Buscar

Agricultura familiar

Prévia do material em texto

Agricultura familiar e uso do solo 
São Paulo em Perspectiva – Abr/jun, vol. 11, nº2:73-78 
Ricardo Abramovay (*) 
1. Apresentação 
Existem dois preconceitos sem cuja superação é difícil avançar na discussão do 
tema proposto para esta mesa-redonda. O primeiro é o que assimila, confunde, 
transforma em sinônimos “agricultura familiar” e expressões como “produção de 
baixa renda”, “pequena produção” ou até mesmo “agricultura de subsistência”. O 
segundo é o que considera as grandes extensões territoriais trabalhadas por 
assalariados como a expressão mais acabada do desenvolvimento agrícola. Os dois 
preconceitos são evidentemente solidários e respondem pela visão tão freqüente de 
que, apesar de sua importância social, não se pode considerar a agricultura familiar 
como relevante sob o ângulo econômico. 
Não se trata de filigranas sociológicas, mas de um assunto decisivo para todos os 
que atuam na agricultura, a começar pelos especialistas em solos. Auxiliar na 
montagem de sistemas produtivos ambientalmente sustentáveis e economicamente 
rentáveis é um dos maiores desafios que os agricultores colocam aos especialistas 
em solos. Enquanto perdurar a crença de que a agricultura familiar é, por 
definição, um tema de interesse puramente “social” e cuja expressão produtiva 
tende a ser desprezível, será difícil que os profissionais do solo tenham motivação 
suficiente para voltar suas energias intelectuais ao fortalecimento deste setor. 
Para discutir estes temas, o presente texto divide-se em três partes, além desta 
apresentação. Inicialmente (item 2), procura-se oferecer uma definição de 
agricultura familiar e as principais informações a respeito de seu desempenho, em 
países capitalistas centrais e no Brasil. Mesmo não se tratando de um panorama 
completo sobre o tema, as informações oferecidas procuram mostrar que 
agricultura familiar e pequena produção não podem ser tomadas como sinônimos. 
Em seguida (item 3) é apresentada a questão específica proposta na mesa-redonda: 
o uso do solo na agricultura familiar. Discutem-se dados nacionais propostos por 
um estudo da FAO (1995) e os resultados de uma pesquisa publicada recentemente 
sobre o Estado de São Paulo. Em ambos os casos, fica nítido o potencial 
econômico da agricultura familiar. No item 4 sugere-se (sem aprofundar o tema) 
que ao potencial econômico embutido na agricultura familiar corresponde uma 
vocação ainda mais importante: a de servir como base para uma estratégia 
descentralizada de desenvolvimento. 
2. Agricultura familiar: além da “pequena produção” 
 
* Departamento de Economia da FEA e PROCAM/USP - E-mail: abramov@usp.br 
O uso da expressão agricultura familiar no Brasil é muito recente (1). Até dois anos 
atrás, os documentos oficiais usavam de maneira indiscrimida e como noções 
equivalentes “agricultura de baixa renda”, “pequena produção”, quando não 
“agricultura de subsistência”. Da mesma forma, a grande maioria dos textos 
acadêmicos voltados a este tema adotava os mesmos termos. Um dos grupos do 
Programa Integrado de Pesquisas Sociais em Agricultura o PIPSA, que existe 
desde 1979, chamou-se até recentemente “diferenciação social da pequena 
produção”. Também no interior do movimento sindical, era a defesa dos 
“pequenos produtores” que mobilizava grande parte de sua atuação. 
Pequena produção, agricultura de baixa renda ou de subsistência envolvem um 
julgamento prévio sobre o desempenho econômico destas unidades. Em última 
análise aquilo que se pensa tipicamente como pequeno produtor é alguém que vive 
em condições muito precárias, que tem um acesso nulo ou muito limitado ao 
sistema de crédito, que conta com técnicas tradicionais e que não consegue se 
integrar aos mercados mais dinâmicos e competitivos. Que milhões de unidades 
chamadas pelo Censo Agropecuário de “estabelecimentos” estejam nesta 
condição, disso não há dúvida. Dizer entretanto que estas são as características 
essenciais da agricultura familiar é desconhecer os traços mais importantes do 
desenvolvimento agrícola tanto no Brasil como em países capitalistas avançados 
nos últimos anos. 
