Buscar

3 Hereditariedade, Genes e DNA

Prévia do material em texto

53
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
Estima-se que cerca de 30 milhıes de es-
pØcies habitem hoje a Terra e que muitas ve-
zes esse nœmero jÆ tenham vivido no passado
e estejam extintas. Existe uma enorme diver-
sidade entre esses seres, classificados em seis
grandes categorias ou Reinos, definidos com
base em suas características: Archaebacteria,
Eubacteria, Protista, Fungi, Plantae e Anima-
lia. Exemplos de organismos desses reinos sªo
apresentados na Fig. 3.1. Sªo seres muito di-
ferentes entre si. Mesmo se compararmos os
indivíduos de uma mesma espØcie, nªo encon-
traremos dois iguais. Como sªo mantidas, ad-
quiridas e transmitidas as características de cada
espØcie e de cada indivíduo? Em outras pala-
vras, quais sªo as bases da hereditariedade?
A unidade bÆsica dos seres vivos Ø a cØlula.
“Todos os organismos sªo compostos por cØlu-
las e todas as cØlulas vŒm de cØlulas preexisten-
tes” — essas duas afirmativas constituem a teoria
celular. TambØm existem muitos tipos de cØlu-
las, sendo as menores e mais simples as cØlulas
procarióticas, dos organismos dos reinos Archae-
bacteria e Eubacteria. As cØlulas dos organismos
dos demais reinos sªo eucarióticas, isto Ø, cØlu-
las que apresentam um nœcleo verdadeiro, deli-
Hereditariedade,
Genes e DNA
mitado pela membrana nuclear, que o separa
do restante da cØlula, o citoplasma. Nas cØlulas
eucarióticas nªo existe nœcleo, mas uma regiªo
nucleóide. A Fig. 3.2 mostra micrografias ele-
trônicas de uma cØlula procariótica e de uma
eucariótica. No nœcleo das cØlulas eucarióticas
e na regiªo nucleóide das procarióticas ficam ar-
mazenadas as informaçıes genØticas do organis-
mo, responsÆveis pela manutençªo e transmissªo
de suas características.
Cerca de 300 trilhıes de cØlulas (3x1014)
constituem o corpo humano adulto. Todas elas
sªo derivadas de uma œnica cØlula — a cØlula-
ovo ou zigoto. Durante o processo de trans-
formaçªo dessa œnica cØlula no indivíduo
adulto, seu nœcleo dÆ origem a mais de 100
trilhıes de nœcleos, cada um contendo basi-
camente a mesma informaçªo genØtica do nœ-
cleo da cØlula-ovo. Como isso acontece?
Todos os organismos herdam de seus pais a
informaçªo genØtica que especifica sua estrutu-
ra e funçªo. Da mesma forma, todas as cØlulas
vŒm de outras cØlulas, de modo que o material
genØtico deve ser replicado e passado de uma
cØlula para a sua descendente, a cada divisªo
celular. Assim, a questªo de como a informaçªo
genØtica Ø mantida, replicada e transmitida de
Yara M. Michelacci
Helena B. Nader
MarimØlia A. Porcionatto,
Lucia O. Sampaio
Leny Toma
54
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
cØlula para cØlula e de organismo para organis-
mo Ø central em biologia. Conseqüentemente, a
elucidaçªo do mecanismo de transmissªo genØti-
ca e a identificaçªo do DNA como o material ge-
nØtico foram descobertas importantíssimas para
o conhecimento atual da biologia molecular.
AS DESCOBERTAS DE MENDEL
Desde os primórdios da humanidade sabe-
mos que muitas de nossas características, como
cor dos olhos e forma da face, sªo herdadas
de nossos pais. É claro que tais características
nªo sªo restritas aos seres humanos e muito
antes do nascimento da ciŒncia que estuda a
hereditariedade, a genØtica, o homem jÆ procu-
rava melhorar a qualidade de vegetais e animais
domØsticos atravØs de cruzamentos. Baixos re-
levos e esculturas dos assírios e dos babilônios
revelam seus conhecimentos em medicina vete-
rinÆria e demonstram que sabiam que as tama-
reiras se reproduzem sexualmente. O Código de
Hammurabi (c. 1800 a.C.) menciona a polini-
zaçªo manual das tamareiras femininas com
pólen colhido das masculinas. Entretanto, as
características genØticas só foram efetivamente
analisadas quando cruzamentos controlados fo-
ram feitos entre invidíduos com características
bem definidas. Isso foi realizado, pela primeira
vez, pelo monge austríaco Gregor Johann Men-
del (1822-1884).
Algumas observaçıes que Mendel conside-
rou œteis para o seu trabalho haviam sido feitas
no final do sØculo XVIII pelo botânico alemªo
Josef Gottlieb Kölreuter. Kölreuter estudou mui-
tas plantas por polinizaçªo cruzada e produziu
híbridos (descendentes de pais geneticamente
diferentes). Apesar de alguns de seus híbridos
A B C
D E
Fig. 3.1 — Exemplos de seres vivos dos diferentes Reinos: A: Eubacteria – bactØrias aderidas à ponta de uma
agulha hipodØrmica; B: Protista: Paramecium; C: Fungi; D: Plantae; E: Animalia.
55
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
apresentarem características intermediÆrias en-
tre os pais (seguindo o pensamento vigente na
Øpoca), outros nªo eram intermediÆrios, mas se
pareciam muito com um dos pais.
Outro dado importante, recØm-descoberto
na Øpoca, Ø que um gameta feminino deve se
combinar com um gameta masculino para que
ocorra a fecundaçªo. Por outro lado, o papel dos
cromossomos como portadores da informaçªo
genØtica era desconhecido e os processos de
mitose e meiose ainda nªo haviam sido desco-
bertos.
Esse era o estado da arte em genØtica quan-
do Mendel iniciou seu trabalho, para o qual esta-
va muito bem qualificado. Havia estudado física,
química e matemÆtica na Universidade de Viena
e provavelmente foi isso que o levou a aplicar
mØtodos experimentais quantitativos ao estudo da
hereditariedade.
