Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Brasil — 2012 LIVRO BRANCO de Defesa Nacional SUMÁRIO 16 17 21 23 24 26 33 35 37 38 39 40 41 45 50 51 57 57 58 59 60 61 61 61 62 62 62 62 62 63 63 64 Princípios Básicos do Estado.......................................................................................................... Território........................................................................................................................................... População....................................................................................................................................... Símbolos nacionais..................................................................................................................... Evolução da População................................................................................................................ Defesa Nacional.............................................................................................................................. Contextualização do ambiente estratégico...................................................................................... Sistema internacional.................................................................................................................. Sistemas regionais...................................................................................................................... Atlântico Sul................................................................................................................................ Tratados e regimes internacionais com reflexos para a defesa...................................................... Regimes internacionais de desarmamento e não proliferação............................................ O Tratado de Não Proliferação Nuclear................................................................................... Regimes internacionais do mar, Antártica e espaço exterior...................................................... Regimes internacionais sobre meio ambiente............................................................................ Políticas externa e de defesa......................................................................................................... O Ministério da Defesa........................................................................................................... Estrutura organizacional...................................................................................................... Conselho Militar de Defesa (CMiD).................................................................................. Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA)................................................... Chefia de Operações Conjuntas (CHOC)..................................................................... Chefia de Assuntos Estratégicos (CAE)........................................................................ Chefia de Logística (ChLog)......................................................................................... Gabinete do Ministro da Defesa....................................................................................... Assessoria de Planejamento Institucional (ASPLAN)...................................................... Consultoria Jurídica (CONJUR)....................................................................................... Secretaria de Controle Interno (CISET)........................................................................... Secretaria-Geral (SG)...................................................................................................... Secretaria de Organização Institucional (SEORI)............................................................ Secretaria de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto (SEPESD)....................................... Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD)................................................................. Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM)......... CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL 15 CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI 31 CAPÍTULO 3 — A DEFESA E O INSTRUMENTO MILITAR 55 65 65 67 67 68 69 70 70 70 71 72 73 73 74 75 77 77 77 78 80 81 82 83 84 87 89 89 94 94 95 98 98 100 101 104 104 105 106 106 106 106 107 107 Educação no âmbito da Defesa.................................................................................................. Escola Superior de Guerra (ESG)........................................................................................... Instituto de Doutrina de Operações Conjuntas (IDOC)........................................................... Instituto Pandiá Calógeras (IPC)............................................................................................. Cursos para oficiais de carreira das Forças Armadas............................................................. Cursos para sargentos de carreira das Forças Armadas......................................................... Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB).................................................. Setores estratégicos para a Defesa............................................................................................. O Setor Nuclear....................................................................................................................... O Setor Cibernético................................................................................................................. O Setor Espacial...................................................................................................................... Sistemas de monitoramento e controle....................................................................................... Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz)...................................................... Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON)............................................. Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB)................................................. Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA)........................................................ Mobilização nacional................................................................................................................... Sistema Nacional de Mobilização (SINAMOB)........................................................................ Serviço Militar.......................................................................................................................... Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE)................................................................................ Marinha do Brasil........................................................................................................................ Missão..................................................................................................................................... Organização e meios operativos.............................................................................................. O Comando de Operações Navais (ComOpNav).................................................................... Meios Aeronavais da Esquadra................................................................................................ Os Distritos Navais................................................................................................................... Meios navais distritais.............................................................................................................. Meios aeronavais distritais...................................................................................................... O Corpo de Fuzileiros Navais (CFN).......................................................................................Organização............................................................................................................... A Diretoria-Geral de Navegação (DGN)......................................................................... Organização........................................................................................................................ Capacidades........................................................................................................................ Visão estratégica e articulação...................................................................................... Educação — principais escolas..................................................................................... Escola Naval (EN)....................................................................................................... Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW)............................................................ Escola de Guerra Naval (EGN)............................................................................................ Centro de Coordenação de Estudos em São Paulo (CCEMSP).......................................... Escolas de Aprendizes-Marinheiros (EAM)......................................................................... Centro de Instrução Almirante Alexandrino (CIAA).............................................................. Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC)................................................ Instituições científicas e tecnológicas..................................................................................... 