrária. TemosI C f (z) dz = I ext. f (z) dz − I int. f (z) dz = 0. 41 Desta forma, concluímos queI ext. f (z) dz = I int. f (z) dz. Como as formas dos contornos externos e internos são arbitrárias, podemos con- cluir que a integral em torno de um pólo tem um valor constante, independente da forma do contorno. Usando este fato, podemos calcular a integralI C f (z) dz, onde C é um contorno que contém o pólo z = z0. Já que o valor da integral não depende da forma do contorno, podems escolher o contorno circular de raio R com o centro z = z0. I C f (z) dz = I |z−z0|=R 1 z − z0 dz. (70) Já que |z − z0| = R, podemos parametrizar z por z − z0 = R eiθ. Com isto, temos dz = iR eiθdθ, e portanto I |z−z0|=R 1 z − z0 dz = Z 2π 0 iR eiθ R eiθ dθ = 2πi. (71) Note que o resultado da integral não depende do valor do raio R, o que já era esperado (não depende do contorno). Exercício 51: Usando a mudança de variável, z = R eiθ, calcule a integral Z C z1/2dz, onde C é a circunferência de raio R centrada na origem, com o ponto inicial zi = R + i 0 e o ponto final zf = R − i 0 como ilustrado na figura abaixo. Interprete o resultado em relação ao teorema de Cauchy. 42 Re(z) Im(z) R z=R+0 i z=R - 0 i Fig.17 Caminho de integração. 1.18 Função primitiva Para uma função analítica, pelo teorema de Cauchy, a integral sobre uma curva fechada é nula. Vamos considerar as duas integrais através de diferentes cam- inhos, C1 e C2, mas ambas de um certo ponto comum, z = a, até o ponto z = z. I1(z : C1) = Z z a, C1 f (z) dz, I2(z : C2) = Z z a, C2 f (z) dz. A diferença I1(z : C1)− I2(z : C2) = Z z a, C1 f (z) dz − Z z a, C2 f (z) dz = Z z a, C1 f (z) dz − Z a z, C2 f (z) dz = I C1+C2 f(z)dz = 0, se f(z) é analítica dentro do domínio cujo contorno é a curva fechada, formada por C1 (ida) e C2 (volta) . Concluímos que a integralZ z a, C1 f (z) dz 43 na verdade não depende do caminho, desde que f (z) seja uma função analíica. Isto implica que a integral depende só do valor dos pontos inicial e final. Podemos escrever F (z) = Z z a f (z) dz. (72) Podemos mostrar que dF (z) dz = f (z) . (73) Como no caso da função de variável real, chamamos F (z) de função primitiva de f (z) . Exercício 52: Mostre que as partes real e imaginária da função F (z) definida na Eq.(72) satisfazem as condições de Cauchy-Riemann, e, portanto, F (z) é uma função analítica. Exercício 53: Prove a Eq.(73). Da Eq.(73), podemos obter a função primitiva de uma dada função de uma variável complexa em termos de função primitiva no caso de variável real. Por exemplo, Z z 1 z dz = log (z) , (74)Z z zαdz = 1 α+ 1 zα+1, α 6= −1. (75) ... Exercício 54: Usando a Eq.(74), mostre queI Ω30 1 z dz = 2πi. 1.19 Fórmula Integral de Cauchy Quando existem alguns pontos singulares ou cortes, naturalmente a afirmação acima deve ser alterada. Por exemplo, seja o integrando uma função analítica, exceto pelo ponto z = z0, que é um pólo da função. Podemos considerar então a integral Z b a f (z) z − z0 dz, onde f (z) é uma função analítica em todo espaço complexo. Na figura abaixo, as integrais Z b a f (z) z − z0 dz para o grupo de caminhos {C1, C2, C3} (linhas contínuas) têm mesmo valor, e idem para o outro grupo {D1,D2,D3} (linhas tracejadas), embora sejam difer- entes entre os dois grupos. 