Mendel investigou os princípios bÆsicos da
hereditariedade num período de nove anos, cru-
zando ervilhas de diferentes morfologias. Seus
resultados foram divulgados numa conferŒncia,
em 1865, e publicados em detalhes, em 1866.
Apesar dessa publicaçªo ter sido distribuída a
120 bibliotecas e separatas terem sido enviadas
a, no mínimo, 40 renomados biólogos da Øpoca,
o trabalho ficou esquecido por mais de 30 anos,
ou porque as bases físicas de sua teoria só foram
entendidas após a descoberta da meiose ou por-
que os biólogos nªo estavam habituados a pen-
sar em termos matemÆticos e nªo entenderam
nem a matemÆtica simples utilizada por Men-
del. Entªo, em 1900, as descobertas de Mendel
vieram à luz, como resultado de experimentos
independentes realizados pelo holandŒs Hugo de
Vries, pelo alemªo Karl Correns e pelo austría-
co Erich von Tschermak. Todos citaram o traba-
lho de Mendel, de 1866.
Mendel escolheu a ervilha para seus estudos
devido à facilidade de cultivo, à possibilidade de
se fazer polinizaçªo controlada e à disponibili-
dade de variedades com diferentes traços here-
ditÆrios (traços passados de uma planta para a
que nascia da sua semente). Numa primeira eta-
pa, foram selecionados espØcimens com traços
hereditÆrios bem definidos: ervilha de flores
brancas só dava descendentes de flores brancas.
Mendel concentrou-se nos sete pares de traços
contrastantes apresentados na Fig. 3.3. Coleta-
va o pólen de uma planta contendo um traço,
digamos semente lisa, e colocava no estigma
(órgªo feminino) de outra contendo o outro tra-
ço, semente rugosa. As plantas doadoras e re-
A B
Fig. 3.2 — Micrografias eletrônicas de uma cØlula procariótica (esquerda) e de uma cØlula eucariótica. Na cØlula eucari-
ótica, alØm do nœcleo existem inœmeras organelas citoplasmÆticas.
Região nucleóide
Membrana
nuclear
Núcleo
56
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
híbrido) ou eram cruzadas com as parentais no-
vamente (cruzamento di-híbrido), dando a se-
gunda geraçªo, F2.
No primeiro experimento, Mendel estudou
espØcimens que diferiam por um œnico traço.
Usou pólen de plantas que produziam sementes
rugosas para polinizar plantas que produziam
sementes lisas. TambØm fez o cruzamento recí-
proco: pólens de plantas que produziam semen-
tes lisas para fecundar plantas que produziam
sementes rugosas. Foram obtidas 253 plantas
em F1 e todas produziam sementes lisas. É como
se o traço “rugoso” tivesse desaparecido. Essas
sementes se autopolinizaram,produzindo 7.324
sementes F2, das quais 5.474 eram lisas e 1.850
eram rugosas. Mendel observou que o traço
“semente lisa” Ø dominante porque foi expresso
sobre o traço “semente rugosa”, que ele cha-
mou recessivo. Nos demais traços estudados, um
sempre foi dominante e o outro recessivo: em F1
apenas um dos traços aparecia, mas o outro vol-
tava a aparecer em F2. Mais importante, a rela-
çªo entre os dois traços em F2 era sempre a
mesma: aproximadamente 3:1 – isto Ø, ¾ de F2
tinham o traço dominante e …, o recessivo.
Esses resultados vªo contra a teoria ampla-
mente aceita na Øpoca de que a hereditariedade
Ø um fenômeno de “mistura”. Segundo essa teo-
ria, as sementes de Mendel deveriam ter uma
aparŒncia intermediÆria, levemente rugosa. AlØm
disso, essa teoria era incapaz de explicar o rea-
parecimento das sementes rugosas em F2. Men-
del propôs uma teoria particulada, segundo a
qual os elementos responsÆveis pela hereditarie-
dade estariam presentes em unidades definidas,
que retŒm sua integridade em presença de ou-
tras unidades. Seus dados numØricos indicam
que cada ervilha contØm duas dessas unidades
para cada característica, cada uma proveniente
de uma planta parental. Cada gameta contØm
uma unidade, e o zigoto resultante, do qual to-
das as cØlulas do adulto derivam, contØm duas.
A “unidade” de Mendel Ø hoje chamada gene.
A aparŒncia física de uma característica Ø o
seu fenótipo. Mendel supôs corretamente que o
fenótipo fosse resultado do genótipo, ou consti-
tuiçªo genØtica do organismo que apresenta o
fenótipo. As diferentes formas de um gene sªo
chamadas alelos.
Numa segunda sØrie de experimentos, Men-
del usou espØcimens que diferiam por dois tra-
Fig. 3.3 — Traços hereditÆrios estudados por Mendel.
ceptoras do pólen eram a geraçªo parental, desig-
nada por P. As sementes formadas eram, entªo,
plantadas e as plantas que nasciam constituíam
a geraçªo filha F1. Estas eram examinadas quanto
aos traços escolhidos e contadas. Entªo, essas
plantas se autopolinizavam (cruzamento mono-
Forma da semente
Lisa Rugosa
Cor da semente
Amarela Verde
Cor da flor
Púrupura Branca
Forma da vagem
Inflada Com constricções
Cor da vagem
Verde Amarela
Posição da flor
Axial Terminal
Altura do caule
Alto Anão
57
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
ços e realizou com elas cruzamentos di-híbri-
dos. Seus resultados levaram à segunda lei de
Mendel: “Alelos de diferentes genes segregam-
se independentemente durante a formaçªo dos
gametas.” É interessante notar que todos os ge-
nes que Mendel estudou localizam-se em cro-
mossomos diferentes.
Alguns genes tŒm alelos que nªo sªo nem
dominantes nem recessivos. Nesses casos, o he-
terozigoto apresenta um fenótipo intermediÆrio
entre os fenótipos parentais, semelhante ao pre-
visto pela antiga teoria da hereditariedade por
“mistura”. É claro que as partículas hereditÆrias,
os genes, nªo se misturam e essa herança pode
ser perfeitamente entendida pelo modelo mende-
liano.
