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TEXTO COMUNICAÇÃO

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Capítulo XI
Argumentøção frøcø:
fugo e senso cornum
fugumentar pelo senso comum não é, claro, a melhor
técnica jurídica. Mas haverá momentos em que será necessá-
rio enunciar o óbvio na progressão discursiva.
A argumentação coriqueira
A argumentação tem altos e baixos. Existem momen-
tos tópicos da construção de um discurso, em que idéias
complexas se combinam para levar o interlocutor a aceitar
determinado resultado: argumentos encontram-se e se-
param-se, convergem para uma mesma conclusão por um
mesmo caminho ou por trilhas diversas, dependendo da
estratégia do orador. Por vezes, percorrem raciocínios
complexos, como o córax ou o argumenhtm ad absurdum;
mas também há momentos em que o discurso não pode
pretender alcançar grande profundidade, por desviar-se
da pretensão do discursante, de uma coerência que beire a
perfeição.
A cozinheira que f.az um bom arroz com feijão não é
melhor nem pior, na culinária, que um chef estrangeiro que
prepare uma sofisticada lagosta com molhos de ervas. Apu-
nas cada um se presta a seus momentos e sua realidade, e
aplica-se a fazer bem aquilo a que se propôs: uma boa co-
mida caseira ou um prato top de um restaurante caro. Mas
(continuando na culinfuia), em contrapartida, o cliente do
nosso refinado restaurante não suporta comer todos os dias
a mesma lagosta com ervas, e pode um dia achar esplêndi-
do um baião-de-dois, que talvez o requintado chef não sai-
ba preparar,
ii¡i.!
204 ,ARc UMEN T AÇ Ao lunf o tca,
Há momentos e oportunidades Para cada argumento,
e nem sempre a complexidade e a sofisticação reinam na
argumentação. Há horas em que uma idéia corriqueira, apa-
reñtemente óbvi a, figaramais persuasiva que um raciocínio
aprofundado. Nessas oportunidades, aParece o argumento
de senso comum.
O argumento de senso comum
O argumento de senso comurn é aquele que se apro-
veita de uma afirmação que goza de consenso geral, não
sendo contestada por nenhum dos interlocutores'
O senso comum é aquele conhecimento amplo e gené-
rico que não possui lastro científico aprofundado, mas que
está amplamente difundido no seio da sociedade. Portanto,
se alguém afirma que a função do Direito é distribuir justiça
ou, também na mesma esteir4 afirma que sem a educação o
país não vai adiante, está usando do senso comum.
Täl senso comum transforma-se em argumento, então,
quando é aplicado no discurso Para fundamentar determi-
nada idéia. Uma tese, ou seja, a idéia principal que se Pre-
tende comprovar, não pode ser de senso comum, pois se o
for não necessita de argumentos, já que é aceita por unani-
midade em qualquer auditório.
A vantagem do argumento de senso comum é essa
qualidade que ele tem de ser absolutamente incontestável.
É sedutora a idéia de utilizar-se um argumento que não ad-
mite contradita, pois realmente seu uso não comporta re-
torsão: quem pode dizer que a educação não é solução Para
o país? Qual argumentante pode afirmar que o Direito não
visa à justiça? Diante desse argumento, a parte contrária. à
primeira vista, deve calar-se.
' É bem verdade que o argumento de senso comum não
admite contraditório específico, mas isso é compensado
(sempre há uma compensação) por sua pouca força. Esse
tipo de argumento é sempre muito brando , va1o, obtuso, e
ARGUMENTAÇÃO FRACA: FUGA E SENSO COMUM 205
por isso são raras as vezes que sua colocação em um discur-
so opera a vitóría, exclusivamente. Por outro lado, é também
certo gu€, em momentos de pertinência, principalmente no
discurso oral, a exposição de algo que é puro senso comum
pode fermentar idéias a ponto de torná-las próximas da
aceitabilidade geral, e assim impingir ao interlocutor 
- Por
vezes em construção que beira à falácia 
- 
uma idéia contes-
tável como se inconteste fosse.
Não é difícil 9üe, de tão obtusa que é a argumentação
por senso comurn, ela valha para ambas as partes oPonen-
tes no discurso. Desse modo, o político de ultradireita e o
de esquerda radical se opõem na discussão de seus planos de
governo. O comunista, dizendo espelhar-se na experiência
soviética, propõe "Datei prioridade à educação, pois, Para
mim, sem ela não se forma o país." O político fascista, por
seu turno, dizendo imitar a sociedade austríaca, advoga o
mesmo: "Eu também só me preocuparei com escolas, pois
elas formaram a Europa como é hoje." Percebe-se que o que
existiu não foi apenas um consenso entre ambos, mas sim
uma argumentação que, ainda que se digladiando, os oponentes
trouxerant idéias idênticas. Invocaram, cada um, o consenso
a seu favor, e por isso foi inevitável a concórdia. Para o elei-
tor mais atento, claro, a discussão foi absolutamente infru-
tífera pois os argumentos são fracos: irnportaria saber
quais são os planos de cada um para intervir pela boa edu-
cação no país.