Um dos mais importantes livros recentes sobre este tema (Gasson e Errington, 
1993:20) destaca seis características básicas que definem a agricultura familiar. 
1. A gestão é feita pelos proprietários. 
2. Os responsáveis pelo empreendimento estão ligados entre si por laços de 
parentesco 
3. O trabalho é fundamentalmente familiar 
4. O capital pertence à família 
5. O patrimônio e os ativos são objeto de transferência intergeracional no interior 
da família 
6. Os membros da família vivem na unidade produtiva 
Esta definição exige dois rápidos comentários: 
a) Ela não envolve qualquer pré-julgamento a respeito do tamanho e da capacidade 
geradora de renda das unidades produtivas: os traços descritos são inteiramente 
compatíveis com uma importante participação na oferta agrícola. 
 
1 Para uma discussão a respeito, ver Abramovay, 1997 
b) É bem verdade que as caracterísiticas expostas por Gasson e Errington não se 
encontram em todos os casos: é freqüente que os membros da família não vivam 
na unidade produtiva (característica 6), por exemplo. Pode acontecer também - 
embora isso seja bem menos freqüente - que o processo sucessório (2) envolva 
pessoas que não são da família (característica 5). Nos países capitalistas centrais, a 
tendência é que nem todos os membros da família se envolvam com o trabalho 
agrícola (característica 4). Mas os traços apontados por Gasson e Errington 
formam o que na tradição da sociologia weberiana chama-se “tipo ideal”: um todo 
coerente que serve para estabelecer as comparações com os dados da pesquisa 
empírica. Não se trata de uma invenção, mas da síntese articulada das 
características básicas de um certo comportamento social. 
Esta caracterização é tanto mais importante que ela corresponde ao módulo 
socialmente dominante do desenvolvimento agrícola nos países capitalistas 
centrais e não a uma parcela que poderia ser considerada mais ou menos marginal. 
Por esta razão em nenhum momento Gasson e Errington assimilam o “family farm 
business” (título de seu livro) aos tão conhecidos “small farms”, as unidades de 
tempo parcial que são majoritárias no que se refere à quantidade de 
estabelecimentos mas pouco expressivas sob o ângulo da oferta agrícola. Na 
aplicação empírica destas seis características, Gasson e Errington mostram que nos 
países capitalistas centrais ocorre um fenômeno que, para a maior parte dos 
analistas brasileiros, seria uma espécie de contradição nos termos: é com base na 
agricultura familiar que se construiu a potência agrícola destas nações. O peso das 
empresas baseadas no trabalho assalariado é bastante reduzido. E esta é uma 
particularidade importante do setor agrícola. Apesar de inúmeros trabalhos sobre o 
tema publicados nos últimos anos (Veiga, 1991; Abramovay 1992; Lamarche; 
1993, entre outros) convém citar alguns exemplos neste sentido. 
Enquanto 85% de todos os trabalhadores franceses não agrícolas são assalariados, 
na agricultura esta proporção em 1990 não ultrapassa 14% (Bourgeois, 1993: 35). 
Os dados com relação aos outros países europeus e os Estados Unidos não são 
muito diferentes. Em 1986, somente 28% das unidades produtivas no Reino Unido 
empregavam algum trabalho assalariado. O interessante é que em 1950, nada 
menos que 40% das unidades produtivas que empregavam trabalho assalariado. 
Em meados do século XIX havia 3 trabalhadores assalariados para cada membro 
da família trabalhando. Em 1930 a razão ainda era de 2,5/1 e hoje é de um 
trabalhador assalariado de período integral para cada 2,5 trabalhadores familiares, 
na agricultura britânica (Gasson e Errington, 1993). Quanto aos Estados Unidos, 
embora o trabalho de Nikolitchdo final dos anos 1960 não tenha sido atualizado, 
não deixa de ser significativo que naquele momento nada menos que dois terço da 
oferta agrícola norte-americana vinha de unidades produtivas onde o peso do 
trabalho familiar era superior ao contratado (Abramovay, 1992). 
