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no momento, de trazer o menino para atendimento. Antes disso, Vanessa vai pensar nela própria, procurar rever sua relação com o filho e modificar algumas atitudes no modo como o educa. Ambas acreditamos que, assim, além de ajudá-lo a superar seus medos, talvez ele possa ser dispensado de um atendimento psicológico. Casos como o de Vanessa são comuns nas triagens para atendimento infantil. Muitos pais, não de todo conscientes disto, trazem os filhos como intermediários para poderem falar de si com os psicólogos. A freqüência de tais casos foi um dos motivos que me levou a repensar as entrevistas de triagem e (sem desvalorizar a queixa trazida) deter-me, especialmente, na pessoa presente, contrariando a atitude usual, que é de dar prioridade a criança. 55 Além dos nom es, algum as p rof i ssões e si t uaç ões f oram rec r iadas para p rot eger a ident idade das pessoas envolv idas. 113 Primeira Sessăo (Entrevista de triagem - transcrição) S: Silvia (psicóloga) R: Vanessa S: O que acontece, Vanessa? V: Bom, eu estou te procurando porque... o Caio é uma criança....Eu já conversei muito com a Lúcia56 e.... eu sempre tive vontade de levá-lo a uma psicóloga, mas, pelas condições financeiras, nunca deu. Não posso dizer que eu sou uma pessoa pobre, mas acho que isso daí ia despender um dinheiro que eu não ia ter. E a Lúcia me aconselhou a vir aqui. Se você olhar emocionalmente, ele é uma criança ótima, vai bem na escola, é uma criança esperta, ativa, tem bom rendimento durante o dia, mas quando chega a noite, tudo muda, começa a dar um pânico nele, ele não dorme sozinho, ele tem sete anos, vai fazer oito em março, ele não dorme sozinho, ele dorme na cama junto comigo, ele chora muito e a noite, acorda, tem pesadelos, não lembra de nada quando acorda, ele grita, ele chora, ele conversa, se conversa com ele e põe a mão nele, ele bate, até ele se acalmar ou, às vezes, eu o acordo. É uma coisa que faz mal para mim, pois eu não consigo dormir, e para ele; ele rói unha, até do pé, se deixar. S.: Isso tudo à noite? V.: Isso tudo à noite, durante o dia ele rói a unha também, mas quando chega a noite, ele se modifica. Agora, a coisa que mais me marca, Silvia, é assim: se você conhecesse o Caio e falasse vai dormir na minha casa hoje, ele adora. O passeio dele é dormir na casa dos outros. Ele vai ficar numa boa, dorme numa boa, não acontece nada (ri). S.: Não acontece nada? V.: Nada, o problema é exclusivamente comigo, e o que tenho reparado é que se aquele dia foi um dia para ele mais agitado, é pior ainda. Você pensa: "Hoje ele 56 Nome fictício para a pessoa que a encaminhou para o atendimento e que é psicóloga. 114 vai desmaiar". Não! Meu pai tem uma casa na praia, então, nos feriados e nas férias nós vamos para lá (nós estamos indo para lá neste feriado). Aí toda a minha família vê, presencia os ataques, vamos chamar assim. Aí, porque ele brinca... ele fica agitado. Você não vê a cara do Caio é um condomínio fechado, ele vai, brinca, joga bola, ele vai na piscina, ele vai na praia. Para você chamar o Caio para comer é um sufoco, para tomar banho é um sufoco. Aí, chega certa hora, ele se debate contra o sono, ele não gosta de dormir, ele fala: "Não, eu não quero dormir, eu não gosto de dormir." Aí eu explico da necessidade da noite, do sono. Aí, ele deita, aí ele está cansado, aí é quando acontecem as coisas, aí todo mundo vê, aquilo assusta todo mundo, porque ele se transforma, ele fica assim, transformado. Aí, então foi a opção de eu conversar com a Lúcia e falar. Aí, ela explicou mais ou menos o que era isso, o que acontecia com ele, aí ela disse que é uma coisa que acaba, que tem que tratar pra ver se ele ... E