44 C1 C2C3 D1D2 D3 Polo z=z0 Re(z) Im(z) z=a z=b Fig. 18 Os caminhos C1, C2 e C3 resultam no mesmo valor da integral e idem para D1,D2 e D3, mas existem valores distintos entre os grupos de caminhos C 0s e D0s, devido à presença do pólo em z0. Para calcular a diferença, devemos calcular a integral em volta do pólo z = z0, I = I z0∈Ω f (z) z − z0 dz, onde a integral é feita em torno de um domínio Ω que contém o pólo z = z0. Já que o integrando f (z) /(z − z0) é analítico exceto em z = z0, podemos usar o mesmo argumento usado para a Eq.(70), e escolhemos como a curva fechada a circunferência de raio R, I = I |z−z0|=R f (z) z − z0 dz. como o valor da integral não deve depender do raio, podemos escolher R infini- tesimalmente pequeno, I = lim R→0 I |z−z0|=R f (z) z − z0 dz. Este limite pode ser calculado da seguinte forma: I = lim R→0 I |z−z0|=R f (z)− f (z0) + f (z0) z − z0 dz = lim R→0 I |z−z0|=R f (z)− f (z0) z − z0 dz + f (z0) lim R→0 I |z−z0|=R 1 z − z0 dz = lim R→0 I |z−z0|=R f (z)− f (z0) z − z0 dz + 2πi f (z0) , 45 onde utilizamos o resultado da Eq.(71). O primeiro termo no limite de R → 0 se anula. Isto porque, se R → 0, então f (z) − f (z0) → 0, já que f (z) é analítica. Naturalmente só este fato não garante que a integral se anula, pois o denominador também tende a zero. Mas a circunferência da integral também tende a zero, portanto, no total, a integral deve tender a zero. Tendo esta idéia, podemos prosseguir com o seguinte argumento.¯¯¯¯ ¯¯¯ lim R→0 I |z−z0|=R f (z)− f (z0) z − z0 dz ¯¯¯¯ ¯¯¯ ≤ lim R→0 I |z−z0|=R ¯¯¯¯ f (z)− f (z0) z − z0 dz ¯¯¯¯ ≤ lim R→0 max |f (z)− f (z0)| I |z−z0|=R ¯¯¯¯ 1 z − z0 dz ¯¯¯¯ = lim R→0 max |f (z)− f (z0)| Z 2π 0 1 R Rdθ = 2π lim R→0 max |f (z)− f (z0)|→ 0. Finalmente, temos a fórmula integral de Cauchy para uma função analítica em Ω, 2πi f (z0) = I Ω 3 z0 f (z) z − z0 dz. Como z0 é arbitrário, podemos substituir z0 por z e, ao mesmo tempo, z por z0, obtendo a forma conhecida como a fórmula integral de Cauchy f (z) = 1 2πi I Ω 3 z f (z0) z0 − z dz 0. (76) A equação acima vale para qualquer função f (z) desde que seja analítica no domínio Ω. Inversamente, se uma função f (z) satisfaz a equação (76) para qualquer z dentro de um domínio Ω, podemos concluir que f (z) é analítica em Ω. A fórmula acima pode ser usada para expressar a derivada de uma função na forma integral. Se tomarmos a derivada em relação a z dos dois lados da Eq.(76) acima, obtemos df (z) dz = 1 2πi I Ω 3 z f (z0) (z0 − z)2 dz0. Analogamente, a n-ésima derivada fica dnf (z) dzn = n! 2πi I Ω 3 z f (z0) (z0 − z)n+1 dz0. (77) 46 Exercício 55: Efetuando integral de linha no plano complexo explicitamente, verifique que f (z) = 1 2πi I |z0−z|=R f (z0) z0 − z dz 0. para f (z) = z2, f (z) = exp (z) . Dica: Use a mudança de variável, z0 = z +R eiθ. 1.20 Série de Taylor A fórmula integral de Cauchy pode ser usada para obter a expansão em série de potências de z de uma função analítica f (z) em torno de um ponto arbitrário z = a. Para isso, deve-se observar que 1 z0 − z = 1 z0 − a− (z − a) = 1 (z0 − a) (1− z−az0−a) = ∞X n=0 (z − a)n (z0 − a)n+1 , (78) para |z − a| suficientemente pequeno. Exercício 56: Verifique a expansão, Eq.(78). Substituindo a Eq.(78) na Eq.(76), f (z) = 1 2πi I Ω 3 z ∞X n=0 (z − a)n (z0 − a)n+1 f (z0) dz0. Supondo que a convergência é homogênea, trocando a soma e aintegral, temos f (z) = 1 2πi ∞X n=0 (z − a)n I Ω 3 z f (z0) (z0 − a)n+1 dz0. Mas usando a Eq.(77), temos f (z) = ∞X n=0 1 n! dnf(a) dzz (z − a)n , 47 que é a série de Taylor da função f (z) em torno do ponto z = a. O raio de convergência pode ser calculado pelo critério de Cauchy para uma série, R = lim n→∞ ¯¯¯¯ an an+1 ¯¯¯¯ = lim n→∞ (n+ 1) ¯¯¯¯ dnf (a) /dzn dn+1f (a) /dzn+1 ¯¯¯¯ . Dentro do raio de convergência, a função f (z) é analítica. 