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Planejamento e gerência em saúde

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Livro eletrônico didático: 
Planejamento e Gerência em Saúde II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Túlio Batista Franco 
Henrique Figueiredo Ottoni 
 
 
 
Livro eletrônico didático: 
Planejamento e Gerência em Saúde II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Niterói, 2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REALIZAÇÃO: 
 
 
 
 
Instituto de Saúde da Comunidade – UFF 
Departamento de Planejamento em Saúde - UFF 
Disciplina de Planejamento e Gerência em Saúde II 
 
5 
SUMÁRIO 
 
 Apresentação ................................................................ 7 
 Túlio Batista Franco 
 
CAPÍTULO I 
I.I) Planejamento em Saúde ............................................... 9 
 Francisco Bernardini Tancredi 
 Susana Rosa Lopez Barrios 
 José Henrique Germann Ferreira 
I.II) Estudo dirigido .............................................................. 15 
 
CAPÍTULO II 
II.I) Em busca da Clínica dos Afetos ..................................... 16 
 Túlio Batista Franco 
 Heletícia Scabelo Galavote 
 
II.II) Estudo dirigido .............................................................. 39 
 
CAPÍTULO III 
III.I) A Produção Imaginária da Demanda 
 e o Processo de Trabalho em Saúde ............................. 40 
 Túlio Batista Franco 
 Emerson Elias Merhy 
6 
 
 
III.II) Estudo dirigido .............................................................. 52 
 
CAPÍTULO IV 
IV.I) Sociedades e Instituições .............................................. 53 
 Gregório Franklin Baremblitt 
IV.II) Estudo dirigido .............................................................. 62 
 
CAPÍTULO V 
V.I) O Movimento Institucionalista: 
 a auto-análise e a autogestão........................................ 63 
 Gregório Franklin Baremblitt 
V.II) Estudo dirigido .............................................................. 73 
 
 Sobre os autores ........................................................... 74 
 
 
 
 
 
 
7 
 
APRESENTAÇÃO 
 
m dos desafios do profissional de saúde da atualidade é 
conhecer a dinâmica gerencial dentro do campo médico e saber 
se articular e se posicionar diante desta composição. Esse 
profissional deve, ainda, estar preparado para suprir as demandas dos 
pacientes e, a partir de um “olhar vibrátil”, executar o melhor plano de 
cuidado terapêutico. Nesse sentido, a criação do novo currículo médico 
implantado em 1994 na Faculdade de Medicina da Universidade Federal 
Fluminense, com a resolução número 37/94 do Conselho de Ensino e 
Pesquisa, permitiu observar a necessidade do médico de participar do 
processo de estruturação do seu ambiente de trabalho, otimizando e 
humanizando o serviço e procurando adequar o local de trabalho à sua 
realidade. Nesse contexto nasceu a ideia da construção de um modelo de 
ensino que buscasse amplificar o conhecimento médico acerca dessas 
fronteiras e que conseguisse dialogar a teoria à prática clínica. 
O livro eletrônico didático da disciplina de Planejamento e Gerência em 
Saúde II (PGS II) possibilitará aos alunos conhecer e discutir alguns 
conceitos do Planejamento Estratégico, Análise institucional e da Clínica 
Médica, tendo por referência as práticas e tecnologias de cuidado. 
A Análise Institucional e a Bioética, aplicadas à Gestão da Clínica; é este 
o sentido do livro eletrônico de PGS II. Serão trabalhados os conceitos de 
instituição, instituído, instituinte, auto-análise, autogestão e a clínica 
enquanto conceito e prática cotidiana. O livro tem como referência a 
gestão de serviços de saúde, processo de trabalho, clínica médica, práticas 
educativas, subjetividade e ética. 
Uma das questões propostas neste projeto é que o profissional de 
medicina seja capaz de reconhecer o seu ambiente de trabalho, bem 
como possa agir na sua organização de forma a otimizar o serviço. 
O livro eletrônico da disciplina reúne os textos utilizados em sala de 
aula, estudos dirigidos sobre o conteúdo teórico, vídeos e figuras 
correlacionando teoria à prática. Ele ficará disponível no site da disciplina 
(www.uff.br/pgs2) para toda a comunidade acadêmica. 
Os textos utilizados nas aulas da disciplina foram reunidos em uma 
plataforma única. A eles, foram acrescentados estudos dirigidos inéditos 
criados pelos professores da disciplina, o que possibilita a avaliação do 
U 
8 
 