agora, Silvia, eu comprei para ele um... um quarto novo, vai chegar terça feira que vem. Eu tenho mais um filho que vai fazer cinco aninhos... o irmão dele tem um berço, mas não é um berço, é uma mini cama, os dois de um metro em meio, então dá para eles dormirem tranqüilos. Então, ele disse que os amigos dele não tem mais aquilo lá... que ele queria uma cama de solteiro, que ele queria um quarto de mocinho. Eu me meti em dívida, comprei coisa baratinha, tudo, mas então tudo isso, vai ser uma novidade. "Olha! Agora você vai ter um quarto novo". Eu coloquei aí57 que moro em um apartamento alugado, mas não é alugado é do meu pai eu pago só o condomínio. É um apartamento bom e tudo o mais... e tem três quartos e ele disse: “ Ah! eu não quero mais esse quarto (seria o quarto dele) eu não gosto mais desse quarto, eu quero esse”. É assim, um é do lado do meu e o outro em frente, ele quer agora o que é em frente ao meu. “Então, Caio, quando chegar tudo, nós vamos tirar tudo e montar o seu quarto lá.” Ele falou: “Tá jóia”. E estamos na expectativa da cama nova...ele é corinthiano, comprei um lençol do Corinthians para ele... estou na expectativa desse quarto novo, para ver se, de repente, ele... porque eu tenho medo... é dele se tornar um adulto dependente, né?. S.: Dependente do quê? 57 Questionário para caracterização da clientela ao qual os clientes respondem antes de entrar na sessão. 115 V.: Dependente, inseguro. Eu sou separada há quatro anos e o pai dele é uma pessoa que nunca está presente é uma que não vive, não presencia nada, mesmo morando junto, nunca presenciou, acho que foi um dos motivos da separação, então acho que isso também faz do Caio uma criança mais insegura e o Luís, o pai dele, é uma pessoa assim, é uma pessoa insegura, é uma pessoa que não tem muita responsabilidade, é uma pessoa que não tem contato nenhum, ele não dá dinheiro nenhum para eles, tipo uma vez por mês ele aparece. Agora, se eu tiver que colocar a culpa em alguém,(ri) se eu tiver que dizer: “O Caio é desse jeito. Por que?” (ri) Eu acho que a culpa é minha.(ri) S.: Por que? V.: Então, eu falo assim, que eu estou levando o Caio ao psicólogo, mas que quem precisa, sou eu, porque... porque... Bom, de começo, eu depositei muito amor no Caio, tipo assim: ele é uma válvula de escape que eu tenho na minha vida. Então, o Luís trabalhava a noite, um dos trabalhos dele foi trabalhar à noite, quando o Caio era bebezinho. Então, aquilo... o Caio me dava segurança. O Caio era um companheiro, eu ficava muito ligada ao Caio, aquilo me protegia, eu dormia..... A gente morava em outro apartamento e o Caio sempre perto, o Luís chegava de noite, de madrugada e eu ficava com medo, imagine que eu ia pôr ele na cama dele, eu precisava daquela segurança e sempre foi assim. E....e... é assim... eu quis a separação... eu digo que eu estou melhor hoje sozinha do que com o Luís, acho que já não dava mais para viver, mas eu não consigo aceitar isso. S.: Aceitar o que? V.: A minha separação... S.: Apesar de você ter querido... V.: ....isso! não é o fato de me separar do Luís, da pessoa Luís, mas, sim, essa situação, entendeu? Eu sempre imaginei casar, imaginei com filhos, imaginei... sempre que eu vou para a praia ou quando me encontro com meus irmãos, aquilo tudo me choca, a diferença, entendeu? S.: Eles estarem casados, terem uma família? V.: Isso! Construir, aquela coisa... nós vamos crescer juntos, nós vamos comprar isso juntos, que era a minha situação de casada também. Eu casei com apartamento, com carro, com tudo e perdi tudo por causa dele, ele acabou levando a gente a perder tudo. Então, hoje, eu acho que isso eu transfiro logicamente para os meus filhos. 116 S.: Então o que você não agüenta é ver