107 107 108 108 108 108 109 110 112 113 114 114 116 117 119 123 124 127 127 128 129 129 130 130 131 131 131 131 131 132 132 134 134 136 137 138 139 141 146 147 149 149 150 Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP)............................................ Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM)................................... Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM)................................................................... Centro de Análise e Sistemas Navais (CASNAV)........................................................ Centro de Hidrografia da Marinha (CHM).................................................................... Intercâmbio e cooperação com outros países............................................................. Área de ensino militar.................................................................................................. Exercícios militares em 2010/2011............................................................................... Mulheres na Marinha...................................................................................................... Exército Brasileiro............................................................................................................... Missão............................................................................................................................. Organização e meios operativos..................................................................................... Força Terrestre................................................................................................................ Área de jurisdição dos Comandos Militares ................................................................... Meios operativos............................................................................................................. Capacidades................................................................................................................ Visão estratégica e articulação....................................................................................... Educação — principais escolas...................................................................................... Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)........................................................... Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO)........................................................... Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)........................................ Instituto Militar de Engenharia (IME)............................................................................ Escola de Saúde do Exército (EsSEx)......................................................................... Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEx)........................................ Escola de Sargentos das Armas (EsSA)...................................................................... Escola de Sargentos de Logística (EsSLog)................................................................ Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA).................................... Instituições científicas e tecnológicas............................................................................. Centro Tecnológico do Exército (CTEx)....................................................................... Intercâmbio e cooperação com outros países ............................................................... Área de ensino militar ................................................................................................. Exercícios Militares em 2010/2011................................................................................... Mulheres no Exército....................................................................................................... Força Aérea Brasileira........................................................................................................ Missão............................................................................................................................. Organização e meios operativos..................................................................................... Comando-Geral de Operações Aéreas .......................................................................... Meios Operativos............................................................................................................ Capacidades................................................................................................................ Visão estratégica e articulação....................................................................................... Educação — principais escolas...................................................................................... Academia da Força Aérea (AFA)................................................................................. Universidade da Força Aérea (UNIFA)......................................................................... 151 151 151 152 152 152 152 152 153 153 153 154 155 156 156 157 157 158 159 160 160 163 165 166 166 167 167 170 170 170 171 172 174 174 176 177 179 179 180 181 182 Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR)............................... Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica (EAOAR).............................. Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).................................................................. Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR)......................................... Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR)......................................................... Instituições científicas e tecnológicas............................................................................. Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE)...................................................................... Instituto de Estudos Avançados (IEAv)........................................................................ Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI)................................................... Intercâmbio e cooperação com outros países................................................................Área de ensino militar.................................................................................................. Exercícios militares em 2010/2011.................................................................................. Mulheres na Força Aérea................................................................................................ Princípios gerais de emprego do instrumento militar............................................................. Condução estratégica das Forças...................................................................................... Doutrina de operações conjuntas...................................................................................... Teatro de Operações (TO)................................................................................................. A interoperabilidade nas operações conjuntas............................................................... O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem (GLO)............................. Exemplos de emprego contemporâneo do instrumento militar.............................................. A participação do Brasil nas grandes guerras mundiais.................................................... A participação do Brasil em missões de paz..................................................................... Efetivos de tropas em operações de paz na MINUSTAH e na UNIFIL........................... Gastos do governo brasileiro e repasses da ONU para a MINUSTAH e UNIFIL................. Atuação das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem.......................................... Dados da Força de Pacificação...................................................................................... Dados gerais sobre as Operações Ágata....................................................................... Programas sociais da Defesa......................................................................................................... Projeto Soldado Cidadão............................................................................................................ Programa Calha Norte................................................................................................................ Programa Forças no Esporte...................................................................................................... O Projeto Rondon....................................................................................................................... Ações subsidiárias e complementares........................................................................................... Marinha....................................................................................................................................... Exército....................................................................................................................................... Força Aérea................................................................................................................................ Relação da Defesa com os poderes constituídos......................................................................... Defesa e Poder Executivo.......................................................................................................... Defesa e Poder Legislativo......................................................................................................... Defesa e Poder Judiciário.......................................................................................................... A Defesa e os Direitos Humanos................................................................................................... CAPÍTULO 4 — DEFESA E SOCIEDADE 169 184 185 186 186 187 188 188 188 189 191 191 194 194 195 195 196 196 197 197 197 198 198 199 200 200 201 201 202 202 202 203 204 205 205 206 207 207 208 208 A Defesa e a Lei de Acesso à Informação..................................................................................... A Defesa e a Academia................................................................................................................. O Programa Pró-Defesa............................................................................................................. Centros de estudos de política e estratégia............................................................................... Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).............................................................................. Congresso Acadêmico............................................................................................................... Outras iniciativas........................................................................................................................ Pessoal civil na administração central do Ministério da defesa.................................................... A Defesa e o desenvolvimento industrial....................................................................................... Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial.................................................................... ABIMDE e Federações das Indústrias....................................................................................... Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED).............................................................. Marinha do Brasil....................................................................................................................... Recuperação da capacidade operacional.............................................................................. Programa Nuclear da Marinha (PNM).................................................................................... Construção do Núcleo do Poder Naval.................................................................................. Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz).................................................... Complexo Naval da 2a Esquadra / 2a Força de Fuzileiros da Esquadra (2a FFE)............................................................................................................ Pessoal ................................................................................................................................. Segurança da Navegação...................................................................................................... Previsão de conclusão dos projetos e valor global estimado............................................. Exército Brasileiro...................................................................................................................... Recuperação da Capacidade Operacional............................................................................ Defesa cibernética................................................................................................................. Projeto Guarani...................................................................................................................... Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON)........................................... Sistema Integrado de Proteção de Estruturas Estratégicas Terrestres (PROTEGER)........................................................................................................................ Sistema de Defesa Antia érea............................................................................................... Sistema de Mísseis e Foguetes ASTROS 2020..................................................................... Previsão de conclusão dos projetos e valor global estimado.............................................. Força Aérea Brasileira................................................................................................................ Gestão Organizacional e Operacional do Comandoda Aeronáutica..................................... Recuperação da Capacidade Operacional............................................................................ Controle do Espaço Aéreo..................................................................................................... Capacitação Operacional da FAB.......................................................................................... Capacitação Científico-Tecnológica da Aeronáutica.............................................................. Fortalecimento da Indústria Aeroespacial e de Defesa Brasileira.......................................... Desenvolvimento e Construção de Engenhos Aeroespaciais................................................ Apoio aos Militares e Civis do Comando da Aeronáutica....................................................... CAPÍTULO 5 — A TRANSFORMAÇÃO DA DEFESA 193 208 209 210 210 210 210 211 211 212 212 212 215 219 221 221 222 223 223 224 224 227 237 237 237 238 239 239 240 241 241 241 242 242 243 243 243 244 Modernização dos Sistemas de Formação e Pós-Formação de Recursos Humanos................................................................................................................ Previsão de conclusão dos projetos e valor global estimado.............................................. Administração Central do MD.................................................................................................... Efeitos positivos da implantação do PAED................................................................................ No campo militar.................................................................................................................... No campo político.................................................................................................................. No campo econômico............................................................................................................. No campo científico tecnológico............................................................................................ No campo social..................................................................................................................... Modernização da gestão............................................................................................................... Base Industrial de Defesa (BID)................................................................................................... O Brasil e os dez maiores exportadores de armas convencionais em 2011.............................. Ciência, tecnologia e inovação ................................................................................................. Orçamento da Defesa................................................................................................................... Regras gerais............................................................................................................................ O processo orçamentário.......................................................................................................... Princípios para o orçamento da Defesa.................................................................................... Programas orçamentários da Defesa........................................................................................ Demonstrativo de gastos com Defesa.......................................................................................... Âmbito internacional.................................................................................................................. Âmbito nacional......................................................................................................................... ANEXO I....................................................................................................................................... Pessoal..................................................................................................................................... Quantitativos de Militares em 2012........................................................................................ Quantitativos de Militares em 2012 por Localização.............................................................. Quantitativos de Militares em 2012 em Missões de Paz........................................................ Quantitativos de Adidos Militares no Exterior em 2012.......................................................... Quantitativos de Servidores Civis no Ministério da Defesa em 2012..................................... Equipamentos da Defesa.......................................................................................................... Meios Navais da Esquadra da Marinha em 2012................................................................... Meios Aeronavais da Esquadra da Marinha em 2012............................................................ Meios Navais Distritais da Marinha em 2012......................................................................... Meios Aeronavais Distritais da Marinha em 2012.................................................................. Meios do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha em 2012................................................... Meios Navais Hidro-Oceanográficos e de Balizamento da Marinha em 2012....................... Meios do Exército em 2012.................................................................................................... Meios da Força Aérea em 2012.............................................................................................. CAPÍTULO 6 — ECONOMIA DA DEFESA 221 ANEXOS 245 245 246 247 247 248 248 249 249 250 250 250 251 256 258 261 267 277 279 Orçamento da Defesa................................................................................................................ Dotações Orçamentárias (R$ Milhões de 2011 Alocados)..................................................... Gastos por Unidade Orçamentária (R$ Milhões de 2011 Liquidados)................................... Gastos por Tipo de Despesa (R$ Milhões de 2011 Liquidados)............................................ Gastos com Pessoal e Encargos Sociais (R$ Milhões de 2011 Liquidados)......................... Gastos com Dívidas (R$ Milhões de 2011 Liquidados).......................................................... Gastos com Custeio (R$ Milhões de 2011 Liquidados).......................................................... Gastos com Investimentos (R$ Milhões de 2011 Liquidados)................................................ Arrecadação (R$ Milhões de 2011)........................................................................................ ANEXO II...................................................................................................................................... Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED)......................................................... Projetos e Subprojetos Prioritários da Administração Central................................................ Projetos e Subprojetos Prioritários da Marinha....................................................................... Projetos e Subprojetos Prioritários do Exército....................................................................... Projetos e Subprojetos Prioritários da Força Aérea................................................................ GLOSSÁRIO................................................................................................................................. ÍNDICE DE ABREVIATURAS E SIGLAS....................................................................................... INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS......................................................................................................COLABORADORES...................................................................................................................... APÊNDICE É com satisfação que meu Governo apresenta à sociedade brasileira o Livro Branco de Defesa Nacional, mar- co de transparência nos assuntos de defesa, por meio do qual nossas cidadãs e nossos cidadãos poderão conhecer as ações do Estado nessa área, bem como os desafios do País para aprimorar sua Defesa nas próximas décadas. O engajamento civil é indispensável para a construção de um Brasil soberano e democrático. O Livro Branco de Defesa Nacional amplia o acompanhamento dos temas militares pelo conjunto da sociedade, ao apresentar as potencialidades e as necessidades de nossa Defesa ao debate público. A publicação deste Livro é mais um passo no processo de consolidação da liderança civil e do pleno conhecimento dos assuntos da Defesa pela sociedade. Ele se soma à criação do Ministério da Defesa e, mais recentemente, à instituição do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, como órgão a ele su- bordinado, como importantes momentos de avanços institucionais na área de Defesa. O Livro Branco de Defesa Nacional é mais um fruto da evolução democrática do Brasil. A elevação da estatura internacional do Brasil no século XXI já é uma realidade. Um Brasil plena- mente desenvolvido e com presença externa cada vez maior necessitará de adequada capacidade militar dissuasória. Empenhado na construção de uma ordem global mais pacífica e próspera, o Brasil não pode descuidar da Defesa. O Brasil comprovou, na última década, que crescimento e inclusão social devem se reforçar mutuamente. Devemos prote- ger nossas grandes riquezas que, além de indústrias, agricultura, minérios ou pré-sal, são compostas pelos milhões de brasi- leiros que têm o poder de nos transformar em uma grande nação. Por todas essas razões, a Defesa estará cada vez mais presente na agenda nacional. O Livro Branco de Defesa Nacional é um convite à reflexão e ao diálogo. Sua leitura indicará, sobretudo, que Defesa e Democracia formam um círculo virtuoso no novo Brasil que estamos construindo. Ao possibilitar um acompanhamento amplo e minucioso da Política de Defesa pela população, esta iniciativa contribui para o amadurecimento da reflexão pública sobre o papel indispensável da Defesa no Brasil do presente e do futuro. Dilma Rousseff MENSAGEM DA PRESIDENTA DA REPÚBLICA A Lei Complementar 97/1999, modificada pela Lei Complementar 136/2010, estabeleceu, em seu Arti- go 9o, parágrafo. 3o, a obrigatoriedade de o Poder Executivo apresentar ao Congresso Nacional, na primei- ra metade da sessão legislativa ordinária de 2012, a primeira versão do Livro Branco de Defesa Nacional. O Livro Branco de Defesa Nacional soma-se à Estratégia Nacional de Defesa e à Política Nacional de Defesa como documento esclarecedor sobre as atividades de defesa do Brasil. A expectativa é que o Livro venha a ser um estímulo à discussão sobre a temática de defesa no âmbito do Parlamento, da burocracia federal, da academia, e da sociedade brasileira em geral. Servirá, igual- mente, de mecanismo de prestação de contas à sociedade sobre a adequação da estrutura de defesa hoje existente aos objetivos traçados pelo poder público. As Forças Armadas possuem capacidade de projetar poder militar além das fronteiras. Essa possibilidade, por si só, é passível de gerar insegurança em Nações vizinhas. A ampla divulgação do Livro Branco de Defesa Nacional e a maneira clara com que seus capítulos procuraram expressar os objetivos de defesa do Estado brasileiro constituem medidas de construção de confiança mútua. Ao compartilhar as percepções e interesses nacionais no campo da defesa, o Brasil busca assegurar a compreensão das motivações e finalidades do instrumento militar. A História registra numerosos casos de conflitos resultantes de falhas de comunicação e equívocos de percepção acerca das intenções alheias. Daí a importância que os Estados se valham de iniciativas como esta para comunicar de maneira eficaz suas in- tenções, conferindo transparência às políticas de defesa e reduzindo o risco de conflitos indesejados. O Livro Branco de Defesa Nacional foi elaborado também com o objetivo de fortalecer a cooperação com os países da América do Sul. Poderá, nesse sentindo, ser um instrumento para fomentar o estabelecimento de uma comunidade de paz e segurança no entorno sul-americano que possibilite a opção por soluções pacíficas e a consequente eliminação de hipótese de guerra. Para além desse esforço, buscamos demonstrar aos países de fora da região que a nossa defesa possui APRESENTAÇÃO DO MINISTRO DA DEFESA caráter essencialmente dissuasório e está organizada para evitar que o Brasil sofra ameaças. Procuramos descrever de maneira fundamentada que defesa não é delegável e que devemos estar preparados para combater qualquer agressão. Hoje, temas relacionados com a Defesa Nacional devem envolver o conjunto da sociedade brasileira. Desde o advento da Es- tratégia Nacional de Defesa as políticas públicas que lhe dizem respeito devem ser definidas de forma concertada. Ao incorporar em sua essência a ideia de que as decisões de paz e guerra não estão destacadas da soberania popular, o Livro Branco permitirá o tratamento democrático dos assuntos de defesa. A Política de Defesa responde aos interesses da sociedade e do Estado. O esforço de criação e revisão dos documentos legais no campo da defesa nacional, inclusive do Livro Branco de Defesa, contribuirá para estreitar ainda mais esse vínculo. A redação do Livro Branco constitui instrumento útil para aprofundar o entendimento que as lideranças civis têm acerca da Defesa Nacional no presente e no futuro. Em um período no qual o cenário estratégico mundial se transforma tão profunda e aceleradamente, o diálogo entre os diversos setores ganha relevância. A tarefa de elaborar o Livro Branco não foi desenvolvida dentro dos escritórios do Ministério da Defesa. Buscou-se a par- ticipação da sociedade na reflexão e no debate dos temas que aqui são desenvolvidos. A realização de Oficinas Temáticas, Seminários e Mesas-redondas contou com a participação de civis e militares, brasileiros e estrangeiros, e levou a discussão das questões da defesa brasileira para as cinco regiões do País. Essas contribuições foram de grande valia, e deixo registrado os nossos agradecimentos a todos os que tomaram parte nessas discussões. Além de aportar transparência – interna e externa – aos critérios de emprego de nossas Forças Armadas, a preparação deste documento foi relevante para o aprofundamento do acervo de conhecimentos da sociedade sobre a temática militar. Espero que esta iniciativa sirva também como um convite ao engajamento nas discussões relacionadas à Defesa Nacional. Apenas com o atento acompanhamento da sociedade, e com sua contribuição indispensável, a Política Nacional de Defesa estará à altura do País cada vez mais forte, justo e democrático que desejamos construir. Celso Amorim 14 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL RETRATOS DO BRASIL CAPÍTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL 15 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL “Como País multiétnico, de grande diversidade cultural e de interesses globais, o Brasil busca a interação entre culturas e respeita a pluralidade de ideologias e sis- temas políticos.” Presidenta Dilma Rousseff Brasília, 20 de abril de 2011 O Brasil é um país de dimensões continentais. Possui a maior costa Atlântica do mundo e, com quase 191 milhões de habi- tantes1, tem a quinta maior população do planeta2. É grande produtor de energia renovável e não renovável, de proteína animal e vegetal. Possui extensas reservas de água potável, enorme biodiversidade e vastos recursos minerais.As recentes descobertas do pré-sal levaram o País a um novo patamar de reservas e produção de petróleo e gás natural. Apontado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como a sexta maior economia do mundo3, o Brasil tem alcançado níveis cada vez mais expressivos de desenvolvimento, buscando a eliminação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. A democracia brasileira está consolidada, com realização de eleições livres, participação crescente do povo na elaboração e na cobrança de políticas públicas, comprometimento com o combate à corrupção e respeito aos direitos humanos. Nos últimos anos, a política externa brasileira projetou valores e interesses na moldagem da governança global. O Brasil tem desenvolvido sua própria agenda externa com maior autonomia para definir as prioridades para seu progresso como nação. Esse patrimônio exige defesa. O Brasil se considera e é visto internacionalmente como um país amante da paz, mas não pode prescindir da capacidade militar de dissuasão e do preparo para defesa contra ameaças externas. Não é possível afirmar que a cooperação sempre prevalecerá sobre o conflito no plano internacional. Este capítulo apresentará alguns elementos do Estado brasileiro que têm implicação imediata para a Defesa Nacional. 1 IBGE — Censo realizado em 2010. 2 Fundo de População das Nações Unidas — Relatório sobre a Situação da População Mundial 2011. 3 World Economic Outlook. 2012. 16 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Princípios Básicos do Estado O Brasil é uma República Federativa que adota o presidencialismo como sistema de governo. A divisão de Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — é, no ordenamento jurídico brasileiro, um princípio fundamental e necessário à pro- moção do bem da coletividade. Por esta razão, a divisão se baseia no equilíbrio entre os três Poderes e em sua colaboração e controle recíprocos e conscientes. A Federação brasileira é formada pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Essas entida- des federativas possuem autonomia política, podendo elaborar as suas próprias leis, eleger os próprios governantes e gerir os seus próprios recursos, conforme a repartição de competências definida na Constituição Federal. Como Estado democrático de direito, o País firma-se em fundamentos constitucionais, que são: a soberania, a cidadania, a dig- nidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político. Os valores da democracia irradiam-se sobre todos os elementos constitutivos do Estado brasileiro. Entre esses elementos, a dignidade da pessoa humana revela-se como base da própria existência da Nação e, concomitantemente, torna-se o fim per- manente de todas as suas atividades. Os objetivos do Estado, traçados pelo art. 3o da Constituição Federal, reforçam a opção política do País ao propor a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem-estar de todos, sem discriminação. Na esfera internacional, o Brasil atua conforme os princípios elencados no art. 4o da Constituição Federal: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade entre os Estados, defe- sa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político. A política externa brasileira considera o diálogo e a cooperação internacionais instrumentos essenciais para a superação de obstáculos e para a aproximação e o fortalecimento da confiança entre os Estados. Na relação com outros países, o Brasil dá ênfase a seu entorno geopolítico imediato, constituído pela América do Sul, o Atlântico Sul e a costa ocidental da África. 17 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Área marítima É composta por águas interiores e pelos espaços marítimos, nos quais o Brasil exerce, em algum grau, jurisdição sobre atividades, pessoas, instalações, embarcações e recursos naturais vivos e não vivos, encontrados na massa líquida, no leito ou no subsolo marinho, para os fins de controle e fiscalização, den- tro dos limites da legislação internacional e nacional. Esses espaços marítimos compreendem a faixa de 200 milhas marítimas (uma milha marítima corres- ponde a 1,85 km). Território Localizado na América do Sul, o território brasileiro pos- sui cerca de 8,5 milhões de km2 de área terrestre e 4,5 milhões de km2 de área marítima. O País faz fronteira com 9 países sul-americanos e um território ultramarino da França, o que representa uma linha com 16,9 mil km de extensão, dos quais aproximadamente 12 mil correspon- dem à fronteira da Amazônia Legal. O litoral brasileiro se estende por cerca de 7,4 mil km. Na área marítima brasileira, sobre o ocea- no Atlântico, cruzam importantes rotas de navegação, vitais para a economia nacional. Aí estão localizadas as reservas do pré-sal brasileiro, de alto significado econômico, político e estratégico. PERU BRASIL MARROCOS CABO VERDE SAARA OCIDENTAL ARGÉLIA TUNISIA LÍBIA EGITO SUDÃO ERITRÉIA DJIBUTI G A N A TO G O B EN IN BURKINA FASO MAURITÂNIA MALI NIGER CHADE ETIÓPIA SOMÁLIA NIGÉRIA SENEGAL GÂMBIA GUINÉ BISSAU GUINÉ SERRA LEOA LIBÉRIA COSTA DO MARFIM GUIANA BOLÍVIA PARAGUAICHILE ARGENTINA URUGUAI ARQUIPÉLOGO DE FERNANDO DE NORONHA ILHA DA TRINDADE ILHAS DE MARTIM VAZ SÃO PEDRO E SÃO PAULOSURINAME EQUADOR COLÔMBIA VENEZUELA ÁFRICA DO SUL LESOTO SUAZILÂNDIA ZIMBÁBUE MOÇAMBIQUE COMORES MAURÍCIO SEICHELES M AD AG AS C AR MALAUI ZÂMBIAANGOLA REP. DEM. DO CONGO FUANDA TANZÂNIA GABÃO QUÊNIA UGANDA CAMARÕES GUINÉ EQUATORIAL SÃO TOMÉ & PRINCIPE REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA CONGO BURUNDI NAMIBIA BOTSUANA OCEANO ATLÂNTICO OCEANO ATLÂNTICO O C EA N O P A C ÍF IC O Fonte: IBGE. Mapa da América do Sul e da África 18 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL O território nacional representa mais do que a vasta extensão de terra em que o Estado exerce seu poder. Entranham-se no ter- ritório profundas raízes afetivas e sentimentos de pertencimento. A definição das fronteiras, por meio de tratados e arbitra- gem, foi primordial para a política de solidificação das rela- ções diplomáticas entre o Brasil e os demais países da América do Sul, contribuindo para firmar princípios de soluções pací- ficas nos contenciosos com outros Estados. A extensa área que o território nacional ocupa, cortada pela linha do Equador e pelo trópico de Capricórnio, compreende grande diversidade de climas, vegetações e relevos. Compõem o território nacional, cinco grandes regiões com características próprias: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Mapa Político do Brasil — Regiões Fonte: IBGE. Trópico de Capricórnio Equador OCEANO ATLÂNTICO OCEANO ATLÂNTICO O C E A N O P A C ÍF IC O ACRE AMAZONAS RORAIMA AMAPÁ PARÁ TOCANTINS RONDÔNIA MATO GROSSO GOIÁS DISTRITO FEDERAL MARANHÃO PIAUÍ CEARÁ RIO GRANDE DO NORTE PARAÍBA PERNAMBUCO ALAGOAS SERGIPE BAHIA MINAS GERAIS ESPÍRITO SANTO RIO DE JANEIRO SÃO PAULO PARANÁ SANTA CATARINA RIO GRANDE DO SUL Rio Branco Porto Velho Manaus Boa Vistas Macapá Belém São Luís Teresina Natal Recife Maceió Aracaju Vitória Belo Horizonte Goiânia BrasíliaCuiabá Rio de Janeiro São Paulo Campo Grande Curitiba Florianópolis Porto Alegre João Pessoa Fortaleza Palmas MATO GROSSO DO SUL Legenda Região Limite de Estado Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Limite de País Capital de Estados Capital Federal Salvador 19 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Aquíferos Guarani e Alter do Chão (Amazônico) O Aquífero Guarani está entre as maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo e estende-se, em cerca de 70% de sua totalidade, pelo território brasileiro (840 mil km2). Com um reservatório de água subterrâ- nea de capacidade estimada em 45 mil km3, representa uma fonte impor- tante de abastecimento da população e de desenvolvimento de atividades econômicas. O Aquífero Alter do Chão, localizado sob a maior bacia hidro- gráfica do mundo (rio Amazonas), se estende sob solo brasileiro, com um volume potencial estimado em 86 mil km3. A região Norte equivale a mais da metade do território nacional e se caracteriza, entre outros elementos, por possuir baixa densidade populacional e extensa faixa de fronteira. O Nordeste é a terceira região geográfica mais densamente povo- ada, com sua população concentrada ao