Os argumentos são fracos, nesse exemplo, mas mesmo
assim bastante corriqueiros no discurso político. Por quê?
Porque às vezes, como dissemos na Introduçã,o, é preciso
dizer o óbvio, ou melhor, é frutífero enunciar o consenso- Pen-
semos no mesmo debate de políticos candidatos ao governo/
em que um deles assim enuncie:
O que nosso país faz com os aposentados é uma vergo-
nha! Velhinhos, que contribuíram a vida toda para a constm-
ção da história de nosso Brasil, Passam dias nas filas do SegU-
ro Social, esperando Por urna aPosentadoria irrisória, vergo-
nhosa até. Maltratados, morrem em filas de hospital, não têm
ttl
206 ,4RGUMENTAçAI ¡unlotca
direito sequer a remédios e são aS Pessoas que, matematica-
mente, mais pagaram impostos ao govemo, o mesmo gover-
no que sequer ós assiste. Essa situação precisa mudar, pois,
além de insuportável, representa a maior das iniustiças.
Quem ousaria contestar qualquer um desses argumen-
tos articulados? Claro, eles parecem muito mais uma exPo-
sição que um discurso propriamente arggmentativo, mas
não hánenhuma dúvida de que um político que articule um
discurso assim (qt", admita-se, não são raros) pretende
conaenctr a resPeito de sua plataforma de governo. Pois en-
tão, está argumentando. O argumento de senso comum, tal
como visto acima, é efetivamente um ponto de contato en-
tre a mera exaltação (discurso epidíctico, na classificação aris-
totética) e o discurso dialético, de persuasão. Todavia, pode
funcionar com êxito na medida em que a própria enuncia-
ção levará o interlocutor a fazer ilações gü€, embora não ex-
plícitas, são fatores de persuasão (por vezes apenas pela
èxpressividade da exposição do argumento).
- O candidato que proferisse esse discurso em favor dos
aposentados com certeza conseguiria vários votos daqueles
tãntos que recebem quantia mensal irrisória da Previdên-
cia. Não pensaram os idosos eleitores, evidentemente, que
algum outro candidato não achasse que as aposentadorias
foãsem irrisórias ou que seja justo os aposentados morre-
rem na fila de aguardo da pensão ou de tratamento do hos-
pital. Entretanto, a mera enunciaçõo daquilo que é óbvio fez,
em nosso exemplo hipotético, corn que os aPosentados pre-
sumissem que o discursante está mais preocupado com eles
do que aquele que nada disse a respeito da situação dos
idosos. O candidato discursante, então, percebeu a oportu-
nidade de dizer aquilo que é consenso, as vantagens de tra-
zer para si o que era de domínio de todos, ou seia, de usar
do senso comum.
É bom ressaltar, antes de continuarmos a ver a força do
argumento do Senso comum na arte de realçar o incontes-
te, que muito da força suasória desse tipo de argumento
podè repousar em sua exPressividade, na adesão dos espí-
ARGUMENTAÇA} FRACA; FUGA E sENSo COMUM 207
ritos àquilo que tem como maior qualidade sua forma. É as-
sim, por exemplo, que os provérbios e.refrões populares ga-
nham corpo quando invocados em contexto que os susten-
te, como grande reforço da persuasão de umdiscurso, como
acontece neste trecho de Cervantesl:
Voy a parar 
- 
dijo Sancho 
- 
em que vuestra merced me
señale salario conocido de lo que me há de dar cada rnes el
tiempo que le sirviere, y que el tal salario se me pague de su
hacienda, que no quiero estar a mercedes que llegan tarde,
mal o nunca; yo queiro saber lo que gano, poco o mucho que
sea; que sobre um hueuo pone Ia gallina y muchos pocos hacen
um mucho, y mimtras gana algo no se piude nada.
