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J. Introdução; 2. Dividir vara reinar; 3. O desenvolvimento da fábrica. Stephen Marglin** * Este texto constitui a primeira parte do livro What do bosses do?; Origins and functions of hierarchy in capitalist production. É reproduzido com permissão de Publicações Escorpião, Porto, Portugal. ** Professor de economia na Harvard University. 1. INTRODUÇÃO É a organização econômica e social determinada pela tecnologia ou a tecnologia pela organização econômi- ca e social? Pode o trabalho favorecer o desenvolvimento dos indivíduos numa sociedade industrial complexa ou te- remos que pagar pela prosperidade material o preço da alienação no trabalho? Todas as discussões sobre ..,-; possibilidades do êxito de uma verdadeira revolução vêm, mais cedo ou mais tarde, dar a esta pergunta. Se a autoridade hierárquica for indispensável para atingir uma produtividade elevada, o livre desenvolvimento no trabalho será, quando muito, privilégio de uma pe- quena minoria - e isto qualquer que seja o regime so- cial e econômico. E as satisfações desta minoria serão sempre pervertidas pelo fato, salvo raríssimas ex- ceções, de assentarem na opressão dos outros. Mas a organização do trabalho é determinada pela tecnologia ou pela sociedade? A autoridade hierárquica é real- mente necessária para obter níveis de produção eleva- dos? Ou será a prosperidade material compatível com uma organização do trabalho não-hierárquica? Os paladinos do capitalismo estão profundamente convencidos de que a hierarquia é inelutável. O seu úl- timo argumento é que a pluralidade das hierarquias ca- pitalistas é preferível a uma hierarquia socialista única. E podem mesmo invocar em seu auxílio um aliado inesperado: Friedrich Engels. Talvez sob o efeito de um desvario passageiro, Engels sustentou numa certa época da sua vida que a autoridade era determinada tecnologicamente e não socialmente. "Se o homem, à força de saber e de gênio inventivo , domesticou as forças da natureza, estas tiram a sua vingança submetendo-o, na medida em que ele as emprega, a um verdadeiro despotismo independente de qualquer organização social. Pretender abolir a autoridade na grande indústria é o mesmo que pretender abolir a própria indústria, destruir o tear mecânico para voltar à roda de fiar." 1 Voltar à roda de fiar é evidentemente absurdo - e, se o produtor tem por natureza que receber ordens, não se vê muito bem como é que o trabalho poderá, de uma forma geral, não ser alienante. Se as ciências sociais fossem experimentais, seria fácil sabermos se a organização hierárquica do traba- lho é ou não indispensável para uma produtividade elevada: elaboravam-se técnicas de produção que per- mitissem uma organização igualitária do trabalho e experimentava-se o seu funcionamento real. A expe- riência diria se a organização igualitária do trabalho é utópica ou não. Mas as ciências sociais não são experi- mentais. Nenhum de nós sabe o suficiente sobre o fa- brico do aço ou dos tecidos para criar uma nova tecno- logia, que seja ainda por cima tão radicalmente dife- rente da norma atual como o exigiria uma tentativa séria para mudar a organização do trabalho. Além dis- so, numa sociedade cujas instituições de base - da es- cola à fábrica - assentam na hierarquia, qualquer ten- tativa de mudança pontual está provavelmente votada ao fracasso. Indubitavelmente e, apesar de todos os R. Adm. Ernp., Rio de Janeiro, 18(4): 7-23, out.ldez. 1978 1 I I IOrigens e funções do parcelamento das tarefas Stephen Marglin seus defeitos, a teoria neoclássica tem razão em pôr a tônica no equilíbrio geral em detrimento do equilíbrio parcial. Em vez de procurarmos criar outros modelos de or- ganização, temos pois que seguir um caminho mais desviado. Perguntar-nos-emos por que é que, no curso do desenvolvimento capitalista, o produtor direto per- deu o controle da produção. Como é que nasceu a re- lação hierárquica