Buscar

História à mesa Leandro Karnal

Prévia do material em texto

(F
o
nte
:
 http
://cultu
ra
.e
stad
ao
.co
m
.b
r/n
oticia
s/ge
ral,histo
ria
-a
-m
esa
,70001661608
 
–
 a
ce
sso
e
m
 16fe
v2017)
Histó
ria
 à
 m
e
sa
 (L
ea
nd
ro
 K
a
rn
al
 
–
 E
stadão
,
 12
 de
 fe
ve
reiro
 d
e
 2017)
C
ria
nça
s
 to
m
a
m
 su
co
s
 o
rgâ
nico
s
 livre
s
 de
 q
uaisq
ue
r
 coisa
s
 tra
n
s
 p
o
r
 p
ais
q
u
e
 b
ebia
m
 Ki
-S
u
co
 
P
o
u
ca
s
 coisa
s
 sã
o
 tã
o
 cultu
rais
 q
u
a
nto
 a
 co
m
ida
.
 U
m
a
 m
esa
 é
 u
m
a
 co
n
cepçã
o
 d
e
m
u
nd
o
,
 u
m
a
 hie
ra
rq
uia
 de
 d
esejo
s
 e
 de
 im
agin
ação
 e
sp
acial
.
 D
efinir
 o
 q
u
e
 co
m
e
r
,
 d
e
 q
ue
fo
rm
a
 e
 e
m
 q
u
al
 q
ua
ntidad
e
 é
 m
ais
 d
o
 q
u
e
 u
m
 e
xe
rcício
 básico
.
 P
o
r
 ve
ze
s
,
 infelizm
e
nte
,
u
m
a
 m
e
sa
 é
 ta
m
bé
m
 o
 a
rra
njo
 d
o
 po
ssível
.
E
m
 u
m
 film
e
 d
e
 p
rop
aga
nd
a
 d
a
 G
u
e
rra
 F
ria
,
 N
inotchka
 (E
rn
st
 L
ubitsch
,
 1939)
,
 G
reta
G
a
rb
o
 é
 u
m
a
 e
n
viad
a
 ru
ssa
 a
 P
a
ris
 q
ue
 re
cu
sa
 u
m
 ofe
re
cim
e
nto
 de
 co
m
id
a
 p
o
r
 já
 te
r
inge
rid
o
 a
 q
u
a
ntid
ad
e
 suficie
nte
 d
e
 calo
ria
s
.
 C
la
ro
 q
u
e
,
 ao
 lo
ngo
 d
a
 na
rrativa
,
 a
co
m
issá
ria
 bolch
e
viq
ue
 vai
 d
e
scob
rind
o
 o
s
 e
n
ca
ntos
 d
e
 u
m
 ch
apé
u
 sofisticad
o
,
 d
e
 joia
s
,
de
 cha
m
p
a
nh
e
 e
 d
a
 b
oa
 co
m
id
a
.
 C
o
n
ve
rtid
a
 a
o
 lado
 estético
 d
a
 vid
a
,
 ela
 de
se
rta
 da
U
RSS
.
P
rim
eira
 liçã
o
:
 a
 m
e
sa
 é
 u
m
 re
su
m
o
 d
as
 tro
ca
s
 d
o
 m
u
nd
o
.
 U
m
a
 g
ra
m
ín
e
a
,
 a
 ca
n
a
-de
-
açú
ca
r
,
 sai
 do
 O
cea
no
 Índico
 e
,
 le
vad
a
 po
r
 á
rab
es
,
 ch
ega
 a
o
 M
edite
rrâ
n
eo
.
 A
 jo
rn
ad
a
co
ntin
u
a
 p
ela
s
 ilha
s
 do
 Atlâ
ntico
 e
,
 d
ali,
 atinge
 B
ra
sil
 e
 C
a
ribe
.
 S
u
rge
 u
m
a
 civilizaçã
o
 d
o
açú
ca
r
.
 O
 go
sto
 pelo
 d
oce
 se
rá
 u
m
 pé
rfid
o
 in
ce
ntivo
 ao
 flu
xo
 d
e
 e
scra
vo
s
 n
a
 Idade
M
ode
rn
a
.
 O
s
 e
nge
nh
o
s
 daq
ui
 e
 os
 e
scra
vo
s
 de
 A
ngola
 e
stim
ula
m
 a
 in
va
sã
o
 b
ata
va
 de
a
m
bo
s
 o
s
 lad
o
s
 d
o
 Atlâ
ntico
.
 Te
r
 im
pé
rio
 açu
ca
reiro
 m
ud
o
u
 o
 pe
rfil
 da
 culiná
ria
po
rtug
u
e
sa
.
 U
m
a
 e
sp
e
cia
ria
,
 a
nte
s
 ra
ra
,
 to
rn
a
-se
 u
m
a
 da
s
 e
xplicaçõe
s
 pa
ra
 u
m
 pinto
r
co
m
o
 F
ra
n
z
 P
o
st
 te
r
 e
stad
o
 n
o
 N
o
rde
ste
 o
u
 p
a
ra
 no
ssa
 co
m
p
o
siçã
o
 étnica
.
 C
o
m
id
a
 é
histó
ria
.
Pim
e
nta
,
 cra
vo
,
 ca
n
ela
 e
 o
utro
s
 ite
n
s
 le
va
ra
m
 os
 lu
sita
n
o
s
 e
 o
 cristia
nism
o
 p
a
ra
 a
 Á
sia
.
 A
m
a
nga
,
 ab
u
nd
a
nte
 na
 Índia
,
 ch
ega
 a
o
 B
ra
sil
 e
 se
 aclim
ata
 tã
o
 b
e
m
 q
u
e
 pa
rece
 q
ue
se
m
p
re
 fo
m
o
s
 cobe
rto
s
 po
r
 m
a
ng
u
eira
s
 fro
nd
osa
s
.
 Alé
m
 d
a
 m
a
nga
 e
 d
o
 açú
ca
r
,
 o
 B
ra
sil
colô
nia
 re
ceb
e
u
 u
m
a
 pla
nta
 africa
n
a
 e
spe
cial:
 o
 café
.
 C
o
m
 u
m
a
 histó
ria
 ro
ca
m
b
olesca
,
F
ra
n
cisco
 d
e
 M
elo
 P
alh
eta
 tro
u
xe
 a
 rubiá
ce
a
 p
a
ra
 a
 A
m
é
rica
 P
o
rtug
ue
sa
 n
o
 sé
culo
 18
.
 O
su
ce
sso
 d
o
 cultivo
 do
 café
 é
 pa
rte
 da
 no
ssa
 histó
ria
.
 