 
2 Para uma discussão recente sobre processos sucessórios no interior da agricultura familiar, ver 
Abramovay et al. (1997). 
Nos países capitalistas centrais, o trabalho assalariado é expressivo apenas em três 
situações: 
a) ali onde o peso histórico da oligarquia latifundiária é importante, como na Costa 
Oeste norte-americana (Raup, 1973); 
b) ali onde é grande a incideência do trabalho clandestino - caso tanto da Costa 
Oeste norte-americana como de boa parte da agricultura mediterrânea européia 
c) nas produções em estufa, cujo peso sobre o total da superfície, do pessoal 
ocupado e do valor total da produção agropecuária é, entretanto, francamente 
minoritário: na Holanda, o país que mais avançou neste tipo de produção há 4.500 
ha de estufas, na França, 1.500 ha (Codron e Rolle, 1995:119). 
Contrariamente ao que ocorre nos países capitalistas centrais o Brasil (e esta é uma 
característica de praticamente toda a América Latina e Caribe) é fortemente 
marcado pela estrutura bi-modal de seu desenvolvimento agrícola. Empregada 
no conhecido estudo de Johnston e Kilby (1975) a expressão bi-modalismo 
designa aquelas situações em que (contrariamente ao que ocorreu nos países 
capitalistas centrais) a agricultura familiar não é o módulo central do 
desenvolvimento e onde o peso econômico e territorial das grandes extensões 
territoriais baseadas no trabalho assalariado é decisivo. Não por coincidência, os 
sistemas bi-modais predominam em países fortemente marcados pela concentração 
da renda e pela pobreza, como o Brasil, a África do Sul, a Indonésia, entre outros. 
Mas é interessante observar que mesmo em países com forte peso de tradição 
latifundiária, ao lado de milhões de unidades que podem ser consideradas a justo 
título como precárias, pequenas, gerando uma renda agrícola extremamente baixa, 
desenvolve-se também um segmento familiar dinâmico capaz de integrar-se ao 
sistema de crédito, cujo comportamento econômico difere da famosa e tão 
estudada aversão ao risco, que adota a inovação tecnológica e integra-se a 
mercados competitivos. É claro que este dinamismo não depende de características 
supostamente “culturais” dos agricultores, mas de três fatores básicos: 
• da base material com que produzem (extensão e sobretudo fertilidade das 
terras); 
• da formação dos agricultores, fator que hoje ganha uma importância crucial 
• do ambiente sócio-econômico em que atuam e sobretudo da existência neste 
ambiente das instituições características de uma economia moderna: acesso 
diversificado a mercados, ao crédito, à informação, à compra de insumos e aos 
meios materiais de exercício da cidadania (escola, saúde, assistência técnica, 
etc.). 
Ali onde, mal ou bem, estas três condições foram minimamente preenchidas, 
assistiu-se ao florescimento de uma agricultura familiar cuja importância 
econômica recentemente começa a ser avaliada. É o caso, em especial, dos Estados 
do Sul do País, de cuja agricultura familiar depende parte considerável da 
agroindústria: não é a Sadia, nem a Perdigão que produzem os frangos e os suínos 
que serviram de âncora verde para o Plano Real e trazem juntos ao País mais US$ 
1 bilhão em divisas, mas sim dezenas de milhares de agricultores trabalhando 
fundamentalmente com mão-de-obra familiar. 
É claro que, em virtude da própria importância do latifúndio na formação da 
agricultura brasileira, o setor patronal é nacionalmente dominante. Mas seria 
equivocado julgar que uma agricultura familiar economicamente expressiva só 
existe onde houve colonização estrangeira nos moldes do Sul do País. Na verdade, 
somente os dados do Censo de 1996 poderão fornecer uma visão mais precisa do 
fenômeno. Mas não deixa de ser significativo que mesmo no Estado de São Paulo 
- e apesar do peso esmagador da cana-de-açúcar, setor quase exclusivamente 
patronal - as unidades produtivas trabalhadas fundamentalmente pela família 
(3) contribuíam com um terço do valor total da produção em 1991. No algodão 
e na avicultura, as unidades trabalhadas fundamentalmente com mão-de-obra 
familiar entravam com mais da metade da oferta. 44% do milho, 43% da soja e 
39% do café produzidos em São Paulo dependem de unidades onde não só a 
gestão é familiar, como também é majoritário o peso do trabalho da família 
relativamente ao assalariamente (Abramovay et al. 1996). 
