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226396620 LAUERHASS Jr Ludwig Getulio Vargas e o Triunfo Do Nacionalismo Brasileiro Trechos

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.J·' LUDWIG LAUERHASS,J~6D. 
(.' 
E O TRIUNFO DO \·NACIO·NALISMO 
BRASlLEIRO 
Editora Itatiaia Lin1itacb 
Editora da Universidade de São Paulo 
UNICAMP 
O PROBLEMA DO NACIONALISMO BRASILEiRO 
O governo de Getúlio Dornelles Vargas, 1930·1945, provocou muita contra· 
vérsia, desde que surgiu como conseqüência da revolução de 1930, e, não obstante 
a 'varíedade de interpretações, tem sido, de um modo geral, reconhecido como o 
mais significativo dos momentos decisivos na História contemporânea do BrasU. A 
controvérsia se resume, em última análise; em se saber se o regime representou me· 
ramente uma mudança das personalidades políticas, a S\.lbstituição de "uns" pelos 
"outros", ou um movimento legitimamente revolucionário, ou, pelo menos, legiti· 
~amente reformista, dotado de cer.to teor ideol6gico1 • Hoje, contudo, um ponto 
de vista geralmente aceito é que a verdade se situa entre. os dois extremos,. isto é, 
que Vargas foi algo mais que um político cético e pragmático, embora longe de ser 
um revolucionário, e que as mudanças por ele introduzidas foram além das que re· 
sultam, em via de regra, de um golpe de Estado, sem constituírem, por outro lado, 
alterações de um caráter plenamente revolucionário. O que se percebe é que,influen· 
ciado, de início, por mudanças que já estavam ocorrendo dentro da sociedade brasi· 
leira, assim como por pressões vindas de fora, Vargas agiu no sentido de acelerar e 
dirigi~ mudanças mais amplas e mesmo mais rápidas. Astutamente, aguardou a mar· 
cha dos acontecimentos, colocou-se à sua frente, e conseguiu efetuar aquelas amplas 
mudanças na st;>ciedade provocando os menores choques possíveis2 • Mas como, então, 
é lícito indagar-se, Vargas, ao contrário dos seus antecessores, foi capaz, não somente 
de dominar o cenário político, como também de exercer um comando positivo do 
conjunto do desenvolvimento de uma sociedade crescentemente dinâmica? Como 
conseguiu. tornar-se o poderoso árbitro de facções vivamente hostis umas às outras, 
tanto revolucionárias como não-revolucionárias? Esse êxito notável é atribuído, quase 
sempre, à Sl,la indiscutível habilidade política, e, realmente, .isso é verdade, em grande 
parte. De qualquer maneira, porém, tal explicação é demasiadamente simplista, uma 
vez que não leva em c·onsideração os aspectos políticos, econômicos, sociais e cultu· 
rais de uma força que se fez sentir no Brasil de maneira acentuada e crescente, e que 
grandemente contribuiu para o sucesso de Vargas: a força do nacionalismo. 
Assim sendo, para se compreender com maior clareza o fenômeno Getúlio 
Vargas, tem-se de focali7.~·lo dentro da contextura mais ampla do nacionalismo bra· · 
sileiro. O objetivo de'ste estudo, portanto, é o de examinar aquele relacionamento, 
15 
traçando o desenvolvimento do nacionalismo, tanto antes do advento de Vargas ao 
poder, como durante os anos em que permaneceu como chefe de Estado, até a sua 
queda, em 1945. übediente a esse ponto de vista, é tríplice a tese aqui apresentada: 
em primeiro lugar, o nacionalismo brasileiro, que vinha se fazendo sentir, constan· 
temente, desde fins do Século XIX, já alcançara um estágio relativamente elevado 
antes da revolução de 1930- Vargas não foi, com certeza, o seu criador: em segundo 
lugar, a feição verdadeiramente característica do regime de Vargas foi o seu naciona· 
lismo, que, ao mesmo tempo, criou um novo estilo para a política brasileira e repre· 
sentou, do ponto de vista político, um papel funcional, fortalecendo Vargas, afere· 
cendo-lhe uma esfera mais la·rga de ação governamental do que existira anteriormente; 
em terceiro lugar, no que diz respeito à eficácia política, o nacionalismo brasileiro 
alcançou o seu apogeu sob o governo de Vargas, durante os anos do Estado Novo, 
1937·1945, quando o regime se tornou crescentemente radical.3 . 
O problema, portanto, consiste em avaliar-se os efeitos de um novo sistema de 
valorização - o nacionalismo - sobre a política brasileira, tendo como palco uma 
sociedade em processo de transição sócio-econômica e' cultural de tradicional para 
moderna4 • Trata-se de ressaltar o desenvolvimento paralelo do nacionalismo, em seus 
aspectos intelectual e da prática política, e a crescente interdependência dos dois. 
Ver-se-á como uma idéia, de início periférica em face da realidade política nacional, 
tornou-se uma de suas feições dominantes, como uma força ideológica adquiriu im• 
portância institucional e popular, e como o nacionalismo ofereceu uma estrutura 
geral para o desenvolvimento nacional. Também a esse respeito, Vargas, como era 
de seu feitio, apoderou-se de uma força que pairava no ar, dela tirou proveito e im· 
primiu-lhe uma nova direção. 
Tendo em vista o período a ser estudado, de fins do Século XIX a meados da 
década de 1940, a tarefa que temos pela frente consiste, essencialmente, em acom· 
panhar·se a evolução da geração nacionalista de 1930. Com efeito, foi aquela gera· 
ção que nasceu depois da proclamação da República em 1889, alcançou a maturi· , , 
dade aproximadamente por ocasião da Primeira Guerra Mundial e, apoiando-se em 
bases já lançadas pela geração nacionàlista anterior, rebelou-se contra a permanência 
do statu quo na década de 1920, integrou-se no sistema durante o regime de Vargas 
(1930-1945) e foi responsável pelo primeiro pleno florescimento do nacionalismo 
brasileiro5 • Antes, porém, é preciso ter uma noção exata do que se entende por na· 
cionalismo e revolução, assim como o conhecimento do aspecto geral e das caracte· 
rísticas essenciais do nacionalismo brasileiro em seu desenvolvimento histórico, isto 
é, sua natureza intrínseca, seus principais componen.tes e suas diversas variedades. 
Somente depois disso, poder-se-á fazer, de maneira proveitosa, o estudo minucioso 
daquela geração, de seus antecedentes e da sua contribuição. 
* * * 
De um modo geral, pode-se dizer qUe as revoluções são violentas rupturas 
sociais com expressão política, em que um grupo dominante tradicional é desalo· 
16 
jado por um novo grupo, que, em via de regra, dispõe maior apoio popular. No pro· 
cesso revolucionário, o Estado é revitalizado, tornando-se mais forte e eficiente, em 
conseqüência tanto· das mudanças institucionais, como do aflu~o ·de novos ele· 
mentos para a burocracia e o exército. Ao mesmo tempo, a sociedade experimenta a 
ruptura das divisões de casta ou de classe tradicionais, e, do ponto de vista econômi· 
' co, ocorre uma considerável redistribuição da propriedade, em via de regra de ma· 
neira mais eq~itativa. Teoricamente, também, toda a ordem sócio-econômica é re· 
constituída de acordo com novas idéias ou princípios. Assim sendo, uma revolução 
apresenta·· um real sentido psicológico, qualquer que seja o grau, a longo prazo, do 
seu êxito ou fracasso na área de transformação social. Muitas vezes, ela cria uma cer· 
ta mística .em torno de suas realizações, reais ou imaginárias. De maneira cada vez 
mais acentuada, a partir do Século XVII, o .atrativo da revolução tem-se fortalecido, 
em consequência de uma série de revoltas bem-sucedidas registradas pela História, a 
princípio no Ocidente e depois no ~mundo não-ocidental. Devido a isso, ·a revolu· 
ção, ou, pelo menos, a idéia da revolução, tem merecido ampla aceitação recente-
mente, em muitos países subdesenvolvidos, como meio de resolver os seus enormes 
problemas e acelerar o progresso6 • 
Embora muitas vezes relacionado com a revolução, o nacionalismo tem-se re· 
velado um fenômeno muito mais complexo e difuso. Em sua essência, consiste em 
um sistema de avaliação que sustenta o ponto de vista de que o Estado-nação cons· 
titui o grupo mais elevado na ordem social e, como tal, eleve ser o foco primordial 
da lealdade do cidadão e ter o poder çle tomar as decisões finais na: direção dos ne· 
gócios humanos. Todos os outros interesses, de grupo ou individuais, são considera-
dos como sendo
de importância. sccunclárfa. No plano internacional, os s~us obje· 
tivos principais se resumem, em via de regra, na independência e fortalecimento da 
nação com relação aos países estrangeiros, e, no plano interno, na integração e no 
desenvolvimento. Uma presunção fundamental é que os povos do mundo são, ou 
devem ser, divididos em nações, cada uma das quais sui generis, do ponto de vista 
cultural, e que o progresso humano pode ser alcançado mais facilmente dentro de 
um contexto no plano nacional. O governo nacional auto-determinado independente 
é considerado como a (mica forma legítima de organização política, uma vez que 
devem coincidir a nação cultural e o Estado político. Além disso, todavia, o nacio-
nalismo é, ao mesmo tempo, tanto o mecanismo destinado a promover a consecu-
ção dos objetivos nacionalistas, como o processo ou estilo de sua realização efetiva, 
de modo que, tomado em seu conjunto, o nacionalismo tem realidade na idéia, na 
função e no fato 7 • 
Em suas manifestações ostensivas; o nacionalismo tem-se mostrado em três 
nínis distintos mas inter-relacionados·: o ideológico, o institucional e o popular. 
, Ideologicamente, é encontrado em escritos q\,le, habitualmente, começam com uma 
crítica da sociedade existeJ1te e, em seguida, oferecem um plano para a renovação 
ou realização nacional. Institucionalmente, conquanto jamais seja por si mesmo 
uma instituição, assegura, com freqüência, a base para um movimento de massas, 
17 
um parti~b político, uma constituição, ou pode expressar-se, de maneira significàti· 
: va, através de várias organizações educacionais, propagandísticas, militares, trabalhis-
tas, empres~riais, feministas, juvenis, esportivas, profissionais ou culturais. Também 
pode ser institucionalizado simbolicamente em bandeiras, festividades, monumenfos, 
canções e preces, ou pode ser personificado em heróis nacionais. Do ponto de vista 
pÔpular, manifesta-se através de cidadãos que têm uma fé implícita na supremacia 
da naçfo, uma fé que é tacitamente conservada em tempos nonnais, mas proclama-
da com entusiasmo, ou· mesmo com fervor, nos momentos de crise. 