1.21 Continuação Analítica Um dos conceitos importantes para funções de um variável complexa é a contin- uação analítica. Usando a continuação analítica, podemos extender uma função definida num domínio limitado para outro domínio. Para isto, começamos com o seguinte teorema. Teorema: Em um domínio D conexo, consideremos uma função analítica f (z). Seja z0 ∈ D. As seguintes condições são equivalentes entre si: (a) Para um número inteiro n ≥ 0 arbitrário, dnf (z0) dzn = 0. (b) f (z) é identicamente nula em uma vizinhança de z0. (c) f (z) é identicamente nula no domínio inteiro D. Isto é, a função analítica que é nula em um domínio finito é identicamente nula sempre. Este fato pode ser usado para o princípio de continuação analítica. Princípio de Continuação Analítica: Seja D um domínio conexo. Se duas funções analíticas f (z) e g (z) coin- cidem em uma vizinhança de um ponto z0 ∈ D, então f e g são idênticas em D. Por exemplo, vamos considerar as seguintes séries. f (z) = ∞X n=0 zn, (79) g(z) = i ∞X n=0 in (z − 1− i)n . (80) A série f (z) converge quando kzk < 1, ou seja, dentro do disco de raio 1 centrado na origem (o disco I da figura abaixo) e a série g (z) converge quando, kz − 1− ik < 1, 48 I II Re(z) Im(z) z=1+i z=0 z=1+0 i Figure 2: Fig. 19 A série f (z) converge no disco I e a série g (z) converge no disco II. ou seja dentro do disco de raio 1 centrado no ponto z = 1 + i (o disco II da figura abaixo). Mas quando a série converge, f = 1 + z + z2 + · · · = 1 1− z , e, analogamente, g = i 1 1− i (z − 1− i) = 1 1− z . Assim, f ≡ g na área onde ambas convergem, ou seja na área de superposição dos dois discos acima. Desta forma, g é a continuação analítica da série f (z) do disco I para o disco II, e vice versa. Ao mesmo tempo, a função h (z) = 1 1− z (81) é a continuação analítica para o todo espaço das duas séries, f (z) e g (z). Neste exemplo, as duas séries podem ser somadas para se obter uma ex- pressão analítica, Eq.(81), mas, no caso geral, a soma da série não precisa nec- essariamente estar expressa em termos de uma função conhecida. Mesmo assim, 49 o procedimento de continuação analítica é sempre possível e, a partir de uma série que converge num pequeno domínio, podemos construir uma função que tem domínio estendido a todo espaço, exceto pontos singulares, tais como pólos e cortes, emendando os discos de domínio de convergência um a um. No exemplo acima, as séries, f (z) e g(z) são as expansões de Taylor da função h(z) nos pontos z = 0 e z = 1 + i, respectivamente. Os raios de convergência são ambos iguais a 1. Isto devido à existência do pólo, z = 1, da função h (z) . Em geral, o raio da convergência de uma série de Taylor é determinado pela presença do ponto não analítico da função mais próximo do ponto da expansão. Por exemplo, se expandimos a função h (z) em torno do ponto z = −1, a série tem o raio de convergência R = 2. Exercício 57: Obtenha a expressão da série de Taylor da função Eq.(81) em torno do ponto z = z0 e mostre que o raio de convergência é dado pela distância entre os pontos, z = z0 e z = 1. 