O
 N
o
vo
 M
u
nd
o
 d
e
u
 u
m
a
 co
ntrib
uiçã
o
 e
xp
re
ssiva
 à
 e
co
n
o
m
ia
 e
 à
s
 m
e
sas
 d
o
 V
elho
.
 A
batata
,
 o
riu
nd
a
 da
 regiã
o
 a
ndina
,
 to
rno
u
-se
 tã
o
 fu
nd
a
m
e
ntal
 n
a
 E
u
rop
a
 q
u
e
 fica
 co
m
ple
xo
e
xplica
r
 a
 u
m
 ale
m
ã
o
 o
u
 irla
ndê
s
 q
u
e
 n
e
m
 se
m
p
re
 este
ve
 lá
.
 Q
u
e
 u
m
 tubé
rculo
 a
ndin
o
te
nha
 virad
o
 batata
-ingle
sa
 é
 a
 e
vidê
n
cia
 de
 co
m
o
 u
m
a
 pla
nta
 p
ode
 se
r
 ap
rop
riad
a
 física
e
 co
nceitualm
e
nte
.
 
Ta
m
bé
m
 d
a
 A
m
é
rica
 p
ro
ced
e
 o
 m
ilh
o
 q
u
e
 h
oje
 se
 este
nd
e
 po
r
 ca
m
p
os
 im
e
nso
s
 e
m
 tod
o
s
o
s
 co
ntin
e
nte
s
.
 Já
 n
o
 sé
culo
 16
,
 a
 p
ro
saica
 goiab
eira
 da
s
 A
m
é
rica
s
 e
sta
va
 viceja
nd
o
 na
Índia
 g
raças
 à
s
 n
a
vegaçõ
e
s
.
 A
 m
e
sm
a
 Índia
 veio
 a
 co
nh
e
ce
r
 o
 m
a
m
ão
 p
ap
aia
 e
 o
 caju
.
O
s
 cajueiro
s
 e
ra
m
,
 aliá
s
,
 a
 m
a
rca
 distintiva
 d
e
 g
ra
nd
e
 pa
rte
 d
o
 lito
ral
 do
 N
o
rte
 e
 N
o
rd
e
ste
do
 B
rasil
.
 Só
 d
epois
 o
s
 coq
u
eiro
s
 o
cup
a
ra
m
 e
ssa
 ide
ntid
ade
 visual
.
Há
 a
nim
ais
 da
 p
a
rad
a
 tra
n
so
ceâ
nica
.
 Vie
ra
m
 galinh
a
s
 e
 va
ca
s
 p
a
ra
 cá
.
 E
xpo
rta
m
o
s
 o
pe
ru
 pa
ra
 o
 pla
n
eta
.
 C
a
ra
vela
s
 são
 a
rcas
 d
e
 N
oé
.
 