OS GENES LOCALIZAM-SE NOS
CROMOSSOMOS
Mais ou menos na mesma Øpoca em que
Mendel fez suas observaçıes, descobriu-se tam-
bØm que a hereditariedade Ø transmitida atravØs
do óvulo e do espermatozóide. PorØm, a relaçªo
entre gene e cromossomo só veio em 1902, dos
trabalhos desenvolvidos pelo americano Walter
Sutton. Estudando a meiose, ele propôs que o
material genØtico se localizasse no nœcleo, uma
vez que os dois gametas devem contribuir com a
mesma quantidade de material genØtico para a
formaçªo da cØlula-ovo e, como o espermato-
zóide tem pouco citoplasma em relaçªo ao nœ-
cleo, a conjectura lógica foi atribuir ao nœcleo o
papel de conter os determinantes hereditÆrios de
uma cØlula. Logo depois, os cromossomos fo-
ram evidenciados dentro do nœcleo, atravØs do
uso de corantes especiais (chromo-, do grego,
“cor”) e verificou-se que as cØlulas de uma de-
terminada espØcie contŒm um nœmero constante
de cromossomos. Poucos anos depois, demons-
trou-se que nos espermatozóides e nos óvulos o
nœmero de cromossomos Ø exatamente a meta-
de (haplóide ou N) do encontrado nas cØlulas
somÆticas (diplóide ou 2N). Durante a mitose
(o processo de divisªo celular), a partiçªo dos
cromossomos Ø exata: cada cØlula recebe uma
cópia de cada cromossomo. Em contraste, na
meiose (formaçªo dos gametas), o nœmero de
cromossomos Ø reduzido à metade (N). O pro-
cesso de fecundaçªo restaura o nœmero de cro-
mossomos 2N característico das cØlulas
somÆticas de cada espØcie, um cromossomo de
cada par vem do pai e outro, da mªe. Portanto,
os cromossomos comportam-se exatamente
como deveriam se fossem os responsÆveis pelos
genes de Mendel.
A primeira característica a ser atribuída aos
cromossomos foi a determinaçªo do sexo. O tra-
balho foi feito na Universidade Columbia, nos
EUA, onde Nettie Stevens e Edmund Wilson
descobriram, em 1905, os chamados cromosso-
mos sexuais. Esses pesquisadores demonstraram
que um cromossomo, chamado X, estÆ presente
em duas cópias nas fŒmeas mas apenas em uma
cópia nos machos, que tambØm contŒm um cro-
mossomo Y, morfologicamente diferente. Na
formaçªo dos gametas, todos os óvulos contŒm
obrigatoriamente um cromossomo X, mas os es-
permatozóides podem conter um cromossomo
X ou um Y. A fecundaçªo do óvulo por um es-
permatozóide contendo cromossomo X gera uma
fŒmea (XX), enquanto a fecundaçªo por um es-
permatozóide contendo cromossomo Y gera um
macho (XY). Era natural especular, entªo,
que todas as características, nªo apenas as
que determinam o sexo, estivessem localizadas
nos cromossomos. A confirmaçªo inicial veio
logo depois, entre 1910 e 1915, dos trabalhos
de Thomas Hunt Morgan, com cruzamentos da
mosca de frutas Drosophila melanogaster, que
demonstrou a relaçªo entre uma forma mutante
de uma característica (olho branco) e o sexo.
Cruzando moscas de olho vermelho (forma sel-
vagem, nªo-mutada) com moscas de olho bran-
co, Morgan verificou que “olho vermelho” Ø
dominante, visto que só aparecem moscas de
olho vermelho em F1. Contudo, em F2, a relaçªo
entre moscas de olho vermelho e moscas de olho
branco Ø um 3:1 imperfeito e com uma caracte-
rística interessante: todas as moscas de olho
branco sªo machos. Para verificar se havia al-
gum problema de inviabilidade das fŒmeas de
olho branco, Morgan cruzou as moscas de F1
(heterozigotas) com os machos de olho branco
e obteve moscas de olho vermelho e branco,
machos e fŒmeas. A resposta a esse enigma estÆ
no sexo: o gene para cor do olho estÆ no cro-
mossomo X. Como as fŒmeas tŒm dois cromos-
somos X, só aparece olho branco quando os dois
codificam essa forma; os machos tŒm apenas um
cromossomo X (e um cromossomo Y). Nos anos
seguintes, muitos outros mutantes foram mapea-
58
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
dos no cromossomo sexual ou nos outros cro-
mossomos (autossomos).
Em 1903, Hugo de Vries sugeriu que hou-
vesse troca de material genØtico entre os cro-
mossomos para explicar o fato de haver mais
segregaçªo entre características do que o nœme-
ro de cromossomos e, em 1909, o citologista F.
A. Janssens apresentou as evidŒncias experimen-
tais para essa sugestªo (crossing over).
Portanto, no início do sØculo se determinou
que a informaçªo genØtica estava contida nos
cromossomos. Mas em que tipo de molØcula?
Qual a natureza química das molØculas respon-
sÆveis por essa “memória hereditÆria”?
QUAL A NATUREZA QUIM˝CA DOS GENES?
Durante os mesmos anos em que Mendel
fazia seu trabalho com ervilhas, o químico suíço
Friedrich Miescher tentava identificar a compo-
siçªo química dos nœcleos celulares. Mischer
realizou seus estudos em pus de bandagens re-
movidas de ferimentos de soldados e descobriu
que o nœcleo contØm grandes quantidades de
proteínas e de um novo composto, que hoje cha-
mamos DNA — Æcido desoxirribonuclØico. En-
tretanto, a genØtica e o DNA nªose encontraram
atØ 1944.
Em 1941, G. W. Beadle e E. L. Tatum con-
cluíram que “um gene Ø responsÆvel por uma
enzima”. Trabalhando com o fungo Neurospora
crassa, um organismo simples que pode ser cul-
tivado em laboratório a partir de um œnico es-
poro, isolaram mutantes que só cresciam quando
uma vitamina ou um aminoÆcido era adicionado
ao meio. Concluíram que faltava uma enzima e,
por isso, o organismo era incapaz de sintetizar
esse composto simples. Entretanto, a natureza
química do gene era ainda desconhecida.