A fala de Sancho Pança, defendendo seu salário diante
de seu senhor, ao dizer que sobre o ooo põe ø galinha, muítos
poucos fazem um muito e enquanto se ganha alguma coisa nã.o
se perde nAdø, evidentemente suporta seu pedido com argu-
mentos incontestáveis, ditados conhecidos de seu Povo, a
que se soma seu grande valor expressivo. Não se pode com-
bater tal arg¡.rmentação senão desviando-se da força e do
consenso provocado pelos provérbios invocados pelos ar-
gumentantes, No exemplo abaixo, o mesmo valor expressi-
vo e suasóriot:
Tem um ditado tido como certo,
Que "cavalo esperto não espanta boiada"
E quem refuga o mundo resmungando
Passará berrando essa vida mawada.
Compadre meu que envelheceu cantando
Diz que ruminando dá pra ser feliz
O valor do ditado tido como certo, conforme diz o autot
evidentemente lhe vale como consenso Para a idéia que co-
meça a defendef, a calma durante a vida. Ao enunciar o di-
1. Don Q¡tixote.In: ,ÁLVRREZ, Miriam. Cuadernos, cit-,p.34'
2. Rolando Boldrim, de Grandes slcessos, RCE.
208 ÁRGUMENTAØO IUÑDICA
tado, já conta com o consenso e a baixíssima reProvabilida-
de do ouvinte, que o aceita sem reservas (a que se soma,
lembre-se, a força expressiva da figuratividade, com grande
valor subjetivo, como já visto). Mais expressivo será o argu-
mento de senso comum quanto maior for a pertinência da
idéia amplamente aceita ao discurso enunciado.
A argumentação baseada exclusivamente no senso
comum, como se sabe, não ultraPassa a mera exposição, e
assim não persuade, mas a invocação da idéia do consenso
a favor de um conjunto lógico mais rePresentativo pode
significar ponto decisivo do discurso, até mesmo daquele
articulado no ambiente forense. Nas petições jurídicas,
eles são utilizados mais para dar reforço, ênfase a determi-
nada colocação mais específica, como um recurso retórico.
Fora do contexto jurídico, os argumentos de senso comum
são menos raros, €ñ discursos políticos demagógicos ou
em propagandas que dizem o óbvio. Vejamos mais alguns
exemplos:
a) Nosso partido tem consciência de que o país dane
olhar por seu poao.
Efeito persuasivo muito pequeno, salvo se o ou-
vinte já é simpatizante do partido, eue faz discurso
vazio de sentido. Como ênfase ou complemento, o
argumento de senso comum assume efeito persua-
sivo: Propomos sejam os recursos públicos ora utili-
zados para pagamento de juros extemos desviados
para a constmção de moradias para os desabrigados.
O país darc olhqr primeiro para seu pouo.
Realçando o que é evidente, mas invocando,
pelo reforço dos outros argumentos menos abran-
gentes, porém mais incisivos, o senso comum cres-
ce na persuasãø pois o argumentante traz para si o
monopólio da preocupação com o povo/ o que era
sua verdadeira intenção.
b) O consumidor deue escolher o melhor produto. Compre
nossa marca.
.ARGUMENTAÇAO FRACA: FUGA E SENSO COMUM 209
É senso comum que o consumidor deve esco-
lher o melhor. Aliás, sempre, em qualquer situação,
o ser humano busca escolher o melhor. Argumento
pouco persuasivo. Entretanto, utilizado como ênfa-
se ou conclusão, tem efeito persuasivo: Nossa mar-
ca, apesar de menos famosa, tem maior qualidade,
por viírios motivos. Em vez de comprar a marca, o
consumidor da:e escolher o melhor produto.
Abaixo, um argumento jurídico:
c) É essencial que o juiz seia equânime.
Afirmação evidente, pouco persuasiva. A per-
gunta é: em que consiste a eqüidade? O argumen-
tante deve evitar esse tipo de construção.
Prefira: Como foi demonstrado, o magistrado
deu muito mais oportunidades de manifestação Para
a parte contrária do que para a parte ora requerente.
Isso desequilibrou o processo, sendo necessdrio que se
garanta a eqüidade dos atos.
Não se pode afirmar que o argumento não continue di-
zendo o óbvio, mas agora o f.az em reforço (em conteúdo e
em forma) ao que anteriormente foi sustentado, com argu-
fnentos mais sólidos. Outros argumentos arrazoaram, pode-
se dizer pouco tecnicamente, enquanto o senso comum/
bem invocado, persuadiu,
As oportunidades para utilizar o argumento de senso
comum devem ser, claro, observadas pelo discursante, mais
uma vez tendo em conta a coerência de seu texto e a acei-
tação do auditório. Para argumentações de ritmo mais len-
to, torna-se esse tipo de argumento muito pertinente, pois
permite a reflexão sobre outros temas ou informações que
podem se sornar e tomar-se confusas na ausência de refor-
ço a princípios e premissas que já são de conhecimento do
interlocutor, mas que lhe vêm fortalecidas como se fossem
conclusão.
