2AULA Teologia e religião relação multifacetada

Prof. Jefferson Zeferino Aula 2 Teologia e Sociedade Conversa Inicial (1) Teologia e sociedade: relação multifacetada (2) Comunidade c ristã e comunidade c ivil (3) A teologia fala da Igreja a partir da sociedade (4) Incidência pública d a fé (5) Realidade humana em sua integralidade A Missão e a Cruz de Cristo O tema d o conhecimento de Deus foi fundamental para Lutero A fé e a religião dependem absolutamente da r esposta que se dá sobre o conh ecimento de Deus Lutero perc ebeu q ue a teologia escolástica buscava c onhecer Deus no \u201ccéu\u201d Por isso, d enunciou que \u201c[...] não basta nem adianta a ninguém c onhecer a Deus em glória e majestade se não o conh ece também na humildade e na ignomínia da cr uz\u201d (WACHHOLZ, 2 012, p. 253) O teólogo que busc a conhecer Deus no c éu é o teólogo da glória, ao qual Lutero opõe com o t eólogo legítimo, o teólogo da cruz A teologia da cru z n ã o p r o c u r a D e u s \u201c e m c i m a \u201d , m a s \u201c e m b a i x o \u201d , n a c r u z , n a r e v e l a ç ã o de Deus O conhec imento de Deus somente é indireto através de Cristo, na cru z, no sofrimento, no \u201crisco\u201d e na \u201cinsegurança\u201d Na cruz, Deus é sub contraria specie , ou seja, ele é o que não é ( f r a c o , h u m a no , t o l o ) Isso é assim para que o crente e o teólogo \u201cdeixem Deus ser Deus\u201d, ao invés de \u201ctorná-lo\u201d objeto de especulações O verdadeiro conhecimento de Deus não se dá pelo caminho d a razão lógica (\u201cforte\u201d), mas o caminho d a fé (\u201cfraco\u201d) Fé e conh ecimento de Deus, po rtanto, não podem ser separados (WACHHOLZ, 20 12, p. 253 ) Conhecer Deus significa reconhecer o que Deus pode e faz, não as possibilidades de seu poder, mas seu po der como efetivo agente de tudo em tudo, portanto, onipotência que se faz acontecimento Importa falar de Deus a part ir de baixo, começando nas profundezas, a partir do fato de que a palavra de Deus se fez carne e história e autorizou o acontecimento da pregação, portanto, a partir de Jesus, o Cruc ificado Contudo, o abandonar o Deus oculto e voltar-se para o Deus revelado não significa que o ocultamento de Deus não tenha mais nada a ver com a fé A própria revelação está oculta sob o contrário, sob a cruz (EBELING apud WACHHOLZ, 2012, p. 254) Da cruz deriva também a fundamentação d a m i s s ã o e e v a n g e l i z a çã o da Igreja No esvaziamento, na cruz, Deus se faz \u201cfraco\u201d p ara os fracos Nisso, a Igreja cristã tem as r espostas necessárias para su a vida neste mundo Por isso, Lu tero pode afirmar que \u201cé co isa do diabo procu rar Deus fora d e Jesus\u201d A cruz é, então, o caminho, a ponte da fé que liga Deus e ser humano (WACHHOLZ, 2012, p. 253) O encontro entre Deus e ser humano acontece por iniciativa de Deus Para Lutero, a iniciativa teria que ser de Deus, pois o ser humano é pecador Logo, por causa de seu pecado, caso o ser humano tomasse a iniciativa, não e n c o n t ra r i a D e u s , m a s e n c o n t ra r i a a s i p r ó p r i o sem, contu do, autoconhecer- se plenamente, ou seja, como pecador Então, ao encarnar no tempo e espaço, Deus evidencia dois aspectos fundamentais, sendo que um não pod e ser acentuado em detrimento do outro: amor divino e o pecado humano A tensão entre ambos evidenciará a simultaneidade da vida cristã co mo simul iustus et peccator (WACHHOLZ, 2 012, p. 254) Deus na História da Miséria Humana O ato sacrificial d e Deus em C risto na cruz não pode ser desconectado da natureza e história humana, sob pena de espiritualização da cruz Deus ama o ser humano a ponto de entregar-se na cruz Não cabe a negação desta verdade Contudo, a unilateralização desta per spectiva resulta em distorção antropológica, omitindo a realidade e natureza humanas A cruz é definida e consequência d o pecado humano, razão pela qual ela também está \u201cfincada\u201d na ter ra e não no céu O pecado \u201catrai\u201d Deus para e \u201cvitimiza\u201d Deus dentro da história (WACHHOLZ, 20 12, p. 254 ) A contemplação do sofrimento d e Cristo pelo ser hu mano o coloca como que diante um espelho Diante d este espelho, o ser humano não somente c onhece a Deus, mas a si próprio, o u seja, su a realidade pecadora Por causa desta situação p ecadora, Deus se esvaziou de si e \u201centrou no jog o\u201d da história humana (WACHHOLZ, 2 012, p. 255) Por ser iniciativa de Deus, o enc ontro acontece no nível do ser h umano A kénosis aponta exatamente isso. Deus adentra a história, a cultura da humanidade Ele nasce de uma mulher ju daica, fala a língua de um povo, se alimenta da culinária local, veste-se com roupas da época Ele é um d o povo e, paradoxalmente, o \u201ctotalmente Outro \u201d, isto é, Deus Isso significa que o movimento de esvaziamento de Deus não é, na perspectiva do ser humano, um movimento de ir, mas de vir O esvaziamento também não acontece por causa de Deus, mas por causa do ser humano Então, \u201cDeus vem\u201d. [...] Cont udo, o movimento de Deus