A história da biologia estÆ repleta de casos
em que a pesquisa num campo contribui para
outro, aparentemente nªo relacionado. Um
exemplo Ø o trabalho do mØdico inglŒs Frede-
rick Griffith. Na dØcada de 1920, Griffith estava
estudando o comportamento do Streptococcus
pneumoniae, ou pneumococcus, um dos agentes
que causa pneumonia no homem. Identificou
duas cepas, designadas S, que produzia colô-
nias brilhantes e lisas (smooth) em cultura, e R,
cujas colônias eram rugosas (rough). Quando a
cepa S era injetada em camundongo, ele morria
em 24 horas (Fig. 3.4). Quando a cepa R era
injetada, a doença nªo aparecia. Em outras pa-
lavras, a cepa S Ø virulenta (causa doença) e a
cepa R Ø nªo-virulenta. Na tentativa de obter uma
vacina contra a pneumonia, Griffith inoculou ca-
mundongos com pneumococcus S mortos pelo
calor e os animais nªo desenvolveram a doença.
Entretanto, quando os animais foram inocula-
dos com uma mistura de bactØrias vivas da cepa
R (nªo-virulenta) e bactØrias mortas da cepa S,
todos morreram de pneumonia. O sangue des-
ses camundongos estava repleto de bactØrias vi-
vas, muitas das quais da cepa S. Griffith concluiu
que, em presença dos pneumococci S mortos,
alguns dos pneumococci R haviam sido trans-
formados em organismos virulentos. Alguma
substância do pneumococcus S morto, chamada
Fig. 3.4 — Experimento de Griffith demonstrando a trans-
formaçªo genØtica do pneumococcus da cepa R, nªo-viru-
lenta, na cepa S, virulenta.
Injeção
Camundongo
morre
Cepa S viva
Cepa R viva
Injeção Camundongo
saudável
Camundongo
saudável
Injeção
Camundongo
morre
Injeção
Calor Cepa S mortapelo calor
Bactéria de cepa S vivas
isoladas do camundongo
morto
Mistura de
cepa R viva e
cepa S morta
Cepa R
viva
59
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
na Øpoca “princípio transformante”, causou uma
modificaçªo nas cØlulas R. Portanto, esse prin-
cípio carregava informaçªo genØtica.
Contudo, a identificaçªo da natureza quími-
ca do princípio transformante só ocorreu em
1944, atravØs dos experimentos clÆssicos de
Oswald Avery, Colin MacLeod e MacLyn Mc-
Carty, com o mesmo Streptococcus pneumoniae.
Eles trataram amostras do princípio transforman-
te de modo a destruir diferentes tipos de subs-
tâncias: proteínas, Æcidos nucleicos, carboidratos
e lipídeos e depois testaram as amostras para ve-
rificar a presença da atividade transformante. A
resposta era sempre a mesma: se o DNA fosse
destruído, a atividade transformante era perdida.
Todos os demais componentes eram dispensÆ-
veis. Na etapa final, os autores demonstraram que
DNA altamente purificado das amostras de prin-
cípio transformante era muito ativo na induçªo
de transformaçªo. Apesar de conclusivos, esses
resultados nªo foram prontamente aceitos pela
comunidade científica, que acreditava que as mo-
lØculas que carregavam a informaçªo genØtica
eram proteínas.
Em 1952, Alfred Hershey e Martha Chase,
estudando a infecçªo de bactØrias por vírus bac-
teriófagos, demonstraram que apenas o DNA
do vírus – e nªo sua porçªo protØica – penetra
na cØlula bacteriana para iniciar uma infecçªo.
Portanto, a informaçªo genØtica que causa a for-
maçªo de novos vírus estÆ no DNA e nªo na
proteína.
No ano seguinte, 1953, o físico inglŒs Fran-
cis H. C. Crick e o geneticista americano James
D. Watson, ambos no laboratório Cavendish da
Universidade de Cambridge, na Inglaterra, usa-
ram a tØcnica de construçªo de modelos mole-
culares desenvolvida pelo químico Linus Pauling
e deduziram a estrutura em dupla hØlice do
DNA. Os dados que permitiram a eles chega-
rem a esse modelo foram: a) Erwin Chargaff e
seus colaboradores separaram e quantificaram
as quatro bases em DNAs de muitas espØcies
diferentes e de diferentes tecidos de um mesmo
organismo e verificaram que sempre a quanti-
dade de adenina Ø igual à quantidade de timina
e a quantidade de citosina Ø sempre igual à de
citosina. Esses dados sugerem pares de bases;
b) Maurice Wilkins e Rosalind Franklin obtive-
ram imagens de raios X de fibras de DNA que
sugeriram uma estrutura em hØlice. Watson e
Crick tambØm foram influenciados pela descri-
çªo das pontes de hidrogŒnio, por Linus Pau-
ling, e pela a hØlice, um elemento comum na
estrutura secundÆria de proteínas. Os resulta-
dos de medidas de densidade e construçªo de
modelos sugeriram que existissem duas cadeias
polinucleotídicas na molØcula. Os estudos de
modelagem tambØm levaram à conclusªo que as
duas cadeias do DNA correm em sentidos opos-
tos, isto Ø, sªo antiparalelas e formam uma hØli-
ce que gira para a direita. Desses estudos tambØm
surgiram dados quanto à distância entre bases
adjacentes — 0,34nm — e o passo da hØlice —
3,4nm (cerca de 10 pares de bases).
ESTRUTURA DO DNA
A identificaçªo do DNA como a molØcula
que carrega a informaçªo genØtica nos cromos-
somos imediatamente focalizou a atençªo dos
pesquisadores na sua estrutura. Só se conhecen-
do a estrutura do DNA poder-se-ia chegar a
compreender como essa molØcula carrega a in-
formaçªo genØtica e como faz cópias idŒnticas
de si mesma. No início, os pesquisadores imagi-
naram que estruturas peculiares a cada gene
pudessem existir, de modo que foi um grande
alívio quando se descobriu que a estrutura fun-
damental do DNA Ø a dupla hØlice e que todos
os genes tŒm, basicamente, a mesma estrutura,
resultando as diferenças da ordem em que se
colocam as quatro unidades do DNA, os nu-
cleotídeos (Fig. 3.5).