Por mais precárias e fragmentadas que sejam estas informações elas pretendem 
trazer para a discussão desta mesa redonda três aspectos centrais: 
a) agricultura familiar não pode ser tomada como sinônimo de pequena produção 
b) é em torno da agricultura familiar que, nos países capitalistas centrais, 
organizou-se o desenvolvimento agrícola 
c) mesmo num País marcado pela força do latifúndio e pelo peso social de milhões 
de estabelecimentos que, de fato, são pequenos sob o ângulo de sua participação 
na oferta agrícola, há um segmento importante de agricultores familiares cuja 
expressão econômica é muito significativa e em alguns casos até majoritária 
 
3 Definidas como aquelas onde o peso da mão-de-obra familiar (medida em tempo anual de trabalho) supera o 
da contratada 
3. Uso do solo: alcance e limites da inverse relationship 
Inverse relationship: este termo usado por Cline (1970) em seu estudo sobre o 
Nordeste brasileiro, e, hoje consagrado na literatura internacional sobre uso do 
solo, aponta para duas características fundamentais da agricultura dos países em 
desenvolvimento: os baixos retornos do trabalho e a alta intensificação do uso da 
terra. É quase clássica a asserção segundo a qual os menores imóveis representam 
a maior parte dos informantes, ocupando a menor parte da área, mas contribuindo 
com uma produção por área muito superior à dos maiores imóveis e absorvendo 
muito mais trabalho que estes últimos. 
Nestas situações o que se observa é a evolução em sentido inverso de dois 
parâmetros fundamentais: área e valor da produção. Um importante especialista 
internacional nestes temas (El-Ghonemy, 1990) sintetiza uma série de estudos 
(inclusive o do CIDA, levado adiante por Solon Barraclough) em que se verificam 
duas tendências: 
a) o produto por área cai sistematicamente com o aumento da superfície 
das fazendas. 
b) o mesmo ocorre com relação à utilização de trabalho, muito menor nas 
grandes fazendas que nas pequenas 
O trabalho da FAO publicado em 1995 e retomado em grande parte nos 
documentos que deram origem ao Programa Nacional de Fortalecimento da 
Agricultura Familiar, corroboram esta tendência internacional mostrando - sobre a 
base de uma amostra do que seriam estabelecimentos patronais (estabelecimentos 
entre 500 e 10.000 hectares), por um lado e familiares (estabelecimentos entre 20 e 
100 hectares) por outro (4) - que o segmento familiar intensifica mais o uso do solo 
que o patronal: as lavouras são três vezes mais importantes no segmento familiar e 
cinco vezes mais importantes quando se trata de lavouras permanentes; o 
segmento familiar tem o maior peso na produção de pequenos animais; o segmento 
familiar, embora usando área muito menor, supera o patronal em 15 importantes 
produtos agropecuários e que os rendimentos físicos da agricultura familiar são 
superiores aos da patronal em mais de metade de suas atividades. 
