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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/267790964 REVIEW ESTUDO DA REOLOGIA DE POLISSACARÍDEOS UTILIZADOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Article CITATIONS 3 READS 1,538 5 authors, including: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Thermal Efficiency Analysis in comercial refrigerators View project Juliana Tófano C. Leite Toneli Universidade Federal do ABC (UFABC) 24 PUBLICATIONS 139 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Juliana Tófano C. Leite Toneli on 18 April 2016. The user has requested enhancement of the downloaded file. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 ISSN 1517-8595 181 REVIEW ESTUDO DA REOLOGIA DE POLISSACARÍDEOS UTILIZADOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Juliana Tófano de Campos Leite Toneli1, Fernanda Elisabeth Xidieh Murr2, Kil Jin Park3 RESUMO O estilo de vida atual da população está provocando uma crescente demanda por alimentos que sejam, simultaneamente, práticos, saborosos e saudáveis. Os consumidores desejam consumir alimentos que tragam benefícios à sua saúde, porém, não querem abrir mão das qualidades sensoriais encontradas em alimentos ricos em gorduras. Esses fatores estão causando um grande aumento no consumo de polissacarídeos, pois são ingredientes capazes de aumentar a viscosidade das soluções ou induzir à formação de sistemas com características similares às apresentadas pelos géis, controlando a estrutura e a textura de alimentos. Em busca de aprimorar a qualidade dos produtos alimentícios e reduzir os custos de produção, inúmeras pesquisas têm sido realizadas sobre os polissacarídeos que podem ser utilizados na produção de alimentos, relacionando suas propriedades físicas e químicas com o seu comportamento, quando utilizado em formulações sob diferentes condições. Dentre as propriedades dos polissacarídeos, o comportamento reológico é de fundamental importância no projeto, na avaliação e na modelagem de processos. Além disso, as propriedades reológicas também são indicadores da qualidade do produto. Esse trabalho tem por objetivo ressaltar a importância do conhecimento das propriedades reológicas dos polissacarídeos, face à grande variedade de produtos passíveis de aplicação na indústria de alimentos e à riqueza das pesquisas desenvolvidas na área. Palavras-chave: viscosidade, curvas de escoamento, gomas, amido, inulina. STUDY OF THE RHEOLOGY OF POLYSACCHARIDES USED IN THE FOOD INDUSTRY ABSTRACT The population current life style is causing an increasing demand for food that is, simultaneously, practical, flavorful and healthful. The consumers desire to eat foods that benefit their health; however, they don’t want to lose the sensorial attributes found in foods that are rich in fat. These factors are causing a great increase in the consumption of polysaccharides; therefore, they are ingredients capable to increase the viscosity of the solutions or to induce the formation of systems with similar characteristics to the characteristics presented by gel, controlling the structure and the texture of foodstuffs. Innumerable researches about the polysaccharides that can be used in the food production, relating its physical and chemical properties with its behavior, when they are used in formulations under different conditions, has been carried out to improve the quality of food products and to reduce the production costs. Amongst the properties of the polysaccharides, the rheological behavior has fundamental importance in the project, evaluation and modeling of processes. Moreover, the rheological properties are also indicators of the quality of the product. This work has the objective of stand out the importance of the knowledge of the polysaccharides rheological properties, because of the great variety of products that can be applied in the food industry and the richness of the researches developed in the area. Keywords: viscosity, flow curves, gums, starch, inulin. _____________________ Protocolo 31 de 28/07/2004 1 Departamento de Engenharia de Alimentos. Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, P.O. Box 6121, 13083-970, Campinas, SP, Brasil. E-mail: juliana@agr.unicamp.br 1 Departamento de Engenharia de Alimentos. Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, P.O. Box 6121, 13083-970, Campinas, SP, Brasil. E-mail: fexmurr@fea.unicamp.br 1 Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, P.O. Box 6011, 13084-971, Campinas, SP, Brasil. E-mail: kil@agr.unicamp.br Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 182 INTRODUÇÃO À REOLOGIA Eugene C. Bingham foi o primeiro a utilizar a palavra reologia ao definir que “tudo escoa” (Steffe, 1996). Hoje, a Reologia pode ser vista como a ciência da deformação e do escoamento da matéria, ou seja, é o estudo da maneira, segundo a qual os materiais respondem à aplicação de uma determinada tensão ou deformação. Todos os materiais possuem propriedades reológicas, de modo que a reologia é uma ciência que pode ser aplicada em diversas áreas de estudo. O estudo das propriedades reológicas dos alimentos, segundo Rao (1977, 1986), é essencial para várias aplicações que incluem desde os projetos e avaliação de processos até o controle de qualidade, a correlação com a avaliação sensorial e a compreensão da estrutura de materiais. Steffe (1996) sugere que a reologia é a ciência dos materiais em alimentos. De acordo com o autor, podem-se destacar diversas áreas na indústria de alimentos nas quais o conhecimento dos dados reológicos é essencial: a) Cálculos em engenharia de processos, envolvendo grande variedade de equipamentos, tais como bombas, tubulações, extrusores, misturadores, trocadores de calor, dentre outros; b) Determinação da funcionalidade de ingredientes no desenvolvimento de produtos; c) Controle intermediário ou final da qualidade de produtos; d) Testes de tempo de prateleira; e) Avaliação da textura de alimentos e correlação com testes sensoriais; f) Análise de equações reológicas de estado ou de equações constitutivas. A Reologia Clássica começa com a consideração de dois materiais ideais: o sólido elástico e o líquido viscoso. O sólido elástico é um material com forma definida que, quando deformado por uma força externa dentro de certos limites, irá retornar à sua forma e dimensões originais, após a remoção dessa força. O líquido viscoso não tem forma definida e irá escoar, irreversivelmente, com a aplicação de uma força externa (Stanley, et al., 1996). Na reologia de sólidos, a propriedade de maior interesse é a elasticidade ao passo que, em líquidos, a viscosidade é a propriedade mais importante. A viscosidade de um material pode ser definida como a propriedade física dos fluidos que caracterizam a sua resistência ao escoamento (park & leite, 2001). Reologia dos sólidos Quando uma força é aplicada a um material sólido e a curva resultante de tensão versus deformação é uma linha reta, passando pela origem, diz-se que o sólido é ideal ou hookeano. Materiais hookeanos não escoam e são linearmente elásticos. A tensão permanece constante até que a deformação seja removida e, uma vez que isso ocorra, o material retorna à sua forma original. A Lei de Hooke pode ser utilizada para descrever o comportamento de muitos sólidos, quando submetidos a pequenas deformações, tipicamente,inferiores a 1%. Grandes deformações, normalmente, produzem a ruptura do material ou um comportamento não-linear. O comportamento de um sólido hookeano pode ser investigado, através de ensaios de compressão uniaxial de uma amostra cilíndrica. Se o material é comprimido de uma forma tal que ele experimente uma mudança no comprimento inicial (ho) e no diâmetro (do), a tensão (σ) e a deformação (εc) normais podem ser calculadas segundo a Equação (1) (Steefe, 1996). 