Agora, mais de 40 anos após a descoberta
da dupla hØlice, jÆ se verificou que a estrutura
do DNA nªo Ø tªo simples como se pensou. Hoje
nªo se fala mais na estrutura do DNA, mas em
estruturas do DNA.
Fig. 3.5 — Diagrama esquemÆtico de um nucleotídeo tri-
fosfato.
Fosfato
Base
nitrogenada
Açúcar
60
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
bases pirimídicas. A Fig. 3.6 mostra as estrutu-
ras dos quatro principais desoxirribonucleotídeos
do DNA.
Na cadeia polinucleotídica, os açœcares sªo
unidos por ligaçıes 3’fi 5’ fosfodiØster (Fig. 3.7),
formando o chamado “esqueleto de açœcar-fos-
fato” ou backbone, que Ø muito regular. Por ou-
tro lado, a seqüŒncia de bases ao longo das
cadeias Ø altamente variada. Tanto as bases pœ-
ricas como as pirimídicas sªo planas, relativa-
mente insolœveis em Ægua e tendem a empilhar,
de modo mais ou menos perpendicular à dire-
çªo do eixo da hØlice. As duas extremidades da
cadeia sªo diferentes: uma tem um grupamento
fosfato no carbono 5’ livre e a outra tem o OH
do carbono 3’livre. Essas extremidades sªo cha-
madas, respectivamente, 3’ e 5’.
O DNA Ø formado por duas cadeias, manti-
das juntas por pontes de hidrogŒnio entre pares
A Dupla HØlice
O DNA Ø um polímero e, como todo polí-
mero, Ø constituído por unidades menores que
se ligam umas às outras. As unidades construti-
vas ou building blocks que constituem o DNA
sªo os desoxirribonucleotídeos. Nucleotídeos sªo
compostos formados por um açœcar ao qual se
ligam um resíduo de Æcido fosfórico e uma base
nitrogenada. No DNA, o açœcar Ø a 2-desoxirri-
bose, uma pentofuranose. O grupamento fosfa-
to fica ligado ao carbono 5 do açœcar e a base
liga-se ao carbono 1, atravØs do OH glicosídico.
Para que nªo haja confusªo quanto à numera-
çªo dos Ætomos de carbono na base e no açœcar,
os carbonos do açœcar sªo designadospelo nœ-
mero acrescido de “linha” (1’, 2’, etc.). Existem
quatro bases: adenina (A), timina (T), guanina
(G) e citosina (C), sendo que adenina e guanina
sªo bases pœricas, enquanto timina e citosina sªo
Fig. 3.6 — Estruturas químicas dos principais nucleotídeos do DNA.
61
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
Fig. 3.7 — Ligaçıes fosfodiØster na cadeia de DNA e ex-
tremidades 3’ e 5’.
Fig. 3.8 — Pontes de hidrogŒnio entre adenina-timina e
guanina-citosina. Observe que as ligaçıes glicosídicas com
desoxirribose nªo sªo diretamente opostas.
H C
H
C
C
–C
H
CN
Timina
N
O
Desoxirribose
H
O
Ponte de
hidrogênio
H
H
H
H
C C
C
C
C
N
N
N
N
N
Adenina
Desoxirribose
Desoxirribose Desoxirribose
Citosina
Guanina
H
H
H
H
H
H
H
H
C C
C
C
C
C C
C
C
N
N
N
N
N
N
–N
NO
O
Extremidade 5’O–
O
O
–O P
H2C5’ O
H
H H
H
H
3’
C
O
–O
O
OP
H2C5’ AO
H
H H
H
H
3’
O
O–O
O
P
H2C5’ G
H
H H
H
H
3’
O
OH
Extremidade 3’
de bases. Esse pareamento Ø específico: adeni-
na pareia com timina e guanina, com citosina
(Fig. 3.8). Entre adenina e timina (par AT) for-
mam-se duas pontes de hidrogŒnio e entre gua-
nina e citosina (par GC), trŒs. A especificidade
de pareamento das bases resulta numa relaçªo de
complementaridade entre as seqüŒncias de bases
das duas cadeias. Como A só pareia com T e G
com C, as quantidades de A e T sªo iguais, assim
como as quantidades de G e C. Entretanto, a re-
laçªo A+T/G+C varia de espØcie para espØcie,
sendo igual a 1,7 para o homem. Na dupla hØlice,
as duas cadeias pareadas sªo antiparalelas, isto Ø,
a extremidade 5’ de uma pareia com a extremida-
de 3’ da outra e vice-versa (Fig. 3.9).
As duas ligaçıes glicosídicas que ligam o par
de bases a seus açœcares correspondentes nªo sªo
diretamente opostas umas às outras (Fig. 3.8).
Isso faz com que os dois esqueletos de açœcar-
fosfato nªo sejam igualmente espaçados ao lon-
go do eixo da hØlice, de modo que as duas fendas
que se formam na hØlice entre esses esqueletos
tŒm tamanhos diferentes (Fig. 3.9). Formam-se,
entªo, uma fenda maior ou principal e uma fen-
da menor ou secundÆria, que interagem de mo-
dos diferentes com proteínas e outras molØculas.
Quando molØculas de DNA dupla fita sªo
aquecidas acima da temperatura fisiológica (atØ
quase 100°C), suas pontes de hidrogŒnio se rom-
pem e as cadeias complementares se separam.
Esse processo Ø chamado desnaturaçªo. O DNA
com alto conteœdo de GC Ø mais resistente à
desnaturaçªo que molØculas ricas em AT, visto
que cada par GC Ø unido por trŒs pontes de hi-
drogŒnio, enquanto cada par AT Ø mantido por
duas pontes. Em temperaturas intermediÆrias, o
DNA pode ser parcialmente desnaturado. O
DNA desnaturado pode se renaturar, de modo
que híbridos podem se formar.
Outras Conformaçıes do DNA
HÆ duas formas bem caracterizadas de DNA
com hØlice girando para a direita, chamadas
62
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
Fig. 3.9 — Estrutura em dupla hØlice do DNA.