Embora cronologicamente o nacionalismo apareça primeiro como ideologia, 
estendendo-se, em seguida, aos níveis institucional e popular, nas últimas décadas 
tem-se notado um crescente inter-relacionamento entre todos os três níveis. À medi· 
da que se fortalece institucionalmente e conquista aceitação popular, têm de ser fel· 
tos constantes reajustamentos ideológicos, a fim de satisfazer as exigência·s procc· 
dentes daqueles níveis, assim como se adaptar às necessidades do desenvolvimento 
geral, político, econômico, social e intelectual. Também se observa uma constante 
interação entre ~odos os níveis do nacionalismo e outras tendências ideológicas im· 
portantes, tais como o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Em todas essas 
manifestações, porém, o nacionalismo tornou-se a feição central da vida política 
moderna. 
A despeito de sua importância contemporânea, o nacionalismo é um fenôme· 
. no histórico relativamente recente. Surgiu na Europa do Século XVIH, como uma 
ideologia que cotnbinava o patriotismo (sentimento muito mais antigo, envolvendo 
a devoção à terra natal e a disposição de defendê-la), as teorias da soberania em voga 
e o estadismo com as nascentes idéias de nacionalidade (a consciência de se perten· 
cer a um grupo nacional culturalmente distinto, muitas vezes supostamente supe· 
rior a todos os outros). No fun daquele século, o nacionalismo estendeu-se nos pla· 
nos institucional e popular, através da Revolução Francesa, quando foi derrubada a 
monarquia e estabelecida uma república, em nome do povo francês. Q novo Estado 
francês teve de adaptar-se à nação cultural, e à nova ordem sqcial passou a depender 
do talento individual, e não dos privilégios herdados. O nacionalismo espalhou-se 
rapidamente para outros países europeus, e, ao mesmo tempo, variedades do prato· 
nacionalismo abriram caminho em algumas possessões européias ultramarinas, farta· 
lecendo as aspirações de independência. A partir de então, tem havido uma cres· 
cente tendência, por parte da nação-Estado, de relegar tanto o tradicional Estado 
dinástico na Europa como o território colonial fora de lá. Essa tendência, todavia, 
limitou-se principalmente ao mundo europeu, inclusive ·às Américas, no Século 
. XIX:, só adquirindo significação global no Século XX. · 
Desde o seu início, pelo menos no sentido ide"al, o nacionalismo atacou a es· 
trutura sócio-política do Ancien Régime e o domínjo imperial por parte de uma po· 
tência estrangeira. Os cidadãos e as nações passaram a ter predominância sobre as 
castas e os impérios. O igualitarismo e a independência têm sido os objetivos supre· 
mo·s do nacionalismo. Também atacou o espírito de cosmopolitismo que prevaleceu 
18 
na Europa do Século XVlll, e negou a validade das antigas idéias de universalismo. 
O único valor universal legítimo tem sido o do Estado-nação. Como é natural, os 
seus ideais mais elevados têm sido muitas vezes diluídos, e o seu fervor oscilou ampla· 
mente, segundo o tempo e o lugar. Algumas variedades de nacionalismo têm sido 
militantes e revolucionárias, exigindo a consecução imediata e completa dos seus 
objetivos. Tal foi o caso do jacobinismo na França e da luta pela independência da 
Irlanda· no Século XX. Outras têm-se mostrado mais restritas e evolucionárias, dis· 
postas ao compromisso c à consecução dos seus objetivos através de reformas grada· 
tivas. A Alemanha de Blsmarck e o Canadá do fim do Século XIX e do Século XX 
são exemplos nesse sentido, representando tentativas de se ajustarem - em vez de · 
romperem radicalmente - ao antigo regime e ao colonlallsmo. Além disso, têm ha· 
vldo :yários casos de variedades e.spúrlas, que vestiram a reação, a falta de escrúpUlo 
e a. ambição pessoal com o manto de um nacionalismo retórico e não substancial, 
tendo pouco Interesse real por mudanças. O Portugal de Salazar e o Haltl de Duva· 
lier servem de exemplos. O nacionalismo, destarte, tem percorrido a escala d·a revo· 
lução à reação, e as flutuações dessa espécie nlnda são bem eVidentes hoje em dia. À 
medida, porém, que o nacionalismo se difunde crescentemente através do mundo, 
as suas formas mais radicais se mostram consideravelmente atraentes, de novo, co· 
mo no caso da revolução, em particular nos países subdesenvolvidos. 
* * * 
As idéias nacionalistas vindas da Europa se espalharam no Brasil em fins do 
Século· XVIII, como ocorreu na América Latina em geral, fortalecendo o patrio-
tismo nat!vista já existente e fazendo surgir variedades de protonacionallsmo (algo 
mais que o patriotismo local, mas carente de um sentimento de nacionalidade ela· 
ramente definido), que deram suporte ideológico a numerosos movimentos pela 
independência8 • Naquele tempo, contudo, as condições do Brasil, ao contrário 
das que prevaleciam em algumas partes da América Espanhola, não eram favoráveis 
ao desenvolvimento do nacionalismo. Em conseqüência, o nacionalismo brasileiro 
seguiu um. curso diferente daquele dos seus vizinhos e, assim sendo, adquiriu uma 
natureza distinta. 
Devido, principalmente, ao fato de haver sido alcançada a se·paração de Por· 
tugal rápida e sem tumultos revolucionários e dentro da estrutura monárquica da 
Casa de Bragança, o nacionalismo representou um papel funcional menos Impor· 
tante na conquista da Independência. O 11ovo Imperador, Dom Pedro I, simples· 
mente substituiu o velho rei, João VI, como objeto de lealdade, em 1822. Em se· 
guida, o novo monarca eliminou as possibilldades ideológicas e Institucionais apre· 
sentadas pelo nacionalismo incipiente, autocrlticamente impossibilitando a ação dos 
seus inspiradores, como José Bonifácio, por exemplo. O crescimento PC?tenclal do 
nacionalismo foi, mais a !ante, afetado pela abdicação, em 1831, de Dom Pedro a 
favor de
seu filho ainda criança, que, embora satisfazendo os interesses brasileiros à 
19 
custa dos portugueses, assegurou a continuação da monarquia no Brasil. Durante a 
· década da Regência que se seguiu, os dirigentes políticos que, pessoalmente potle-
riam ser atraídos pelo nacionalism!J, utilizaram, pragmaticamente, o símbolo da co-
roa, e não da nação, como o mais apto a manter a unidatle e evitar a desintegração 
territorial. Em meados do século, quando afinal o Império se consolidou, sob Dom, 
Pedro li, o que surgiu foi um tipo de Ancien Régime domesticado, que, fundamen-
talmente, servia aos interesses da aristocracia nativa. Essa aristocracia encontrava-
se. economicamente presa, mercê de uma produção agrícola em grande escala des· 
tinada à exportação, a um sistema de comércio mundial, mas permanecia virtual-
mente autônoma nos limites de suas fazendas e de suas divisões regionais. O Impé-
rio garantia-lhe ordem e estabilidade, mas não uma coerente direção nacional. Além 
disso, como os brasileiros, em virtude de sua heranÇ.~.portuguesa, se achavam cultu-
ralmente isolados- do resto ela América do Sul, não oéorrcu uma necessidade impe-
. riosa de criarem uma nação ou uma identidade própria, a fim de distingui-los dos 
seus vizinhos, como no caso da Argentina, por exemplo. A unidade superficial man-
tida péla monarquia e pelos frouxos laços culturaís conspirava contra o advento 
de um nacionalismo genuíno, do mesmo modo que outros fatores, ta.is como o pro-
longamento da escravidão e a falta de uma perfeita integração política, geográfica, 
social, econômica e psicológica. Tanto o cosmopolitismo como a política de campa-
nário, especialmente a última, fizeram-se sentir como poderosas forças sociais durante 
o Império. Os interesses pessoais, regionais ou de castas, assim como outros semelhan-
tes, assumiam desmesurada importância. Naquele período, portanto, a expansão do 
nacionalismo constituiu um caso indiscutível de suspensão do desenvolvimento9 • 
Por outro lado, desd.e o fim da década de 1880, a expansão do nacionalismo 
brasileiro foi vigorosa e firme. Quando o Imperador, tendo perdido o contato com a 
realidade nacional, e, em conseqüência, tendo. também perdido a maior parte das 
bases em que se apoiava, foi afastado por um golpe de Estado, em 1889, o símbolo 
unificador da Coroa desapareceu com ele. Para que o Brasil continuasse intacto como 
um Estado viável, tinha de ser encontrado um novo centro de lealdade. Somente 
então, nos últimos anos do Império, quando se tornara evidente a iminência da sua 
queda, foi que o nacionalismo experimentou um despertar, e, gradativamente, o sím-
bolo da Nação substituiu o da Coroa. Nas primeiras décadas da Rept'!blica, porém, 
o nacionalismo floresceu sobretudo no plano ideológico, e, embora a sua institucio-
nalização e a sua popularização estivessem se fazendo sentir, de certo modo, no tem-
po da Primeira Guerra Mundial, seu principal desenvolvimento em tais planos ocor· 
reu depois de 1930. Ideologicamente, estabeleceu-se com rapidez e persistência uma 
mentalidade nacionalista, a qual, a despeito de lhe faltar ortodoxia e uma coesão sis-
temática, persistiu até o presente. Essa con~jstência é muito menos visível no plano 
institucional e não se manifestou no plano popular. 