4 2 od F A F πσ == ; (1) o C h hδε = onde: F = força de compressão uniaxial [N]; A = área de contato inicial [m2]; δh = variação na altura da amostra [m] Essas informações podem ser utilizadas para a determinação do módulo de Young (E), de acordo com a Equação (2), ou, analogamente, do módulo cisalhante (G), quando a tensão aplicada for de cisalhamento. c E ε σ= (2) De acordo com Steefe (1996), quando grandes deformações são aplicadas, a deformação de Hencky (εH) deve ser utilizada Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 183 para calcular a deformação e o termo referente à área, necessário para o cálculo da tensão, deverá ser ajustado para as variações no raio, provocadas pela compressão, como mostra a Equação (3). ( )20 RR F δπσ += (3) Onde R0 é o raio inicial do material, δR é a variação na medida do raio, provocada pela aplicação da tensão. Reologia dos fluidos O estudo da deformação em fluidos pode ser realizado submentendo-os a uma deformação contínua, a uma taxa constante. Essa condição pode ser idealizada com a utilização de duas placas paralelas com o fluido colocado no espaço entre elas (gap), como mostra a Figura 1. O prato inferior é fixo (u = 0) e o superior se move a uma velocidade constante (u), gerando um perfil de velocidades ao longo do fluido que, por sua vez, é igual à taxa de deformação (γ& ). Área Força u u=0 x1 x2 Área Força u u=0 x1 x2 Fonte: Adaptado de Steefe (1996) Figura 1 – Perfil de velocidade entre placas paralelas O escoamento de cisalhamento simples, também, pode ser chamado de escoamento viscométrico. Ele inclui o escoamento axial em uma tubulação, o escoamento rotacional entre cilindros concêntricos, o escoamento rotacional entre cone e placa e o escoamanto rotacional entre placas paralelas. De uma maneira geral, é possível classificar o comportamento reológico dos materiais, através de dois extremos idealizados: sólidos perfeitos (hookeanos) e fluidos perfeitos (newtonianos). Enquanto os sólidos ideais se deformam, elasticamente, e a energia de deformação é, completamente, recuperada, quando cessa o estado de tensão, fluidos ideais escoam, ou seja, se deformam de forma irreversível e a energia de deformação é dissipada na forma de calor. Dessa maneira, em fluidos, a energia de deformação não é recuperada, após o alívio da tensão (Pasquel, 1999). Quando sólidos ideais são deformados, a tensão gerada pela resistência à deformação é, diretamente, proporcional à magnitude da deformação, mas é independente da taxa em que ela é aplicada. No outro extremo, a resistência de um fluido newtoniano para o movimento imposto é diretamente proporcional à taxa de movimento, mas é independente da magnitude da deformação (isto é, o fluxo continua indefinidamente enquanto a tensão é mantida) (Pasquel, 1999). Quando fluidos newtonianos são deformados, a tensão de cisalhamento gerada é, diretamente, proporcional à taxa de deformação. A resistência que o fluido oferece ao escoamento é caracterizada como a sua viscosidade newtoniana (μ), como mostra a Equação (4). Os fluidos newtonianos, por definição, possuem uma relação, estritamente, linear entre tensão de cisalhamento e taxa de deformação, com a linha passando pela origem (Steefe, 1996). γμσ &= (4) onde: σ = Tensão de cisalhamento (Pa); μ = Viscosidade Newtoniana (Pa.s) e γ& = Taxa de deformação (s-1). Não existem, naturalmente, fluidos perfeitos, ou ideais (sem viscosidade), mas somente fluidos cujo comportamento se aproxima do newtoniano, como é o caso de líquidos puros, soluções verdadeiras diluídas e poucos sistemas coloidais. Todos os fluidos cujo comportamento não pode ser descrito pela Equação (5) podem ser chamados de não- newtonianos. O coeficiente de viscosidade (μ) para esses fluidos não newtonianaosé chamado de viscosidade aparente (η). Define-se a viscosidade aparente (η) como a viscosidade dependente da taxa de deformação γ& (s-1), de acordo com a Equação (4), onde σ(Pa) é a tensão de cisalhamento. ( )γγησ &&= (5) A Figura 2 apresenta uma classificação geral do comportamento reológico de fluidos: Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 184 Newtonianos Pseudoplástico Dilatante Plásticos de Bingham Herschel-Bulkley Outros Independentes do tempo Tixotrópico Reopéctico Dependentes do tempo Inelásticos Viscoelásticos não-newtonianos Fluidos Figura 2 – Classificação do comportamento reológico de fluidos Fluidos não-newtonianos viscoelásticos podem ser descritos como aqueles que apresentam, simultaneamente, propriedades de fluidos (viscosas) e de sólidos (elásticas), sendo que as propriedades viscosas podem ser não- newtonianas e dependentes do tempo. As propriedades elásticas, por sua vez, manifestam-se, através da presença de tensões perpendiculares à direção de cisalhamento com magnitude diferente daquelas apresentadas pelas tensões paralelas à direção de cisalhamento (Torrest, 1982). Segundo Steffe (1996), manifestações dessa natureza podem ser muito fortes e criar problemas, durante o processamento de alimentos. Porém, em muitos alimentos fluidos, o comportamento elástico é pequeno ou pode ser desprezado, fazendo com que a função viscosidade se torne a principal área de interesse. Fluidos não-newtonianos inelásticos são todos aqueles que, de alguma maneira, não se comportam de acordo com a relação descrita pela Equação (4), quando são submetidos a uma deformação. Eles podem ainda ser classificados como dependentes ou independentes do tempo. Fluidos com comportamento reológico independente do tempo, sob condições de temperatura e composição constantes, apresentam viscosidade aparente dependente somente da taxa de deformação ou da tensão de cisalhamento. Para o caso de fluidos com comportamento dependente do tempo, a viscosidade aparente, também, depende da duração dessa taxa de deformação (Rao, 1977 e Rao, 1986). Fluidos não-newtonianos com comporta- mento reológico independente do tempo Uma das possíveis características de fluidos não-newtonianos é a existência de uma tensão residual (σo) que, segundo Steffe (1996) é uma tensão finita necessária para que o fluido comece a escoar. Quando submetido a tensões inferiores a σo, o material comporta-se como um sólido, ou seja, armazena energia sob pequenas deformações e não se nivela sob a ação da gravidade, de maneira a formar uma superfície lisa. De acordo com Steffe (1996), a tensão residual é um conceito prático e muito importante na determinação das condições de processo e na análise de qualidade de produtos como manteiga e iogurte, porém, trata-se de um conceito idealizado. Vários estudos têm sido desenvolvidos acerca do conceito de tensão residual, sendo que alguns questionama sua existência, ao passo que outros desenvolvem métodos precisos para determiná-la, corretamente. Barnes & Walters (1985) desafiaram a existência da tensão residual ao afirmarem que tudo escoa, dado tempo suficiente ou, utilizando-se equipamentos com alta sensibilidade. Segundo Barnes (1999), com o passar do tempo e com o aumento da sensibilidade dos equipamentos, tornou-se claro que, não obstante haver uma pequena faixa de tensão, através da qual as propriedades mecânicas dos materiais sofrem alterações dramáticas (uma tensão residual aparente), Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 185 esses materiais sempre apresentaram uma deformação lenta, porém contínua, quando tensionados sob valores inferiores a σo, mostrando uma resposta elástica linear à tensão aplicada. Existem dois tipos de tensão residual: estática e dinâmica. A tensão residual estática é aquela medida em uma amostra que ainda não sofreu qualquer tipo de deformação, ou seja, que se encontra, completamente, não- perturbada e estruturada. A tensão residual dinâmica é medida em uma amostra completamente desestruturada e, geralmente, é determinada por extrapolação de uma curva de escoamento de equilíbrio. Em geral, a tensão residual estática é, significativamente, maior do que a dinâmica, a menos que o material recupere a sua estrutura dentro de um curto período de tempo, o que é incomum em alimentos (Steffe, 1996). Fluidos não-newtonianos podem ainda ser classificados de acordo com a maneira com que a viscosidade aparente varia com a taxa de deformação, ou seja, se ela aumenta ou diminui com o aumento da taxa de deformação. A Figura 3 ilustra os diferentes tipos de comportamento reológico para fluidos não- newtonianos independentes do tempo. Figura 3 – Reogramas típicos de vários tipos de fluidos com comportamento reológico independente do tempo Plásticos de Bingham: caracterizam-se por apresentarem uma tensão inicial ou residual, a partir da qual o fluido apresenta uma relação linear entre tensão de cisalhamento e taxa de deformação. Fluidos pseudoplásticos: caracterizam-se pela diminuição na viscosidade aparente com o aumento da taxa de deformação. Geralmente, começam a escoar sob a ação de tensões de cisalhamento infinitesimais, não havendo a presença de uma tensão residual. No entanto, alguns fluidos podem apresentar uma tensão inicial, a partir da qual o comportamento reológico passa a ser semelhante ao dos pseudoplásticos. Fluidos Dilatantes: caracterizam-se por apresentar um aumento na viscosidade aparente com o aumento da taxa de deformação. Analogamente ao mencionado para os pseudoplásticos, em alguns casos é possível observar a presença de uma tensão residual, a partir da qual o fluido começa a escoar, apresentando comportamento análogo ao dos fluidos dilatantes. Os pseudoplásticos representam a maior parte dos fluidos que apresenta comportamento não-newtoniano. De acordo com VIDAL- BEZERRA (2000), esse comportamento pode ser explicado pela modificação da estrutura de cadeias longas de moléculas com o aumento do gradiente de velocidade. Essas cadeias tendem a se alinha, paralelamente, às linhas de corrente, diminuindo a resistência ao escoamento. Os produtos que se comportam como fluidos pseudoplásticos tendem a apresentar um Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 186 comportamento newtoniano, quando submetidos a grandes gradientes de velocidade, provocado pelo total alinhamento molecular. Por outro lado, sob baixas taxas de deformação, a distribuição, completamente, casual das partículas, também, induz a esse tipo de comportamento. Os fluidos pseudoplásticos, durante o escoamento, podem apresentar três regiões distintas: região de baixas taxas de deformação, região de taxas de deformação médias e região de altas taxas de deformação, como mostra a Figura 4. Na região