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239Resenha Resenha Celso Furtado Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. O longo amanhecer: reflexıes sobre a formaçªo do Brasil No Brasil, Celso Furtado Ø intelectual que dispensa apresentaçıes: economista; ci- entista social; escritor; ex-ministro e ocu- pante da cadeira n° 11 da Academia Bra- sileira de Letras (ABL). O traço marcante da obra de Furtado Ø a recusa em aceitar as doutrinas fatalistas que atribuíram ao clima e a determinan- tes Øtnicas as responsabilidades pelos nossos dramas. Neste Longo amanhec e r, Furtado ressalta que as ciŒncias sociais devem ser um processo aberto de cria- çªo porque a sociedade Ø algo que os homens [e mulheres] nªo param de refa- zer (p.70). A atividade do cientista social passa pela investigaçªo dos processos his- tóricos. Dentro desta perspectiva, a Eco- nomia encontra sua condiçªo de ciŒncia social. No que diz respeito ao caso brasi- leiro, a nossa tragØdia foi nªo ter evoluído socialmente em funçªo de duas taras: os trŒs sØculos de escravidªo e o latifœndio, mecanismos graves de exclusªo social. Furtado considera que a política brasilei- ra esteve constantemente orientada his- toricamente para atender aos interesses das naçıes colonizadoras que nªo per- mitiam que o país usasse sua capacidade produtiva existente. Tal situaçªo asseme- lha-se em muito ao presente momento histórico. O projeto de modernizaçªo dependente, conduzido historicamente pelas elites brasileiras, utilizou-se do ex- cedente gerado pela exportaçªo de pro- dutos primÆrios para importar produtos trabalhados (manufaturados de alto va- lor agregado) sustentando hÆbitos de con- sumo para um pequeno nœmero de pes- soas, similares aos dos países centrais. O distanciamento entre elite - concen- tradora de renda e incapaz de formular um projeto nacional - e povo Ø herança do processo de colonizaçªo que procu- rou concentrar os benefícios do progres- so tØcnico e induziu um baixo investi- mento na populaçªo. A leitura das idØias de Celso Furtado tor- na-se importante, pois ela serve para es- timular os atuais debates. A ideologia (neo) liberal com sua fØ dogmÆtica nos mercados como bondes condutores da prosperidade e do progresso humano nªo Comun i ca çªo&política, n.s., v.IX, n.1, p.239-009 240 O longo amanhecer: reflexıes sobre a formaçªo do Brasil foi capaz de trazer benefícios para gran- de parte da populaçªo mundial. A refle- xªo proposta por Furtado faz-se entªo necessÆria: em nenhum momento de nossa história foi tªo grande a distância entre o que somos e o que esperÆvamos ser (p.26). As políticas do Fundo Mo- netÆrio Internacional (FMI) ao proteger os interesses do capital financeiro, pro- vocaram estragos em nosso continente no qual os custos sociais estªo expostos. Na condiçªo de periferia do capitalismo, o nosso quadro socioeconômico Ø carac- terizado pela precarizaçªo das relaçıes de trabalho gerando insegurança, sofrimen- to e violŒncia. Uma das terríveis conse- qüŒncias da adoçªo de políticas (neo) li- berais foi o individualismo (salve-se quem puder!) que gerou a desmo- bilizaçªo social e a ausŒncia da participa- çªo popular no processo político. O fato de o continente latino-americano estar enfrentando um dilema nªo escapa às observaçıes de Furtado. A proposta norte-americana de uma ` rea de Livre ComØrcio das AmØricas (Alca) parece ser vista como inexorÆvel por grande parte da imprensa brasileira. Levando em con- ta as assimetrias (que nªo sªo poucas) en- tre as economias latinas e a norte-ameri- cana, cabe questionar: trata-se de um bom negócio para quem? O caso mexicano Ø um exemplo do que aguarda o continente latino-americano na Alca. O preço da de- pendŒncia mexicana pode ser vislumbra- do no aumento das exportaçıes atravØs das maquiadoras: fÆbricas de monta- gem de artefatos com a utilizaçªo de pe- ças concebidas e importadas dos EUA. Segundo este esquema, quando o artefa- to encontra-se montado ele Ø reexporta- do para o país onde se concebeu o seu projeto (leia-se EUA). O trabalho de bai- xo valor agregado na cadeia produtiva, ou