A natureza característica do nacionalismo brasileiro deriva, em parte, dé seu 
·aparecimento retardatário; Não ·se associou, primordialmente; â conquista da inde· 
pendência e à hostilidade aos portugueses. Não reviveu como reação direta ao domí-
20 
nio político estrangeiro ou outras ameaças vindas do exterior, mas antes como rea· 
Ção a crises internas. Tal fato, combinado com a prolongada ausência de séria ameaça 
política externa durante o Século XX, contribuiu para reduzir a um mínimo seu 
conteúdo de ·hostilidade ao estrangeiro politicamente inspirada. Além disso, o nacio· 
nalismo reapareceu quando o Brasil se encontrava em plena regeneração e emanei· 
pação cultural, e de pronto se revestiu de acentuado aspecto cultural," que persistiu 
por muitos anos. Posteriormente com o advento do progresso econômico e, conse· 
qüentemente, social ocorrido na década de 1930, destacaram-se, de maneira crescente, 
aqueles aspectos do nacionalismo. Acima de tudo, então, foi ele orientado para um 
deseiwolvimento interno construtivo, primeiramente no sentido do fortaledmento 
cultural da nação, e, em seguida, no sentido de criar um Estado-nação ~aderno, 
integrado e mais equilibrado 1 tendo COmO matéria•prima uma SOCiedade atrasada, 
ainda sofrendo dos males de seu passado colonial. Não se tratava de um nacionalismo 
caracteristicamente xenófo.bo, internacionalmente belicoso ou· estridentemente anti· 
colonial. Também nele se refletia;, em parte, a falta de experiência no exílio por parte 
dos nacionalistas brasileiros. Como a repressão política interna foi, em geral, dimi-
nuta, o nacionalismo desenvolveu-se livremente no País; escapando, assim, do ran· 
cor; do entusiasmo exaltado e das qualidades utópicas comuns ao nacionalismo de 
muitos países latino-americanos, que refletiam uma formulação elaborada durante 
uma grande permanência no exílio. Em seu conjunto, portanto, o nacionalismo bra-
sileiro tem ostentado surpreendente equilíbrio e moderação e uma capacidade muito 
mais acentuada de encarar os problemas internos do que tem ocorrido com muitos 
nacionalismos latino-americanos. 
Como o nacionalismo, a revolução representou um papel na História do Brasil 
desde o começo do Século XIX, e também a sua natureza distinguiu-se de outras 
variedades latino-americanas, principalmente sob dois aspectos. Em primeiro lugar, 
a violência, pelo menos em nível nacional, não se tem mostrado significativa nas 
revoluções brasileira!., e, em segundo lugar, tem havido um elevado grau de com· 
promisso e de acomodação sócio-política relacionados com as .. revoluções, que lhes 
dá um teor quase evolucionário e impede qualquer ruptura profunda ou duradoura 
dentro da sociedade. Sem dúvida, a violência, apesar de certa crença em contrário 
bastante espalhada, não tem faltado, de modo algum, à sociedade brasileira, tanto 
no setor privado, como ocorre nas ·brigas de fam11ias e no banditismo, como no setor 
político, manifestada em revoltas separatistas regionais, lutas de coronéis (chefes 
políticos locais) inimigos e rebeliões de descontentes políticos e sociais (por ex.: 
levantes de escravos, movimentos messiânicos e outras insurreições de caráter regia· 
nal). Tais sublevações, todavia, tém ficado isoladas no espaço e no tempo, e não 
ocorreram manifestações de violéncia prolongadas ou amplas nos níveis mais eleva· 
dos da política nacional. Cada uma das trés "revoluções" brasileiras, as de 1822, 
1889 e 1930, alcançarrun rápido sucesso político e militar, através de golpes de Es· 
tado, limitando,· desta, te, a utilização de forças armadas e evitando lutas prolonga· 
das, envolvendo grandes exércitos revolucionários. Em conseqüência, não se criou 
21 
no Brasil uma tradição revolucionária claramente delineada, como ocorreu, por 
exemplo, no México ou em Cuba1 0 • 
TSlvez tenha sido esse baixo teor de intensidade revolucionári~J:, com a ausên· 
cia de prolongadas e encarniçadas hostilidades, que tem tornado possível a reconci· 
liação final e relativamente pacífica das facções revolucionárias vitoriosas com os 
seus antecessores desalojados. Cada uma daquelas revoluções, convém salientar, foi 
seguida de um;i reação contra-revolucionária, mas essa última sempre se frustrou, e 
chegou-se a um compronússo. Aquelas revoluções mereceriam mais ser chamadas de 
golpes de Estada socialmente significativos, uma vez que não acarretaram rupturas 
sociais violentas. Cada uma delas, por outro lado, permitiu uma importante acomo-
dação social, vinculada à ascensão de um grupo governante novo e mais amplo. Su-
cederam-se, na posição predominante, a burocracia mercantil portuguesa,
a aristo-
cracia rural escravocrata (predominantemente nordestina), a oligarquia agrocomer-
cial, baseada no café (centralizada em São Paulo) e a elite burocrática comercial e 
industrial. Em caso algum, um grupo venceu completamente o outro; não qcorre-
ram violentas redistribuições de riqueza e completas remodelações da ordem social. 
Sempre, o grupo dominante ascendente se reconciliou com aquele que supera. As 
profundas mudanças econômicas e sociais que tiveram lugar, processaram-se paula· 
tina e irregulannente. 
Ao mesmo tempo, cada revolução acarretou acentuada àlteração da estrutura 
política formal, e cada regime· subseqüente se norteou por novos prüicípios: monar-
quismo, republicanismo e nacionalismo. ~ bem verdade que as idéias nacionalistas 
se evidenciaram em todas as revoluções, mas somente na de 1930 o nacionalismo se 
tornou a idéia dominante, e somente a partir de então manteve permanente signifi-
cação política. O fato de terem ocorrido revoluções no Brasil levando a radicais mu-
danças políticas e a significativos reajustamentos sociais sem serem acompanhadas 
de guerra civil ou da ruptura da ordem social parece "indicar tanto que as instituições 
sociais e os padrões de comportamento vigentes eram fundamentalmente fortes e ao 
mesmo templo flexíveis, como também que a arte da política se achava altamente 
desenvolvida no plano informal. Além disso, instituições poderosas, como a Igreja 
Católica e o exército, que poderiam ter disputado a autoridade com o governo, de 
um modo geral desempenharam um papel restrito na política, e não agravaram as 
divisões sociais, como ocorreu muitas vezes em outros países da América Latina. 
Assim, a despeito das revoluções e de uma grave debilidade das instituições políticas 
nacionais, o Brasil tem-se mostrado surpreendentemente estável. 
* * * 
Como o nacion~ismo brasileiro divergiu em suas origens, em sua reação diante 
dos problemas internos específicos e em sua relação com a revolução, também se 
distinguiram o seu conteúdo total e a sua prioridade e combinação de objetivos. 
Nesse sentido, as variedades do nacionalismo têm compreendido, embora em pro· 
22 
porção e intensidade desiguais, os seguintes componentes: 1) a busca da identida4e 
nacional. 2) o impulso patriótico, 3) o ataque ao regionalismo, 4) a exigência de fe· 
gitimidade política, moralidade e eficiência políticas, e 6) a preocupação com aj14s· 
tiça social. Individualmente, é claro, alguns desses componentes do naci~nalismo 
brasileiro são, muitas vezes, alvos do interesse de pessoas que podem ou não ser na· 
cionalistas. Assim, por exemplo, os industriais e as autoridades fiscais serão defenso· 
res de tarifas protecionistas, assim como os homens humanitários e os dirigentes sin-
dicais se preocupam com a justiça social. Coletivamente é que eles se tornaram face· 
tas do nacionalismo, embora cada um eles possa teridentidade distinta e importân· 
cia própria. Os nacionalistas, pois, se preocupam com eles, primordialmente, como 
partes de um todo, relacionadas entre si dentro da estmtura do problema nacional 
em seu conjunto. E, como o problçma nacional vem sendo considerad.o, cada vez 
mais, como um problema de subdesenvolvimento, o nacionalismo brasileiro, com 
seu matiz particular de componentes, tem visado a assegurar o impulso necessário 
para um desenvolvimento global, assim como a defender os direitos, 'interesses e va· 
lares nacionais específicos 1 1 • 
Em primeiro lugar e de maneira destacada, porém, o nacionalismo brasileiro 
tem-se preocupaqo com a procura da identidade nacional. Em que consiste exata· 
mente a Nação brasileira? Quem são os brasileiros, o que os caracteriza e quais são 
as bases da nacionalidade brasileira? Então, uma 'vez descoberta e compreendida a 
essência da brasilidade, ela pôde ser cultivada e utilizada para fortalecer a unidade 
naçional. Desse modo, foi possível superar os fortes e tradicionais centros regionais 
de identidade. primária. Durante os séculos de domínio português, embora se com· 
preendesse nas camadas mais elevadas o status de colônia do Drasil e houvesse um 
certo ressentimento contra os reinóis (portugueses peninsulares) privilegiados, por 
parte dos brasileiros natos, era escasso ou faltava de todo o sentimento de se per· 
tencer a uma nação, e a identidade permanecia altamente fragmentada, a tal ponto 
que, como salientou um observador, "cada·fanu1ia é uma república" 12 • A força des· 
sa identidade básica da família ou do clã persistiu durante todo o período colonial 
e por bastante tempo no Século XIX. Com a independência, sem d~vida, alguns bra· · 
sÜciros se identificaram com a nação, mas se tratava de um número relativamente 
pequeno de intelectuais e políticos, que estavam muito adiante de seu tempo. Havia, 
contudo, uma compreensão mais ampla de que o Brasil, como um império, consti· 
tuía uma comunidade de interesses (s~ciais, políticos e econômicos) diferente de 
Portugal, e espalharam-se idéias, de fundo literário e romântico, da individualidade. 
cultural do Drasil, pela utilização de temas nativistas. Mais tarde, o advento daRe-
pública deu novo alento simbólico e jurídico à idéia do destino distinto do Brasil e 
levou a uma afirmação mais positiva da dignidade e respeitaqilidade do País dentro 
da comunidade internacional. Ao mesmo tempo, um número maior de intelectuais, 
buscando a originalidade cultural, participou do desp~rtar nacionalista e dediCOU· 
se à exploração literária, .listórica, sociológica e antropológica da nação e ao estudo 
dos problemas básicos nacionais. Esse processo foi, de certo modo, acelerado e po· 
23 
pularizado pelo movimento modernista da década de 1920. Além disso, a sociedade 
brasileira tornou-se mais dinâmica em fins do Século XIX e princípios do Século 
XX, tendo-se deteriorado a olhos vistos a posição da famt1ia como centro dominante 
de identidade. Somente a partir de 1930 observou-se uma identificação mais ampla 
e mais geral com o Brasil, a nação, como entidade sócio-psicológica e cultural, relacio· 
nada com o mundo lusitano, mas dotada de personalidade própria, desenvolvida 
através de uma experiência histórica sui generis. Então, como o grupo dirigente pas· 
sou afinal a considerar o Estado como corporificação política da Nação, tanto a 
procura como o amadurecimento da identidade nacional foram levados a cabo com 
.mais vigor, não apenas por intelectuais isolados, mas como questão política, por 
intermédio da maquinaria governamental: a burocracia, o sistema educacional e o 
exército. Em conseqüência, tornando-se a Nação mais claramente definida e melhor 
conhecida, o povo, aomesmo te111po, com ela se identificou de maneira mais acen· 
tuada. 