newtoniana de baixas taxas de deformação, a viscosidade aparente (ηo), chamada de viscosidade limitante à taxa de deformação zero, não varia com a taxa de deformação aplicada. Na região de taxas de deformação médias, a viscosidade aparente (η) diminui com o aumento da taxa de deformação (comportamento pseudoplástico) e, na região de altas taxas de deformação, a viscosidade aparente (η∞) volta a ficar constante e é chamada de viscosidade limitante a taxas de deformação infinitas. Segundo Steffe (1996), a região de taxas de deformação médias é a mais importante para a consideração de dada performance de equipamentos para processamento de alimentos, sendo que a região newtoniana de baixas taxas de deformação pode ser importante em problemas que envolvam baixas deformações, como é o caso de sedimentação de partículas em fluidos. Figura 4 – Reograma idealizado para um fluido pseudoplástico (Adaptado de Steffe, 1996) Fluidos não-newtonianos com comportamen- to reológico dependente do tempo A dependência do tempo em fluidos não- newtonianos é observada com certa freqüência. Como se poderia esperar, o tempo, variável adicional, condiciona a análise. Um indício do comportamento reológico dependente do tempo de um fluido é a observação da chamada curva de histerese. Para que seja possível verificar se o fluido apresenta ou não viscosidade aparente dependente do tempo, deve ser realizado um estudo reológico onde a substância em análise deve ser submetida a um aumento na variação de tensão (ida) e, quando essa atingir um valor máximo, ser reduzida até retornar ao valor inicial (volta). Se a substância não apresenta comportamento reológico dependente do tempo, as curvas de tensão versus taxa de deformação obtidas (ida e volta) devem ser coincidentes. Entretanto, se a viscosidade aparente muda com o tempo, as curvas de ida e volta não seguem o mesmo caminho, formando uma histerese. As curvas típicas de tensão versus taxa de deformação dos fluidos que apresentam comportamento reológico dependente do tempo podem ser observadas na Figura 5. Figura 5 – Reogramas típicos de vários tipos de fluidos com comportamento reológico dependente do tempo Fluidos Tixotrópicos: caracterizam-se por apresentar um decréscimo na viscosidade aparente com o tempo de aplicação da tensão. No entanto, após o repouso, tendem a retornar à condição inicial de viscosidade. O comportamento tixotrópico é encontrado em produtos como tinta, catchup, pastas de frutas, etc. Fluidos Reopéticos: caracterizam-se por apresentar um acréscimo na viscosidade aparente com o aumento da taxa de deformação. Assim como os fluidos tixotrópicos, após o repouso, o fluido tende a retornar ao seu comportamento reológico inicial. Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 187 Podem-se citar como exemplos de fluidos reopécticos as suspensões de amido e de bentonita, além de alguns tipos de sóis. No entanto, esse tipo de comportamento não é muito comum em alimentos. Modelos reológicos A descrição do comportamento reológico dos materiais é feita através de modelos que relacionam como a tensão de cisalhamento varia com a taxa de deformação. Dentre os modelos matemáticos existentes, alguns dos mais aplicados para sistemas de alimentos são: Ostwald-De-Waelle (Lei da Potência), Plástico de Bingham, Herschel-Bulkleye Casson. Modelo de Ostwald-de Waele (Lei da Potência): A Equação (6) representa a chamada Lei da Potência, onde K é o coeficiente de consistência e n é o índice de comportamento. Para n = 1, essa equação se reduz à lei da viscosidade de Newton com K = μ. Assim, o desvio de “n” da unidade indica o grau de desvio do comportamento newtoniano, sendo que, se n < 1 o comportamento é pseudoplástico e, se n > 1, dilatante. nKγσ &= (6) Modelo de Herschel-Bulkley : Esse modelo é uma forma modificada do modelo proposto por Ostwald-De-Waelle, conforme ilustra a Equação (7). Como é possível observar, esse modelo difere da Lei da Potência apenas pela existência da uma tensão residual (σo), ou seja, uma vez que a tensão aplicada ao fluido ultrapasse o valor da tensão residual, o material passa a se comportar de acordo com o modelo da Lei da Potência. nK γσσ &=− 0 (7) Modelo de Bingham A Equação (8) representa o comportamento apresentado pelos fluidos classificados como Plásticos de Bingham, onde μpl é a viscosidade plástica. Assim como os materiais que seguem o Modelo de Herschel- Bulkley, os Plásticos de Bingham caracterizam- se por apresentarem uma tensão residual, abaixo da qual se comportam como sólidos. Para tensões superiores à tensão residual, no entanto, os fluidos apresentam um comportamento newtoniano. Isso equivale a apresentarem um comportamento de Herschel- Bulkley com K = μpl. 00 σσσγμσ 〉±−= sepl & 00 σσγ ≤= se& (8) Modelo de Casson: Casson (1959) elaborou esse modelo para uma suspensão de partículas interagindo num meio newtoniano, obtendo expressão matemática correspondente à Equação (9). 2/1 0 2/1 γσσ &K+= (9) Esse modelo tem sido adotado como método oficial para interpretar o comportamento do chocolate pelo “International Office of Cocoa and Chocolate” (Rao & Rizvi, 1986). Há diversos fatores que influenciam no momento da escolha do modelo reológico que será utilizado para descrever o comportamento de escoamento de um fluido em particular. Muitos modelos, além dos já descritos, são utilizados para representar o comportamento de fluidos não-newtonianos, sendo que alguns deles podem ser visualizados no Quadro 1. Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 188 Quadro 1 – Modelos reológicos para descrever o comportamento de fluidos não-newtonianos independentes do tempo (Adaptado de Steefe, 1996) Modelo Equação Equação Número Casson Modificado 1 1 5,0 0 5,0 nK γσσ &+= (10) Ellis 1)(21 n KK σσγ +=& (11) Herschel-Bulkley generalizado 211 10 nnn K γσσ &+= (12) Vocadlo 11 )( 1 1 0 nn K γσσ &+= (13) Série de potências ...)()( 5 3 3 21 +++= σσσγ KKK& (14) Carreau ( ) ( )[ ] 2)1(210 1 −∞∞ +−+= nK γηηηη & (15) Cross ( )( )nK γηηηη &101+ −+= ∞∞ (16) Van Wazer ( ) ( ) ( ) ∞∞ +++ −= ηγγ ηηη 121 01 nKK && (17) Powell-Eyring ( )γγσ && 31 2 1 1 Ksinh K K −⎟⎟⎠ ⎞ ⎜⎜⎝ ⎛+= (18) Reiner- Philippoff ( ) γσ ηηησ & ⎟⎟ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛+ −+= ∞∞ 1 2 0 1 K (19) K1, K2, K3 e n1, n2 são constantes arbitrárias e expoentes, respectivamente, determinados a partir dos dados experimentais Os modelos matemáticos podem, também, relacionar as propriedades reológicas de um fluido com grandezas práticas como concentração, temperatura, índice de maturação, etc. Esse conhecimento é indispensável no controle de qualidade, no controle intermediário em linhas de produção, no projeto e dimensionamento dos processos. Nesses casos, as equações que relacionam a viscosidade do material a essas grandezas podem assumir muitas formas e não há um único modelo que seja aplicável a todas as situações. Para fluidos não-newtonianos, os modelos existentes são todos empíricos e representam o ajuste mais conveniente do reograma correspondente ao produto analisado (Branco, 1995; Steffe, 1996). A influência da temperatura sobre a viscosidade de fluidos newtonianos pode ser expressa, segundo a equação de Arrhenius, envolvendo a temperatura absoluta (T), a constante universal dos gases (R) e a energia de ativação para a viscosidade (Ea), como mostra a Equação (20). ( ) ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛== RT EATf aexpμ (20) Os valores de Ea e da constante A são determinados a partir dos dados experimentais. Valores elevados de energia de ativação indicam uma mudança mais rápida da viscosidade com a temperatura. Os efeitos da temperatura e da concentração sobre a viscosidade aparente, sob uma taxa de deformação constante, podem ser combinados, através de uma relação simples, como mostra a Equação (21) (Vitali & Rao, 1984; Castaldo et al., 1990 citados por Steffe, 1996). ( ) BaCT CRT EKCTf ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛== exp, ,η ( 21) As três constantes (KT,C, Ea, B) devem ser determinadas a partir de dados experimentais. Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 189 Steffe (1996) apresenta uma série de outros modelos que podem predizer o comportamento da viscosidade de um fluido com a temperatura, com a concentração ou com a umidade. POLISSACARÍDEOS UTILIZADOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Polissacarídeos são biopolímeros muito versáteis que podem ser encontrados na natureza sob as mais diversas formas, exercendo diferentes funções. Muitas vezes, podem ser extraídos das raízes, dos tubérculos, dos caules e das sementes de produtos vegetais, nos quais atuam como reserva de energia – como é o caso do amido, da inulina e dos galactomananos. Outras vezes, podem ser encontrados, na estrutura celular de tecidos vegetais, onde contribuem para a integridade estrutural e para a força mecânica, formando redes hidratadas tridimensionais – como é o caso das pectinas, em plantas terrestres, e das carragenanas, agar e alginato, em plantas marinhas (Lapasin & Pricl, 1999). Segundo Lapasin & Pricl (1999), os polímeros de carboidratos possuem grande aplicabilidade na indústria de alimentos. Algumas vezes, estão presentes por razões tecnológicas, como auxiliares no processo, para estabilizar emulsões e suspensões ou para fornecer a estrutura física necessária para o empacotamento e distribuição. No entanto, seu uso mais freqüente está associado à sua capacidade de espessar e gelificar soluções, sendo aplicados para melhorar e padronizar a qualidade dos alimentos processados. De acordo com Stephen & Churms (1995), os polissacarídeos estão sendo empregados em quantidades crescentes na tecnologia de alimentos como espessantes, estabilizantes, emulsificantes e agentes gelificantes, dentre outras funções. O uso de polissacarídeos como espessantes está associado à capacidade que eles possuem de aumentar a viscosidade de um líquido, resultando em características organolépticas e texturas desejáveis em alimentos, como corpo e mouthfeel. Os polissacarídeos, também, são, freqüentemente, utilizados para eliminar efeitos indesejáveis de liberação de água em alguns alimentos processados e como encorpantes na formulação de produtos de baixas calorias. Devido à sua estrutura química, os polissacarídeos, quando em solução, apresentam a capacidade de formar géis. Esse processo envolve diferentes mecanismos de associação entre cadeias, os quais dependem das características individuais do polímero aplicado. Dessa forma, os géis resultantes de diferentespolímeros irão apresentar formas estruturais e texturas diferentes, podendo ser aplicados em uma grande variedade de alimentos (Lapasin & Pricl, 1999). Dentre os polissacarídeos mais utilizados na indústria de alimentos estão os amidos, seus derivados e os polissacarídeos não-amiláceos. Existe, ainda, o grupo dos hidrocolóides que, juntamente com uma pequena proporção de amidos e de outros produtos que não são carboidratos, como a lignina e a proteína não- digerível, constituem o grupo das chamadas fibras dietéticas (Stephen & Churms, 1995). A escolha do polissacarídeo mais apropriado depende das suas propriedades físicas e químicas, assim como das características desejáveis no alimento e das condições de processamento, como temperatura e concentração. Principais polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos e suas aplicações Amidos e seus derivados O amido é um dos produtos de origem vegetal mais abundantes na natureza, que ocorre naturalmente sob a forma de grãos minúsculos (partículas de 2 a 100μm) em raízes, sementes e caules de numerosos tipos de plantas, como milho, trigo, arroz, cevada e batatas, nos quais atua como um carboidrato de reserva. Trata-se de um polissacarídeo complexo de grande importância para a nutrição animal e humana (Lapasin & Pricl, 1999; Zobel & Stephen, 1995). Existem vários tipos de amido que diferem entre si pela fonte de que foram extraídos e/ou pela forma de obtenção. As diferenças entre os diversos tipos de amido podem ser encontradas na morfologia granular, no peso molecular, na composição (grau de ramificação das macromoléculas de polissacarídeos) e nas propriedades físico- químicos. Segundo Lapasin & Pricl (1999) os amidos consistem em duas classes de polímeros de carboidratos: uma linear, chamada de amilose, e outra ramificada, chamada de amilopectina. Na natureza, o amido é semicristalino, com vários níveis de cristalinidade. A cristalinidade está. Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 190 Exclusivamente, ligada à amilopectina, ao passo que as regiões amorfas são associadas à amilose (Zobel, 1988a; 1988b). Seja qual for a fonte, o amido nativo ou em suas formas modificadas é um ingrediente, praticamente, obrigatório em alimentos e produtos relacionados. Trata-se de um polímero solúvel que pode fornecer dispersões viscosas, soluções ou géis, dependendo das condições de concentração e temperatura (Lapasin & Pricl, 1999). O amido nativo, não bostante ser isolado de forma, relativamente, fácil, através de moagem úmida, não é ideal para a formulação de alimentos estáveis, nutritivos, saborosos e, portanto, vendáveis (Zobel & Stephen, 1995). O uso do amido nativo em alimentos é limitado devido às suas propriedades físicas e químicas. Os grânulos são insolúveis em água fria, requerendo um processo de cozimento para que a dispersão seja alcançada. Muito freqüentemente, a viscosidade do amido nativo cozido é muito elevada para que ele seja utilizado em certas aplicações. Além disso, a maior parte dos amidos nativos, também, têm uma tendência a perder sua viscosidade e poder espessante, durante o cozimento, particularmente, na presença de alimentos ácidos (Wurzburg, 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Os amidos modificados foram desenvolvidos para corrigir um ou mais problemas existentes, no amido nativo, os quais limitam a sua utilização na indústria de alimentos. Lapasin & Pricl (1999) destacam os éteres, ésteres e produtos despolimerizados como alguns derivativos do amido industrialmente importantes. Com essas modificações, as pastas resultantes são estáveis, translúcidas e possuem uma menor tendência à retrodegradação. Além disso, eles podem ser, facilmente, processados para que se obtenha condições desejáveis de textura, pH e resistência à temperatura, o que permite o seu uso como espessantes e agentes retentores de água em produtos à base de água e leite. Os amidos hidrolisados estão disponíveis em uma grande variedade de composições, desde produtos com alto peso molecular, que são, sensivelmente, menos saborosos, até a dextrose cristalina, um monossacarídeo com cerca de 60% da doçura da sacarose (Blanchard & Katz, 1995). As maltodextrinas e os malto- oligossacarídeos são produtos da hidrólise do amido obtidos através da catálise ácida ou de uma ação enzimática específica. De acordo com Loret et al. (2004), as maltodextrinas são produtos da hidólise do amido que possuem valores de dextrose equivalente (DE) menores que 20. A DE é definida como o número total de açúcares redutores, relativamente, a uma linha base de glicose igual a 100, expressa em base seca. Produtos da hidrólise com DE maior que 20 são, freqüentemente, referenciados como xaropes de glicose, os quais, como o próprio nome diz, são produtos fornecidos sob a forma de soluções aqüosas. De certa forma, é a solubildade do produto resultante da hidrólise do amido que diferencia as duas classes de material, ou seja, para valores de DE muito maiores que 20, o produto é constituído por oligômeros curtos que são, livremente, solúveis em água, ao passo que, abaixo de 20, há uma proporção suficiente de cadeias de poliméricas longas para inibir a solubilidade e promover a gelatinização (Ritcher et al., 1976 citados por Loret et. al., 2004). As maltodextrinas são, portanto, uma mistura de materiais de alto e baixo peso molecular. A maltodextrina possui uma capacidade de reproduzir a sensação provocada pela gordura devido à rede tridimensional que é formada, durante o seu processo de gelificação, de modo que ela é um dos substitutos da gordura mais utilizados nos últimos 25 anos (Loret Et Al., 2004). Blanchard & Katz (1995) destacam que a aplicação da maltodextrina como substituto de gordura é a mais versátil, pois permite que muitas das suas propriedades funcionais sejam utilizadas, simultaneamente: capacidade de encorpar, de previnir a cristalização, de promover a dispersibilidade, de controlar o congelamento e de promover a ligação de aromas, pigmentos e gorduras. Os autores, também, destacam outras aplicações possíveis, como ingrediente na encapsulação de aromas e corantes, na panificação, na confeitaria, em produtos lácteos, sobremesas e outros. Celulose e seus derivados Segundo Coffey, Bell, Henderson (1995), a celulose é uma das substâncias orgânicas naturais mais abundantes na natureza. Trata-se de um polímero linear de alto peso molecular que constitui o maior tijolo da estrutura da parede celular de plantas superiores (Lapasin & Pricl, 1999; Coffey, Bell, Henderson, 1995). Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 191 A celulose e seus derivados físicos e químicos têm vasta aplicação no preparo de alimentos formulados, principalmente, devido à estrutura química do derivado da celulose. Para as celuloses, quimicamente, modificadas, essa característica, geralmente, está associada à natureza cristalina ou amorfa do produto. Dentre as funções de derivados da celulose, quimicamente, modificada em alimentos, podem-se destacar: regulação das propriedades reológicas, emulsificação, estabilização de espumas, modificação da formação e do crescimento de cristais de gelo e capacidade de ligação à água (Lapasin & Pricl, 1999; Coffey, Bell, Henderson, 1995). Pectinas Voragen et. al. (1995) definem as substâncias pécticas como um grupo de polissacarídeos, intimamente, associados que está presentenas paredes celulares primárias e nas regiões intercelulares de muitos vegetais. A textura de frutas e vegetais, durante o crescimento, amadurecimento e armazenagem é fortemente influenciada pela quantidade e pela natureza da pectina presente. Mudanças importantes - desejáveis e indesejáveis - nas propriedades de frutas e outros vegetais, durante a armazenagem e o processamento estão associadas ao componente péctico. As pectinas têm a capacidade de formar géis, sob certas circunstâncias, o que faz dela um importante aditivo em geléias, marmeladas e na indústria confeiteira, de maneira geral. Muitos fatores afetam as condições de formação de gel, assim como a força dele. No entanto, o papel principal é exercido pelas moléculas de pectina, de modo que seu comprimento de cadeia e a natureza química das zonas de conexão têm forte influência. Sob condições iguais, a força do gel aumenta com o aumento do peso molecular da pectina utilizada e qualquer tratamento que despolimerize as cadeias de pectina refletirá em géis mais fracos. As pectinas têm pouco uso como espessantes devido à sua baixa capacidade em formar soluções viscosas, quando comparadas com outros biopolímeros. Galactomananos Em muitas sementes, as paredes celulares dos tecidos são espessas e possuem grandes depósitos de polissacarídeos, os quais são mobilizados durante a germinação. A maior parte desses polissacarídeos apresenta similaridades estruturais básicas e são muito similares, em estrutura, aos componentes hemicelulósicos ou pécticos (Reid & Edwards, 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Segundo Lapasin & Pricl (1999), desde a antigüidade esses polímeros, frequentemente, chamados de gomas, são extraídos ou isolados de sementes de vegetais, como é o caso da carob ou locusta, guar, tara e tamarindo. Como podem ser extraídos de diversas fontes vegetais, os galactomananos podem diferir em seu peso molecular, na distribuição do peso molecular e na razão entre frações de galactose e manose (G/M). Stephen & Churms (1995) destacam os galactomananos como ingredientes, extremamente, importantes, na indústria de alimentos, uma vez que resultam em soluções com alta viscosidade, atuam como emulsificantes e interagem efetivamente com outros polissacarídeos para formar géis. As gomas extraídas de sementes têm a capacidade de modificar o comportamento da água em sistemas de alimentos de uma maneira altamente eficiente, de reduzir e minimizar a fricção em alimentos (auxiliando no processamento e na palatabilidade dos produtos) e de auxiliar no controle do tamanho dos cristais em soluções saturadas de açúcar. Dentre os galactomananos utilizados na indústria de alimentos, as gomas locusta e guar são polissacarídeos que apresentam estruturas químicas similares, com uma cadeia principal linear de β-1,4-D-manose substituído em graus variáveis na posição 6 com um resíduo simples de α-1,6-D-galactose (Casas & Garcia-Ochoa, 1999; Fernandes, Gonçalves, Doublier, 1994; Garcia-Ochoa & Casas, 1992). A goma locusta (LBG), extraída do endosperma da semente da árvore carob (Ceratonia siliqua L.), possui uma razão manose/galactose (M/G) de cerca de 4:1. A goma guar (GG), extraída do endosperma das sementes da leguminosa Cyamopsis tetragonolobus, possui uma razão M/G de aproximadamente 1,7:1 (Fernandes, Gonçalves, Doublier, 1994). De acordo com Casas & Garcia-Ochoa (1999), dependendo da temperatura de dissolução, as moléculas de goma locusta podem apresentar zonas de radicais livres, sem ligações com a galactose, que são referidas como regiões lisas. Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 192 Polissacarídeos de algas vermelhas (Rhodophyceae) As algas vermelhas são fonte de muitos polissacarídeos industriais, como as gomas carragenana e agar, que são todos polímeros de galactose e seus derivativos e apresentam uma estrutura básica comum. Esses polímeros de carboidratos são, essencialmente, cadeias lineares nas quais as galactoses estão ligadas ,alternadamente, através de ligações α-1,3 e β- 1,4. As carragenanas são da família de polissacarídeos sulfatados lineares que podem ser extraídos como componentes da matriz de algas marinhas vermelhas. A sua estrutura química é baseada na repetição de uma unidade de dissacarídeo do tipo AB, de modo que elas podem ser escritas, de maneira geral, como (AB)n, onde A é derivado de unidades de ligações 1,3 de β-D-galactose e B , geralmente, mas não invariavelmente, está presente através de ligações 1,4 de 3,6-anidro-α-D-galactose (Lapasin & Pricl, 1999). As carragenanas são bem caracterizadas em termos de sua estrutura química e podem ser classificadas em μ, κ, ν, ι, λ, θ e ξ- carragenanas. Dentre os vários tipos existentes, somente três são comercialmente importantes: κ, ι e λ,-carragenanas. Elas são polímeros versáteis como aditivos em alimentos, sendo capazes de se ligar à água, promovendo a formação de géis e atuando como agente espessantes e estabilizantes. Vantagens adicionais estão na sua capacidade de melhorar a palatabilidade e a aparência. De acordo com Piculell (1995), o uso das carragenanas na indústria alimentícia inclui uma grande quantidade de sobremesas lácteas (sorvetes, achocolatados, flans, géis de leite) e conservas de carne, incluindo pet foods. Além disso, a sua habilidade de permanecer em solução permite seu uso em molhos para salada. O termo coletivo agar refere-se a uma complexa mistura de componentes polissacarídeos que podem ser extraídos de certas espécies de algas-marinhas. De acordo com Lapasin & Pricl (1999), a agar é composta de duas frações principais: agarose, um polissacarídeo neutro, e agaropectina, um polissacarídeo sulfatado. A porcentagem de agarose, que é a fração, comercialmente, importante, geralmente. varia de 50 a 90%. A funcionalidade do agar em produtos alimentícios depende quase, exclusivamente, da sua habilidade em ligar-se à água e formar géis termosensíveis. As propriedades gelificantes são funções da fração de agarose. Os elevados pontos de fusão dos géis de agar os tornam apropriados para uso em massas de panificação, onde a agar é superior à carragenana . A sua principal utilização é para o congelamento de massas doces e bolos, para evitar problemas na manutenção da integridade do produto congelado durante o empacotamento e a distribuição (Stanley, 1995). Alginatos Alginatos são polissacarídeos estruturais que ocorrem, naturalmente, nas algas marinhas marrons (Phaeophyceae) que crescem nas águas rasas das zonas temperadas e em bactérias do solo. Existem muitas espécies de algas marrons, mas, apenas, algumas são, suficientemente, abundantes e, convenientemente, localizadas para a produção de materiais de valor comercial, os alginatos (Moe et al., 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Assim como ocorre com as carragenanas, alginatos é um termo coletivo para ácido algínico, seus sais e derivados. Ácido algínico é co-polissacarídeo de alto peso molecular composto de duas unidades monoméricas de ácido β-D-manurônico e α-L- gulurônico, em várias proporções, dependendo da espécie de alga (Lapasin & Pricl, 1999). De acordo com Moe et al. (1995), os alginatos não têm valor nutricional e são utilizados como aditivos para melhorar, modificar e estabilizar a textura de certos alimentos. Propriedades importantes incluem a melhora da viscosidade, habilidade de formação de gel e estabilização de misturas aqüosas, dispersões e emulsões. Algumas dessas propriedades são provenientes das propriedades físicas inerentes dos alginatos, mas elas tambémpodem ser resultado da interação com outros componentes do alimento, tais como proteínas, gorduras ou fibras. Polissacarídeos microbianos Nos últimos anos, muitos polissacarídeos de interesse científico e comercial passaram a ser obtidos através de fermentações microbianas. Microorganismos como fungos e bactérias produzem três tipos diferentes de polímeros de carboidratos (Morris, 1995): Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 193 - Polissacarídeos extracelulares ou exocelulares: podem ser encontrados na forma de uma cápsula discreta que envolve a célula microbiana e que é parte da própria parede celular (polissacarídeos capsulares) ou como uma massa amorfa secretada no meio em torno do microorganismo. - Polissacarídeos estruturais. - Polissacarídeos intracelulares de armazenagem. Os polissacarídeos de origem microbiana apresentam a vantagem de possuírem propriedades físicas e químicas reprodutíveis, além de apresentarem uma fonte regular. Lapasin & Pricl (1999) atribuem o sucesso desses polissacarídeos ao fato de eles poderem ser produzidos sob condições controladas a partir de espécies selecionadas, de modo que problemas de variações de estrutura e propriedades possam ser evitados. Além disso, os polissacarídeos microbianos apresentam uma série de regularidades estruturais que raramente são encontradas em polímeros de carboidratos provenientes de outras fontes. Tal regularidade na sua estrutura primária implica em as cadeias poderem assumir conformações ordinárias (hélices simples ou múltiplas) tanto no estado sólido como em solução e isso, por sua vez, tem uma forte influência sobre as suas propriedades físico-químicas. Finalmente, a versatilidade exibida pelos microorganismos na síntese de polissacarídeos iônicos e neutros com uma grande variedade de composições e propriedades não encontra uma contrapartida no mundo vegetal e nem tampouco pode ser imitada, nem mesmo pelos mais renomados cientistas. Dentre os polissacarídeos microbianos, as gomas xantana e gelana destacam-se para a aplicação em alimentos. De