5’ 3
0,34nm
3,4nm
Fenda
menor
Fenda
maior
5’ 3’
C
C
C
C
C
C
G
G
G
G
G
G
A
A
A
A
A
G
G
G
G
G
A-DNA e B-DNA. Elas diferem entre si pela dis-
tância necessÆria para completar uma volta da
hØlice e pelo ângulo que as bases fazem com o
eixo da hØlice. A conformaçªo B Ø mais longa e
mais fina, com um diâmetro de 2,34nm e uma
distância de 0,34nm entre os pares de bases,
orientados perpendicularmente ao eixo da hØli-
ce. Para completar um passo da hØlice sªo ne-
cessÆrios dez pares de bases (3,4nm).
Separando os dois esqueletos de açœcar-fosfa-
to, hÆ duas fendas bem evidentes. O B-DNA se
converte no A-DNA inclinando-se os pares de
bases cerca de 30°, de modo que a distância
entre os pares de bases passa a ser 0,23nm e o
diâmetro, 2,55nm. Sªo necessÆrios 11 pares de
bases para completar um passo da hØlice, que
tem 2,53nm. A fenda entre os esqueletos de açœ-
car-fosfato no A-DNA Ø mais profunda e mais
fina que a fenda maior do B-DNA. Em soluçªo,
geralmente o DNA assume a conformaçªo B. A
conformaçªo A aparece quando pouca Ægua estÆ
disponível para interagir com a dupla-hØlice. O
híbrido DNA-RNA tambØm assume a conforma-
çªo A, assim como o RNA dupla fita, que apare-
ce em regiıes dos tRNAs e rRNAs e em RNAs
de vírus.
DNA contendo resíduos alternados de puri-
na e pirimidina pode formar uma hØlice que gira
para a esquerda. Nesse caso, a ligaçªo entre a
base e o açœcar estÆ na configuraçªo anti para os
resíduos de pirimidina e na configuraçªo syn para
os resíduos de purina (Fig. 3.10). No DNA com
hØlice que gira para a direita, a ligaçªo glicosídica
Ø sempre anti. É a configuraçªo diferente dos nu-
cleotídeos de purinas que faz a hØlice girar para a
esquerda. As configuraçıes alternadas anti-syn
dªo ao esqueleto do DNA um aspecto em zigue-
zague. Por isso, essa configuraçªo Ø chamada Z-
DNA. O Z-DNA uma hØlice mais fina (1,84 nm
de diâmetro) e mais longa (0,38nm entre as ba-
ses) que o B-DNA. O passo da hØlice Ø de 4,56nm
e compreende 12 pares de bases. Apenas uma fen-
da profunda, correspondente à fenda menor do
B-DNA caracteriza a superfície externa do Z-
DNA. Em soluçªo, as seqüŒncias alternadas de
purina-pirimidina assumem a conformaçªo Z
apenas em altas concentraçıes de cÆtions. A me-
tilaçªo de resíduos de citosina tambØm favorece a
transiçªo de B-DNA para Z-DNA. A Fig. 3.11
mostra o B-DNA e o Z-DNA.
Metilaçªo do DNA
Uma pequena fraçªo dos resíduos de citosi-
na do DNA da maioria dos cromossomos de
eucariotos contØm grupos metil ligados ao car-
bono 5 (5-metilcitosina ou m5C). Esses grupos
sªo adicionados por enzimas específicas, as DNA
metilases, após a incorporaçªo dos resíduos de
citosina às cadeias de DNA.
Grupos metil podem, tambØm, ser adicio-
nados a resíduos de adenina, formando 6-meti-
ladenina. Em cØlulas procarióticas, adenina
metilada Ø mais comum que citosina metilada,
enquanto em eucariotos, quase todos os grupos
metil sªo adicionados a resíduos de citosina.
Esses dados jÆ indicam que a estrutura do
DNA nªo Ø homogŒnea: certas seqüŒncias de
63
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
bases, metiladas ou nªo, determinam diferentes
conformaçıes, que podem ser reconhecidas por
proteínas que interagem com o DNA. O padrªo
de metilaçªo do DNA tambØm Ø importantíssimo
para os procedimentos da engenharia genØtica,
como serÆ visto em outros capítulos deste livro.
Superenrolamento
MolØculas lineares de DNA podem girar li-
vremente uma cadeia em torno da outra. Entre-
tanto, quando as duas extremidades de uma
molØcula de DNA ligam-se covalentemente, for-
mando uma molØcula circular, o nœmero de ve-
zes que uma cadeia gira em torno da outra Ø
fixado. Esse nœmero Ø chamado linkage number.
Quando a estrutura circular fica perfeitamente
assentada sobre uma superfície plana, sem alte-
rar a geometria da dupla hØlice, ela Ø dita relaxa-
da. Se, entretanto, antes de unir as extremidades,
uma fita girar em torno da outra no sentido do
enrolamento ou do desenrolamento, após a uniªo
o DNA apresentarÆ uma tensªo, que poderÆ ser
relaxada de trŒs maneiras (Fig. 312): a) a tensªo
poderÆ ser anulada se a hØlice se enrolar sobre si
mesma, gerando um superenrolamento ou super-
coil. Nesse caso, a fita de DNA nªo Ø mais pla-
na. Se o superenrolamento resultar de uma
diminuiçªo no linkage number, dizemos que Ø
um superenrolamento negativo. Esse Ø o tipo de
estrutura normalmente encontrado na natureza.
Se o superenrolamento resultar de um aumento
no linkage number, Ø chamado superenrolamento
positivo; b) se a tensªo resultar de desenrola-
mento, ela pode se concentrar num ponto espe-
cífico do anel, onde as bases ficam nªo-pareadas;c) estruturas alternativas podem ser geradas,
como DNA cruciforme, triplex ou Z-DNA. Exis-
tem enzimas que catalisam a mudança no linka-
ge number de molØculas de DNA. Essas enzimas
sªo chamadas topoisomerases.
As molØculas de DNA cromossômico de pro-
cariotos, de plasmídeos, DNA mitocondrial e
DNA de cloroplastos sªo circulares, enquanto as
molØculas de DNA cromossômico de eucariotos
sªo lineares.