operário-patrão, que caracteriza a produção capitalista? E que função social cumpre a hierarquia capitalista? Se chegarmos à conclusão de que a origem e a função da hierarquia capitalista não têm grande coisa a ver com a eficácia, faltará ainda de- terminar se a organização hierárquica da produção é indispensável para assegurar um nível de vida material elevado. E os trabalhadores - manuais, técnicos e in- telectuais - poderiam encarar suficientemente a sério a possibilidade de uma organização igualitária do tra- balho para se perguntarem como mudar essas insti- tuições sociais, econômicas e políticas que os conde- nam a todos - com raras exceções - a ver no traba- lho apenas um modo de viver e não uma parte inte- grante da própria vida. Mostraremos neste ensaio que não foi por motivos de superioridade técnica que os patrões adotaram as duas medidas decisivas que despojaram os trabalhado- res do seu controle sobre o produto e o processo de produção: a) o desenvolvimento da divisão parcelar do trabalho que caracteriza o putting-out systemi- b) o desenvolvimento da organização centralizada que caracteriza o sistema de fábrica (factory system). Longe de aumentarem a produção a fatores cons- tantes, estas inovações na organização do trabalho fo- ram introduzidas para que o capitalista receba maior porção do bolo. A organização hierárquica do trabalho não tem por função social a eficácia técnica, mas sim a acumu- lação. Ao interpor-se entre o produtor e o consumi- dor, a organização capitalista permite gastar muito mais com a expansão das instalações e a melhoria dos equipamentos do que o fariam os indivíduos se pudes- sem controlar o ritmo de acumulação do capital. Estas idéias, .que constituem o objeto deste estudo, podem ser reagrupadas em quatro proposições: I. A divisão capitalista do trabalho - tipificada pelo célebre exemplo da manufatura de alfinetes, analisada por Adam Smith - foi adotada não por causa da sua superioridade tecnológica, mas porque ela g~lJ'lDtia ao e . rio um papel essencial no processo de-pro- dução: o o coor enador que, com I ando os es- forços separados dos seus operários, obtém um produ- to mercantil. 8 2. Do mesmo modo, a origem e o êxito da fábrica não se explicam por uma superioridade tecnológica, mas pelo fato de ela despojar o operário de qualquer con- trole e dar ao capitalista o poder de prescrever a natu- reza do trabalho e a quantidade a produzir. A partir daí, o operário já não é livre de decidir como e quanto Revista de Administração de Empresas quer trabalhar para produzir o que lhe é necessário: tem que optar por trabalhar nas condições do patrão ou não trabalhar de todo - o que, na prática, não lhe deixa escolha. 3. A função social do controle hierárquico da pro- dução consiste em permitir a acumulação de capital. Regra geral, o indivíduo não opta deliberadamente e conscientemente por poupar. Exercem-se sobre ele de- masiadas pressões que o incitam a gastar. Quando existe poupança pessoal (a "poupança doméstica"), ela resulta de um defasamento dos hábitos de despesa em relação ao aumento do rendimento, pois a pou- pança, como todas as atividades, tem que ser aprendi- da - e a aprendizagem leva tempo. Deste modo, a poupança individual é conseqüência do crescimento e não causa independente dele. As sociedades aquisitivas - pré-capitalistas, capita- listas ou socialistas - criam instituições graças às quais as coletividades determinam a taxa de acumu- lação. Na sociedade capitalista moderna, a taxa de acumulação é determinada principalmente pela grande firma, o trust. A sua hierarquia - e esta é uma das suas funções sociais básicas - decide qual a parte das receitas que será afetada ao aumento dos meios de pro- dução. Na ausência de um controle hierárquico da produção, a sociedade teria de ou criar instituições igualitárias para assegurar a acumulação de capital ou contentar-se com o nível de capital já acumulado. 4. A tônica