~-ar4or patriótico, que é o elemento central na maioria elas formas de nacio· 
nalismo, e, ~fe' al.gü"m"inodo, essencial a todas, tem sido menos importante no caso 
do Brasil. Faltando graves ameaças externas, políticas ou militares, o patriotismo 
tem-se expressado por um amor passivo ao País ou em reação contra as ameaças inter· 
nas, reais ou imaginárias, provocadas por grupos nacionais minoritários supostamente 
ligados a maquinações externas. Sem dúvida, têm ocorrido· explosões de ardoroso 
patriotismo local, desde os tempos da colônia, mas sem repercussão a nível nacional, 
a não ser durante breves períodos. Isso se reflete na escassez de heróis nacionais signi· 
ficativos como símbolos de patriotismo. Não há um llolivar, um San Martin, um 
Juarez ou um Martí, precisamente porque não ocorreram grandes lutas pela sobrevi· 
vência nacional contra inimigos externos. A mais genuína figura heróica do Brasil é 
José Bonifácio, o "Patriarca da Independência", que simboliza o racionalismo e de· 
terminada moderação, mais que o ardor patriótico. Tem sido difícil transformar mi· 
litares como Caxias, Osório e Tamandaré, que, com a ajuda argentina e uruguaia, 
venceram e virtualmente destruíram o Paraguai,
em símbolos, ou civis como Rio 
Branco, cujos triunfos diplomáticos acrescentaram quilômetros de selva ao territó· 
rio brasileiro. 
O patriotismo tem tido, geralmente, uma influência moderada nas relações 
internacionais do Brasil, e, exceto em raros casos, como o da Guerra do Paraguai, 
não resultou em expansionismo militar. Desde 1889, especialmenteJ tem·se voltado 
para o melhoramento da reputação e posição nacional do Brasil. Esse intuito provo· 
cou a participação ativa em organizações internacionais como a União Pan·Ameri· 
cana, as Conferências de Haia e Versalhes, a Liga das Nações, as Nações Unidas e a 
Organização dos Estados Americanos, assim como o envolvimento em ambas as guer· 
ras mundiais. Ao mesmo tempo, os tradicionais e estreitos laços de relacionamen~o 
com a Grã-Bretanha foram, aos poucos, sendo superados por uma crescente ligação 
com os Estados Unidos. Nas últimas décadas, contudo, alguns nacionalistas, tanto 
no governo como fora dele, têm-se inclinado para uma política externa independente, 
24 
I. 
1,. 
'. ~ 
baseada mais decididamente no interesse nacional e menos nas diretivas de Washing• 
ton. De acordo com esse ponto de vista, a amizade com os Estados Unidos seria 
mantida, mas o Brasil procuraria estabelecer uma faixa mais ampla' de relações fora 
da Europa Ocidental e das Américas, e alguns prevêem para o País um papel de lide· 
rança dentro da· América Latina e mesmo no âmbito mais vasto do "Terceiro Mun· 
do" de países subdesenvolvidos. Apesar de esporá-dicas intervenções dos Estados 
Unidos nos assuntos internos do Brasil, aquela reação patriótica origina-se., predo· 
• minantemente, mais de necessidades psicológicas, agravadas por questões econômicas, 
do que de uma ameaça real, política ou militar. De um modo geral, todavia, o ardor 
patriótico nesse sentido vem-se mostrando cada vez mais forte, e o espantalho do 
imperialismo ianque vem sendo agitado, cad·a vez com mais freqüência. 
Por outro lado, internamente, o patriotismo foi estimulado pelo 'temor de que 
grupos nacionais minoritários, vivendo no Brasil, se mostrassem desleais para com a 
Nação. Sentimentos antigermânicos mostraram-se particularmente fortes, sobretudo 
durante a Segunda Guerra Mundial, quando muitos acreditavam. que os nazistas ·pre· 
tendiam transformar em colônia o Sul do Brasil. Em uma ou outra ocasião, todavia, 
a maior parte dos outros grupos minoritários (por exemplo: japoneses, italianos, 
portugueses, judeus e norte-americanos) têm provocado desconfiança, mas o ressen· 
timento em tais casos tem·se originado, muitas vezes, do sucesso econômico alcan· 
çad·o por imigrantes c não por 1,1m temor real de subversão. SeJa qual for o caso, no 
entanto, o fato é ue o patriotismo contribuiu para a. olítica de restrições im ostas 
'à imigração, a partir de 1 30, embora o es ectro da amea a Inter a t h linado 
ou, pe o menos, se cs oca o, epois aa Segunda Guerra Mundial. A partir de então, 
com efeito, a ameaça interna tem sido encarada corno tendo conotação política ou 
econômica e não relacionada com as minorias étnicas. Destacam-se, a esse respeito, 
os entreguistas, em conluio com o capitalismo internacional, e os comunistas . 
. O ataque nacionalista ao regionalis~o tornou-se necessário em virtude da extre· 
·ma fragmentação social do Brasil, resultante do próprio tamanho do País, dos pa· 
drões históricos de sua colonização, de sua pronunciada diversidade geográfica, da 
predominância da sociedade rural e da falta de um único foco centralizador. A fim 
de construir uma nação consistente, aquele" ... vastíssimo arquipélago de ilhas hu· 
manas"' 3 , como um historiador descreveu, com felicidade, o Urasil, teria de se uni· 
ficar, física, cultural e politicamente. A magnitude desse problema de há muito fora 
reconhecida. l\·lesmo pouco depois da independência, José Bonifácio sugeriu a trans· 
ferência da capital do País para um ponto central, para enfrentar a ameaça de desin· 
tegração geográfica. Essa idéia de uma nova capital, localizada no centro do País, foi 
mais tarde proclamada em todas as constituições do Brasil, e, naturalmente, tornou· 
se uma realidade com Bras11ia, na· dêcada de 1950, criando-se, assim, um símbolo 
vivo de unidade e progresso. Para a unificação física, os nacionalistas têm exigido a 
melhoria dos sistemas de transporte e comunicação., a fim de serem interligadas efe. 
tivamente todas as partes uo País, e a promoção do desenvolvimento econômico de 
algumas regiões isoladas que apresentam problemas, como o Nordeste e a Amazônia. 
25 
·~ 
Também têm defendido programas de colonização interna, destinados a encher os 
vazios entre os bolsões isolados de população, assegurando-se maior continuidade 
social e mais ampla utilização dos recursos naturais. Cultural e psicologicamente, 
tem-se esperado que o conhecimento acerca das várias regiões se difunda mais larga· 
mente e que, à medida que se acentue a curiosidade intelectual por todos os aspectos 
da vida brasileira e aumentem as investigações nesse sentido, as características co· 
muns se tornem mais evidentes, e se supere o provincianismo. 
No que diz respeito à integraÇão política, tinha de ser contido o predomínio 
das regiões e Estados mais poderosos, como o Nordeste Imperial ou São Paulo e Mi· 
nas Gerais republicanos: teria de ser pasto de lado o patriotismo regional ou estadual. 
O governo central, além disso, teria de se tornar realmente nacional, representando 
os interesses de todas as partes do País e mantendo um justo equilíbrio entre elas. 
Embora algum progresso tivesse· ocorrido em tal direção, os nacionalistas se torna· 
ram cada vez mais preocupados com o problema supra-regional da crescente dispari· 
dade entre os centros urbanos progressistas e o sertão estagnado. Tem-se afim1ado 
que existem, na realidade, "dois Drasis", um moderno e o outro ·arcaico, e que é mis-
ter reconciliá-los. Uma nação não ·pode ser formada apenas por cidades grandes; 
também as massas rurais têm de caber dentro dela. ·· 
As_ .. reivindicações de legitimidade. eficiência e moralidade foram formuladas 
iniciaimente .. pelos nacionalistas oposicionistas contra os situacionistas, que os acusa· 
vam de falta de representatividade e, muitas vezes, corrupção. Embora tais acusa· 
ções já fossem feitas contra o expoUativo sistema colonial português e contra o falso 
parlamentarismo do Império, assumiram maior significação depois do advento da 
, República e da pseudodemocracia que criara. As acusações mais comuns eram a de 
) 
que o grupo governante existente tinha uma base demasiadamente estreita, servindo 
a interesses especí~cos, e não aos interesses nacio~ais, o que se chocav. a. com a. nova 
realidade nacional. Também não eram poupadas a ineficiência burocrátiÇ,.,a., a utiliza· 
(.; ção de cargos públicos em benefício próprio e ã fraude -eieitoral destinada à perpe-
tuação do monopólio político. Em resumo: estava sendo fraudada a vontade sobe-
rana do povo. A fim de combater mais eficazmente o poder em mãos da aristocra· 
: ·., cia, da oligarquia ou da elite, muitos nacionalistas tentaram se apoiar em uma base 
' popular mais ampla, e não faltaram apelos em tal sentido. O novo regime, argumen-
. ··.>; ·:~' tavam, teria de ser legítimo e honesto, servindo a todas as necessidades nacionais 
'· r.': 
,(•' 
genuínas, inclusive as dos grupos sociais antes ignorados pelo governo, e os políti· 
cos deveriam tornar-se mais representativos. Além disso, o governo teria de ser soli-
damente estruturado, com base em uma constituição adequada ao Brasil, e não 
copiada de algum modelo estrangeiro. Como parte desse ataque, organizaram-se 
campanhas de civismo, destinadas a arrancar o povo, ou pelo menos setores do povo, 
da apatia e incutir no maior número possível de cidadãos a consciên.cia do ~~e.t...cí:. 
vico. Assim, seriam restauradas a legitimidade e a integridade morá!, em cons.eqüência
tãn'to da agitação pela elite nacionalista de cima para baixo, como pela participação 
cívica mais ampla, de baixo para cima. 
26 
Isso nem sempre assegurava, tod~via, que o novo regime fosse democrático, 
uma vez que exigências semelhantes eram feitas por nacionalistas de todos os tipos. 