longo do litoral, onde estão localizados os principais centros urbanos. O Centro- -Oeste, segunda região de maior área, também apresenta uma reduzida densidade populacional. Possui uma linha de fron- teira terrestre com aproximadamente 2 mil km de extensão. O Sudeste é a região mais densamente povoada, urbanizada e desenvolvida do País, incluindo os maiores centros popula- cionais. A região Sul é a de menor extensão territorial. Limita-se com os países platinos. Também apresenta elevados índices de urbanização e densidade demográfica. A Amazônia representa um dos focos de maior interesse da defesa. A Pan-Amazônia, equivalente à totalidade da Amazônia na América do Sul, tem, em números aproximados, 40% da área continental sul-americana e detém 20% da disponibilidade mun- dial de água doce. A maior parcela de extensão amazônica pertence ao Brasil — cerca de 70%. O Brasil afirma sua incondicional soberania sobre a Amazônia brasileira, que possui mais de 4 milhões de km2, abriga reservas minerais de toda ordem e a maior biodiversidade do planeta. A cooperação do Brasil com os demais países que possuem território na Pan-Amazônia é essencial para a preservação dessas riquezas naturais. Ressalta-se o conceito de “faixa de fronteira”4 adotado pelo Brasil, consolidado pela Constituição Federal de 1988 e regula- mentado por lei. Embora este conceito esteja preliminarmente ligado à Defesa Nacional, a preocupação com o adensamento e a gradativa presença brasileira ao longo da faixa refletem a prioridade atribuída ao desenvolvimento sustentável, à integração nacional e à cooperação com os países fronteiriços nos aspectos referentes à segurança e ao combate aos ilícitos transnacionais. 4 Constituição Federal, art. 20o, § 2: “A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.” 20 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Mapa Físico do Brasil Fonte: IBGE. OCEANO ATLÂNTICO O C E A N O P A C ÍF IC O PLANÍCIE AMAZÔNICA PLANALTO DAS GUIANAS Rio Oiapoque Rio Arroio Chuí Cabo de São Roque 0 m 100 m 200 m 500 m 1200 m PLANALTO BRASILEIRO PLANALTO CENTRAL PLANÍCIE DO PANTANAL PLANÍCIE COSTEIRA P LA N A LT O M E R ID IO N A L A malha hidroviária brasileira constitui fator determi- nante para a integração nacional. O País abriga 12 gran- des bacias hidrográficas. Destacam-se quatro principais: ao norte, a Amazônica; no centro, as do Araguaia-Tocantins e do São Francisco; e, ao sul, as sub-bacias do Paraná, Para- guai e Uruguai, que compõem a bacia do Prata. Há grande potencial para ações articuladas que facilitem o transporte intermodal, como fator de ocupação do interior e de inte- gração nacional, com reflexos diretos para a integração da América do Sul. O litoral brasileiro apresenta dois segmentos nítidos: o seg- mento que se estende do cabo de São Roque5 , no Nordeste, ao arroio Chuí, no Sul, e o que vai do cabo de São Roque ao rio Oia- poque, no Norte. O primeiro segmento vincula o País física e economicamente ao Atlântico Sul. Nessa região, localizam-se a faixa mais povoada do território e os principais portos na- cionais — Santos, Rio de Janeiro, Paranaguá, Recife (Suape), Salvador e Vitória —, por meio dos quais se viabiliza a maior parte do comércio exterior brasileiro. Esse segmento marítimo é vital para os laços políticos e econômicos com os países vi- zinhos do Cone Sul. A projeção na direção leste conduz aos países da África Ocidental, e nela se destaca a rota do Cabo, uma considerável via estratégica de comunicação da Ásia e África com o Hemisfério Norte. O segmento que vai do cabo 5 O cabo de São Roque está localizado no município de Maxaranguape, a 51 km de Natal, capital do estado brasileiro do Rio Grande do Norte. 21 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL de São Roque ao rio Oiapoque projeta o Brasil para a porção norte da África, para a Europa Ocidental, canal do Panamá, Ca- ribe e América Central e do Norte. Analisando-se os segmentos marítimos descritos e suas projeções, observa-se que o Brasil tem forte vinculação com o mar, com aspectos tanto políticos quanto econômicos, o que o leva a exercer uma natural influência sobre o Atlântico Sul. A forte dependência do tráfego marítimo para as atividades de comércio exterior constitui relevante desafio para a defesa. A região do Atlântico Sul sobre a qual o Brasil tem direitos territoriais e outras prerrogativas de exploração e contro- le corresponde às águas jurisdicionais. Recebeu recentemente a denominação Amazônia Azul, cuja área é equivalente à da Amazônia Verde brasileira. Sob essa região, estão abrigadas as reservas de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, tão importantes para o desenvolvimento do País. Daí a necessidade de intensificar medidas de acompanhamento, monitoramento e controle do tráfego marítimo, assim como dos incidentes na área de vigilância marítima sob a responsabilidade do Brasil. População A sociedade brasileira é resultado do encontro de populações de origens geográficas e étnicas diversificadas. Desde o início da colonização, indivíduos de origem ameríndia, europeia e africana misturaram-se, resultando em uma população misci- genada. No final do século XIX e início do século XX, o Brasil recebeu novos fluxos migratórios das mais diversas origens. Durante o século XX, ocorreram intensos movimentos migratórios internos, acompanhando o processo de crescente urbani- zação e industrialização. Esses movimentos migratórios internos estão associados a fatores socioeconômicos e a políticas de incentivo à ocupação do território. Os ciclos econômicos formaram polos de atração de migrantes para diferentes regiões. Posteriormente, o pro- cesso de industrialização firmou a região Sudeste como principal destino dos deslocamentos populacionais. O censo realizado em 2010 mostrou, porém, que a intensidade da migração para as metrópoles do Sudeste diminuiu, em função, sobretudo, da descentralização da atividade industrial. Hoje se constata o surgimento de polos de desenvolvimento e de ofertas de emprego em diversas regiões. Produz-se, assim, um novo fluxo migratório. 22 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Brasília Na capital doBrasil encontram-se as sedes do Poder Executi- vo Federal, o Palácio do Planalto; do Poder Legislativo Federal, o Congresso Nacional; bem como da mais alta corte do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal. A cidade começou a ser construída em 1957, no planalto Cen- tral, para concretização de uma política já estabelecida na Constituição Republicana de 1891, que visava à integração nacional e ao desenvolvimento do interior. Com projeto urba- nístico de Lúcio Costa e arquitetônico de Oscar Niemeyer, a nova capital foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Por seu valor arquitetônico, no ano de 1987, foi declarada patrimônio cultural da humanidade pela Organização das Nações Uni- das para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO). Palácio do Planalto Paralelamente a esses fluxos migratórios, o Estado promoveu ações de incentivo à ocupação de áreas pouco povoadas, com vistas à sua integração ao território nacional. A chamada “Marcha para o Oeste”, por exemplo, foi um movimento criado pelo primeiro período de governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945) para motivar a ocupação da região Centro-Oeste. Pos- teriormente, a mudança da capital do País constituiu-se em um marco de ocupação territorial. A ocupação do território da re- gião Norte do Brasil foi impulsionada pela extração da borracha, no final do século XIX. A miscigenação, as heranças lusitana, indígena e africana, e a interação harmônica de diferentes culturas foram responsáveis por uma identidade própria e original. A língua oficial brasileira, o português, é um dos principais fundamentos da identidade nacional e um vetor de transmissão da cultura e das tradições. A música, as artes, a literatura e o esporte são elementos que também colaboraram para o processo de formação da identidade nacional. Esses elementos abarcam características, dizeres e saberes locais, contribuindo para o de- senvolvimento de uma cultura própria e diversificada. 