No percurso argumentativo, então, o argumento de
senso comum aparece quase como petição de princípio, ou
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210 .ARG UMËN T AçAO IURnDIC A
seia, o erro em se esforçar em argumentar ou comProvar
uma tese que o interlocutor já admitiu. Quem vem pedir
" justiçø!" em urn discurso perante um representante do Po-
der |udiciário cai, se não reforçar sua tese com um objetivo
mais específico e contestável, em petição de princípio, pois
quer convencer o interlocutor daquilo que ele já está plena-
mente convicto: que deve ser justo.
É ¿iffcl combater o argumento de senso comum por-
que sua natureza é a de invocar aquilo que é absoluto con-
senso. O que se recomenda fazer é demonstrar como a am-
plitude do argumento o faz fraco: o Direito determina que
se dê a cada urn o que é seu, mas , ahnal, o que é de cada
um? O ditado diz que o burro precavido morreu de velho,
mas o que significa ser precavido? Quando, ao contrâno, é
necessário ousar? São exemplos de contradita, mas fracos,
sendo mesmo o melhor não se aprofundar na resposta ao
que já não é aprofundado.
Argumento de fuga
O enxadrista sabe gue, ao salto do cavalo, o rei parte
em fuga.
A figura do xadrez é ilustrativa: estando o rei sob xeque
imposto por qualquer uma das pedras inimigas, pode pro-
teger-se deslocando ao meio do caminho um dos outros
personagens de seu reino: o bispø a rainha, um peão... Mas,
se o rei sofre xeque do cavalo, tem de se mover, pois este,
com seu estranho campo de ação pula qualquer outra pe-
dra. Diante dele, ao rei somente resta a fuga; mas nem por
isso todo xeque do cavalo é xeque-mate.
Em alguns momentos, o argumentante coloca-se como
o rei diante do cavalo: desvia o assunto, pois não pode en-
frentá-lo diretamente, mas nem por isso está faltando com
a boa atividade suasória. Vejamos como isso ocorre na hi-
potética argumentação a seg¡rir:
ARGUMENTAç,IO fnaCa: FUGA Ë SENSO COMUM 211
O réu. é pessoa idônea, já com seus respeitáveis 55 anos
de idade. E certo que cometeu, como de fato confessara, ato
injusto ou ilícito, desviando dinheiro de seus clientes para o
pagamento de contas prementes de sua empresa.
Quando o réu desviou o dinheiro que lhe fora confiado
por seus clientes para o pagamento das despesas com seu
estabelecimento, certamente cria poder devolver a mesma
quantia rnomentos depois, quando fosse cobrado. No en-
tanto, seus rendimentos não permitiram essa devolução, e
por isso o réu é neste momento acusado.
Não foi apenas o réu que teve dificuldades financeiras.
Nesses últimos tempos, com a crise econômica em que vive-
mos, v¿írias empresas tiveram de fechar suas portas. As dívi-
das frente aos bancos aumentaram muito e o inadimplemen-
to é recorde, como noticiam diariamente nossos jornais.
A apropriação havida nãotinha o dolo de deixar os viti-
mados sem seu dinheiro, é evidente, mas a situação econômi-
ca de toda nossa sociedade acabou fazendo com que o réu
não pudesse devolver a quantia de que se apropriara em um
momento de desespero. Não se há de negar como é deses-
perador ver uma empresa, estabelecida como idônea há anos,
desequilibrar-se diante de um contexto econômico todo con-
trovertido, corno o atual.
Não se pode conceber que o réu, já em idade respeitá-
vel, sem nenhuma mácula em sua vida como empresário, te-
nha esperado por todo esse tempo para dar o golpe, O que
houve foi uma ação precipitada, diante da tentativa, nafural
do ser humano, de evitar que anos de trabalho fossem joga-
dos à ruína.
A tática argumentativa do discursante foi a de desviar
a discussão para aquilo que não era o cerne argumentativo
naquele momento. O procedimento criminal ali ilustrado,
que discutia apropriação indébita, obviamente não foi ins-
taurado para discutir a idade do réu, sua situação financei-
ra ou a crise que se abateu sobre o país, mas, naturalmente,
como a históri a dâ a entender, pela inversão da posse de
uma quantia que lhe fora confiada por clientes. O defensoç
no entanto, achou oportuno fugir à discussão que já estava
estabelecida para trazer ao contexto questões que, ainda
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212 ,ARG UMENT AÇAO IURÍDICA
que antes não pertinentes, passam a ter valor na conclusão
que pretenderá impor. Talvez não comprove que deve ser
excluída a culpabilidade de seu cliente por causa da situa-
ção financeira da nação, mas, enquanto reflete sobre esses
fatores, deixa de aprofundar-se na questão que lhe é am-
plarn ente desfavorável.