aprendizado e se institui como um guia teórico, com temas-chave de cada 
um dos textos. Os vídeos e figuras que integram este livro se constituem 
como modelo e exemplo à discussão teórica dos textos, de forma que os 
alunos possam reconhecer naquelas discussões situações práticas dentro 
de seu campo de atuação profissional. 
A expectativa é que o livro eletrônico didático de PGS II se institua como 
um modelo pedagógico de desenvolvimento do aprendizado e, assim, sob 
uma perspectiva construtivista, possa estimular um pensamento reflexivo 
e crítico dos alunos. O diálogo entre as diferentes formas de linguagem, a 
partir da inserção de textos, vídeos e figuras ao livro, poderão se constituir 
como um modelo estimulador do aprendizado, vinculando a teoria à 
prática. Com isso, o livro poderá contribuir para a construção de 
profissionais mais atuantes na gestão da saúde e provocar maior 
engajamento nas questões das práticas terapêuticas de cuidado integral 
ao paciente. 
Boa leitura! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE 
 
Francisco Bernardini Tancredi 
Susana Rosa Lopez Barrios 
José Henrique Germann Ferreira 
 
Preâmbulo 
 
“Alice – Poderia me dizer, 
por favor, qual é o 
caminho para sair daqui? 
Gato – Isso depende 
muito do lugar para 
onde você quer ir. 
Alice – Não me importa 
muito onde. 
Gato – Nesse caso, 
não importa por qual 
caminho você vá.” 
 
sse pequeno diálogo, que faz parte do livro Alice no País das 
Maravilhas, ocorre entre Alice e o Gato, quando ela se encontra 
numa encruzilhada,sem saber ao certo para onde ir. Ele sintetiza, 
de forma singela, a essência do planejamento. É ao mesmo tempo 
extremamente reducionista e abrangente, porque nos conta de forma 
bem elegante o fosso que existe entre o deixar-se levar ao sabor do acaso 
e o determinar aonde se quer chegar. O planejamento serve exatamente 
para isto: determinar aonde se quer chegar (para onde queremos conduzir 
um sistema) e tomar as decisões pertinentes que, acreditamos, nos 
levarão ao ponto desejado. Não queremos fazer as coisas parecer fáceis 
demais, porque, afinal, chegar a um acordo entre vários atores sociais 
sobre aonde queremos chegar com o nosso sistema de saúde não é tarefa 
simples; tampouco é fácil nos organizarmos para poder alcançar os pontos 
vislumbrados. Contudo, temos de concordar que, do ponto de vista 
conceitual, o planejamento não é – como alguns podem ter querido fazer 
parecer – um universo impenetrável para os não-iniciados. Visto sob a 
E 
10 
 
ótica do dilema de Alice, planejamento é algo que fazemos todo o tempo, 
todos os dias, na nossa vida pessoal e – espera-se – na nossa vida 
profissional. Possivelmente, existem dirigentes municipais de saúde que 
não definiram claramente aonde desejam fazer chegar o sistema que 
dirigem; é até possível que administrem esse sistema diligentemente, sem 
saber para onde querem conduzi-lo; atuam como um motorista que dirige 
bem seu automóvel, cumpre todas as regras de trânsito, mas que passeia 
ao léu, sem destino certo. Contudo, acreditamos que a imensa maioria 
vislumbra com clareza a missão do sistema, por onde querem conduzi-lo, 
os resultados e efeitos desejados. 
 