acordo com Morris (1995), a goma xantana foi estabelecida como um aditivo em alimentos e suas propriedades funcionais deram início a novas aplicações. Trata-se de um polímero aniônico resultante da secreção exocelular da bactéria Xanthomonas campestris. Sua cadeia principal é baseada em uma ligação linear de resíduos de com uma cadeia lateral de trissacarídeo anexada a resíduos alternativos de D-glicosil (lapasin & pricl, 1999; lagoueyte & paquin, 1998; casas, santos, Garcia-Ochoa, 2000). Quando em solução aqüosa, a xantana mostra uma transição conformacional entre cadeias ordenadas e desordenadas, dependendo da temperatura, da força iônica e do pH. Ela passa de uma cadeia desordenda, sob elevadas temperaturas e baixa força iônica, para uma forma ordenada, sob temperaturas e concentrações de sais, fisiologicamente, relevantes (Lagoueyte & Paquin, 1998; Casas & Garcia-Ochoa, 1999; Casas, Santos, Garcia- Ochoa, 2000). Sua natureza ramificada confere a ela características reológicas diferentes, melhores do que as resultantes de outras gomas naturais, como goma locusta ou goma guar. As soluções de xantana apresentam propriedades de espessante e estabilizante, com um comportamento pseudoplástico muito estável em uma larga faixa de pH, pK (concentração iônica) e temperatura (Casas & Garcia-Ochoa, 1999; Casas, Santos, Garcia-Ochoa, 2000; Lagoueyte & Paquin, 1998; Kang&Petit, 1993 Citados por Casas, Santos, Garcia-Ochoa, 2000). De acordo com Morris (1995), a principal aplicação industrial para a goma xantana deve- se ao fato que, quando a goma é dispersa em água quente ou fria, as dipersões aqüosas resultantes são tixotrópicas. A estrutura semelhante à de um gel fraco que se forma resulta em uma alta viscosidade sob baixas taxas de deformação sob baixas concentrações do polímero, que pode ser utilizado como um espessante em soluções aqüosas e permite estabilização de espumas, emulsões e suspensões particuladas. Finalmente, o comportamento pseudoplástico reversível, permite a manipulação e o controle de processos tais como espalhamento, bombeamento e atomização. A goma xantana apresenta uma grande variedade de aplicações em alimentos. A tixotropia das dispersões de xantana levaram ao desenvolvimento de uma série de misturas secas de formulações de molhos, temperos e sobremesas, as quais podem ser aquecidas ou refrigeradas sem que haja perda das características texturais desejáveis. Além disso, a goma xantana melhora o processamento, a armazenagem e a elasticidade de massas (Morris, 1995). A goma gelana é um polissacarídeo extracelular secretado pelo microorganismo Pseudomonas elodea. O seu potencial de aplicação em alimentos, segundo MORRIS (1995) inclui produtos de confeitaria, geléias, alimentos industrializados, géis à base de água, recheios e pudins, sorvetes, iogurtes, milkshakes, dentre outros. De uma maneira geral, sua utilização está associada à Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 194 substituição de hidrocolóides, geralmente, aplicados em baixas concentrações de polímeros. Gomas e mucilagens: As gomas de origem vegetal, naturais e sem modificação, são reconhecidas na indústria de alimentos como aditivos de valor incalculável, com propriedades físicas bem definidas. Dentre essas gomas, a mais conhecida é a goma arábica ou goma acácia, que é o exudado de árvores africanas acácia (predominantemente A. senegal), crescidas em diferentes áreas geográficas principais: Sudão, países do oeste africano de linguagem francesa e Nigéria. Devido à sua abundância e grande variedade de aplicação industrial, muitos estudos têm sido desenvolvidos com foco no cultivo, marketing, química e estudo das propriedades físicas dessa substância. Para uso, em alimentos, as melhores classes da goma, selecionadas, manualmente, são convertidas em pó, através de secagem em spray dryer após terem sido dissolvidas em água quente e clarificadas, preferencialmente, por centrifugação (Stephen & Churms, 1995b). Lapasin & Pricl (1999) destacam que uma das aplicações mais interessantes da goma arábica é a preparação de aromas encapsulados em pó, por secagem em spray dryer. Muitos produtos em pó, comercializados em pacotes, tais como bolos, sobremesas, misturas para sopas e pudins, contêm aromas encapsulados. Durante o processo de secagem por atomização, a goma arábica atua como agente microencapsulante, protegendo os compostos voláteis das temperaturas elevadas e retendo mesmo os aromas mais delicados. Quando a mistura é dissolvida para o preparo final do produto, os aromas são liberados. Inulina: A inulina é um polissacarídeo de reserva que pode ser encontrado em mais de 30.000 produtos vegetais, dentre os quais as raízes de chicória e a alcachofra de Jerusalém se destacam para a sua produção industrial (SILVA, 1996). Quimicamente, a inulina é composta por uma cadeia de moléculas de frutose unidas por ligações β(2→1), contendo uma molécula de glicose terminal. Sua utilização na indústria de alimentos está relacionada à sua atuação como substituto de gordura, com a vantagem de apresentar baixo teor calórico e de atuar no organismo humano de maneira similar às fibras dietéticas, contribuindo para a saúde do sistema gastrointestinal e para o incremento das bifidobactérias. Dessa forma, a inulinapode ser utilizada, tanto como um substituto de macronutrientes, quanto como um suplemento, adicionado aos alimentos, principalmente, por suas propriedades nutricionais. Quando combinada com água, a inulina produz a mesma textura e o mesmo mouthfeel que a gordura em alimentos à base de água, tais como produtos lácteos, massas assadas, recheios, sobremesas congeladas e molhos (Niness, 1999; Schaller- Povolny & Smith, 1999). Apesar de haver uma variedade de pesquisas sobre as propriedades nutricionais da inulina, suas propriedades físico-químicas ainda são pouco conhecidas e pouco se sabe sobre os efeitos da interação da inulina com outros biopolímeros. Misturas de polissacarídeos A mistura de polissacarídeos na formulação de alimentos pode resultar em interações sinérgicas desejáveis, levando a propriedades reológicas melhoradas e a melhorias na qualidade dos produtos. Além disso, a combinação de polissacarídeos também pode ser benéfica por proporcionar reduções nos custos de manufatura (Williams & Phillips, 1995). De Acordo Com Williams & Phillips (1995), três tipos de interação podem ocorrer em soluções contendo dois ou mais polímeros, dependendo da natureza dos mesmos: a) Incompatibilidade: resulta na formação de duas camadas líquidas de polímeros, com cada uma delas enriquecida em um ou outro polímero; b) Compatibilidade: resulta em miscibilidade completa e na formação de uma única fase homogênea; c) Associação de polímeros: resulta na co- precipitação dos polímeros na forma de um coacervado sólido ou, em alguns casos, na formação de um gel. Como um exemplo de mistura de polímeros, pode-se citar a composição entre goma xantana e galactomananos. A goma guar, por exemplo, não gelifica na presença de goma xantana, mas pode produzir um aumento substancial na viscosidade de soluções. A Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 195 principal importância dessa mistura não está nas fracas propriedades de gel de xantana, as quais são de menor importância, mas sim na redução dos custos, já que a goma guar é muito mais barata do que a xantana (Lapasin & Pricl, 1999). Tecante & Doublier (1999) relatam que misturas de amidos e outras moléculas de polissacarídeos têm sido aplicadas por muitos anos na indústria de alimentos. As gomas arábica, guar, xantana, locusta e carragenana são algumas das macromoléculas comumente combinadas com amido de trigo ou de milho. Um dos aspectos importantes das misturas de amido-hidrocolóides é que eles mostram uma variedade de propriedades reológicas e texturais que são úteis na definição de diferentes aplicações em alimentos. Reologia de soluções de polissacarídeos utilizadas na indústria de alimentos Aspectos gerais sobre a reologia de polissacarídeos A grande maioria das aplicações de polissacarídeos, na indústria alimentícia está associada à capacidade que eles possuem de alterar, drasticamente, as suas propriedades físicas quando em solução, resultando em soluções de alta viscosidade ou criando redes intermoleculares coesivas. Nesses casos, o conhecimento do comportamento reológico das soluções de polissacarídeos é de fundamental importância no projeto, na avaliação e na modelagem de processos. Além disso, as propriedades reológicas, também, são um indicador da qualidade do produto e desempenham um papel fundamental na análise das condições de escoamento em processos de alimentos como pasteurização, evaporação e secagem (Marcotte, Taherian Hoshahili, Ramaswamy, 2001; Morris, 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Lapasin & Pricl (1999), em seu estudo sobre reologia de polissacarídeos industriais, ressaltam que o comportamento reológico dos materiais, especialmente, de sistemas de polissacarídeos, pode ser afetado por uma série de fatores, principalmente, aqueles relacionados às características moleculares e supramoleculares. A nível molecular, a cadeia polimérica principal