Assim f.az o advogado do tribunal do júri que discute o
valor da pena que pode advir do veredito dos jurados: ex-
põe os prós e os contras da pena mais grave, o que o acusa-
do pode vir a tornar-se se for preso, a família que dele de-
pende, seus filhos, o emprego que deixará. E evidente que
foge à discussão do processo, mas assim, bailando em ques-
tões periféricas, tem condições de ser mais persuasivo do
que seria ao procurar enfrentar uma discussão mais especí-
fica, por exemplo, ao negar a efstência de uma qualificado-
ra para cuja configuração aponta todo o contexto probatório.
O argumento da fuga não é por definição inidôneo.
Há certos rnomentos em que desviar a discussão é necessi-
dade do argumentante, pois a parte contrária sempre vai
buscar que o percurso argumentativo trilhe aqueles ele-
mentos que lhe são mais favoráveis, sobre os quais não há
bons argumentos do adversário. Imaginemos, então, o se-
guinte diálogo:
Defmsor: A testemunha Tício disse, ao depor em juízo,
que não reconhecia o acusado como aquele autor do crime:
"Não parece ser a mesma pessoa que vi sacar da arma", afir-
mou Tício, em mais uma evidente mostra de que o réu näo é
o verdadeiro homicida.
Promotor: Um aparte, doutor. Na delegacia, no calor
dos fatos, a mesma testernunha reconheceu positivamente o
acusado. O senhor poderia ler aos jurados o depoimento de
Tício no distrito policial.
Defensor: Não, não poderia. A acusação teve sua opor-
tunidade de falar e de replicat, e o nosso processo penal, jus-
to ao menos na teoria, concede a mim, como defesa, o mes-
mo tempo que teve o senhor, só que agora para articular
aquilo que vem em fauor do meu cliente. Oxalá tivéssemos
nós, sempre, uma sociedade tão igualitária como é a distri-
ARGUMENTAÇAO FRACA: FUGA E SENSO COMUM 213
buição de tempo no Tribunal do ]úri, a rnesma oportunidade
de exposição para todos os interesses em conflito como a te-
mos nós, tribunos, no plenário. Não farei o papel que lhe in-
cumbe, doutor, porque se assim o fizer me transformo em
um mau advogado, de um mau advogado a um mau profis-
sional, de mau profissional a um ser inútil socialmente e, de
inútil socialmente, em breve em um criminoso. Seu pedido,
doutor, é impossível de ser atendido, me perdoe.
Evidentemente, a fala do advogado, no discurso final,
fuF ao que lhe fora proposto, Porque não lhe interessava
dar continuidade à argumentação tal qual pretendia direcio-
nar a acusação, promovendo o aparte. A igualdade no pro-
cesso penal não era objeto principal de discussão, e seria
amplamente favorável ao defensor se pudesse trazer outros
argumentos que dessem continuidade à exposição probató-
ria do processo, mas, como ele próprio afirmara, se o fizesse
estaria minando seu próprio percurso argumentativo.
A fuga é lícita na argumentação, desde que o tema de-
senvolvido pareça ao interlocutoç ainda que em mínimo
g¡au, pertinente à discussão (como, no exemplo dado, o ad-
vogado desenvolve sua argumentação articulando tema mais
próximo possível daquele que pretende evitar, algo acerca
do processo penal no tribunal do júri). Porque é o argu-
mentante quem cria seu percurso temático, tem sempre o
talante de eleger o melhor tema, desde que não fuja ao cer-
ne da discussão, como o rei ameaçado pelo cavalo não
pode fuæt de seu ataque mais que um passo.
Porque constmção linguística que se apresenta inequi-
vocarnente persuasiv4 a fuga ao tema, quando intencional,
transforma-se em argumento útil.
Conclusão
O argumento do senso comum e o argumento de
fugu não figuram como os mais importantes da argumen-
tação jurídica, mas são sem dúvida comuns. Desde que
I
21,4 ^ARG UMEN r AÇAO IURIDICA
representem verdadeira intenção do argumentante, servem
no mínimo para estabelecer boa coerência, prolongando
um argumento mais importante e complexo ou, ao con-
trário, desviando a atenção daquilo que não interessa que
o interlocutor compreenda profundamente. São técnicas
válidas.

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