1.22 Série de Laurent Quando existe um ou mais pólos, o raio do disco onde a série de Taylor converge não pode ser maior que a distância ao pólo mais próximo. Ou seja, o domínio de convergênicia sempre fica “barrado” pela existência de um pólo. Desta forma, o domínio de convergência de uma série de Taylor não pode contornar um pólo. Por outro lado, existe uma forma de série que converge dentro de um anel excluindo o pólo da função. Re(z) Im(z) z=z0 R1 R2 z=a R=|z0-a| Fig.20 Domínio para a série de Laurent para uma função que tem um pólo em z = z0. A série de Taylor em torno do ponto z = a converge dentro do disco com o raio |a− z0|. Suponha que a função f (z) tenha um ponto singular em z = z0. A série de Taylor desta função em torno do ponto z = a só converge dentro do disco com o 50 raio R = |a− z0|. Consideremos um anel em torno de z = z0 com o raio externo R1 e o raio interno R2 e suponhamos que a função f (z) seja analítica dentro deste anel. Usando a fórmula integral de Cauchy, podemos escrever f (z) = 1 2πi I Ω f (z0) z0 − z dz 0, onde Ω representa o anel e a integral deve ser feita ao longo dos contornos do anel. Então, a expressão acima fica f (z) = 1 2πi I |z−z0|=R1 f (z0) z0 − z dz 0 − 1 2πi I |z−z0|=R2 f (z0) z0 − z dz 0. (82) Agora, como vimos, 1 z0 − z = 1 z0 − z0 − (z − z0) , e, para |z0 − z0| > |z − z0| , vale a expansão 1 z0 − z0 − (z − z0) = 1 z0 − z0 1 1− z−z0z0−z0 (83) = 1 z0 − z0 ∞X n=0 µ z − z0 z0 − z0 ¶n . (84) A condição |z0 − z0| > |z − z0| é satisfeita só para o primeiro termo do lado direito da Eq.(82), mas não para o segundo termo. Para o segundo termo, |z − z0| > |z0 − z0|, e temos que trocar a variável da expansão em série, 1 z0 − z0 − (z − z0) = − 1 z − z0 − (z0 − z0) = − 1 z − z0 ∞X n=0 µ z0 − z0 z − z0 ¶n . (85) Agora, vamos substituir as Eqs.(84,85) nos lugares respectivos na Eq.(82). Temos f (z) = 1 2πi I |z−z0|=R1 1 z0 − z0 ∞X n=0 µ z − z0 z0 − z0 ¶n f (z0) dz0 + 1 2πi I |z−z0|=R2 1 z − z0 ∞X n=0 µ z0 − z0 z − z0 ¶n f (z0) dz0 = ∞X n=−∞ cn (z − z0)n , (86) onde cn = 1 2πi I |z−z0|=R1 µ 1 z0 − z0 ¶n+1 f (z0) dz0, (87) 51 para n ≥ 0 e cn = 1 2πi I |z−z0|=R2 (z0 − z0)−n−1 f (z0) dz0, (88) para n < 0. Note que, desta vez, não vale a fórmula, Eq.(77), pois a função f (z) não é analítica em z = z0. A série Eq.(86) é chamada de série de Laurent. Já que o contorno da integração pode ser deformado arbitrariamente dentro do domínio onde f (z) é analítica, as expressões (87,88) podem ser unificada simplesmente: cn = 1 2πi I C (z0 − z0)−n−1 f (z0) dz0, −∞ < n <∞, onde C é um contorno qualquer a volta do ponto z = z0 dentro do anel onde f (z) é analítica. Dependendo da função, a série de Laurent não necessariamente possuirá todos os termos. Vamos considerar uma série de Laurent para uma função f(z) em torno de um ponto z = z0, inclusive sua vizinhança infinitesimalmente próxima. Se esta série tem os termos de potência negativa em relação a (z − z0) , o ponto z = z0 é chamado pólo. Para um pólo de uma função, quando existe um número N > 0, tal que para n < −N, todos os coeficientes se anulam, cn = 0, então, o menor número N é chamado a ordem do pólo da função f (z). Uma função que tem um pólo de ordem N em z = z0, então, tem a forma, f (z) = ∞X n≥−N cn (z − z0)n . (89) Naturalmente, quando a ordem do pólo da função f (z) for menor que zero, a série de Laurent coincide com a de Taylor e a função é analítica em z = z0. Note que, para determinar a ordem de pólo da forma acima descrita, é importante que a validade da série de Laurent se extenda até a vizinhança do pólo. Uma mesma função pode ser expandida em série de Taylor e em série de Laurent. Por exemplo, vamos considerar novamente a função f (z) = 1 1− z . (90) Já vimos que podemos expandir em série de Taylor em torno de z = 0, f (z) = 1 + z + z2 + · · · , que converge no disco de |z| < 1. 