23 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Símbolos nacionais Segundo o art. 13 da Constituição Federal, os quatro símbolos oficiais da Repú- blica Federativa do Brasil são: a Bandeira Nacional, o Hino Nacional, as Armas da República e o Selo Nacional. Os símbolos são manifestações gráficas e musicais de importante valor histórico, criados para transmitir o sentimento de união nacional e a soberania do País. Após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, uma nova ban- deira foi criada para representar as con- quistas e o momento histórico do País. Inspirado na bandeira imperial, desenhada pelo pintor francês Jean Baptiste De- bret, o novo pavilhão foi projetado por Teixeira Mendes e Miguel Lemos, com desenho de Décio Vilares, e foi aprovado pelo Decreto no 4 do governo provisó- rio. A nova bandeira manteve a tradição do losango amarelo em campo verde, mas introduziu a esfera azul salpicada de estrelas e atravessada por uma faixa branca, em sentido oblíquo e descendente da esquerda para a direita, com os dizeres “Ordem e Progresso”. As estrelas, incluindo a constelação do Cruzeiro do Sul, representam, cada uma, um estado brasileiro. De acordo com a Lei no 8.421, de 11 de maio de 1992, no caso de criação ou extinção de algum estado, o con- junto deve ser atualizado. Bandeira Nacional A letra do Hino Nacional do Brasil foi escrita pelo poeta e jornalista Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) e a música, composta pelo maestro e professor Francisco Manuel da Silva (1795-1865). O hino está regulamentado pela Lei no 5.700 de 1o de setembro de 1971. Hino Nacional O Selo Nacional do Brasil é baseado na esfera da Bandei- ra Nacional. Nele há um círculo com os dizeres “Repúbli- ca Federativa do Brasil”. É usado para autenticar os atos de governo, os diplomas e certificados expedidos por escolas oficiais ou reconhecidas. O Brasão das Armas do Brasil foi desenhado pelo en- genheiro Artur Zauer, por encomenda do Presidente Deo- doro da Fonseca. É um escudo azul-celeste, apoiado sobre uma estrela de cinco pontas, com uma espada em riste. Ao seu redor está uma coroa formada de um ramo de café frutificado e outro de fumo florido sobre um resplendor de ouro. O uso do brasão é obrigatório pelos Poderes Exe- cutivo, Legislativo e Judiciário e pelas Forças Armadas e está presente em todos os prédios públicos. O Brasão das Armas da República Selo Nacional 24 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Evolução da população O primeiro censo oficial realizado no País, no ano de 1872, registrou aproximadamente 10 milhões de habitantes. No re- censeamento de 2010, foram contabilizados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 191 milhões. A população do Brasil praticamente decuplicou ao longo do século XX, evidenciando um intenso ritmo de crescimento, que colocou o País como o quinto mais populoso do mundo. Durante a maior parte da segunda metade do século XX, época em que foi mais intenso o crescimento populacional, a pirâmide demográfica caracterizava-se por um grande alarga- mento da base e significativo estreitamento no topo, indicativos de uma grande população jovem economicamente dependente. A configuração da atual pirâmide demográfica sinaliza a diminuição dessa população economicamente dependente, o que significa, na prática, que o Brasil vive um momento cha- mado de “bônus demográfico” ou “janela de oportunidade”. Trata-se de um período de transição demográfica em que a fecundidade já se encontra em patamares inferiores, a popu- lação ainda não apresenta envelhecimento expressivo, ao pas- so que se registra aumento da camada economicamente ativa na sociedade. Portanto, o Brasil se encontra em situação pri- vilegiada para corresponder às oportunidades de mudanças no plano internacional. idade (anos) 70 e mais 65-70 60-65 55-60 50-55 45-50 40-45 35-40 30-35 25-30 20-25 15-20 10-15 0-5 500 400 300 200 100 0 100 200 300 400 500 Sexo femininoSexo masculino em mil hab. 5-10 Pirâmide etária do Brasil 1970 Fonte: IBGE. Censo demográfico 1970. 25 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL A educação é um pilar básico para a construção de uma sociedade mais justa, desenvolvida e solidária, em que a cida- dania pode ser exercida de maneira plena. Em consonância com a diretriz traçada no art. 205 da Cons- tituição Federal6 , o País tem investido de forma expressiva em projetos educacionais que permitam ao cidadão brasileiro assu- mir uma postura mais crítica frente aos desafios do século XXI. A situação da educação no Brasil apresentou melhorias sig- nificativas nas últimas décadas: houve queda substancial da taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, aumento regular da esco- laridade média e da frequência escolar (taxa de escolarização)7. A nova conjuntura social, política e econômica deste sécu- lo tem mostrado que o ensino de excelência é imprescindível para o desenvolvimento do País. 6 O art. 205 da Constituição Federal afirma que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie- dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” 7 IBGE — Síntese de Indicadores Sociais — 2002 e Ministério da Educação, Censo Escolar 2010. +100 95-99 90-94 85-89 80-84 75-79 70-74 65-69 60-64 55-59 50-54 45-49 40-44 35-39 30-34 25-29 20-24 15-19 10-14 5-9 0-4 20 15 10 5 5 10 15 20 20302007 Milhões Milhões idade (anos) Pirâmide etária do Brasil 2007 e 2030 Fontes: IBGE e Nações Unidas. 26 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E ADEFESA NACIONAL Defesa Nacional Uma das atribuições do Estado é prover a segurança e a defesa necessárias para que a sociedade possa alcançar os seus objetivos. Cabe ao Estado, propiciar e garantir condições para que se possa considerar que o País não corra risco de uma agressão externa, nem esteja exposto a pressões políticas ou imposições econômicas insuportáveis, e seja capaz de, livre- mente, dedicar-se ao próprio desenvolvimento e ao progresso. O Brasil exerce completa e exclusiva soberania8 sobre seu território, seu mar territorial e espaço aéreo sobrejacen- te, não aceitando nenhuma forma de ingerência externa em suas decisões. O Estado brasileiro trabalha em prol de ações que fortaleçam a aproximação e a confiança entre os Estados, uma vez que a valorização e a exploração dessa perspectiva representam uma contribuição à prevenção de contenciosos capazes de potencializar ameaças à segurança nacional. 8 A soberania é o primeiro fundamento citado no art. 1o da Constituição Federal brasi- leira. A soberania é inalienável, indivisível e imprescritível. Deve ser exercida pela von- tade geral e ser preservada em nome das futuras gerações e da prosperidade do País. Trata-se de uma ordem suprema, que não deve se submeter a outra ordem. Força Aérea no monitoramento das fronteiras 27 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Exército na defesa da Amazônia A Defesa Nacional, caracterizada na Política Nacional de Defesa como “o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da sobe- rania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderante- mente externas, potenciais ou manifestas”, tem como objetivos: I. garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integrida- de territorial; II. defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III. contribuir para a preservação da coesão e unidade na- cionais; IV. contribuir para a estabilidade regional; V. contribuir para a manutenção da paz e da segurança in- ternacionais; VI. intensificar a projeção do Brasil no concerto das na- ções e sua maior inserção em processos decisórios interna- cionais; VII. manter Forças Armadas modernas, integradas, ades- tradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, ope- rando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII. conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; IX. desenvolver a Base Industrial de Defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; 28 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Marinha no patrulhamento do mar territorial X. estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os plane- jamentos estratégicos e operacionais; e XI. desenvolver o potencial de logística de defesa e de mo- bilização nacional. A Estratégia Nacional de Defesa (END), lançada em 2008 e revista em 2012, traçou metas para assegurar que os objeti- vos da Defesa Nacional pudessem ser atingidos. As diretrizes estabelecidas na END estão voltadas para a preparação das Forças Armadas com capacidades adequadas para garantir a segurança do País tanto em tempo de paz, quanto em situa- ções de crise. O objetivo da Estratégia é atender às necessi- dades de equipamento das Forças Armadas, privilegiando o domínio nacional de tecnologias avançadas e maior indepen- dência tecnológica. Uma estrutura de defesa adequada garante maior estabi- lidade para o País e, assim, um ambiente propício para que o Estado brasileiro alcance os objetivos nacionais apresentados no artigo 3o da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigual- dades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou- tras formas de discriminação. 29 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 1 — O ESTADO BRASILEIRO E A DEFESA NACIONAL Para a consecução dos objetivos estratégicos de defesa, o Estado brasileiro definiu, em uma perspectiva de longo prazo, as metas constantes do Plano Brasil 20229, elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos: Meta 1 — Aumentar a capacidade de direção e de atuação conjunta das Forças Armadas, com o acréscimo de seus efetivos em 20% e o estabelecimento progressivo de um orçamento de defesa que permita equipar e manter forças aptas ao cumprimento pleno de suas atribuições constitucionais. Meta 2 — Vigiar e proteger a totalidade do espaço aéreo brasileiro com meios do poder aeroespacial compatíveis com as necessidades da Defesa Nacional. Meta 3 — Participar de operações de paz e de ações humanitárias de interesse do País, no cumprimento de man- dato da Organização das Nações Unidas (ONU), com amplitude compatível com a estatura geopolítica do País. Meta 4 — Aumentar o poder naval brasileiro para cumprir, em sua plenitude, as tarefas de controlar áreas maríti- mas, negar o uso do mar e projetar poder sobre terra. Meta 5 — Vigiar e proteger o território brasileiro, articulando adequadamente a Força Terrestre, com especial ênfa- se na Amazônia e no Centro-Oeste do País. Meta 6 — Capacitar os quadros do Sistema de Defesa Nacional e dotá-lo de autonomia tecnológica. ______________________________________________ 9 O Plano Brasil 2022 está disponível em www.sae.gov.br. 30 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI CAPÍTULO 2 O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI NAVIO AERÓDROMO SÃO PAULO 31 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI “Se o Brasil se abre para o mundo, o mundo se volta para o Brasil. Essa dinâmica é portadora de esperança, mas também de novas