Assim, para os expoentes do civilismo (controle do governo pelos civis), a legitimi· 
dade tinha de ser alcançada através da ampliação do sufrágio popular expressivo e 
do advento da genuína democracia liberal,. ao passo que, para os que acreditavam no 
militarismo, o ideal seria uma forma disciplinada e orgânica de democracia, dirigida 
por militares imparciais e patriotas. Entre esses dois pólos de opinião, presentes de 
maneira cada vez mais acentuada desde a queda do Império, os próprios militares 
passaram a encarar seu papel político como o de fiador ou árbitro da legitimidade e 
da moralidade e, de certo modo, presumiram caber-lhes a herança ~o poder mede· 
rador imperial, que permitia ao Imperador fazer os ajustamentos políticos decisivos. 
Assim sendo, os.militares intervieram ocasionalmente para restaurar ou manter ale· 
gitimidade política, sem terem imposto, até 1964, um regime longo e abertamen· 
te militarista por sua própria conta. Algumas vezes, os militares apoiaram decidida· 
mente os nacionalistas civis; outras vezes, opuseram-se a eles vigorosamente, mas não 
conseguiram criar, eles próprios, qualquer posição nacionalista consistente. Na reali-
dade, permaneceram desunidos em várias facções nacionalistas e antinacion;Uistas. 
Os nacionalistas que alcançaram o poder com apoio militar posteriormente formu· 
laram programas, elaboraram constituições e, com grau variável de sucesso, procura-
ram pôr em prática reformas condizentes com as suas reivindicações originais. A 
despeito de sua crescente participação no governo, não se concretizou, entre os 
· nacionalistas, um consenso sobre a natureza da legitimidade. 
Um movimento reivindicatório em prol do desenvolvimento econômico, do 
protecionismo e da autonomia, assim como outros componentes do nacionalismo 
brasileiro, se fez sentir no príncípio do Século XIX, mas logo foi abafado, durante o 
Império, quando prevaleceu economicamente uma forma de neocolonialismo, satis-
fatório às necessidades de aristocracia privilegiada. Tanto quando surgiu, como 
quando renasceu, em fins do século, aquele movimento atuou essencialmente em 
duas direções: 1.1ma interna, outra externa. A economia deveria ser fortalecida me-
diante a diversificação e maior aproveitamento dos recursos naturais· e protegida 
contra a exploração estrangeira. Deveria ser posto de lado o padrão tradicional de 
agricultura extensiva, com a produção de um ou alguns poucos artigos primários 
destinados a serem exportados para um ou alguns poucos países estrangeiros, porque 
tal coisa beneficiava quase exclusivamente às classes privilegiadas do País e a interesses 
comerciais estrangei-ros. Tornava-se necessária uma economia mais bem equilibrada, 
operando para o benefício real da maioria dos brasileiros. De fato, para que uma 
nação verdadeiramente forte se "tornasse realidade, era necessária a integração dos 
que vinham sendo marginalizados e desamparados economicamente, assim como a 
modernização da economia, para se tornar mais abrangente, mais altamente dife-
renciada, e, acima de tudo, mais produtiva e auto-suficiente. 
Com poucas exceçõf ., contudo, os padrões tradicionais, habitualmente susten· 
tados pelo apoio governamental, persistiam até 1930. A partir de então, por outro 
27 
lado, embora a tendência tivesse surgido muitos anos antes, os aspectos econômicos 
do movimento passaram a preocupar cada vez mais acentuadamente os nàcionalistas. 
Tal fato tem-se manifestado de muitas maneiras, desde as exigências para uma rápida . 
industrialização como para a revitalização da agricultura. Têm surgido toda a sorte 
de planos para o desenvolvimento econômico, vinculados a ideologiás que vão do 
socialismo a'o Estado corporativista e ao capitalismo dirigido. Advogaram-se medi· 
das protetoras, para assegurar emprego aos brasildiros à custa das- minorias cstran· 
geiras e para o controle do capital estrangeiro, embora não se tenha chegado a um 
acordo sobre a extensão de tal controle. Ao mesmo tempo, uma bàse econômica só-
lida deveria ser estimulada por meio da execução de grandes obras públicas, graças ao 
fortaiecimento de numerosas instituições financeiras públicas, fazen'do-se uma ava· 
liação técnica realista das possibilidades econômicas do Brasil, e, na opinião de alguns 
nacionalistas, mesmo por meio de mudanças estruturais, como a liquidação do sis· 
tema latifundiário graças à reforma agrária. De um modo geral, todavia, julgou-se 
necessário uma planificação econômica mais ampla por parte do governo, em par· 
ticular sob a forma de programas de desenvolvimento regi~nal em grande escala, 
como o destinado ao Nordeste assolado pelas secas, assim como de companhias esta-
tais destinadas à exploração de grandes indústrias, tais como a síde'rúrgica, a petroleira 
e a produção de energia elétrica. Também se admitia que o governo deveria determi-
nar o papel que elementos estrangeiros, tanto privados como públicos, pudessem 
desempenluir no desenvolvimento da economia nacional. Nas últimas três décadas, 
contudo, embora muitas ·daquelas aspirações tenham sido alcançadas e tenha sido 
impressionante o progresso em alguns setores da economia, os nacionalistas sentiram· 
se frustrados, em face· do desequilíbrio do crescimento econômico ter·se tornado 
mais acentuado e mais forte o poder de certos grupos financeiros. Acham, assim que, 
de certo modo, ainda precisa ser destruída a estrutura econômica neocolonial. 
Como um último componente, a ·preocupação E.<?.!!l .. a. ~.s.t!ç,a . ...;.sq,pj_al.tem refle· 
tido a concepção nacionalista de que uma nação poderosa deve apoiar-se em um corpo 
político integrado, .cujos cidadãos a ele se sintain ligados pelo gozo de c.ondições de 
vida satisfatórias . .A fim de alcançar tal CQ.!.sa, torna-se necessário que o governo vele 
pelo bem-estar. dos cidadãos; uma vez que, se todos os brasileiros puderem viver 
com dignida-de e ser úteis dentro da sociedade, colherão a máxima vantagem tanto 
cada um em particular como a Nação em seu conjunto. Naturalmente, isso é impos· 
sível enquanto o grosso da população estiver relegada a uma condição social inferior, 
devido a dispositivos discriminatórios legais, rígida separação de classes, preconceitos 
profissionais ou raciais, pobreza, ignorância, etc .. Com a intenção de transporem 
esses obstáculos, os nacionalistas têm atacado os elementos privilegiados da socieda-
de e proposto a adoção de medidas corretivas que ofereçam melhores oportunida-
des aos indivíduos ora desamparados. No Século XIX, a abolição da escravatura 
constituiu a questão social mais importante, até que a emancipaÇão foi proclamada, 
tardiamente, em 1888. Sendo que os argumentos contra a escravidão, apresentados 
por homens como Joaquim Nabuco, salientavam principalmente os seus efeitos ne-
28 
gativos sobre o progresso da Nação. Mais tarde, nos primeiros anos d~ República, 
acentuaram-se ainda mais as perspectivas de integração social. A aristocracia titulada 
deixara de existir, foram eliminadas as restrições de ordem econômica impostas aos 
eleitores e deu-se a separação da Igreja e do Estado. No flm do século, havia entre os 
nacionalistas uma crescente consciência dos problemas sociais em toda a sua com-
plexidade, o que os tornou mais veementes em suas críticas de caráter social. O go· 
vemo, porém, pouco fez em prol dti integração social dos cidadãos, a não ser instl· 
tuindo o serviço militar obrigatório .. Foi depois de 1930 que se tornou vigoroso o .. 
esforço em prol da justiça social. O governo passou a promulgar leis de proteção ao\ i 
trabalho e a tomar medidas visando ao bem-estar das camadas
laboriosas. Entre-outras 
conquistas anticliscriminatórias, a mulher adquiriu o direito de voto. O sistema edu· 
cacional foi revitalizado, dando-se ênfase à educação cívica. De qualquer modo, ape-
sar de algumas melhorias sociais, continuaram a e~istir problemas muito sérios. A 
justiça social dispersou-se desequilibradamente. As populações urbanas, mesmo as 
suas classes laboriosas, foram as mais beneficiadas, e sendo negligenciadas as zonas 
rurais. As propostas de reforma agrária tiveram escassa repercussão, c, de um modo 
geral, as massas rurais permaneceram ignorantes, pobres e à mercê dos patrões, os 
donos das terras. A frustração dos nacionalistas acentuou-se, assim, pela constante 
impossibilidade de afastar os obstáculos opostos pela estrutura social das zonas ru· 
rais à efetiva integração nacional. Além disso, muitos valores tradicionais da socie· 
dade rural se transferiram para ambientes urbanos, onde também passaram a atuar 
no sentido de retardar uma mudança social significativa. 
* * * 
Como o nacionalismo brasileiro tem sido afetado, constantemente, por estí-
mulos internos e externos e compreendido um certo número de componentes variá-
veis, sua forma jamais foi monolítica; tem ele se manifestado em numerosos tipos e 
variedades. Em ocasião alguma foi alcançado algo próximo de um consenso naciona-
lista total, embora em certas ocasiões tenha havido muito mais acordo entre os na· 
cionalistas· do que em outras. Além disso, o nacionalismo tem estado constantemente 
sujeito à in'fluência de outras ideologias ou correntes de pensamento dominantes, tais 
como o liberalismo, o positivismo, o evolucionismo, o constitucionalismo, o sebas-
tianismo, o jacobinismo, o clericalismo, o militarismo, o socialismo: o anarquismo, 
o maximalismo, ~ comunismo, o fascismo, o tradicionalismo e o modernismo, que 
têm dado coloração ainda n'lais característica a determinadas variantes do movimento 
nacionalista. De um modo geral, todavia, das incontáveis variedades de nacionalismo 
surgidas desde o seu aparecimento, podem ser distinguidos quatro grandes tipos, de 
importância duradoura. Esses quatro, que se têm manifestado durante a era republi-
cana em várias declarações, movimentos, facções, partidos, coalizões e frentes, assim 
como contato com a arl.esão de numerosas pessoas não-filiadas, são os seguintes: I) 
o liberal-democrático, 2) o· autoritário do centro, 3) o progressista-conservador, 
e 4) o pragmático. 