52 Agora, podemos escrever tambémf (z) = −1 z 1 1− 1/z = −1 z µ 1 + 1 z + 1 z2 + · · · ¶ = − ∞X n=1 1 zn , (91) que converge em |z| > 1, (92) que é a expansão de Laurent da função Eq.(90). Às vezes a forma Eq.(91) é chamada de expansão de Taylor em torno de z =∞. Como a validade da série Eq.(91) não alcança a vizinhança do ponto z = 0, esta série não dá informaçã0 sobre a natureza do ponto z = 0. Na verdade, z = 0 é um ponto regular da função, como sabemos da Eq.(90). Quando uma série de Laurent em torno de um ponto z = z0, incluindo sua vizinhança arbitrária, não determina um valor finito N para que cn = 0, ∀n < −N, a singularidade z = z0 é chamada de singularidade essencial. Um exemplo de singularidade essencial é a função e 1 z em z = 0. Temos, de fato, que a expansão e 1 z = 1 + 1 1! 1 z + 1 2! 1 z2 + 1 3! 1 z3 + · · ·+ 1 n! 1 zn + · · · converge absolutamente em todos os pontos, exceto em z = 0, z 6= 0, e, neste caso, o ponto z = 0 é a singularidade essencial. Exercício 58: Obtenha a expressão de série de Laurent (ou Taylor) das funções abaixo em torno do ponto indicado e indique o domínio de convergência. f (z) = sin z − z cos z z3 , z = 0. f (z) = cot z, z = 0. f (z) = 1 z2 tanh−1 z, z = 0 f (z) = 1 1− z2 , z = 1 f (z) = 1 z2 − 3z − 4 . z = −1 53 A série de Laurent (ou Taylor) existe somente para a singularidade isolada. Não existe expansão em série de Laurent ou Taylor em torno de um ponto de ramifição. Por exemplo, não existe a expansão em série de Laurent da função f (z) = z1/2, em torno de z = 0. Mas se escolhermos a folha de Riemann apropriadamente, podemos ter a série de Laurent ou Taylor em cima da linha de corte. Por exemplo, z1/2 = 1 + 1 2 (z − 1)− 1 2! 1 2 3 2 (z − 1)3 + · · · Exercício 59: Obtenha a expressão da série de Laurent das funções abaixo em torno de z = 0 e determine o domínio de convergência: f (z) = ¡ z2 − 1 ¢1/2 , g (z) = ¡ 1− z2 ¢1/2 . Exercício 60: No problema acima, podemos escrever (ou não) f (z) = ¡ −1× (1− z2)¢1/2 = (−1)1/2 (1− z2)1/2 = ig (z) ? Se podemos, porque os resultados do problema anterior mudam para f e g? 1.23 Teorema do Resíduo Seja f (z) uma função analítica num domínio Ω, exceto em um pólo em z = z0 (singularidade isolada). Então, pelo teorema de Cauchy, a integralI C f (z) dz é nula quando a curva fechada não contém o pólo z0. Quando a curva contém o pólo, podemos escreverI C f (z) dz = I |z−z0|=R f (z) dz (93) onde R é um número positivo arbitrariamente pequeno. Mas, na vizinhança do pólo, podemos expandir a função em série de Laurent, f (z) = ∞X n=−N cn (z − z0)n , 54 onde N é a ordem do pólo. Assim,I |z−z0|=R f (z) dz = ∞X n=−N cn I |z−z0|=R (z − z0)n dz. (94) Agora, introduzindo a mudança de variável, z − z0 = R eiθ, dz = iR eiθdθ, I |z−z0|=R (z − z0)n dz = iRn+1 Z 2π 0 dθ ei(n+1)θ = 2πi δn+1,0, (95) onde δi,j é a delta de Kronecker, satisfazendo δi,j = 0, i 6= j, = 1, i = j. Substituindo o resultado Eq.(95) na Eq.(94), temosI |z−z0|=R f (z) dz = ∞X n=−N cn × (2πi δn+1,0) = 2πi c−1. Chamaremos o coeficiente c−1 de “resíduo” no pólo da função f (z) e escrevemos,I |z−z0|=R f (z) dz = 2πi Res f(z0). (96) Finalmente, temos o teorema do residuo,I C f (z) dz = 2πi Res f(z0). (97) Quando há vários,digamos n, pólos dentro da curva C, podemos generalizar a Eq.(96) por I C f (z) dz = 2πi nX i=1 Res f(zi), (98) onde a soma é sobre todos os pólos zi, i = 1, ..., n, dentro da curva C. 1.23.1 Cálculo de resíduo Como definimos, o resíduo do pólo de uma função f (z) é o coeficiente c−1 da expansão de Laurent da função em torno do pólo. Na prática, podemos calcular os pólos e resíduos de uma função do seguinte modo. 55 1. Obter os pólos como os zeros do inverso da função f (z) , 1 f (z) = 0. 