ocorre devido à enfermidade, ao pecado, à injustiça, à queda da humanidade (WACHHOLZ, 2 012, p. 255) O esvaziamento de Deus é movimento \u201cpara fora\u201d de si próprio Este movimento indic a qualitativamente o m o v i m e n t o m i s s i o n á r i o da Igreja: para \u201cfora\u201d Desta forma, a kén osis de Deus em Cristo denuncia a tentação das igrejas que concentram a missão como manutenção institucional e crescimento numérico de seus fieis Igreja de Cristo é Igreja em Cristo , e Igreja em conformidade com Cristo Isso faz da Igreja uma I g r e j a d a cr u z , k e n ó t i c a , Igreja que se \u201cautodestrói\u201d na missio Dei A Igreja de Cristo é Igreja so mente quando for Igreja \u201cfora de si mesma\u201d, quando for Igreja no mundo A Igreja verdadeira, a Igreja de Cristo, portanto, somente pode ser encontrada na \u201cbaixeza\u201d, no \u201cabandono\u201d, na \u201cimpotência\u201d, n a \u201cfraqueza\u201d, ou seja, na cruz, no lixo, no fracassado, n o enfermo, n o desnudo (WACHHOLZ, 20 12, p. 255 ) A verdadeira Igreja é Igrej a no \u201csofrimento\u201d O sofrimento é uma das marcas da Igreja ( notae ecclesiae ), segundo Lut ero \u201cSantificação\u201d, n este caso, tem d imensão importante p ara nosso tema, pois através das marcas, a Igreja vive e é capacitada a testemunhar a santidade no mund o e por elas é reconhecida O sofrimento, como marca da Igreja, aponta p ara o ser Igreja de Cristo, estando em Cristo e testemunhando fielmente de Crist o no mundo (WACHHOLZ, 2012, p. 255-2 56) Conformidade a Cr isto Em conformidade com Cristo é ser humano c onvertido em \u201cCristo para o próximo\u201d, ou, segundo Lut ero, \u201cpara q ue sejamos Cristos um para o outro, e o próprio Cristo esteja em todos.\u201d Lutero desenvolve o conformitas a partir da compreensão da fé em Cristo A fé un e a pessoa a Cristo, transformando-a com Cristo em uma só coisa, u ma só \u201cmassa\u201d, u m só \u201cbolo\u201d A união c om Cristo como uma só \u201cmassa\u201d faz Cr isto ser \u201cCristo em mim\u201d, ou seja, o Cristo que habita no mais profundo do ser d a pessoa Estar em Cr isto é, então, t er sido deformado como pecador e dei- -formado c omo justo pela fé e graça Para fins de missio Dei, isso sign ifica que a missão não é obr a humana, ou seja, pura imitatio de Cristo, mas é obra de Deus através do ser humano c o-formado e co-habitado por Cristo (WACHHOLZ, 2 012, p. 256) Lutero não separa a pessoa e a obra de Cristo Cristo não é um exemplo de moral a ser imitado ( imitatio ), mas é presença real na pessoa c rente pelo Espírito Sant o Assim c omo pessoa e obra de Cristo n ão são separadas, est ar em Cristo e ter Cr isto em si \u2013 u nio mystica \u2013 permite Lut ero falar que a pessoa/Igreja crente é um pequeno Cristo no mundo \u201cSem dúvida, temos este nome de Cristo, não o do Cristo ausente, mas do Cristo que habita em nós, isso é, quando c r e m o s n e l e e , p o r o u t r o l a d o , s o m o s m u t u a m e n t e um Cristo um para o outro, fazendo aos próximos o mesmo que Cristo fez por nós\u201d (WACHHOLZ, 2 012, p. 257) A unio mystica , cont udo, não tira o ser humano do mundo e o eleva aos céu s Pelo con trário, em Cristo, a pessoa crente é humanizada e conduzida para o mundo, em direção ao pecado, para curá-lo O movimento da pessoa c rente e d a verdadeira Igreja, portanto, segue o movimento de ir, ou seja, do esvaziar-se de si Para Lutero, Cristo não somente assumiu a figura hu mana n a kénosis, \u2013 Lut ero emprega o conceito de \u201chumanação de Cristo\u201d \u2013 mas, inclusive, a cond ição humana pecadora par excellence Ele chega ao pont o de compreender Cristo c omo submerso no pecado ( submersus ), como o máximo pecador ( maximus peccator, peccator peccatorum ) Desta forma, Cristo assume a totalidade do pecado humano sobre si, de forma que a paradoxalidade de pecado e jus tiça estão reun idos na pessoa de Cristo, cuja tensão somente pode ser vencida por Cristo mesmo (WACHHOLZ, 20 12, p. 257 ) Da unio mystica resulta o ser conformitas Cristo, instrumento do amor cu idador, curador d a enfermidade, reconciliador pelo perd ão Então, semelhante a Deus, o ser humano crente e a Igreja cristã, a prior i , não definem a missão A missão é definida pelo ou tro, isto é, pela enfermidade, pelo pec ado, pela injustiça, pela morte Em outras palavras, não é a Igreja ou o crente que escolhe sua missão, mas esta é definida pela realidade da humanidade, a exemplo do esvaziamento de Deus em Cristo, cuja missão foi definida pela \u201catração\u201d do pecado (WACHHOLZ, 2 012, p. 257) No Credo Apostólico, a comunidade de fé confessa q ue \u201ccrê na santa Igreja cristã\u201d Ser santa é ser Igreja conforme Cristo Portanto, a identidade da Igreja é moldada de fora para dentr o, a partir de Cristo De forma correlata, o que define a missio Dei da Igreja no mundo não é aquilo que a Igreja própria define como sua missão, mas aquilo que a con dição do outro se lhe impõe

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