29 
" .. -
As diferenças que caracterizam esses quatro grandes tipos em via de regra se 
apresentam ao longo de duas dimensões: uma vinculada ao grau de mudanças dese· 
jáveis da estrutura social, e a outra relacionada com a amplitude da éentralização do 
poder necessária para a consecução de tal objetivo. Em resumo, a variação tem ori· 
gem nas diferenças a respeito do fim a que se visa e dos meios que cada ti'po. deve 
empregar. No que diz respeito à desejada transformação estrutural da sociedade, os 
quatro tipos têm-se colocado desde a direita, advogando o progresso e as refonnas 
com um deslocamento evolucionário dentro da ordem tradicional, até a esquerda, 
defendendo o rompimento revolucionário com o passado. Quanto à centralização 
do poder, as concepções a respeito variam da insistência em uma democracia federal 
desceRtralizada, baseada no sufrágio universal efetivo, à exigência de ditaduras elitis· 
tas e autoritárias. No Brasil, contudo, aqueles quatro grandes tipos jamais alcançaram, 
e poucas vezes mesmo se aproximaram dos possíveis extremos ao longo de qualquer 
urna das dimensões, do que resulta que a corrente principal do nacionalismo brasileiro 
tern·se mostrado, em seu conjunto, antes moderada do que extremista 14 • 
Embora, de um modo geral, os quatro grandes tipos do nacionalismo tenham 
permanecido separadamente identificáveis, houve, ao mesmo tempo, considerável 
flexibilidade e variação dentro de cada tipo, bem como a tendência de dois ou mais 
tipos se juntarem, ocasionalmente. Assim, por exemplo, o tipo liberal-democrático 
tem variado quanto à amplitude de suas reivindicações em prol da mudança da estru· 
tura social, ao passo que o progressista-conservador tem oscilado entre as posições 
autoritária e democrática, e o tipo autoritário do centro absorveu variados el~men· 
tos liberais-democratas e progressistas-conservadores. De qualquer maneira, o tipo 
pragmático é o que tem mostrado maior fie}{ibilidade e capacidade de adaptação, 
tendo-se revelado capaz de mover-se ao longo de qualquer uma das dimensões. A 
grande 'mobilidade nacionalista é responsável, em parte, pelo sucesso da Revolução 
de 1930 e de Getúlio Vargas, que, sem sombra de dúvida, foi e é o nacionalista 
pragmático brasileiro por excelência. A variação acentuou-se ainda mais pelo apare· 
cimento periódico de variedades parecidas, sob um ou outro aspecto, a algum ou 
alguns dos quatro grandes tipos e, no entanto, bem estranhas, sob outros aspectos, ã 
corrente principal do nacionalismo brasileiro. Tal foi o caso, na década de 1930, do 
aparecimento da Aliança Nacional Libertadora e do Integralismo, ambos os quais 
muito influenciados, ideologicamente, por movimentos estrangeiros (o comunismo 
e o fascismo, respectivamente), e tendo também recebido apoio .prático de potência$ 
estrangeiras. (Gráfico) 
O conjunto de características fundamentais que diferenciaram os quatro gran· 
des tipos de nacionalismo, contudo, mostrou acentuada conÜnuidade e sustentou 
completa flexibilidade e adaptabilidade. Assim, a variedade liberal-democrata tem· 
se apresentado •como civil, antirnilitarista, secular, legalista, parlamentarista, porta· 
voz da classe média (mais tarde também da classe popular) anti portuguesa, pró· Esta· 
dos Unidos (mais tarde pró-Terceiro Mundo) e pró-livre empresa (mais tarde pró· 
bem-estar social ou socialista); o centro-autoritário, militarista, secular, golpista 
30 
Foto 2- LuiS Carlos Prestes em Porto Soares, 28 de fel'ereiro de 1928. 
Duas Dimensões_ de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro 
K- . ' Objetiv?s - Extensão da Transformação Estrutural da Sociedade 
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Reacionário· ~ 
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-< I I o i § --- ._ --------1 ----------r-----------~ ó I I .ti 
I I ::E -~-(.) Socialista I Liberal I Con$ervador i:! 
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v I I Cl 
I I 
(admilinüo o golpe de Estado como meio de mudança de regime), bonapartista, po-
sitivista (maís tarde tecnocrata), elitista quanto à casta militar, de.fensora da cla:sse 
média e corporativista; os conservadores-progressistas, civilistas, pró-catolicismo, 
favoráveis à estatização, tradicionalistas, defensores da classe alta e da classe média, 
pró-portugueses, antiamericanos c pró-livre empresa ou corporativistas; e os pragmá-
ticos civilistas, mas fortemente aliados com facções dos militares, não-paulistas-mi-
neiros, personalistas, patriarcais, defensores da classe média (mais tarde tambétn das 
camadas populares) e não-doutrinários. Além desses conjuntos de características 
bem distintas, porém, todos os quatro tipos apresentam qualidades comuns. Todos 
têm-se mostrado essencialmente urbanos, progressistas e modernos. Todos têm ata-
cado o fracasso, a intransigência e a falta de direção do antigo regime e reconhecido 
a necessidade ele ser ampliada a planificação nacional. Todos têm reconhecido a na-
tureza dinâmica da sociedade; dentro do Drasil e na maior parte do mundo. Embora 
tenham divergido, por vezes asperamente, quanto aos objetivos específicos e os meios 
de alcançá-los, a preocupação primordial de todos tem sido o bem de seu país.
* * * 
Di~pondo, agora, de definições satisfatórias do que se deve entender por revo-
lução e nacionalismo, assim como de uma noção geral do caráter do nacionalismo 
brasileiro, estamos em condições de fazer uma análise ma"is pormenorizada das fases 
principais do desenvolvimento do nacionalismo brasileiro do fim do Século XIX até 
1945. Em ordem cronológica, porém não demasiadamente rigorosa, são elas: 1) o 
despertar nacionalista- a primeira geração nacionalista (da década de 1880 a 1914), 
· 2) uma nova geração - agitação c rebelião nacionalistas ( 1915·1929), predomínio 
nacionalista- fluidez c confusão (1930-1937), 4) nacionalistas intrusos- comunis· 
mo e fascismo, e 5) o triunfo do nacionalismo -O Estado Novo (1937-1945). Em 
oposição a um ajustamento geral para cada fase, o foco permanece firmemente nas 
contribuições feitas por nacionalistas brasileiros, intelectuais participantes ou políti-
cos em atividade, que se esforçaram, individual ou coletivamente, para enfrentar 
em sua plenitude o problema nacional. A questão será tratada seletivamente, somente 
sendo levados em consideração as contribuições de longo alcance no movimento 
nacionalisfa brasileiro em geral e os rumos contemporaneamente significativos. Não 
se trata, de modo algum, de um levantamento pormenorizado das manifestações na-
cionalistas. Esperamos que tal estudo, e as conclusões a· que se chegou sobre a gera-
ção nacionalista de 1930, contribuam para uma explicação mais clara do fenômeno 
político de Getúlio Vargas. 
NOTAS 
1 - As melhores exposiçfies iniciais desses pontos de vista opostos são, respectivamente: 
Barbosa Lima Sobrinho, "A ve.Jade sobre a revolução de outubro" (São Paulo, Unitas, 1933) e 
Virgílio de Mello Franco, "Outubro de 1930", (Rio de Janeiro?, Schmldt, 1931). Devido à in-
tensidade e à dura.ção da contr<lvérsia, a sua bibliografia é enorme; como guias para outros ma-
31 
teriais. além das fontes bibliográficas comuns, ver: "Díbliogralia da llistória do Brasil, 1930-
1955", no "Boletim da Ulblioteca da Câmara dos Deputados", V (jan/junlio 1957), UJ·IJJ; 
"Bibliografia sobre o Estado Novo (o título varia), em "Cultura Política", l (nov.l941) (conti-
nuada nos números seguintes); Aureliano Leite, "Bibliografia da Revolução Constitu~ionalista", 
em "Revista da História" (São Paulo), XXV (julho/set. 1962); "Nacionalismo", em "Boletim de 
Biblioteca da Câmara dos Deputados", Xl Oan/junho 1962), 165-77; Thomas E. Skidmore; "Po· 
lltics In Drazil, 1930-1964, An Experiment In Democracy" (Nova York, Oxford, 1967), pngs. 
331-429. 
2 -Para um estudo sobre Vargas, recente e, em geral, desapaixonado, veja-se: John W. F. 
DuUes, "Vargas of Brazil: A Politlcal Biography" (Austin, Universidade do Texas, 1967) págs. 
18,342 e passim. 
3 - Lamentavelmente, na maior parte dos estudos sobre o nacionalismo brasileiro tem-
se feito sentir uma das duas tendências do exagero. Uma afirma que o nacionalismo surgiu muito 
cedo, já no período colonial, enquanto outros o interpretam como uma ocorrência em grande 
parte posterior à segunda Guerra Mundial. Como exemplo da primeira está Barbosa Lima So· 
brinho, "Desde quando somos nacionalistas?" (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963) e da 
última: Frank Bonilla, "A National Ideology for Development: Drazil", in K. H. Silvert (ed) 
"Expectant Peoples, Nationallsm and Development" (Nova York, Random House, 1963) págs. 
232-64. 
4 - Conquanto esses termos,. tradicional. transitório e moderno, ainda estejam sendo ca· 
lorosamente discutidos no plano teórico, como demonstram as obras de Almond, Apter, I;>eutsch, 
Lerner, Lipset, Pye e Rosrow, e seus críticos, podem ser usados em um sentido geral, implicando 
um continuum vindo de uma antiga sociedade estática através de um período conturbado de 
reajustamento, para uma nova sociedade, mais moderna, estabilizada de novo, mas ainda dinâ-
mica. Admite-se em geral que esse processo de mudança-desenvolvimento -deve acarreta( altera· 
ções fundamentais na atitude social, concepção do mundo e comportamento político, ass'im como 
avanços econômicos e tecnológicos. Sobre a aplicação e críticas ela teoria do desenvolvimento 
econômico na América Latina, ver: K. H. Silvert, "Expectant Peoples ... " págs. 3·38,427-SO; 
Alfred Stepan, "Political Development Theory; The Latin American Experience", in "Journal 
o f International Affairs", XX,2 (1966), 223-34. Uma bem conhecida, interessante e controver· 
tida análise da sociedade brasileira, em seus aspectos antigos e modernos é: J acqucs Lambert, 
"Le Brésil, struture social et institutions politiques" (Paris, Armand Collin, 1953). Sobre a capa· 
cidade do Brasil de se adaptar e resistir à rápida modernização, veja-se: José Hon6rio Rodrigues, 
"Conciliação e reforma no Brasii: um desafio histórico-cultural" (Rio de Janeiro, Civilização 
Brasileira, 1965). Também de interesse, sobre as mudanças e resistências às mudanças, sob aspec-
tos gerais, latino-americanos e brasileiros, são os artigos da coletânea "Resistência à mudança" 
{Rio de Janeiro, Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais·, 1960). 