Todo
 p
ro
ce
sso
 de
 m
u
ndialização
 é
,
 ta
m
bé
m
,
 troca
 de
 alim
e
ntos
.
 O
 ch
a
m
ad
o
 inte
rcâ
m
bio
colo
m
bia
no
 (colu
m
bia
n
 
e
xch
a
nging)
 foi
 
cre
sce
ndo
 
co
m
 
a
 Idad
e
 M
od
e
rna
 
e
 
a
C
o
nte
m
p
o
râ
n
ea
.
 O
 chá
 o
rie
ntal
 ch
ega
 cada
 ve
z
 e
m
 m
aio
r
 q
u
a
ntidad
e
 pa
ra
 os
 inglese
s
.
 A
A
m
é
rica
 p
assa
 a
 pla
nta
r
 trigo
.
 O
 gira
ssol
 d
a
 A
m
é
rica
 do
 N
o
rte
 viro
u
 u
m
 cultivo
 m
u
ndial
 e
pa
sso
u
 a
 se
r
 a
sso
ciad
o
 ao
s
 ca
m
p
o
s
 d
a
 Rú
ssia
.
 O
 a
rro
z
 d
a
 Á
sia
 se
 to
rn
a
 m
u
ndial
.
 Pla
nta
s
vicia
nte
s
 de
sp
o
nta
m
:
 a
 co
ca
 e
 o
 taba
co
 d
a
 A
m
é
rica
.
 
A
 m
inh
a
 geraçã
o
 co
nh
e
ce
u
 u
m
a
 no
va
 o
nd
a
 d
e
 tro
ca
s
.
 Q
u
a
ndo
 n
asci,
 h
a
via
 po
u
ca
s
opçõe
s
 de
 fruta
s
.
 D
e
sco
nhe
cía
m
o
s
 lichia
 e
 kiw
i
.
 N
u
n
ca
 vi
 o
u
 e
xp
e
rim
e
ntei
 u
m
 su
shi
 na
infâ
n
cia
.
 Ig
n
o
ra
va
 o
 q
u
e
 vinh
a
 a
 se
r
 u
m
 te
m
aki
.
 O
s
 m
e
rcado
s
 e
ra
m
 m
ais
 lo
cais
,
 e
 a
vo
ntad
e
 de
 e
xpe
rim
e
nta
r
,
 ap
a
nágio
 da
 civilizaçã
o
,
 b
e
m
 m
e
n
o
r
.
R
e
ceita
s
 ta
m
bé
m
 co
nhe
ce
m
 histó
ria
.
 Vi
 su
rgir
 e
 d
e
cair
 o
 e
strogo
n
ofe
,
 o
 coq
u
etel
 de
ca
m
a
rão
,
 o
 fo
nd
u
e
,
 a
 noite
 d
e
 q
u
eijo
s
 e
 vinh
o
s
.
.
.
 C
o
nfe
sso
,
 co
n
stra
ngid
o
,
 te
r
 co
nhe
cid
o
u
m
 ind
efectível
 vinho
 ale
m
ã
o
,
 m
ais
 d
oce
 do
 q
u
e
 o
 m
el
 e
 m
ais
 o
rdiná
rio
 d
o
 q
u
e
 u
m
a
pe
rso
n
age
m
 de
 N
elso
n
 R
od
rig
ue
s
.
 Q
ua
ntos
 d
os
 q
u
e
 h
oje
 oste
nta
m
 sofisticaçõ
es
 e
nófila
s
tê
m
 e
ssa
 m
a
n
cha
 a
zul
 n
o
 se
u
 p
a
ssad
o?
 