Para o conhecimento da relação entre agricultura familiar e uso do solo os dados 
sobre o Estado de São Paulo do Instituto de Economia Agrícola (IEA) mostram 
também aspectos interessantes. Abramovay et al. (1996) introduziram no 
questionáriode levantamento de safra do IEA de 1991 um item para saber quanto 
do trabalho realizado no imóvel vinha de membros da família e quanto vinha do 
 
4 O trabalho da FAO foi muito criticado por sugerir uma estratificação por área para o estudo social 
da agricultura. Na verdade, o estudo propõe é algo bem menos pretencioso: tomando como 
exemplares da agricultura familiar os estabelecimentos entre 20 e 100 hectares e como 
exemplares da patronal aqueles que estão entre 500 e 10.000 hectares montar parâmetros 
comparativos entre os dois segmentos. O problema é que ficam de lado os imóveis representativos 
de parte muito importante da oferta que estão entre 100 e 500 hectares. 
assalariamento, seja temporário, seja permanente. Com base no tempo de trabalho 
da família e de membros contratados, os imóveis de São Paulo (com base numa 
amostra representativa) foram estratificados em quatro classes: 
• A classe 1 é composta por aqueles imóveis que não recorreram, durante o ano 
de 1991, a qualquer forma de trabalho assalariado (nem permanente, nem 
temporário). 
• A classe 2 é formada por aqueles imóveis que recorreram a trabalho assalariado 
(seja permanente, seja temporário), mas em proporção menor (medida em 
tempo) que o trabalho familiar. 
• A classe 3 está no caso exatamente inverso: aí o trabalho familiar existe ao lado 
de uma quantidade de trabalho assalariado que lhe é superior. 
• A classe 4, enfim, reúne aqueles imóveis em que nenhum membro da família 
declarou trabalhar 
Esta divisão foi cruzada com a estratificação por área adotada nos estudos do IEA 
e serviu de base para organizar os dados referentes a quatro informações básicas: 
• número de informantes ou imóveis 
• quantidade de dias-homem empregada na produção 
• valor da produção 
• área empregada 
A tabela 1 sintetiza este cruzamento de informações e oferece dados que não vão 
exatamente na mesma direção do que é consagrado na literatura internacional 
sobre o tema: 
a) Os menores imóveis da classe 1 (uso exclusivo de trabalho familiar e área 
inferior a 20 hectares) são mais de um quarto do total dos informantes, 
absorvem 13,68% do total do trabalho do Estado, para produzir apenas 3,85% 
do valor em 4,01% da área. A idéia de que os menores imóveis têm maior 
produção por unidade de área não se verifica para o Estado de São Paulo. 
b) É provável que, na maior parte destes imóveis da classe 1 menores que 20 
hectares , o peso da agricultura na formação da renda seja muito pequeno. 
Provavelmente é aí que se concentram os casos estudados recentemente por 
José Graziano da Silva (1996) de desenvolvimento de atividades rurais não 
agrícolas. 
c) Se excluirmos este segmento (os imóveis com trabalho exclusivamente familiar 
e com menos de 20 hectares de superfície) veremos que o desempenho 
econômico da agricultura familiar em São Paulo é, no mínimo, equivalente ao 
dos setores patronais. A desproporção entre este grande volume de mão-de-obra 
para um valor da produção relativamente baixo que se encontra na primeira 
linha da tabela, não se repete nas linhas subseqüentes. 
d) A relação entre valor da produção e dias-homem indica que nos maiores 
imóveis (acima de 500 hectares) o peso da pecuária deve ser muito grande. Os 
imóveis com mais de 500 hectares da classe 3 usa apenas 5,35% dos dias-
homem para produzir 12,3% da produção em 15,9% da área e os imóveis com 
mais de 500 hectares da classe 4 usam 5,17% dos dias-homem para produzir 
16% do valor da produção em 16% da área. 
e) É claro que o peso econômico da cana-de-açúcar e da pecuária de corte no 
Estado de São Paulo contribuem a explicar que a produção por área nos grandes 
imóveis é maior que a esperada habitualmente numa situação de grande 
concentração fundiária como a do Estado de São Paulo. 