CROMOSSOMOS E CROMATINA
Nas cØlulas, geralmente o DNA ocorre com-
plexado a proteínas específicas, formando a
cromatina. Em eucariotos, as proteínas mais pro-
eminentes que se ligam ao DNA sªo as histo-
nas. Histonas sªo proteínas relativamente
pequenas, ricas em arginina e lisina, que se agre-
gam para formar estruturas elipsóides em tor-
no das quais o DNA se enrola. Essas estruturas
sªo chamadas nucleossomos. Cada nucleosso-
mo Ø formado por um octâmero de histonas
centrais: H2A, H2B, H3 e H4, duas cópias de
cada. O DNA fica enrolado em torno desse
complexo, num superenrolamento negativo,
dando duas voltas em torno do octâmero de
histonas, com pontos de entrada e saída do
nucleossomos muito próximos um do outro.
A esse complexo, chamado partícula central,
estÆ associada, externamente, uma molØcula
de histona H1 (Fig. 3.13). Nucleossomos ad-
jacentes sªo conectados entre si pela molØcula
de DNA. O DNA entre dois nucleossomos ad-
jacentes Ø chamado DNA de ligaçªo e sua ex-
tensªo pode variar de 0 a 80 pares de bases
(pb). A composiçªo dos nucleosomos lado a
lado, ou fibra de 10nm, constitui o primeiro ní-
vel de compactaçªo da cromatina. A fibra de
30nm representa o segundo nível de compac-
taçªo e Ø formada pelo enrolamento da fibra de
10 nm (Fig. 3.14). Essas estruturas formam os
cromossomos. Um cromossomo eucariótico Ø
uma œnica molØcula de DNA enrolada em tor-
no das histonas. Durante a interfase, quando a
cØlula nªo estÆ se dividindo, os cromossomos
nªo sªo individualizados à microscopia óptica,
mas os nucleossomos podem ser vistos à mi-
croscopia eletrônica. Quando a cØlula vai en-
trar em divisªo, os cromossomos se duplicam
e, depois, se enrolam muito, reduzindo seu
comprimento de centímetros para nm (10.000
vezes, pelo menos). Tornam-se, entªo, visíveis
à microscopia óptica, mostrando a aparŒncia
duplicada que estamos acostumados a ver.
O DNA Ø uma molØcula muito, muito gran-
de. A Tabela 3.1 mostra o nœmero de cromosso-
mos de cØlulas eucarióticas e o tamanho do seu
genoma. As bactØrias tŒm apenas uma molØcula
de DNA cromossômico, embora molØculas de
DNA extracromossômico tambØm possam estar
presentes. Essas molØculas de DNA sªo circula-
res e tambØm apresentam superenrolamento ne-
gativo. Nos organismos eucarióticos, vÆrias
molØculas de DNA existem no nœcleo, consti-
tuindo seus cromossomos.
64
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
O genoma da maioria dos eucariotos Ø
maior e mais complexo que dos procariotos.
Isso nªo Ø surpreendente, porque esperar-se-
ia encontrar mais genes em organismos mais
complexos. Entretanto, o tamanho do genoma
de muitos eucariotos nªo parece estar relacio-
nado com sua complexidade genØtica. Por exem-
plo, o genoma do lírio contØm mais de dez vezes
mais DNA que o genoma humano e o lírio nªo
Ø dez vezes mais complexo que o homem. Esse
aparente paradoxo foi resolvido pela descober-
ta que os genomas eucarióticos contŒm nªo ape-
nas genes funcionais, mas tambØm grande
quantidade de seqüŒncias que nªo codificam pro-
teínas. A diferença de tamanho entre o genoma
humano e o genoma de E. coli tambØm nªo Ø
devida ao nœmero de genes. Estima-se que o
genoma humano contenha aproximadamente
100.000 genes, só 25 vezes mais que o genoma
de E. coli. A complexidade do genoma eucarió-
tico resulta da abundância de vÆrios tipos de se-
qüŒncias nªo codificantes.
Estudando a Estrutura do DNA
Quando se determinou o tamanho do DNA
eucariótico, muitos biologistas moleculares ficaram
tªo desanimados que mudaram de campo de tra-
balho. Era impossível determinar a estrutura e a
organizaçªo de molØculas tªo grandes, em espe-
cial do DNA eucariótico. Novas metodologias pre-
cisavam ser desenvolvidas para que se pudesse
Fig. 3.10 — Conformaçªo do desoxiguanilato no B-DNA (anti) e no Z-DNA (syn).
Carbono
Hidrogênio
Oxigênio
Nitrogênio
Fósforo
Desoxiguanilato no B-DNA
conformação anti
Desoxiguanilato no Z-DNA
conformação syn
65
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
Fig. 3.11 — Z-DNA e B-DNA.
Fig. 3.12 — DNA relaxado e DNA nªo-relaxado. A ten-
sªo pode ser relaxada de trŒs maneiras: gerando superen-
rolamento, concentrando a tensªo numa regiªo que fica
com bases nªo-pareadas ou gerando estruturas alternati-
vas, como DNA cruciforme.
determinar a seqüŒncia de bases de um pedaço de
um gene, depois de um gene inteiro e, depois, de
um cromossomo inteiro. Mesmo o pequeno DNA
de um vírus nªo podia ser seqüenciado inteiro.
O primeiro Æcido nuclØico a ser seqüencia-
do nªo foi um DNA, mas um RNA transporta-
dor. Em 1964, na Universidade Cornell, o tRNA
da alanina de levedura foi seqüenciado e, em
1975, quando o RNA cromossômico do vírus
MS2 foi seqüenciado, pela primeira vez foram
determinados os códons que especificam cada
aminoÆcido das trŒs proteínas codificadas pelo
vírus. O seqüenciamento do DNA, contudo, nªo
era possível porque as DNases que existiam eram
inespecíficas e quebravam o DNA aleatoriamen-
te, em fragmentos dos mais diferentes tamanhos.
A idØia geral Ø que nunca seriam encontra-
das enzimas que quebrassem o DNA de modo
mais específico. A œnica indicaçªo de que podia
ser de outra forma vinha de uma observaçªo,
feita em 1953: se o DNA de uma cepa de E. coli
fosse introduzida em E. coli de outra cepa, rara-
mente ele funcionava geneticamente, sendo logo
degradado a fragmentos menores. Como a bac-
tØria reconhecia e degradava o DNA estranho?
