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A Methodenstreit, ou a polêmica sobre os métodos

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Grande deve ter sido a frustração causada a Menger pelo fato de a sua contribuição 
não só não ter sido entendida pelos catedráticos da Escola Histórica Alemã, como, 
para além disso, ter sido por estes considerada como um perigoso desafio ao 
historicismo. De fato, em vez de se darem conta de que a contribuição de Menger era 
o suporte teórico de que necessitava a concepção evolucionista dos processos sociais, 
eles consideraram que o seu caráter de análise abstrata e teórica era incompatível 
com o estreito historicismo que propunham. Surgiu assim a primeira e talvez a mais 
famosa polêmica em que se viram implicados os austríacos, a
Methodenstreit, que haveria de ocupar as energias intelectuais de Menger durante 
várias décadas. Os historicistas da Escola Alemã encabeçados por Schmoller, da 
mesma forma do que viria a suceder depois aos institucionalistas americanos da 
escola de Thorstein Veblen, foram vítimas do hiper-realismo, ao negar a existência 
de uma teoria econômica de validade universal, e ao defender a tese de que o único 
conhecimento válido era o que podia extrair-se da observação empírica e do 
recolhimento de dados de cada caso histórico. Contra eles Menger escreve o seu 
segundo livro importante intitulado Investigações sobre o método das ciências 
sociais com especial referência à Economia Política (Menger, 1883) no qual, 
partindo de Aristóteles, considera que o conhecimento da realidade social exige duas 
disciplinas igualmente importantes mas que, apesar do seu caráter complementar, 
são radical e epistemologicamente distintas. A teoria é, de alguma maneira, a 
“forma” (no sentido aristotélico) que recolhe as essências dos fenômenos 
econômicos. Esta forma teórica é descoberta por introspecção, ou seja, por reflexão 
interior do investigador, que se torna possível pelo fato de a economia ser a única 
ciência na qual o investigador tem o privilégio de compartilhar a mesma natureza do 
observado, o que lhe proporciona um valiosíssimo conhecimento em primeira mão. 
Além disso, a teoria elabora-se de forma lógico-dedutiva a partir de conhecimentos 
evidentes do tipo axiomático. Distinta da teoria é a história, que de alguma maneira 
seria constituída pela “matéria” (no sentido aristotélico) que se concretiza nos fatos 
empíricos de cada acontecimento histórico. Para Menger, ambas as disciplinas, 
teoria e história, forma e matéria, são igualmente necessárias para conhecer a 
realidade, mas ele nega enfaticamente que seja possível extrair a teoria da história. 
Mais correto seria afirmar que as relações entre uma e outra são ao contrário, no 
sentido de que a história só pode interpretar-se, ordenar-se e tornar-se 
compreensível se se dispõe de uma teoria econômica prévia. Desta forma, Menger, 
apoiando-se em posições metodológicas que já haviam sido intuídas,em grande 
parte, por J. B. Say, estabelece os fundamentos do que depois se haveria de 
converter na metodologia “oficial” da Escola Austríaca de Economia.
É preciso ainda clarificar que existem pelo menos três sentidos diferentes para o 
termo “historicismo”. O primeiro, identificado com a escola historicista do direito 
(Savigny, Burke) e oposto ao racionalismo cartesiano, é o defendido pela Escola 
Austríaca na sua análise teórica sobre o aparecimento das instituições. O segundo 
sentido é o da Escola Histórica da Economia dos professores alemães do século XIX e 
dos institucionalistas americanos do século XX, que negam a possibilidade da 
existência de uma teoria econômica abstrata de validade universal, tal como a que 
defendia Menger e desenvolveram depois dele o resto dos economistas austríacos. O 
terceiro tipo de historicismo é o que se encontra na base do positivismo metodológico 
da escola neoclássica, que pretende recorrer à observação empírica (ou seja, em 
última instância, à história) para falsear ou comparar teorias o que, de acordo com 
Hayek, não é senão uma manifestação mais do racionalismo cartesiano que os 
austríacos tanto criticam
(Cubeddu, 1997: 29-38).
É curioso notar como Menger e os seus seguidores, na sua defesa da teoria frente aos 
historicistas alemães, contaram como aliados conjunturais com os teóricos do 
paradigma neoclássico do equilíbrio e, entre eles, com Walras e Jevons de entre os 
marginalistas matemáticos, e com os já neoclássicos Alfred Marshall na Inglaterra e 
John Bates Clark nos Estados Unidos. Ainda que os defensores austríacos da tradição 
subjetivista e dinâmica da análise dos processos de mercado estivessem conscientes 
das grandes diferenças que a sua visão tinha comparativamente à destes teóricos do 
equilíbrio (geral ou parcial), em muitas ocasiões consideraram que o objetivo de 
derrotar os historicistas e de defender o correto status científico da teoria econômica 
justificava a sua aliança temporária com os teóricos do equilíbrio. O elevado custo 
desta estratégia só se manifestaria quando, várias décadas depois, nos anos trinta do 
século XX (“the years of high theory”, na feliz expressão de Shackle) o triunfo dos 
defensores da teoria frente aos historicistas foi interpretado pela maioria dos 
economistas como o triunfo da teoria de equilíbrio formalizada matematicamente, e 
não da teoria dos processos sociais dinâmicos que, desde o princípio, Menger e os 
seus seguidores haviam se esforçado por desenvolver e impulsionar.
Em todo o caso, e contra as versões mais comuns dos manuais de economia, que 
geralmente qualificam a Methodenstreit, ou polêmica sobre os métodos, como tendo 
sido um infrutífero desperdício de esforços, consideramos que na mesma se 
depararam e perfilaram conceitualmente as inevitáveis diferenças metodológicas que 
existem entre as ciências da ação humana e as ciências do mundo da natureza, de 
maneira que as graves confusões que todavia continuam a perdurar hoje neste campo 
se devem, sem dúvida alguma, ao fato de a maioria dos economistas de profissão não 
ter prestado suficiente atenção às importantes contribuições realizadas por Menger a 
propósito desta polêmica (Huerta de Soto, 1982).
A Methodenstreit, 
ou a polêmica 
sobre os métodos
Jesús 
Huerta de 
Soto

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