e grandiosas responsabilidades, que as Forças Armadas saberão cumprir.” Presidenta Dilma Rousseff Brasília, 5 de abril de 2011 O sistema internacional contemporâneo, marcado pelo esgotamento da ordem que caracterizou o imediato pós-Guerra Fria, tem-se distinguido pelo acelerado processo de reestruturação das relações de poder entre os Estados. O advento de uma ordem mul- tipolar, caracterizada pela coexistência de potências tradicionais e potências emergentes, traz consigo novas oportunidades e novos desafios às nações no plano da defesa. Embora o diálogo, a cooperação, a ênfase no multilateralismo e o respeito ao direito interna- cional continuem a ser atributos importantes e desejáveis para o cenário internacional, a recomposição do sistema em base multipo- lar não é, por si só, suficiente para garantir que, no atual quadro de transição, prevaleçam relações não conflituosas entre os Estados. Nesse contexto, o Brasil vê, em sua política de defesa e em sua vocação para o diálogo, componentes essenciais para sua inserção afirmativa e cooperativa no plano internacional. Diante das incertezas em relação aos cenários futuros, o custo do não engajamento do Brasil na construção da ordem internacional nascente pode ser muito maior do que o ônus imediato, que é o investimento na capacitação, no preparo e no desenvolvimento de meios necessários ao exercício da soberania. A consolidação de estruturas de governança multilateral re- presentativas da nova distribuição de poder mundial é um interesse do País que exige coordenação estreita entre as políticas externa e de defesa, na medida em que esta oferece àquela salvaguardas, apoio e logística, imprescindíveis para a atuação do Brasil no cenário internacional. A política de defesa determina a capacidade estatal de oferecer proteção ao povo brasileiro e de garantir a não ingerência externa em seuterritório e em suas águas jurisdicionais, inclusive no espaço aéreo sobrejacente, no leito marinho e no subsolo. A soberania da Nação, sua inserção econômica competitiva e seu desenvolvimento pleno pressupõem capacidade de defesa condizente com as potencialidades e aspirações do País. 32 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI Apesar das mudanças cada vez mais aceleradas das últimas décadas, a ordem internacional continua a ser determinada pre- dominantemente pela relação entre Estados. A defesa do Brasil diante de potenciais ameaças externas continuam a ser, assim, a missão essencial das Forças Armadas do País. Novos temas — ou novas formas de abordar temas tradicionais — passaram a influir no ambiente internacional deste século. As implicações para a proteção da soberania, ligadas ao problema mundial das drogas e delitos conexos, a proteção da biodiversidade, a biopirataria, a defesa cibernética, as tensões decorrentes da crescente escassez de recursos, os desastres naturais, os ilícitos transnacionais, os atos terroristas e a atuação de grupos armados à margem da lei explicitam a crescente transversalidade dos temas de segurança e de defesa. Diante deles, o Brasil reconhece — em respeito às provisões da Consti- tuição — a necessidade de políticas coordenadas entre diferentes órgãos do governo. Outros desafios que se apresentam ao País dizem respeito à sua capacidade de fazer face aos chamados “conflitos do futuro”, quais sejam, as guerras de informação e os conflitos de pequena escala caracterizados por origem imprecisa e estruturas de coman- do e controle difusas, que operam com o uso de redes sociais. Importa fortalecer a capacidade de engajamento internacional do País. O diálogo franco e aberto deve contribuir para a política externa e para sua interação com a política de defesa, por meio da construção de consensos que impulsionem o debate interno co- letivo e amplo. O interesse pelos temas da defesa despertado, nos últimos anos, em segmentos crescentes da sociedade brasileira é tendência salutar. A participação efetiva de diversos setores sociais no debate nacional sobre defesa possibilita maior entendimento dessas questões. Um cenário internacional caracterizado por incertezas tem influência direta tanto na definição da política externa brasileira, quanto em sua política de defesa. O fenômeno da globalização trouxe consigo o agravamento de ameaças de naturezas distintas, como o narcotráfico, o tráfico de armas e a pirataria marítima, que põem à prova a capacidade do Estado. O agravamento da crise econômico-financeira internacional indica também uma possível deterioração das condições sociais, energéticas e ambientais, com evidentes reflexos para a paz e segurança no mundo. O Brasil trabalha em prol da construção de uma comunidade global participativa e inclusiva. Empenha-se, para tanto, na promoção de uma “multipolaridade cooperativa”, expressão que sintetiza a percepção do País de que uma estrutura multipolar de poder se está consolidando no mundo. Nesse ambiente estratégico, a atuação internacional deve primar pela consolidação de mecanismos de governança mais representativos da nova realidade internacional, voltados para a paz e a segurança mun- 33 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI diais e para o bem-estar da humanidade. A nova arquitetura de poder do século XXI não deve favorecer posturas conflituosas e excludentes, herdadas de ordenamentos internacionais que predominaram ao longo do século XX. Essa opção política, no entanto, não pode negligenciar a complexidade das ameaças surgidas no período do pós-Guerra Fria e das incertezas de que se reveste o horizonte de médio e longo prazos. O País vem se preparando para essas realidades desde a reformulação da Política de Defesa Nacional, em 2005, e do lançamento da Estratégia Nacional de Defesa, em 2008, ambas revistas em 2012. Na América do Sul, delineia-se uma clara tendência de cooperação em matéria de defesa. Essa tendência tem sido constantemente reforçada desde a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e, especialmente, de seu Con- selho de Defesa (CDS). Vê-se surgir na América do Sul uma “comunidade de segurança”10, motivada pelo fato de os países vizinhos compartilharem experiências históricas comuns, desafios de desenvolvimento semelhantes e regimes democrá- ticos, que facilitam a compreensão recíproca e propiciam uma acomodação pacífica dos diversos interesses nacionais. Em síntese, a política de defesa brasileira conjuga componentes cooperativos e dissuasórios. Crises internacionais podem surgir à revelia da vontade do País, o que exige um nível adequado de prontidão e modernização de suas Forças Armadas. No plano global, o Brasil deve ter uma capacidade de defesa correspondente à sua estatura econômica, política e estratégica, de modo a ter seus recursos preservados, sua palavra ouvida, sua posição respeitada e sua tradição pacífica salvaguardada. Contextualização do ambiente estratégico Na composição dos polos de poder internacionais contemporâneos, coexistem elementos de unipolaridade, como a prepon- derância militar norte-americana; de bipolaridade, como a interdependência econômica entre Estados Unidos da América e Chi- na; e de multipolaridade, como o G-20 financeiro, o G-20 comercial, o grupo BRICS, o Fórum IBAS e o grupo BASIC11, além de 10 Conceito apresentado por Karl W. Deutsch, no fim da década de 1950, em sua clássica obra Political Community and the North Atlantic Area — In- ternational Organization in the Light of Historical Experience. De acordo com Deutsch, uma comunidade de segurança emergiria nas relações entre Estados de uma mesma região à medida que a guerra se tornasse impensável na solução de disputas entre seus membros. 11 G-20 financeiro — Grupo composto por: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia, que formam o G-8, e ainda Brasil, Argentina, México, China, Índia, Austrália, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul, Coréia do Sul, Turquia e União Europeia; G-20 comercial — Grupo composto por 23 países de três continentes: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue; BRICS — Grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; 34 LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL — CAPÍTULO 2 — O AMBIENTE ESTRATÉGICO DO SÉCULO XXI outros. Coexistem estruturas recentes e tradicionais de governança global, em que novos fóruns de concertação política passam a ter importância similar à de outros que se consolidaram segundo uma lógica bipolar e excludente ao longo do século XX. Na contextualização do ambiente estratégico deste século, alguns cenários podem ser caracterizados: a) unipolaridade: expressa a preponderância de um ator hegemônico sobre o sistema internacional. Embora a reafirmação da unipolaridade não deva ser descartada, é pouco provável que, diante da crise estrutural no mundo desenvolvido e da crescente presença de novos atores, alguma potência seja capaz de administrar isoladamente fenômenos de implicações globais; b) condomínio de poder: neste cenário, a competição e a coordenação entre dois ou poucos polos de poder balizariam a ação de todos os demais atores do sistema. Do ponto de vista estratégico, parece improvável que um condomínio de poder, similar ao que caracterizou o século XX, volte a reger o sistema internacional nos próximos decênios; e c) multipolaridade: representa a estrutura de poder que provavelmente caracterizará o ambiente estratégico nas próximas décadas. A estrutura multipolar expressa a coexistência de diversos polos de poder interagindo no sistema internacional, cada qual influenciando a ação do outro.
Compartilhar