e suas características relacionadas, tais como comprimento em solução, forma e eventual presença de grupos ionizáveis, representam o papel principal na determinação das propriedades macroscópicas do sistema, incluindo a reologia. Muitos desses parâmetros moleculares estão correlacionados, outros devem ser combinados com fatores externos como, por exemplo, as características do meio solvente. Essas características irão, posteriormente, exercer influência sobre a conformação adotada pela macromolécula no sistema, assim como sobre a possibilidade de formação de estruturas supramoleculares. Em outras palavras, mudanças na força iônica, na temperatura ou em outros parâmetros do solvente podem induzir a uma transição conformacional, modificando a resistência hidrodinâmica da macromolécula ao escoamento. Além disso, se a concentração do polímero for, suficientemente, alta, as variações descritas acima podem promover mudanças estruturais a um nível supramolecular e, conseqüentemente, modificar o comportamento reológico. Os polissacarídeos em soluções diluídas encontram-se na forma de espirais desordenadas e aleatórias, cuja forma flutua continuamente através do movimento browniano. As propriedades apresentadas por essas soluções estão associadas ao grau de ocupação do espaço pelo polímero. Sob baixas concentrações, a solução é formada por ilhas de espirais que estão bem separadas umas das outras e completamente livres para se movimentarem de forma independente. Com o aumento da concentração, entretanto, as espirais começam a se tocar pode haver a formação de moléculas adicionais pela sobreposição ou pela acomodação de uma espiral na outra. Com a formação dessas sobreposições, as cadeias individuais poderão se movimentar somente pelo processo de contorção através da rede emaranhada de cadeias vizinhas. O início do processo de sobreposição das espirais é determinado por dois fatores: o número de cadeias presentes (proporcional à concentração) e o volume que cada uma ocupa (associado ao peso molecular) (Morris, 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Um parâmetro conveniente para a caracterização do volume das espirais é a viscosidade intrínseca ou o número limite de viscosidade, [η], que mede o aumento fracional na viscosidade por unidade de concentração de cadeias isoladas (Morris, 1995; Lapasin & Pricl, 1999). Para qualquer polissacarídeo específico, a viscosidade intrínseca aumenta com o peso molecular (M) Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 196 de acordo com a relação de Mark-Houwink, como mostra a Equação (22), onde os parâmetros K e a variam de um sistema para o outro e devem ser determinados experimentalmente. aKM=η ( 22) A viscosidade intrínseca é determinada, experimentalmente, através da medição da viscosidade das soluções sob concentrações muito baixas (c). Denotando as viscosidades da solução e do solvente como η e (ηs), respectivamente, [η] é definida formalmente pelas relações apresentadas nas Equações 23, 24 e 25 (MORRIS, 1995): Viscosidade Relativa: s rel η ηη = ( 23) Viscosidade Específica: 1−=−= rel s s sp ηη ηηη (24) Viscosidade Intrínseca: [ ] ⎭⎬ ⎫ ⎩⎨ ⎧= → C ps C ηη 0lim (25) A transição de uma solução diluída de espirais com movimentos livres e independentes para uma rede emaranhada é acompanhadapor uma mudança muito marcada na dependência da viscosidade da solução com a concentração. Sob concentrações inferiores ao início da sobreposição das espirais, a viscosidade específica é, aproximadamente, proporcional a c1,3. Sob concentrações mais elevadas, onde as cadeias estão emaranhadas, as viscosidades aumentam mais, rapidamente, com o aumento da concentração, variando aproximadamente com c3,3 (Morris, 1995). A concentração em que a sobreposição das espirais começa a ocorrer é referida como concentração crítica (c*). O volume das espirais pode variar, largamente, de uma amostra para outra, havendo uma variação correspondente no valor de c*. Em soluções diluídas, abaixo do início da sobreposição (c < c*), as viscosidades mostram apenas uma pequena dependência com a taxa de deformação, devido ao fato de as espirais individuais estarem sendo esticadas pelo escoamento e oferecendo menor resistência ao movimento. No entanto, quando c > c*, em geral, as soluções começam a apresentar características pseudoplásticas. Muitos estudos revelam que a dependência da viscosidade específica com a concentração mostra duas regiões de comportamento de lei da potência, sendo uma de cada lado da concentração crítica (Loret et. al., 2004; Speers & Tung, 1986; Rao & Kenny, 1975). Os valores da potência para as duas regiões para diferentes biopolímeros lineares (goma guar, goma locusta, alginato) têm sido apresentados na faixa de 1,1 a 1,4 na região diluída e de 3,5 a 5,1, na região concentrada. Para a maltodextrina, os autores encontraram um valor de 1,4, na região diluída, e 4,7, para altas concentrações (Loret et. al., 2004). Os valores das concentrações críticas variam muito entre os biopolímeros. Para κ- carragenana (0,1M NaCl, pH9), Croguennoc et.al. (2000) observaram um valor de 0,45% (g/l). Morris et. al. (1981) observaram os valores de 0,22% (g/l) para goma guar, 1% (g/l) para o alginato (0,2M NaCl) e 8% (g/l) para a dextrana. Loret et al. (2004) observaram um valor de 17% para soluções aquosas de maltodextrina. Morris (1995) estabelece que, para que a solução de polissacarídeos comece a escoar, os emaranhados intermoleculares devem ser separados. Quando as soluções são cisalhadas por baixas taxas de deformação, há tempo suficiente para que novos emaranhados se formem entre diferentes pares de cadeias. Dessa maneira, a densidade de interligação global da rede permanece constante e a viscosidade da solução, também, permanece constante em um valor máximo fixo – a viscosidade de cisalhamento zero (ηo). Sob taxas de deformação mais elevadas, entretanto, onde a taxa de re-agrupamento cai através da taxa de separação dos emaranhados existentes, a extensão de agrupamento-desagrupamento diminui, progressivamente, com o aumento da taxa de deformação e a viscosidade cai, tipicamente, por duas ou três ordens de magnitude através da faixa de taxa de deformação de importância prática. Não obstante diferentes soluções de polissacarídeos apresentarem diferentes valores de viscosidade máxima à taxa de deformação zero, e diferentes valores de taxa de deformação Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 197 para a qual a solução começa a escoar, todas elas apresentam uma forma geral de comportamento pseudoplástico (Morris, 1995). Além da concentração, a viscosidade de soluções de polissacarídeos, também, é, significativamente, afetada por variáveis como taxa de deformação, temperatura, tensão e tempo de cisalhamento. A temperatura tem uma importante influência sobre o comportamento de escoamento de soluções de hidrocolóides. Uma vez que diferentes temperaturas são encontradas, durante o processamento de hidrocolóides, suas propriedades reológicas devem ser estudadas em função da temperatura. O efeito da temperatura sobre a viscosidade aparente, sob uma taxa de deformação específica, geralmente, é descrito pelo modelo de Arrhenius (Equação 19) Rao & Kenny, 1975; Speers & Tung, 1986, Marcotte, Taherian Hoshahili, Ramaswamy, 2001). As soluções de gomas, geralmente, são fluidos não-newtonianos com comportamento pseudoplástico. Diversos modelos têm sido aplicados para descrever o comportamento reológico de soluções de hidrocolóides, por exemplo, modelos lineares (newtoniano ou Bingham), lei da potência (Ostwald-de-Waele), lei da potência com tensão residual (Herschel- Bulkley) e o modelo de Casson. Dentre esses, o da Lei da Potência é talvez o mais utilizado para fluidos não-newtonianos e é, extensivamente, utilizado para descrever as propriedades de escoamento de líquidos, tanto em análises teóricas, quanto em aplicações práticas da engenharia (Kayacier & Dogan, 2006; Barnes, Hutton, Walters, 1989). As soluções de hidrocolóides, também, podem apresentar propriedades reológicas dependentes do tempo, principalmente, a tixotropia. Gray & Bonnecaze (1998) ressaltam que a viscosidade de suspensões densas é, fortemente, influenciada pelo arranjo das partículas em grandes frações volumétricas. A maior parte dessas suspensões só escoa, quando a sua estrutura, que consiste de uma rede que previne o escoamento, tiver sido degradada por uma tensão elevada o suficiente – a tensão residual (Zhu et. al., 2001). De acordo com Bonnecaze & Brady (1992), em uma curva de tensão versus taxa de deformação de um material que apresenta tensão residual, a tensão aumenta, incialmente, de uma maneira quase linear (tensão proporcional à deformação), confirmando a natureza elástica do material abaixo da tensão residual. A inclinação da curva começa a decrescer no limite de reversibilidade do material (tensão residual limite elástica), na qual o comportamento plástico ou não-linear é observado, até atingir um máximo (tensão residual estática), após a qual a resposta do material passa a ser como a de um líquido. O platô de tensão para altas deformações é referido como tensão residual dinâmica, que é