2. Quando o pólo z = z0 tem ordem 1, então podemos escrever f (z) = 1 z − z0 g (z) , onde g (z) é uma função analítica na vizinhança de z0, inclusive g (z0) 6= 0. Fazendo a expansão de Taylor da função g (z) em torno de z = z0, g (z) = g (z0) + dg dz ¯¯¯¯ z=z0 (z − z0) + · · · , identificamos,então, que o resíduo da função f (z) no pólo z = z0 é g (z0) . Isto é equivalente a dizer que Res f(z0) = lim z→z0 (z − z0) f (z) . (99) O resíduo também pode ser calculado por Res f(z0) = 1 d dz ³ 1 f ´¯¯¯ z=z0 . (100) 3. Se f (z) = Q (z) P (z) , onde Q (z) e P (z) são analíticas em torno de z = z0, e z = z0 é o zero de ordem um da função P (z), então, Res f(z0) = Q (z0) dP dz ¯¯ z=z0 . (101) 4. Quando f (z) possui um pólo z = z0 de ordem k, podemos escrever f (z) = 1 (z − z0)k g (z) , onde g (z) é uma função analítica na vizinhança de z0. Fazendo a expansão de Taylor da função g (z) em torno de z = z0 até a ordem k − 1, g (z) = g (z0) + · · · 1 (k − 1)! dk−1g dzk−1 ¯¯¯¯ z=z0 (z − z0)k−1 + · · · , identificamos Res f(z0) = 1 (k − 1)! dk−1g dzk−1 ¯¯¯¯ z=z0 , 56 ou seja, Res f(z0) = 1 (k − 1)! dk−1 dzk−1 h (z − z0)k f (z) i¯¯¯¯ z=z0 . (102) Por exemplo vamos obter os resíduos de todos os pólos da função, f (z) = eiz z(z2 + 1)2 . A função exponencial, eiz, não possui pólos a uma distância finita da origem. Os pólos de f (z) vêm então do denominador. Temos os pólos z = 0, ±i, sendo que o pólo z = 0 é de ordem 1, e os pólos ±i têm ordem 2. O resíduo para z = 0 fica Res f(0) = lim z→0 (zf (z)) = 1. Vamos calcular o resíduo para z = i. Poderíamos aplicar a fórmula Eq.(102) mas, neste caso, é mais fácil como se segue. Primeiramente, fatora-se o denominador, obtendo f (z) = eiz z(z + i)2 (z − i)2 . Assim, g (z) = (z − i)2 f (z) = eiz z(z + i)2 . Queremos expandir g (z) em série de Taylor em torno de i. Para isto, é conve- niente introduzir a mudança de variável t = z − i, z = t+ i e substituir em g (z) , g(z) = ei(i+t) (i+ t) (2i+ t)2 Expandimos cada um dos fatores em t, ei(i+t) = e−1 µ 1 + it− 1 2 t2 + · · · ¶ , 1 i+ t = 1 i (1 + it+ · · · ) , 1 (2i+ t)2 = −1 4 (1 + it+ · · · ) , 57 e, portanto, g(z) = − 1 4ie µ 1 + it− 1 2 t2 + · · · ¶ (1 + it+ · · · ) (1 + it+ · · · ) = i 4e (1 + 3it+ · · · ) Finalmente temos Res f(i) = − 3 4e . O resíduo para z = −i pode ser obtido analogamente. Exercício 61: Confira as Eqs.(100,101 e 102) Exercício 62: Identifique todos os pólos das funções abaixo e obtenha os resíduos corre- spondentes. f (z) = 1 z − 1 , f (z) = 1 (z − 2)2 , f (z) = sin z z2 , f (z) = 1 z2 − 3z + 2 , f (z) = 1 a(z2 − (α+ β) z + αβ) , f (z) = e−x z , f (z) = 1 tan z , f (z) = eiz z4 + 8 , f (z) = 1 z3 (z + b) eaz, f(z) = 1 1 + ε cos z , 0 < ε < 1. 1.24 Aplicação do Teorema do Resíduo O teorema de resíduo tem uma aplicação bastante útil. Vamos considerar, como um exemplo, a integral I = Z ∞ −∞ 1 1 + x2 dx. (103) 58 Esta integral é entendida como o limite em que R→∞ da integral IR = Z R −R 1 1 + x2 dx. (104) A aplicação do método dos resíduos começa pela identificação da integral acima como parte da integral complexa IC = I C 1 1 + z2 dz, onde a curva C é como ilustrado na figura abaixo. x=Re(z) Im(z) x = Rx = -R C z=i z=-i Fig.22 Contorno para calcular a integral IC = H C 1 1+z2 dz. Podemos decompor a integral complexa em IC = IR + Isemi−cı´rculo (R) , (105) onde Isemi−cı´rculo (R) = i Z π 0 dθ R eiθ 1 1 +R2 e2iθ . (106) Exercício 63: Prove que lim R→∞ Isemi−cı´rculo (R) = 0. (107) Mas,pelo teorema do resíduo, temos IC = 2πi Res f(z0), (108) 59 onde f = 1 1 + z2 , e z0 é o pólo dentro da curva C. Neste caso, já que 1 1 + z2 = 1 (z + i) (z − i) , o pólo dentro da curva C é z0 = i e Res f(i) = 1 2i . Assim, combinando as Eqs.