Introdução 
Para MEHRY, o planejamento podeser utilizado como instrumento de 
ação governamental para a produção de políticas, como instrumento do 
processo de gestão das organizações e como prática social. Como 
instrumento administrativo e de políticas de governo, seu prestígio passou 
por vários períodos de altos e baixos, inclusive no setor da saúde. Nos 
anos 50, quando surge na vida política da ex-União Soviética e na vida 
administrativa de empresas americanas, foi “vendido” como mais uma das 
panacéias das ciências políticas e administrativas (assim como muitas 
outras são vendidas hoje em dia). Rapidamente, os governantes de vários 
países latino-americanos aderiram à idéia do planejamento econômico e 
social; aí embarcou o planejamento em saúde. Com o correr dos anos, os 
insucessos de vários planos governamentais e empresariais trouxeram 
muito descrédito ao planejamento. Houve momentos em que 
administradores passaram a renegar as técnicas e tratamentos propostos 
pelos planejadores e, no nível dos governos nacionais, os planos foram 
encarados com ceticismo, quando não com total descrédito. Felizmente, 
muitos dos erros cometidos ao longo de quatro décadas favoreceram um 
processo de amadurecimento e serviram como lições bem aprendidas; o 
planejamento e os planejadores foram se incorporando de forma mais 
pertinente ao dia-a-dia das práticas administrativas e adquirindo a 
humildade que não tinham a princípio. Enfim, reconhecido não mais como 
panacéia, o planejamento é valorizado como um processo essencial de 
uma gestão moderna e eficiente. 
Por muitos dos erros anteriores, o planejamento deixou mitos e 
fantasias que precisam ser esclarecidos e eliminados do imaginário do 
administrador, a fim de que não se repitam atitudes e crenças 
inadequadas. Por isso, falar de planejamento e ajudar as pessoas a aplicá-
11 
 
lo como prática administrativa muitas vezes obriga o expositor a começar 
por desmitificá-lo e explicar o que ele não é ou não deveria ser. 
 
O que o planejamento não é 
 
O planejamento não deve ser confundido com plano 
O plano é um dos produtos de um amplo processo de análises e 
acordos; ele documenta e enuncia as conclusões desses acordos, 
indicando para onde queremos conduzir o sistema (objetivos gerais ou 
estratégicos) e como pretendemos agir para que nossas metas sejam 
alcançadas (estratégias e objetivos específicos ou de processo). Em 
verdade, o plano deveria ser encarado como uma peça de vida efêmera – 
o processo de planejamento, em si, é que deve ser permanente – porque 
rapidamente vai perdendo sua atualidade face ao desenrolar da realidade. 
O plano deve ser permanentemente revisado para se manter atual. 
Muitas experiências fracassaram ou foram traumáticas porque as pessoas 
aderiram de forma inflexível a um documento. A riqueza do planejamento 
está no processo em si de analisar o ambiente e os sistemas e chegar a 
definir os “o que queremos” e os “como alcançá-lo”. É esse processo que 
deve ser permanente e envolvente dentro da instituição. Contudo, 
embora peça secundária, o plano escrito deve existir, até porque é preciso 
documentar os acordos e a direcionalidade do trabalho. Ele deve ser 
preparado em linguagem clara e concisa, de forma que todos os que o 
leiam compreendam claramente a visão de futuro e os objetivos 
perseguidos. 
 
O planejamento não é tarefa dos “planejadores”; ele deve ser feito 
pelos atores envolvidos na ação 
Houve tempo em que os ditos “planejadores” eram agrupados em 
“unidades” ou “departamentos de planejamento”, a partir dos quais 
pretendiam ditar o futuro do sistema e o curso da administração. Ainda 
nos lembramos dos casos de planos centralizados que, de cima para baixo, 
ditavam até os detalhes da execução do trabalho. Muitos casos são hoje 
lembrados como caricatura, mas a triste realidade é que vários dirigentes 
locais sofreram nas mãos de planos que não compreendiam sua realidade 
e de planejadores arrogantes, distanciados da prática. O planejamento 
deve ser feito pelos atores envolvidos na ação, e a figura do “planejador”, 
hoje em dia, deve ser vista como a de alguém que atua como facilitador 
do processo. Cada vez mais as organizações se dão conta de que é 
perfeitamente possível apropriar-se dos conceitos e ferramentas do 
12 
 
planejamento, bem como das vantagens decorrentes do envolvimento das 
pessoas nesse processo. 
 