equivalente à tensão à taxa de deformação zero extrapolada nas curvas de tensão versus taxa de deformação, assim como a tensão residual, que aparece como um parâmetro do material em modelos constitutivos. Estudos sobre o comportamento reológico de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Para que seja possível definir qual o melhor polissacarídeo a ser empregado na produção de um determinado alimento, deve-se estabelecer, em primeiro lugar, quais são os atributos físicos e sensoriais desejáveis. Em segundo lugar, devem ser conhecidas as condições de processamento e de armazenagem desse produto. Considerando-se esses aspectos, é preciso conhecer as propriedades dos polissacarídeos existentes e como eles se comportam, quando submetidos às condições de processamento e armazenagem do produto, considerando, ainda, a interação com os ingredientes da formulação. Dessa forma, para que as indústrias tenham condições de melhorar qualidade de seus produtos e reduzir os custos de produção, inúmeras pesquisas têm sido desenvolvidas com a finalidade de avaliar o comportamento de diferentes polissacarídeos, individualmente, e, em misturas, quando submetidos a diferentes condições de processo. Dentre os aspectos estudados, o comportamento reológico de soluções de polissacarídeos é um dos mais importantes, pois está fortemente associado à estrutura molecular dos ingredientes e o seu conhecimento é fundamental para o dimensionamento das condições de processo e avaliação da qualidade do produto final. Loret et al. (2004) realizaram um estudo do efeito da concentração e da temperatura sobre a gelatinização de soluções demaltodextrina, através de medidas de viscosidade. Os autores observaram que, à temperatura de 60ºC, as soluções apresentaram Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 198 um comportamento newtoniano dentro da faixa de concentrações estudada (1 a 40%). Através da determinação do comportamento da viscosidade específica em função da concentração, os autores conseguiram visualizar a concentração crítica das soluções, que foi estimada em 17%. A maior parte dos polímeros apresenta um comportamento pseudoplástico em soluções que se encontrem acima da concentração crítica, devido à desagregação e orientação das cadeias sob tensões elevadas. No entanto, no caso das soluções de maltodextrina preparadas acima de c*, o comportamento newtoniano, ainda, foi observado. Os autores relacionaram esse fato à estrutura ramificada da amilopectina e à polidispersidade no peso molecular da amostra. Marcotte, Taherian Hoshahili, Ramaswamy (2001) realizaram um estudo das propriedades reológicas de diversos hidrocolóides (carragenana, pectina, gelatina, amido e xantana) sob diferentes concentrações (1 a 6%, dependendo do tipo de hidrocolóide) e de temperatura (20, 40, 60 e 80ºC). Os autores confirmaram a existência de uma dependência das características reológicas com a concentração e a temperatura, que variou de um hidrocolóide para o outro. De acordo com observações dos autores, elevadas concentrações de gomas resultam em um aumento nas viscosidades newtoniana e aparente, ao passo que elevadas temperaturas provocam redução nelas. A gelatina, que é uma proteína, apresenta um comportamento, claramente, newtoniano, enquanto que os demais apresentam comportamento não- newtoniano de fluidos pseudoplásticos. As curvas de escoamento do amido e da pectina podem ser representadas pelo modelo da Lei da Potência, em todas as temperaturas e concentrações. Para todos os hidrocolóides, a pseudoplasticidade aumentou com o aumento da concentração, caracterizada por um decréscimo no índice de comportamento. Contrariamente, os hidrocolóides apresentaram uma redução na pseudoplasticidade com o aumento da temperatura. O índice de consistência, por sua vez, aumentou com o aumento da concentração e com a redução da temperatura, indicando um aumento na viscosidade aparente. Comparativamente, a goma xantana foi a mais pseudoplástica e a menos dependente da temperatura, ao passo que a pectina teve o comportamento mais próximo do newtoniano. A carragenana foi a mais afetada pela temperatura e exibiu uma elevada tensão residual sob baixas temperaturas. Marcotte, Taherian Hoshahili, Ramaswamy (2001) observaram, ainda, a existência de uma tensão residual nas soluções de goma xantana, em todas as condições experimentais, e nas de goma carragenana, para as concentrações de 2 e 3% à temperatura de 20ºC. Por essa razão, o comportamento reológico dessas soluções foi representado pelo modelo de Herschel-Bulkley. O aumento da concentração das soluções e a redução da temperatura de medida provocaram o aumento da tensão residual. Rao & Kenny (1975) E Marcotte, Taherian Hoshahili, Ramaswamy (2001) ressaltam que a tensão residual é uma propriedade desejável em gomas por auxiliar na manutenção de diversos ingredientes, utilizados na formulação de alimentos, em seus devidos lugares. Christianson & Bageley (1984) avaliaram as tensões residuais em dispersões de grãos de amido intumescidos e deformáveis e observaram que o valor determinado, experimentalmente, para a tensão residual depende do método de avaliação e das condições experimentais. Soluções de goma com valores elevados de n, ou seja, com comportamento, altamente, pseudoplásticos, tendem a apresentar uma sensação de viscosidade na boca. Desse modo, quando características de elevada viscosidade e um bom mouthfeel são desejáveis em uma formulação, a escolha deve ser de um sistema de gomas que possua um comportamento, altamente, pseudoplástico. Rao & Kenny (1975) e Speers & Tung (1986) reportaram que, para um dado tipo de goma, o valor do índice de comportamento e suas alterações com a concentração são, altamente, dependente do tamanho molecular. Garcia-Ochoa & Casas (1992) estudaram a viscosidade de soluções de goma locusta em função da taxa de deformação, da concentração da solução, da temperatura de solubilização e da temperatura de medida. De acordo com os autores, as soluções apresentaram comportamento pseudoplástico e um decréscimo na viscosidade com o aumento da temperatura de medida. A temperatura de solubilização teve forte influência sobre a viscosidade aparente das soluções, havendo um aumento na viscosidade aparente com o aumento da temperatura de dissolução. Os autores atribuíram esse comportamento à diferença no peso molecular e na extensão e/ou Estudo da reologia de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos Toneli et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, Especial, v.7, n.2, p.181-204, 2005 199 regularidade de ramificação das moléculas que se dissolvem às diferentes temperaturas, provocando uma variação na razão galactose/manose da solução. O aumento da temperatura de solubilização provoca a dissolução de moléculas de peso molecular mais elevado e uma menor razão entre galactose e manose, o que provoca um aumento na viscosidade da solução. No entanto, os autores observaram que, quando a temperatura de dissolução atingiu 80ºC, houve uma inversão no comportamento da viscosidade, que foi atribuída à degradação térmica das moléculas em solução ou a um enfraquecimento ou quebra das ligações intermoleculares. Dunstan et al. (1995) compararam as propriedades reológicas da goma guar e goma arábica com as de polissacarídeos elaborados a partir da fermentação de culturas celulares de plantas. Todos o polissacarídeos apresentaram comportamento reológico não-newtoniano muito pseudoplástico, porém os polissacarídeos fermentados apresentaram maior dependência com as condições de temperatura e pH. De acordo com os autores, as soluções de goma guar não apresentaram dependência da viscosidade com a temperatura. Isso indica que o polímero é formado por estruturas rígidas ou que a concentração eletrolítica é elevada o suficiente para que os efeitos da temperatura e do pH sejam ocultados. Nesse estudo, os autores observaram uma inversão no comportamento da viscosidade aparente com a temperatura, em função da taxa de deformação, nas soluções de goma arábica e de polissacarídeos fermentados, como mostra a Figura 6. Os dados apresentados correspondem a uma solução de goma arábica 20% (peso/volume) sob várias temperaturas. Analisando-se a Figura 6, nota-se que há uma intersecção de um estado de alta viscosidade para um estado de viscosidade, relativamente, baixa sob altas taxas de deformação. A goma arábica é considerada como um hidrocolóide compacto e ramificado. No entanto, como mostra o comportamento de intersecção, as moléculas, ainda, devem estar aptas a sofrer alterações conformacionais no campo de cisalhamento. As curvas se cruzam a uma taxa de deformação de, aproximadamente, 5s-1. Deve-se observar que o comportamento pseudoplástico é observado para sistemas coloidais de esferas rígidas com alta fração volumétrica. Esse comportamento foi atribuído a reorganizações estruturais das suspensões. Figura 6 – Comportamento da viscosidade em função da taxa de deformação para solução de goma arábica 20% (peso/volume) sob diferentes temperaturas (Adaptado de Dunstan et al., 1995) Leite (2001) estudou a reologia de
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