Tabela 1 - Proporção dos informantes, dos dias-homem, do valor da produção 
e da área total correspondentes a cada estrato de área e a cada classe. Estado 
de São Paulo. 1991 
C L A S S E 1 
Estrato Informantes Dias-homem Valor da produção Área 
3,1 a 20,0 26,2 13,74 3,85 4,01 
20,1 a 100,0 22,5 12,9 9,43 11,15 
100,1 a 500,0 2,1 1,65 2,63 4,39 
> 500,0 0,1 0,18 0,85 1,34 
C L A S S E 2 
Estrato Informantes Dias-homem Valor da produção Área 
3,1 a 20,0 4,5 3,19 3,28 0,68 
20,1 a 100,0 5,7 4,43 2,96 3,49 
100,1 a 500,0 2,3 3,03 3,53 5,39 
> 500,0 0,3 0,54 6,28 3,26 
C L A S S E 3 
Estrato Informantes Dias-homem Valor da produção Área 
3,1 a 20,0 4,16 3,35 1,4 0,8 
20,1 a 100,0 7,55 7,17 6,16 4,57 
100,1 a 500,0 4,55 16,58 14,6 11,93 
> 500,0 1,19 5,37 12,3 15,9 
C L A S S E 4 
Estrato Informantes Dias-homem Valor da produção Área 
3,1 a 20,0 6,10 2,13 1,23 0,.94 
20,1 a 100,0 7,75 7,66 7,06 4,61 
100,1 a 500,0 4,03 12,750 8,36 11,25 
> 500,0 0,94 5,19 16 16 
T O T A L 100 100 100 100 
Fonte: Instituto de Economia Agrícola, in Abramovay et al. (1996) 
4. Para aprofundar o debate 
A primeira conclusão que se pode tirar das informações acima é que é preciso 
aprofundar nacional e regionalmente o estudo da estratificação social do uso do 
solo. É bem provável que a situação de São Paulo seja nacionalmente excepcional. 
De qualquer maneira ela é interessante, pois mostra que mesmo ali onde os 
estabelecimentos patronais têm peso majoritário na oferta, há um setor familiar 
cujo uso do solo sugere um desempenho econômico que explica, em grande parte, 
sua importância não desprezível na produção agrícola do Estado. Não é o excesso 
de trabalho que explica a presença dos agricultores familiares em São Paulo com 
um terço do valor da produção no Estado. A agricultura familiar não é, 
contrariamente ao que dela se diz com freqüência, um simples reservatório de 
mão-de-obra. 
Romper com a identificação automática entre agricultura familiar e pobreza é 
fundamental para que a sociedade brasileira possa discutir um tema estratégico, 
que se relaciona com a questão do uso do solo e que será aqui apenas levantado: 
qual é e qual deve ser a importância do espaço rural no desenvolvimento ? 
Não é indiferente, para a sociedade, de onde vem a sua oferta agrícola. O caso de 
São Paulo mostra que o setor patronal não é menos “eficiente” que o familiar. O 
que os distingue entretanto refere-se aos efeitos multiplicadores de cada um sobre 
o desenvolvimento: o domínio do trabalho assalariado é marcado sistematicamente 
por condições sociais precárias. “Morar da cidade e ainda depender da atividade 
agrícola... tende a conduzir a uma condição de vida de enorme precariedade, que 
nãopode ser atribuído somente à baixa renda que aquela atividade proporciona”, 
afirma Leone (1995:161). Entre os residentes nas cidades e que dependem do 
assalariamento no campo é que estão as piores condições de vida, mesmo no 
Estado mais próspero da Federação. 
Se a preocupação com a agricultura envolver não só o aspecto produtivo mas 
também uma estratégia de desenvolvimento descentralizado e voltado à ocupação 
equilibrada do território, as unidades familiares apresentam um trunfo decisivo: 
elas podem ser a base de formação de uma sociedade civil no meio rural, daquilo 
que aparece freqüentemente como termos antagônicos: a cidadania no campo. 
Não é sem razão que no Sul do País, onde o peso social e econômico da 
agricultura familiar é, em geral, superior ao do setor patronal, se observam os 
embriões de organizações locais que poderão contribuir de maneira importante 
com uma nova visão do papel do espaço rural na luta contra as desigualdades. 