5 - Sobre a abertura da "brecha entre as gerações", durante a Primeira Guerra Mundial, 
veja-se: Gilberto Freyre, "Ordem de Progr~sso" (Rio de Janeiro, José Olympio, 195 ( ), págs. 
LVI·LX e passim. Talvez o melhor pronunciamento coletiv.o de jovens brasileiros, êxpressando 
os deveres nacionalistas da sua geração, seja: A. Carneiro Leão e outros, "Â margem da História 
da República" (Rio de Janeiro, "Annuário do Brasil", 1924). 
6:- Seria supérfluo mencionar aqui a extensa bibliografia sobre a revolução e a sua teo· 
ria. Sobre a recente discussão da teoria e tipologia revolucionária, veja-se: Lawrence Stone. ''Theo· 
ries of Revolution", in "World Polit.ics", XVIIl,janeiro de 1966), 159-76. A introduÇão e sumá-
rio de ''The Anatomy of Revolution" de Crane Drinton, embora escritos em 1938, ainda são 
interessantes por suas generalizações, e sua restrição quanto ao uso da expressão "revolução", 
no sentido de que só oode desistnar grandes convulsões políticas e sociais continua, tanto legíti· 
ma como praticamente, útil. A esse respeito, veja-se também: James C. Davis, "Toward a Theory 
of Revolution", in "American Sociological Review", XXXVll (fevereiro de 1962). 
7 - Também seria inútil discutir os principais estudos sobre o nacionalismo. Para ava1ia· 
ção das pe~quisas sobre o problema, ver: Luis Snyder, "The Meaning ofNationalism" (New Brus-
32 
wick, N. J. R lll!~l~rs llnivl.'rsity l'rcss, 195-1) c Kurl W. Dcutst:h, "Thc Dcvclopmenl o f Re~carch 
on Nationalism nnd on Suprnnationallntegration, 1953-1965'', em seu "Nationalism and Social 
Communication" (H ed., Cambridge, Massachusetts Institute of Technology Press, (1966), págs. 
7-14. Embora continuem a ser publicadas inúmeras obras sobre o nacionalismo, e conquanto 
ainda haia considerável variedade de opiniões sobre a sua natureza, assim como sobre a maneira 
mais adequada de se estudá-lo, há mu.itos pontos de acordo, 110 que tange à definição de sua essên· 
cin. Este c os três pnrál!rafos sel!uintcs procuram aorcscntar, sob a forma de uma estrutura con-
ceptual válida, um resumo da tcor·ia do nacionalismo contemporâneo, que, embora não tenha 
sido tirado de nenhuma obra em particular, reflete, em parte, várias idéias.de Deutsch, Friede· 
rich, Hayes, Keddourie, Kohn, Lipset, Minogue e Silvert. Também decorre da experiência adqui· 
rida, tanto como aluno quanto como. professor, em seminários sobre os problemas do na cio na· 
lismo. 
8 - Apenas recentemente, foi o problema do nacionalismo latino-americano sujeito, de 
algum modo, a uma análise sistemática por parte de sociólogos. Constituíram animadores esfor-
ços pioneiros: "Nationallsm in Latin America", de Arthur P. Whitaker (Gainesville, University 
o f Florida Press, 1962) e a coletânea organizada por Robert N. Durr de artigos de vários autores,
"Latin America's Nationalistic Revolutions", Annals of American Academy of Political and 
Social Science", CCCXXXIV (março de 1961). Mais recentemente, apareceram bons estudos ge-
rais sobre o problema: Artlmr P. Whitaker c David C. Jordan, "Nationalism in Contemporarv 
Latin America" (New York, Free Press (1966), e Gerharcl Mnsur, "Nationalism in Latin Ameri· 
ca" (New Yo'rk, Macmillan (1966). Essas obras foram segÚidas por grande número de artieos e 
mono11rafias sobre vários aspectos do problema. De especial interesse são o.~ num.erosos trabalhos 
de Kal..man H. Si!vert, que há vários anos. e quase sozinho, tem-se esforçado para apresentar o 
nacionalismo latino-americano à luz da Ciência ·social contemporânea. 
9 - Embora muito se tenha escrito, particularmente nos últimos anos, sobre o nacionalis· 
mo brasileiro, pouca coisa existe sob a forma de uma síntese histórica objetiva. Em sua maioria, 
as obras são polêmicas por natureza, como produções dos próprios nacionalistas brasileiros. En-
tre os mais notável~, estão os recentes trabalhos de Hélio Jnguaribe, Guerreiro Ramos, Nelson 
Werneck So<:lré, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes de Almeida, Celso Furtado, José Honório 
Rodrigues, Caio Prado Júnior, e, em geral, os dois "lsebinnos" (membros do ISEII-lnstit'uto Su· 
perior de Estudos Dra~ileiros) e os colaboradores da "Revista Brasiliensc" c "Revista da Civili-
zação Brasileira". Para um resumo do nacionalismo brasileiro, veia·sc: Vamireh Chacon; "ARe· 
volução do Trópico" (Rio de Janeiro,lnstituto Brasileiro de Estudos Afro·Asiáticos,1962) págs. 
82-118. O único estudo geral mais completo é: E. Dradford Durns: "Nationalism in Brazil" 
(New York, Praeger, 1968). Uma tentativa de definição e tipologia do .nacionalismo. tomando 
como exemplos o Brasil e a África Portuguesa é: Ronald H. Chilcotc, "Development and Natio· 
nalism in Drazil and Portuguese Africa", in "Com,Jarative Política! Studies'', l (janeiro de 1969), 
501·25. 
10 -A despeito da atenÇão que a "revolução" latino-americana tem recebido, também 
ela tem sido geralmente descrita sem rigor teórico suficiente. Um esforço para corrigir essa prá· 
ticn é: Charles W. Anderson, ''Toward a Theory of Latin Americnn Politics" (Madison, LTC, 
University o f Wisconsin, 1964 ). Interessantes observações sobre a revolução no Brasil, ou a sua 
ausência, são encontradas em J. H. Rodrigues, "Conciliação e Reforma"; Franklin de Oliveira, 
"Revolução e contra-revolução no Brasil" (3!.1 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1962). 
Nelson Werneck Sodré, "Introdução à revolução brasileira" (2~ ed., Rio de Janeiro, Civilização 
Brasileira, 1963); Caio Prado Júnior, "A revolução brasileira" (São Paulo, Brasillense, 1966). 
Veja-se também a coletânea de artigos de Irving Louis Horowitz e outros, "Revolution i'n 
Brazil" (Ne\'V York, Dutton, 1964). 
11 - O problema cl J subdesenvolvimento geral, embora comprccntliúo e atacado por pre· 
cursores do nacionalismo, como José Bonifácio e Tavares Bastos, no Século XlX, só assumiu um 
papel central e permanente no nacionalismo brasileiro no fim danuele século. Posteriormente, 
33 
Duas Dimensões de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro 
I ~máximo--Objetivos- Extensão da Transformação Estrut1,1ral da Sociedade--mínimo l Esquerda I Centro ! Direita 
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UMA NOVA GERAÇÃO- AGITAÇÃO NACIONALISTA E REBELIÃO 
Uma vez fixados os rumos principais do nacionalismo brasileiro e traçadas as 
suas feições por seus mais destacados defensores, nos primeiros anos da República, 
coube, em grande parte, aos membros da geração nacionalista seguinte a tarefa de 
dar·ll.1e plena consistência. Aqueles jovens, muitos dos quais eram admiradores de 
Sílvio Romero e Euclides da Cunha ou discípulos de Alberto Torres1 , e que, a prin· 
cípio estavam ligados à gera·ção anterior através de seus sob.reviyentes, como~ 
bos~ •. pou~a pouco ~st.tl~~~ênio da. vid~ intel~'!.~ 
rpõtftiCa do Dfãsit:-Be-sse modo, o nac10nahsmo tornou-se pfeêfõmmante naquela ge-
'""~contrário do que ocorrera antes. A contnbuição dagueles int~leciuai~ 
·antes da revol~""!o de t9~J.~~õu a sé .f.!zer sentir pouc'? a~~es d.~·rir!i~~ 
~~~n~~J!!l1!Sres.:_~:._rreocup_!l~ão intelectual! .. e cuhninou na dé5!da t!e=-
19'2152_2.,~9 uma_reb~®-2. maisJ~~.!}!!:J!li~.~da contra mu.itos setores ~~~~!.~~_9uo, re~;= 
belião ess1!_~,t._~e m~nifest~.~~ espet:_.culanne!'lte no moviment~._!llo~e~n~~ta ··>-. 
nos levan!es tenent!!t~l:.l::r».guela epoca. contudo. os objetivos e a atuação dos n~io· 
,.-nalistas eram, em seu conjunto, negativos. O que importava era atacar a velha ordem, 
e nao constrmr uma outr"ã;-e"sp·:rtll'ãrõrêssentimento nacionalista,. em vez de estimu-
lar inovações positivas2 • Assim fazendo, esperavam criar tanto um sentimento mais 
largo. de consciência nacional como um clima social mais receptivo às mudanças. 
Também se observou naquela época proliferação de grupos, partidos, movimentos e 
facções nacionalistas, nos quais a participação coletiva obumbrou a individual. Foi 
ali, então,· em seus coletivos protestos contra o fracasso da velha geração, retratado 
na esterilidade da vida intelectual e na estagnaç~o do sistema político da "República 
Velha", que os nacionalistas encontraram, essencialmente, os seus objetivos e, em· 
bora sem fonnular um programa doutrinário coerente, contribuíram na preparação 
do terreno para a revolução de 1930 e o florescimento do nacionalismo que dela 
resultou. 