(105) e (108), temos 2πi 2i = IR + Isemi−cı´rculo (R) , independentemente do valor de R. Tomando o limite R→∞, o segundo termo, Isemi−cı´rculo (R), se anula devido à Eq.(107) e IR tende ao valor da integral desejada devido às Eq.(103) e Eq.(104). Finalmente, temosZ ∞ −∞ 1 1 + x2 dx = π. (109) O resultado acima pode ser verificado pelo método usual de mudança de variável. Exercício 64: Usando a mudança de variável, obtenha a integral indefinidaZ 1 1 + x2 dx e, usando o resultado, calcule o valor deZ ∞ −∞ 1 1 + x2 dx. Exercício 65: Usando a curva fechada indicada abaixo, calcule a integral acima e con- firme que o resultado é o mesmo valor já obtido ( tome cuidado com os sinais e a direção da integral). 60 x=Re(z) Im(z) x = Rx = -R C z=i z=-i Fig.22 Contorno no semiplano inferior. Exercício 66: Calcule as seguintes integrais:Z ∞ −∞ 1 x2 + x+ 1 dx,Z ∞ −∞ 1 x4 + 1 dx,Z ∞ −∞ 2x+ 1 x4 + 1 dx. Os exemplos acima sugerem um método geral para usar o teorema do resíduo para calcular uma integral definida. Vamos considerar uma integral I[a,b] = Z b a f (x) dx, (110) onde a e b são números constantes. Suponhamos que sabemos todos os pólos e resíduos da função f (z). O primeiro passo é introduzir um contorno fechado C no plano complexo de z, de tal forma que o trecho em cima do eixo real contém o segmento [a, b], e consideremos a integral, IC = I C f (z) dz. (111) Sabendo todos os pólos e os respectivos resíduos da função dentro do contorno C, pelo teorema de resíduo, temos IC = 2πi X i Re s f (zi) . (112) 61 Pela contrução, a integral complexa IC pode ser decomposta em duas partes, IC = I C f (z) dz = I[a,b] + IC0 , (113) onde IC0 = Z C0 f (z) dz (114) é a integral ao longo da curva C, excluindo o trecho do eixo real [a, b]. A ídeia básica é escolher o contorno C 0 tal que a integral IC0 se torne nula ou se reduza a uma integral já conhecida. A curva C 0 pode ser composta de mais de um trecho. Vamos considerar alguns exemplos abaixo. 1.24.1 O intervalo [−∞,∞] Para calcular a integral do tipo Z ∞ −∞ f(x)dx pode ser utilizado o método que já foi mostrado no caso da Eq.(103). Este método só vale quando a integral IC0 se torna zero, ou algum valor finito que pode ser obtido por outro método. Vamos considerar o exemploZ ∞ −∞ eikx x2 + a2 dx, onde a e k são constantes reais positivas. Neste caso, podemos escolher o con- torno da Fig. 21, ou seja, o semi-círculo no plano superior. Os pólos de f (z) ficam em z = ±ia. TemosI C eikz z2 + a2 dz = Z R −R eikx x2 + a2 dx+ Z C0 eikz z2 + a2 dz. De um lado, pelo teorema de resíduo,I C eikz z2 + a2 dz = 2πiRe s f (ia) = 2πi× e −ak 2ia = π a e−ak, e de outro lado,Z C0 eikz z2 + a2 dz = iR Z 2π 0 dθ eikR(cos θ+i sin θ) R2ei2θ + a2 = iR Z 2π 0 dθ eikR cos θ R2ei2θ + a2 e−kR sin θ. 62 Podemos verificar que esta integral tende a zero para R→∞, já que k sin θ ≥ 0. Assim, temos Z ∞ −∞ eikx x2 + a2 dx = π a e−ak. Exercício 66: A integral acima pode ser calulada usando a curva fechada indicada na fig.22? Exercício 67: Calcule a integral Z ∞ −∞ e−ikx x2 + a2 dx Como conseqüência do cálculo acima, podemos afirmar as seguintes pro- priedades gerais para uma integral do tipoZ ∞ −∞ f (x) eikxdx. Se f (z) não possui nenhum pólo em cima do eixo real, lim|z|→∞ f (z) → 0 e k > 0, então