Z-DNA B-DNA
Fenda
menor
Fenda
maior
Fenda
menor
Superendrolamento
negativo
Bases não-pareadas
DNA relaxado
DNA cruciforme
Fig. 3.13 — Nucleossomo.
2 moléculas de cada:
H2A, H2B, H3 e H4
DNA
HI
11nm
66
VOL. 1 — BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA
Cap. 3
Fig. 3.14 — Fibras de cromatina. O enrolamento do DNA em nucleossomos gera uma fibra de cromatina de aproximada-
mente 10nm de diâmetro. A cromatina Ø mais condensada formando a fibra de 30nm, contendo cerca de 6 nucleossomos
por volta.
Partícula central
do nucleossomo
10nmDNA
30nm
Tabela 3.1
Nœmero de Cromossomos e Tamanho do Genoma de CØlulas
Organismo Nœmero de Tamanho do Genoma Tamanho do
Cromossomos (Mb)a Genoma (mm)
BactØria (Eschericchia coli) 1 4,7 1,6
Levedura
(Saccharomyces cerevisiae) 16 14 4,8
Dictyostelium 7 70 23,8
Milho 10 5.000 1.700,0
Cebola 8 15.000 5.100,0
Lírio 12 50.000 17.000,0
Mosca de fruta
(Drosophila melanogaster) 4 165 56,1
Rª (Xenopus laevis) 18 3.000 1.020,0
Galinha 39 1.200 408,0
Camundongo 20 3.000 1.020,0
Cªo 39 3.000 1.020,0
Homem 23 3.000 1.020,0
aTanto o tamanho do genoma como o nœmero de cromossomos refere-se às cØlulas haplóides. Mb = milhıes de pares
de bases.
Em 1966, estudando a estrutura do DNA
de um vírus modificado, que sobrevivia em E.
coli, verificou-se a presença de bases metiladas,
ausentes no DNA nªo modificado. SerÆ que a
metilaçªo impede a açªo de DNases?
A situaçªo era essa no final da dØcada de 60,
quando Stewart Linn e Werner Arber, trabalhan-
do em Genebra, na Suíça, isolaram uma enzima
que metilava DNA nªo-metilado e uma endonu-
clease de restriçªo, que quebrava o DNA nªo-me-
tilado. Nos anos seguintes, endonucleases e as
metilases que as acompanhavam foram isoladas de
outras duas cepas de E. coli, abrindo a possibilida-
de de existirem muitas enzimas sítio-específicas.
Essas primeiras enzimas, contudo, embora
reconhecessem seqüŒncias específicas nªo-me-67
HEREDITARIEDADE, GENES E DNA
Cap. 3
tiladas, quebravam o DNA aleatoriamente, nªo
apenas na regiªo reconhecida. Um pouco mais
tarde, endonucleases que reconhecem e quebram
o DNA em pontos específicos foram descober-
tas. A primeira foi isolada de Haemophilus in-
fluenzae por Hamilton Smith, em 1970, na Johns
Hopkins University. Essa endonuclease de res-
triçªo, chamada HindII, quebrava DNA E. coli
e de bacteriófago (um vírus), mas nªo quebrava
o DNA da própria bactØria. A enzima altamente
purificada quebra a seqüŒncia abaixo, onde “Pu”
significa qualquer purina e “Py”, qualquer piri-
midina:
(5’)GTPyfl PuAC(3’)
(3’)CAPu› PyTG(5’)
Desde entªo, endonucleases de restriçªo fo-
ram isoladas de centenas de cepas de bactØrias,
específicas para mais de 150 sítios de clivagem
diferentes. Essas enzimas reconhecem seqüŒn-
cias de quatro a oito bases. Os fragmentos gera-
dos quando um DNA Ø quebrado por uma
endonuclease de restriçªo podem ser separados
por eletroforese em gel de agarose. Enzimas di-
ferentes geram diferentes fragmentos de restri-
çªo a partir do mesmo DNA.
Quando os primeiros fragmentos de res-
triçªo surgiram, ainda nªo havia mØtodo que
permitisse seqüenciÆ-los diretamente. Uma des-
coberta muito importante foi que Ø possível fa-
zer eletroforese em gel de poliacrilamida e
separar fragmentos que diferem entre si por ape-
nas um par de bases (bp). Grande avanço veio
com o estabelecimento de metodologias que per-
mitem o seqüenciamento de fragmentos de DNA
de 100 a 500bp. O primeiro foi desenvolvido
por Fred Sanger em 1975, um mØtodo enzimÆ-
tico. Logo em seguida, em 1977, Allan Maxam
e Walter Gilbert, na Universidade Harvard, de-
senvolveram outro mØtodo que se baseia numa
degradaçªo química do DNA. Fred Sanger de-
senvolveu, mais tarde, um segundo mØtodo com
base em tØcnicas enzimÆticas.
Hoje, genomas completos de alguns orga-
nismos jÆ foram seqüenciados e o Projeto Ge-
noma, um projeto de cooperaçªo internacional,
jÆ publicou o primeiro rascunho de toda a se-
qüŒncia do genoma humano.
Bibliografia
1. Cooper GM. The Cell: A Molecular Approach. ASM Press
and Sinauer Associates, Inc, 1997.
2. Lodish H, Baltimore D, Berk A, Zipursky SL, Matsudaira
P, Darnell J. Molecular Cell Biology. Third Edition.
Scientific American Books, 1995.
3. Purves WK, Orians GH, Heller HG. Life. The Science
of Biology. Fourth Edition. Sinauer Associates, Inc.,
W. H. Freeman and Co, 1995.
4. Watson JD, Gilman M, Witkowski J, Zoller M.
Recombinant DNA. Second Edition. Scientific
American Books, 1992.
5. Watson JD, Hopkins NH, Roberts JW, Steitz JA, Weiner
AM. Molecular Biology of the Gene. Fourth Edition.
The Benjamin/Cummings Publishing Company, Inc,
1988.

Continue navegando