O
 q
u
e
 le
va
 a
o
 e
clip
se
 do
 coq
u
etel
 de
 ca
m
a
rã
o?
 D
ifícil
 dize
r
.
 D
e
ve
 e
sta
r
 n
o
 m
e
sm
o
 luga
r
o
nde
 se
 a
cu
m
ula
m
 a
 sa
m
a
m
b
aia
 d
e
 m
etro
 e
 o
 cach
o
 de
 u
va
s
 co
m
 p
ed
ra
s
 b
ra
sileira
s
 n
a
m
esa
 d
e
 ce
ntro
.
 C
o
m
id
a
 é
 se
m
p
re
 histó
ria
 e
 histó
ria
 é
 se
m
p
re
 dinâ
m
ica
.
U
m
a
 cria
nça
 d
e
 cla
sse
 m
édia
 m
a
n
eja
 se
u
s
 p
alito
s
 d
e
 m
ad
eira
 co
m
 d
estre
za
 e
 indica
,
sob
e
ra
na
,
 se
 go
sta
 o
u
 nã
o
 q
u
e
 se
u
 su
shi
 te
nh
a
 m
a
nga
 o
u
 cre
a
m
 ch
ee
se
.
 Ig
n
o
ra
 q
u
e
 a
m
istu
ra
 po
ssa
 p
a
re
ce
r
 nipô
nica
,
 m
as
 é
,
 de
 fato
,
 ra
ra
 n
o
 Japã
o
.
 Ali,
 tudo
 é
 u
m
a
 sínte
se
m
u
ndial
 de
co
rre
nte
 de
 sé
culos
 d
e
 tro
ca
s
.
 P
a
ra
 ela
,
 a
 co
m
id
a
 chin
e
sa
 é
 aq
u
ela
 d
a
caixinh
a
,
 aind
a
 q
u
e
 ne
nh
u
m
 chinê
s
 a
 re
co
nheça
 co
m
o
 sua
.
 M
e
sm
o
 e
ntre
 a
 elega
nte
ch
u
rra
sca
ria
 e
m
 Sã
o
 P
a
ulo
 e
 o
 hábito
 ga
u
ch
esco
 da
s
 co
xilh
a
s
 m
e
ridio
nais
 vai
 u
m
 abism
o
e
n
o
rm
e
.
 M
ud
a
 a
 té
cnica
 de
 a
ssa
r
,
 m
ud
a
m
 o
s
 no
m
es
 (fraldinh
a
 vira
 va
zio)
 e
 m
ud
a
m
 o
s
m
odo
s
 à
 m
esa
.
 C
o
n
so
m
e
m
-se
 tapio
ca
s
 co
m
 leite
 co
nde
n
sado
 co
m
o
 se
 tive
sse
m
 n
ascid
o
ju
nto
s
.
 T
ud
o
 se
 m
e
scla
 n
u
m
a
 infinita
 m
estiçage
m
.
E
m
e
rge
m
 o
rto
re
xia
s
,
 cuid
ado
s
 e
xtre
m
os
 co
m
 a
 q
ualid
ad
e
 n
utritiva
 d
a
 co
m
id
a
.
 O
 a
zeite
se
rá
 e
xtra
virge
m
 e
 co
m
 pH
 infe
rio
r
 a
 0
,5%
,
 feito
 d
e
 a
zeito
na
s
 colhid
a
s
 co
m
 afeto
 p
o
r
ca
m
po
n
ese
s
 e
nto
a
nd
o
 ca
nto
 g
rego
ria
n
o
.
 C
ria
nça
s
 são
 ap
re
se
ntad
a
s
 a
 su
cos
 o
rgâ
nico
s
livre
s
 d
e
 q
uaisq
u
e
r
 coisa
s
 tra
n
s
 po
r
 pais
 q
u
e
 cre
sce
ra
m
 to
m
a
nd
o
 Ki
-S
u
co
.
 O
 q
u
e
 ve
m
pela
 fre
nte?
 Im
po
ssível
 dize
r
,
 tod
a
via
,
 se
 a
 m
e
sa
 co
ntin
u
a
rá
 se
nd
o
 u
m
a
 a
ula
 d
e
 histó
ria
.
C
o
m
id
a
 co
ntin
ua
rá
 d
efinind
o
 im
pé
rio
s
 e
 lim
ita
ndo
 o
u
 aleg
ra
ndo
 vid
as
.
 E
xistiria
 algo
 m
ais
rele
va
nte?
 B
o
m
 d
o
m
ingo
 a
 tod
o
s
 vo
cês
.

Continue navegando