Nas regiões onde predominam as grandes fazendas não existe hoje vida política e 
associativa no meio rural. A América Latina, para usar a feliz expressão de 
Emiliano Ortega (1992) é um Continente sub-municipalizado. Enquanto um país 
como a França possui 27 mil unidades administrativas locais,a América Latina no 
seu conjunto possui 17 mil municípios. As funções socializadoras 
convencionalmente desempenhadas pelas grandes fazendas coloniais (de maneira 
precária e clientelista, sem dúvida) desapareceram com a expulsão de seus 
moradores e não foram substituídas por instituições públicas voltadas às 
necessidades da maioria. O desenvolvimento de unidades familiares de produção - 
como mostram os exemplos de assentamentos bem sucedidos como o da Fazenda 
Promissão em São Paulo - imprime um novo dinamismo ao conjunto da vida 
municipal e reorganiza a tradicional hierarquia nas relações entre cidade e campo. 
A agricultura familiar é um elemento decisivo para que haja a pressão social na 
oferta racionalizada de serviços (transportes, educação, comunicações, 
eletricidade) e portanto para que se reduzam as diferenças entre a vida social na 
cidade e no campo, condição básica, evidentemente, para que o meio rural passe a 
funcionar como manancial de possibilidades na luta contra a exclusão social. 
Bibliografia 
Abramovay , Ricardo (1997) - “De volta para o futuro: mudanças recentes na 
agricultura familiar” - in Seminário Nacional do Programa de Pesquisa em 
Agricultura Familiar da EMBRAPA - Anais, Petrolina - Programa Sistemas de 
Produção na Agricultura 
Abramovay, Ricardo. - (1992) - Paradigmas do capitalismo agrário em questão 
- São Paulo - Hucitec/Edunicamp/ANPOCS 
Abramovay, Ricardo; Baldissera, Ivan Tadeu.; Cortina, Nelson; Ferrari, Dilvan; 
Silvestro, Milton e Testa, Vilson Marcos (1997) - Juventude e agricultura 
familiar: desafios dos novos padrões sucessórios - Chapecó, Brasília - Convênio 
FAO-INCRA/CPPP-EPAGRI, mimeo 
Abramovay, Ricardo; Vicente, Maria Carlota M.; Baptistella Celma S. L. e 
Francisco, Vera. L. F. S. (1996) - “Novos dados sobre a estrutura social do 
desenvolvimento agrícola em São Paulo” - Agricultura em São Paulo, vol. 43, t. 
2:67-88 
Bourgeois, Lucien (1993) - Politiques Agricoles - Dominos Flammarion, Paris 
Cline, W. (1970) - Economic consequences of land reform in Brazil - North 
Holland, Amsterdã 
Codron, J-M e Rolle P., com a colaboração de Bourquelot, F (1995) - “L’emploi 
dans la production de légumes de serre en France et aux Pays- Bas - Un marché du 
travail des disponibilités” in Allaire, G. e Boyer, R. - La grande transformation 
de l’agriculure - INRA/Economica - Paris 
El Ghonemy, Riad (1990) - Land reform and development - Oxford University 
Press 
FAO/INCRA (1995) - Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento 
Sustentável - Brasília 
Gasson, Ruth e Errington, Andrew (1993)- The farm family business - 
Wallingford, Cab International 
Graziano da Silva, José (1996) - O novo rural brasileiro - Campinas, mimeo 
Johnston, B. F. e Kilby, P. (1975) - Agriculture and structural transformation - 
Oxford University Press, Nova Iorque 
Lamarche, Hugues, org. (1993) - A agricultura familiar - Editora da Unicamp, 
Campinas 
Leone, E. T. (1995) - “Famílias agrícolas no meio urbano: inserção nas cidades 
das famílias que continuam vinculadas à agricultura” in Ramos P. e Reydon, B. P. 
- Agropecuária e agroindústria no Brasil - Edição ABRA/Unicamp/FAO, 
Campinas 
Ortega, Emiliano (1992) - “La trayectoria rural de América Latina y el Caribe” - 
Revista de la CEPAL, agosto - 47:125-148 
Raup, P. M. (1973) - “Corporate Farming in the United States” - The Journal of 
Economic History, março, vol XXXIII, n° 1:274-290 
Veiga, José Eli O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo, 
Edusp/Hucitec, 219p (Estudos Rurais, 11), 1991

Continue navegando

Outros materiais