seja, a simples montagem de artefa- tos Ø realizado pela mªo-de-obra mexi- cana. As atividades que agregam valor pesquisa e desenvolvimento (P&D), con- cepçªo de projetos, planejamento da pro- duçªo ficam localizadas nas matrizes, mais precisamente localizadas no centro do sistema capitalista gerando novos empregos qualificados e conseqüente- mente, prosperidade localizada. Qual seria a conseqüŒncia social de ado- tarmos o projeto maquiadora em nos- so continente? SerÆ que teremos que nos contentar em ficar restritos à parte de menor valor agregado na divisªo inter- nacional do trabalho? Para enfrentar as pressıes do norte, a AmØrica Latina pre- cisa valorizar sua auto-estima, posicio- nando-se como um bloco de naçıes so- beranas e resistir à política expansionista dos EUA inaugurada com a Doutrina Monroe, de 1823, em que os norte-ame- ricanos jÆ se autoproclamavam guardiªes do continente americano. Necessitamos fortalecer o MERCOSUL e ampliar sua abrangŒncia, para aproximÆ-lo do ideal de integraçªo latino-americana. Nªo con- seguiremos enfrentar as confrontaçıes que se aproximam sem que alianças (em- presÆrios, sindicatos, movimentos soci- ais, partidos políticos mais democrÆticos e transparentes, etc.) sejam firmadas no continente latino-americano. Neste Longo amanhecer, Celso Furtado nªo Ø pessimista com relaçªo ao futuro. Su- gere como principal desafio a ser enfren- tado o estímulo da capacidade criativa no planejamento. O fato Ø que precisamos 241Resenha voltar a pensar com as nossas cabeças, ao invØs de aceitarmos fórmulas prontas e nªo neutras dos organismos internaci- onais. Segundo Furtado, o planejamento seria o instrumento capaz de introduzir a dimensªo de espaço nos cÆlculos eco- nômicos. Os principais desafios a serem enfrentados pelo Brasil, podem ser divi- didos em trŒs. 1. Dar prioridade à soluçªo do proble- ma da fome e da subalimentaçªo da populaçªo de baixa renda, formulan- do políticas que distribuam renda. Um exemplo seria a reforma agrÆria com suporte financeiro e tecnológico de forma que fossem levados servi- ços bÆsicos de infra-estrutura sane- amento, saœde, educaçªo, eventos culturais - para o interior do país. A questªo da propriedade da terra sem- pre foi um fator crítico no Brasil e os interesses dos latifundiÆrios sempre se fizeram representar nos governos autoritÆrios ou nªo. 2. Investir no fator humano de forma a aumentar o nível educacional da po- pulaçªo, pois o Brasil possui um con- siderÆvel atraso em investimento no fator humano e no bem-estar de sua populaçªo. Dessa forma, a populaçªo poderÆ participar do processo histó- rico de forma mais intensa, pressio- nando por melhores condiçıes de vida e contribuindo para o desenvol- vimento do país. 3. Conciliar o processo de globalizaçªo com a criaçªo de empregos, privile- giando a expansªo e a integraçªo dos mercados internos na orientaçªo dos investimentos. Na ausŒncia de um projeto nacional que dŒ prioridade ao objetivo de bem-estar social, o cres- cimento econômico, sob a direçªo das empresas transnacionais, condu- zirÆ inevitavelmente à concentraçªo de renda em favor dos países criado- res de inovaçıes tecnológicas e pa- drıes de consumo. Caso nªo sejamos capazes de encontrar caminhos próprios, se confiarmos com- pletamente nas forças dos mercados, nas forças internacionais, existe um risco sØ- rio de um crescente caos: desemprego; ausŒncia de perspectivas; violŒncia. Nªo tenhamos dœvida de que no Brasil e tam- bØm na AmØrica Latina do sØculo XXI a questªo social se agravarÆ. Um projeto na- cional Ø mais que o de luta, ainda que seja preciso resistir as pressıes, necessitamos submeter às leis dos mercados à políti- ca. Para Celso Furtado, se nªo formos capazes de nos colocar à altura dos desa- fios, entªoØ porque a luta jÆ estÆ perdida. Rodrigo Loureiro Medeiros Mestrando em InformÆtica - Estudos de CiŒncia e Tecnologia - pela UFRJ, pós-graduado pela Escola de Pós-Graduaçªo em Economia da EPGE/FGV, Engenheiro Industrial pela PUC-Rio. Comun i ca çªo&política, n.s., v.IX, n.1, p.241-007
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