Não existe “a teoria” ou “o método” de planejamento 
Há uma vasta literatura sobre planejamento; há, também, uma vasta 
terminologia. Uma fantasia freqüente é que exista “o método” de fazer 
planejamento. Todas as “teorias” e os “métodos” não escapam muito do 
dilema de Alice: definir qual o futuro desejado, isto é, aonde queremos 
chegar com o nosso sistema e como apontá-lo naquela direção, ou seja, 
que programas e decisões implementar para preparar a 
instituição/sistema a direcionar-se para um determinado rumo e a 
produzir resultados que nos levem ao futuro desejado. Muitos autores 
fizeram largas digressões sobre essa coisa tão simples, porque, 
obviamente, o jogo de forças, interesses e ideologias faz com que não seja 
sempre fácil definir esse “norte” e tampouco as formas de chegar lá. O 
melhor “método” é aquele que melhor ajudar numa determinada 
situação. Veremos mais adiante que um método bom para o 
planejamento operacional de um problema específico de saúde não se 
presta para o planejamento de nível político. Da mesma maneira, um 
planejamento municipal que toma por base o método do PES de Matus 
para a sua fase de análise política sai bastante enriquecido quando a ele 
agregamos técnicas de ERP ou do MAPP. O método CENDES/OPS – 
atualmente abandonado por sua baixa praticidade e seu mecanicismo – 
legou-nos importantes conceitos sobre custo-benefício das ações em 
saúde ou, por exemplo, sobre a transcendência social dos agravos à saúde. 
Em suma, é pouco provável que na prática alguém siga ipsis litteris um 
determinado método; é mais provável que na seqüência do trabalho vá 
incorporando diversos instrumentos de trabalho retirados de muitas 
partes. 
 
Planejar não é fazer uma mera declaração de intenções 
DRUCKER diz que o futuro, para acontecer, não depende de que alguém 
o deseje com intensidade; requer decisões e ações imediatas. O 
verdadeiro planejamento não é uma lista de desejos ou boas intenções. 
Ele deve enunciar objetivos factíveis e alcançáveis, caso contrário perderá 
a credibilidade. Planejar exige a ousadia de visualizar um futuro melhor, 
mas não é simplesmente “sonhar grande”. Exige maturidade para se 
acomodar às restrições impostas pelo ambiente ou pelo grau de 
desenvolvimento da organização. Além disso, o planejamento obriga a 
13 
 
selecionar as ações concretas necessárias para alcançar o objetivo 
desejado. 
 
O que o planejamento deve ser 
 
O planejamento é um instrumento de gestão que promove o 
desenvolvimento institucional 
Hoje em dia, fala-se muito em “organizações aprendizes”, como 
instituições que estão constantemente permeáveis a mudanças que as 
fazem desenvolver-se de forma a melhor cumprir sua missão. O 
planejamento é uma arma poderosa para apoiar o desenvolvimento e 
sofisticação administrativa das organizações e dos sistemas. Promover 
uma cultura institucional em que os agentes estão habituados a refletir 
sobre a finalidade das ações empreendidas é uma excelente forma de 
melhorar a qualidade e efetividade do trabalho. Na medida em que o 
planejamento educa os agentes sociais a analisar de forma sistemática as 
organizações, os sistemas e as variáveis significativas do contexto, as 
necessidades e as possibilidades de atendê-las, a pensar estrategicamente 
vislumbrando os rumos e caminhos possíveis, ele exerce forte influência 
sobre o compromisso das pessoas com os objetivos institucionais. Nas 
organizações onde os funcionários são introduzidos à missão institucional, 
aos objetivosestratégicos e aos programas de trabalho, observa-se um 
maior compromisso com os resultados concretos do trabalho (por 
exemplo, com a satisfação dos usuários e com a resolução efetiva dos 
problemas de saúde), ao contrário de organizações onde os funcionários 
somente se preocupam em cumprir as tarefas que lhes são destinadas 
(por exemplo, realizar tantas consultas por jornada de trabalho ou 
preencher de forma correta um formulário). Assim sendo, o planejamento 
é também uma forma de educação para a qualidade. 
 