Z ∞ −∞ f (x) eikxdx = 2πi X Im(zi)>0 Res £ f(zi)e ikzi ¤ , onde o somatório é sobre todos os pólos no semi-plano superior de z. Como a conseqüência imediata, se f (z) não possui nenhum pólo no plano superior, inclusive no eixo real, então o valor da integral é nulo,Z ∞ −∞ f (x) eikxdx = 0. (115) Analogamente, se lim|z|→∞ f (z)→ 0, entãoZ ∞ −∞ f (x) e−ikxdx = 2πi X Im(zi)<0 Res £ f(zi)e −ikzi¤ onde o somatório é sobre todos os pólos no semi-plano inferior de z. Quando f (z) não possui nenhum pólo no plano inferior, entãoZ ∞ −∞ f (x) e−ikxdx = 0. (116) Estas propriedades Eqs.(115,116) têm papel muito importante na discussão de propagação de ondas em relação à causalidade. 63 No lugar do fator eikx, podemos também considerar as integrais do tipoZ ∞ −∞ f (x) cos kx dx,Z ∞ 0 f (x) cos kx dx,Z ∞ −∞ f (x) sin kx dx,Z ∞ 0 f (x) sin kx dx. Por exemplo,Z ∞ −∞ f (x) cosxdx = 1 2 Z ∞ −∞ f (x) ¡ eikx + e−ikx ¢ dx = 1 2 ½Z ∞ −∞ f (x) eikxdx+ Z ∞ −∞ f (x) e−ikxdx ¾ = 1 2 ½Z ∞ −∞ f (x) eikxdx+ Z ∞ −∞ f (−x) eikxdx ¾ = Z ∞ −∞ f (x) + f (−x) 2 eikxdx. Exercício 68: Calcule a integral Z ∞ 0 cosx x2 + 1 dx. 1.25 Quando há pólo em cima do eixo real Vamos considerar a integral Z ∞ −∞ eix x dx. Essa integral não é bem definida, pois, no ponto x = 0, a função 1/x não é definida, e, dependendo de como ocorre a aproximação deste ponto, o valor da integral varia. Para evitar tais problemas de indefinição, usualmente introduzi- mos o conceito de “valor principal” P Z ∞ −∞ eix x dx = lim ε→0 µZ −ε −∞ + Z ∞ ε ¶ eix x dx, ou seja, os passos da integral se aproximam pelos dois lados do ponto x = 0 igualmente. Uma vez definido como se aproximar do pólo, podemos escolher o caminho C como ilustrado na figura abaixo. 64 R-R -ε ε Re(z) Im(z) Fig. 23 A curva que contorna o pólo em z = 0. Temos I C eiz z dz = ÃZ −ε −R + Z R ε ! + Z ∩=ε + Z ∩=R , (117) onde R ∩=ε indica a integral sobre o semi-círculo de raio ε, o que vale analoga- mente para R ∩=R. Já vimos que a contribuição da integral R ∩=R se anula para R→∞. A integral R ∩=ε pode ser calculada porZ ∩=ε eiz z dz = i Z 0 π εeiθ eiεe iθ εeiθ dθ→ −πi. Como a integral do lado esquerdo da Eq.(117) é nula pelo Teorema de Cauchy (não há nenhum pólo dentro do contorno), temos 0 = lim R→∞ ÃZ −ε −R + Z R ε ! eix x dx− πi, e, portanto, P Z ∞ −∞ eix x dx = πi. Exercício 69: É possível tomar o contorno abaixo para calcular a integral acima? 65 R-R -ε ε Re(z) Im(z) Fig. 24 Contorno que inclui o pólo z = 0 em seu interior. Exercício 70: Obtenha o valor da integral, Z ∞ 0 sin kx x dx, onde k > 0. 1.26 Integral do tipo R 2π 0 F (cos θ, sin θ)dθ. Vamos considerar a integral I = Z 2π 0 F (cos θ, sin θ)dθ. Seja z = eiθ, então cos θ = 1 2 µ z + 1 z ¶ , sin θ = 1 2i µ z − 1 z ¶ , e dz = idθeiθ = iz dθ. Assim, podemos considerar a integral I como a integral complexa ao longo de um círculo de raio 1, I = 1 i I |z|=1 F µ 1 2 µ z + 1 z ¶ , 1 2i µ z − 1 z ¶¶ dz z . 66 Então, se a função f (z) = 1 z F µ 1 2 µ z + 1 z ¶ , 1 2i µ z − 1 z ¶¶ possui pólos dentro do círculo |z| = 1, temos I = 2π nX i=1 Res f(zi). Vamos ver um exemplo. Queremos calcular a integral I = Z 2π 0 1 1− ε cos θdθ, (118) onde |ε| < 1. Como vimos, esta integral é equivalente a I = 1 i I |z|=1 1 1− ε (z + 1/z) /2 dz z = 2i I |z|=1 1 εz2 − 2z + εdz A função 1 εz2 − 2z + ε tem 2 pólos em 1 ε n 1± p 1− ε2 o . Destes pólos, o que está dentro do círculo |z| ≤ 1 é 1− √ 1− ε2 ε . O resíduo fica − 1 2 √ 1− ε2 . Finalmente, temos I = 2π√ 1− ε2 .
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