Ocorreu, ainda, naquele período uma crise nacional que.abalou o Brasil e con· 
tribuiu para acelerar o progresso do nacionalismo, como a decadência e a queda da 
monarquia haviam feito, em fins do Século. XIX. Embora daquela vez, a crise, a Pri-
meira Guerra Mundial, tenha sido essencialmente externa, os seus efeitos internos 
no Brasil foram tah :..z ainda mais profundos. Pc;>r um lado, forçou o Brasil a uma 
59 
o pals Ievaoo a preocupar-se St:IliUUt:JHI:; l.iVlll YlUIVô> a;,p., ... v .. uv ............ ~ ..... ·~·· ····-···-· 
Politicamente, o entusiasmo pela causa dos aliados estimulou um surto de patriotis-
mo que levou à fonnação de organizações patrióticas, à perseguição das minorias 
gennânicas de imig~antes, e, afinal, à participação na, guerra. Ao mesmo tempo, a 
tragédia do colapso' europeu pôs em foco a debilidade básica da civilização tradicio-· 
nalmente idolatrada, provocando um amplo recesso do "transoceanismo" (admissão 
da superioridade da Europa sobre o Brasil). Disso resultou um grande interesse pelas 
possibilidades do Brasil e estimulou a busca da "brasilidade". Economicamente, os 
deslocamentos internos, combinados com a prosperidade do tempo de guerra, fruto 
do aumento da procura de produtos brasileiros pelo estrangeiro e da escassez de artigos 
manufaturados vindos do exterior, reveiavam as deficiências de uma economia aberta· 
mente dependente e unilateral. Também o problema da integração e justiça social se 
fez sentir mais claramente,· em parte devido ao crescimento da classe média e classes 
laboriosas urbanas e em parte devido ao advento da revolução social na Europa. 
De um modo geral, a conseqüência do impacto da guerra wbre a sociedade 
brasileira foi uma mudança drástica da opinião pública, o aparecimento de uma men-
talidade rebelde, cuja feição central era um pronunciado conflito de gerações. Para 
a geração mais jovem, os efeitos da guerra, combinados com a desilusão em face das 
debilidades da República Brasileira, que se intensificaram mais tarde com a come-
moração do centenário da independência em
1922, soaram como um chamamento à 
luta, uma luta em que contasse consigo mesma e traçasse o seu próprio destino. Den-
tro de uma atmosfera crescentemente revolucionária, surgiu um novo espírito de 
otimismo e urna tomada de rumo, frutos de um completo desencanto com o passado, 
ou, pelo menos, com o passado recente. Eram ostos de lado os antigos valores e 
estilos euroru'lUS. A fé na razão foi abalada por novas correntes e pensamento, como 
~e. vista de qer~son e êi~ FreÚd.1,.Q.\u:e..ai.f.o~irràcionais da intuJção e~. 
~bconsciente, e as te.orias cnltmaisJ!t.M.ê]~ ~e ~ª'rumg~_!~~~~~~!!:!l!· 
Tudo isso provocou uma séria inquietude e urna ânsia de experimentação, e embora, 
ocasionalmente, alguns poucos se deixassem arrastar aos extremos do nÜlisrn~ 
f!l,ai-Q.!__E.arte dos jovens nacionalistas esfor ou-se para alcançar a "modernidade" 
'dentro de uma estrutura distintamente brasileira, atacan o apenas as arreiras sociais 
-ôrgã~~;squevlain no éarníriho do progresso: Assim-sendo, umâVez-que os frad1CiO. 
··nais" mo-delõ'ievãl'ores alienígenas deixaram de ser admitidos para a solução dos pro-
blemas brasileiros, intelectual ou politicamente, desfechou-se um ataque maciço con· 
tra os membros da velha geração que insistiam em manter as suas convicções ante-
riores ou em pennanecer essencialmente cosmopolitas em sua visão, por motivos 
sentimentais ou atraídos por vantagens materiais. Foi, portanto, esse espírito de 
rebelião nacionalista que ganhou impulso durante a Primeira Guerra Mundial e carac-
terizou a década de 1920, especialmente a partir de 19223 • 
Dentro desse espírito rebelde, que marcou a súa época, o nacionalismo intelec· 
tual alcançou um estágio de desenvolvimento mais elevado e mais complexo. O que 
60 
aspecto do uma orientação crítica permanente de continuidade ideológica. De fa· 
to, a nova mentalidade de consciência crítica e de auto-análise criada pela geração 
precedente fizera-se realidade, em um sentido mais amplo e mais coletivo, e em 1930 
o nacionalismo se tornara, sem sombra de dúvida, impor~ante centro de referência 
intelectual. Assim, muito embora a década de 1920 não tenha sido particularmente 
criativa, quer quanto à formulação original, quer quanto ao aperfeiçoamento da 
ideologia nacionalista, sem dúvida o foi no que diz respeito à institucionalização e 
divulgação. do nacionalismo - ainda que se fazendo sentir, sobretudo, em círculos 
intelectuais e sociais restrit9s. Embora negativo e fragmentado como permaneceu, 
o nacionalismo ofereceu uma alternativa ã nova geração, e foi então a primeira vez 
que começaram a emergir escolas e movimentos nacionalistas bem-caracterizados. 
De maneira crescente, durante e depois da Primeira Guerra Mundial assumiu uma vi· 
talidade e identidade coletiva que lhe faltara ~nteriormente. Isso se tornou, sem 
demora, evidente em manifestações tão significativas como a publicação da primeira 
revista verdadeiramente nacionalista do País, a Revista do Brasil, o entusiasmo pela 
Semana de Arte Moderna, as várias facções do movimento modernista que continua-
ram a surgir e o esporádico aparecimento de esforços coletivos, como À Margem da 
História da Reptíblica4 • A despe_ito desse surto de atividades, porém, os intelcc~ 
~nalistas ainda perm_:~ecla.t,E.,!.~j!~d..er- · ao envolvimento prático 
n~J1ol.í.ti.c<h> Não somente eram excluídos de uma participação e etlva t-rtrrlira 
política existente, como também não juntaram as suas forças às dos revolucionários 
políticos, aos quais poderiam ter oferecido apoio ideológico. Na realidade, afastara-
raro-se ainda mais da política e se concentraram nos aspectos puramente intelectuais 
da rebeldia. 
As origens da agitação polítíca e do espírito de revolta daquela geração po-
dem ser buscadas em 1910, na campanha civilista de Rui Barbosa. Nesse caso, o que 
influenciou os jovens nacionalistas incipientes, mais ainda que o idealismo democrá-
tico de Rui, foram os seus incansáveis e ardorosos ataques ao velho regime. Aquela 
foi a primeira campanha presidencial realmente popular, levada a cabo em todo. o 
País, com o objetivo de mobilizar a opinião pública e conquistar o apoio principal· 
mente da classe média, para derrotar o candidato "governamental" ou "oficial"5 • 
A derrota de Rui Barbosa constituiu o primeiro de uma série de chocantes exemplos 
da· natureza fundamentalmente fraudulenta da democracia brasileira, tal como era 
posta em prática, através da impudente "política dos governadores". Embora na· 
quele período tivessem ocorrido tentativas de organização política positiva, primeiro 
sob a forma de ligas patrióticas, por ocasião da Primeira Guerra Mundial, e mais tar· 
de sob a forma de partidos "democráticos", na década de 1920,~também o naciõllas, 
~mo polít~ permaneceu ~nte negativo. Isso se patenteou em suas mais 
sérias manifestações, as revoltas "tene_!!~u.e.le decênjo....que foram rebeliões 
b ~quer programa bem formulado contra um sistema político intransi· 
"""""'-~~·~==-,=· ' .... ···-· -···· ... _., _ __...,.. 
61 
aspectos, aquelas revoltas foram mais subconscientemente ao que expucnameme 
nacionalistas. 
Com a guerra, porém, houve outro desvio no desenvolvimento do nacionalismo. 
político: a predominância do militar sobre o civil. Desde meados da década de 1890, 
com exceção do breve surto do "hermismo" que se seguiu à campanha de 1910, ha-
viam predominado os elementos civis, principalmente· os encabeçados por Rui Bar-
bosa. O gradativo aumento da influência militar resultou, em parte, de um crescente 
sentimento de frustação com o mau funcionamento do processo democrático, mas 
também de uma imagem mais favorável e patriótica que o exército conquistou du-
rante a guerra, e da alteração das suas próprias características, com a adoção do ser-
viço militar obrigatório 7 • Assim, o movimento tenentista, embora integrado, na dé-
cada de 1920, por uma pequena minoria de oficiais do exército, representou a ascen-
dência do tipo de nacionalismo autoritário do centro, ao passo que o decJínio do 
nacionalismo liberal-democrata era evidente, não só por causa das derrotas cte Rui 
Barbosa, como também pela relativa impotência dos esforços da nova geração em se 
organizar de maneira eficaz, como se patenteou com as ligas patrióticas e os parti-
dos democráticos. Dos tipos de nacionalismo restantes, somente o cons'ervador-pro-
gressista, manifestado na expansão do movimento sócio-político católico, teve im-
portância duradoura naquele período. Realmente, com a morte de Pinheiro Macha-
do, em 1915, ocorrera um hiato no desenvolvimento do nacionalismo pragmático, 
que se fez sentir até que Getúlio Vargas disputou a Presidência da República, como 
candidato da Aliança Liberal, em 1929-1930* Embora o nacionalismo político fosse 
incapaz de tomar o poder naquela época, e conquanto o movimento tenentista per-
manecesse amorfo e destituído de conteúdo ideológico, como o ressentimento na-
cionalista se espalhara mais e se expressara por meio da rebelião armada; achava-se 
aberto, psicologic.amente, o caminho para a revolução d~ 1930. (Gráfico) 
* * * 
Embora a agitação nacionalista viesse sendo mantida há vários anos, ao nível 
individual, a primeira convocação institucional importante pa'ra um esforço coletivo, 
na nova geração, foi feita pelaRevista do Brasil (1916-1924). Publicada em São Paulo, 
inicialmente sob a direção de Monteiro Lob11to, aquele periódico, seguindo a sua 
expressa finalidade, procurou constituir um núcleo de propaganda nacionalista, esti-
mulando os jovens escritores a apresentarem estudos sobre os principais problemas 
do País e as raízes históricas da cultura brasileira. Não se destinava a ser uma revista 
dedicada exclusivamente a assuntos históricos, literários e científicos, e sim a abor-
62 
Como a variedade pragmática de nacionalismo lançada por Getúlio Vargas. no fim da dé-
cada de 1920 estava diretamente relacionada com a revolução

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