Planejar é uma atitude permanente da organização e do administrador 
O planejamento não é uma mera ferramenta de trabalho, uma coleção 
de técnicas e fórmulas que podem ser aplicadas a uma determinada 
situação. Planejar é toda uma visão administrativa e envolve um variado 
número de atores sociais. Numa organização – como um hospital ou um 
centro de saúde –, pode envolver seus diretores, chefes de 
departamentos ou setores, profissionais prestadores de serviços e, não 
raro, os próprios usuários ou clientes. Na administração municipal, além 
da equipe dirigente da Secretaria da Saúde, pode envolver uma variada 
composição de atores sociais, representando a administração municipal, o 
14 
 
governo estadual, o conselho local de saúde, outros representantes da 
sociedade civil, representantes dos prestadores de serviços, etc. Nessas 
circunstâncias, é claro que o planejamento é um processo político de 
busca dos pontos comuns das distintas visões de futuro e de acordos 
sobre as estratégias para alcançá-los. Muitos dos grandes objetivos do 
sistema de saúde são igualmente compartilhados por representantes de 
variadas correntes políticas; porém, a forma de atingi-los quase sempre 
varia muito e é o cerne das disputas de poder. Aqueles que detêm o poder 
num determinado momento obviamente têm mais chances de fazer 
prevalecer sua visão de futuro e seus métodos para alcançá-lo; mas, numa 
sociedade democratizada, auscultarão e farão acordos com seus 
oponentes e com os vários segmentos da sociedade, até como forma de 
reduzir a incidência de resistências ao seu plano de trabalho. É 
sobejamente sabido em administração que a implementação de decisões 
é muito mais ágil e eficiente quando as pessoas conhecem suas razões e 
origens e, em particular, quando tomaram parte na sua elaboração. 
Objetivos amplamente discutidos e em que há consenso são mais 
facilmente aceitos e compreendidos por aqueles que, de alguma forma, 
participarão da execução das tarefas necessárias para atingi-los. 
 
A maior riqueza do planejamento está no processo em si de planejar 
Todos os que alguma vez se envolveram em um planejamento sabem 
que a sua riqueza está no processo de análise e discussão que leva ao 
diagnóstico, à visão do futuro desejável e factível e ao estabelecimento 
dos objetivos e programas de trabalho. Adotado como prática social, 
envolvendo uma ampla gama de atores da sociedade civil, o planejamento 
participativo exerce um forte poder de aglutinação de pessoas e grupos, 
os quais passam a compreender e conviver com os anseios dos outros 
atores sociais. A negociação entre grupos torna-se mais fácil e o 
compromisso de todos com a concretização dos ideais fica muito 
ampliada. Dentro de organizações, o planejamento participativo tem o 
poder de criar uma nova cultura de compromisso com a instituição. Tem-
se observado que, em todas as organizações e ambientes onde se 
estabeleceu o planejamento como uma prática permanente de 
participação, desenvolveu-se uma cultura em que há maior compromisso 
das pessoas para com a instituição. Basicamente, planejar consiste em 
questionar e procurar responder às perguntas decorrentes desse 
questionamento, ou seja, “o quê”, “por quê”, “como”, “quando”, “com 
quem” e “com o quê”. 
 
15 
 
ESTUDO DIRIGIDO 
 
Com base no texto “Planejamento em Saúde” e no vídeo a seguir, 
responda as questões propostas: 
http://www.youtube.com/watch?v=dom63NTLQaA&feature=youtu.be 
1) O que é “planejamento em saúde”? 
2) Para que serve o planejamento? 
3) Como médico como você pretende usar o planejamento? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
EM BUSCA DA CLÍNICA DOS AFETOS1 
 
Túlio Batista Franco 
Heletícia Scabelo Galavote 
 
Introdução 
 
ste texto fala de uma busca e ao mesmo tempo da insuficiência 
da clínica tal como concebida pelo modelo hegemônico, nascido 
na modernidade, de base biologicista, e reafirmado também 
como modelo educacional das profissões de saúde pelo “relatório flexner” 
(EUA, 1910). E a busca da qual mencionamos diz respeito à suposição de 
que os afectos operam um processo de produção de si e do outro, e na 
relação configuram também uma terapêutica, ou, modos de produção da 
vida em um corpo que pede reconhecimento, o Corpo sem Órgãos (CsO). 
Pretendemos fazê-lo a partir de uma experiência concreta, a 
observação e estudo de um caso que repercutiu em grande intensidade 
tanto no grupo de alunos que acompanhou e participou do estudo, 
quanto a mim mesmo enquanto professor do Instituto de Saúde da 
Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF). 
Esta história começa como todo semestre letivo junto aos alunos de 
medicina do 3º. Semestre. Entrando na Unidade de Saúde em uma destas 
tardes de início do ano, quando fomos abordados pela gerente que 
solicitou apoio para um caso “complexo”. Ficamos interessados no estudo, 
e seria uma oportunidade para retribuir à equipe os préstimos em relação 
às nossas atividades de ensino. 
O estudo buscou dados e informações na documentação existente 
sobre o caso, entrevistas com os profissionais com os quais teve contato e 
o próprio usuário, em um período de um ano. 
No foco das questões enfrentadas neste estudo estiveram a clínica e o 
cuidado em saúde. Após as entrevistas e todos dados sobre o caso 
concluídos, o mesmo passou a pedir mais entendimento do acontecido, 
passou a nos habitar, e acompanhar, pois em muitos lugares o caso JR 
passou a ilustrar a problematização do campo da clínica, do trabalho e 
cuidado em saúde. A convivência duradoura nos coloca a necessidade de 
afetivamente relatá-lo e partilhar as reflexões que este caso suscita. 
 
1
 Referência: Franco, Túlio Batista e Galavote, Heletícia S. Em Busca da Clínica dos Afetos, in, Franco, T.B. 
& Ramos, V.C. “Semiótica, Afecção e Cuidado em Saúde”. Hucitec, São Paulo, 2010. 
E 
17 
 
Inicialmente “o caso JR” será apresentado nos seus detalhes, para que o 
leitor saiba exatamente do que estamos falando. Em seguida entrarão em 
cena os vários autores e seus conceitos, contribuindo para o estudo deste 
caso e tentando neste contexto encontrar os pontos sobre os quais o 
tema discute. O vivido concretamente vai desvelando-se como narrativa, 
experimento, e surfa na teoria, ou seja, o caso será apresentado, mas vai 
navegar em todo corpo do texto, ilustrando o debate teórico e ao mesmo 
tempo se servindo dele. Realiza-se um debate da clínica e o cuidado em 
saúde, mediados pela questão do trabalho e sua micropolitica. 
 
O Caso J.R. 
JR é um sujeito esguio, altivo, falante e de raciocínio inteligente, 
objetivo. Potiguar, nasceu há 34 anos, mudou-se ainda jovem para a 
região metropolitana do Rio de Janeiro, e aí se transformou em liderança 
na sua comunidade, recém-casado. 
Em um sábado que tinha tudo para ser como outro qualquer, sua vida é 
severamente ameaçada por um atentado, em via pública, no qual foi 
vítima de seis tiros certeiros, disparados de um carro em movimento, o 
que lhe causou grande dano físico e ruptura da medula cervical. Socorrido 
por populares, foi posto em um carro e transportado para um Hospital 
Geral, onde permaneceu em tratamento por vários meses. 
Não é necessário os detalhes de como se deram os cuidados nohospital, mas um fato muito importante para registro é o de que ao 
receber alta hospitalar, o médico declarou que havia um prognóstico 
pessimista, e a expectativa de vida para o caso seria de seis meses. Saiu na 
condição de tetraplégico, já apresentando escaras, tendo perdido a 
mulher, o emprego, foi morar com a mãe idosa em situação de extrema 
pobreza. Sem uma referência para outra Unidade de Saúde, a situação sob 
o ponto de vista dos cuidados à saúde especificamente era de abandono, 
contribuindo ainda mais para as complicações clínicas. 
Diante da extrema dificuldade, a mãe de JR entrou com processo 
administrativo junto à Prefeitura do Município para obter auxílio em 
insumos para os cuidados necessários. Diante deste processo, a Secretaria 
de Saúde soube da sua existência e acionou a Unidade de Saúde mais 
próxima à sua residência, que passou a receber visita de profissionais de 
saúde, inicialmente sem muita alteração do seu quadro geral. 
Sucessivos profissionais de saúde estiveram cuidando, ou, tentando 
cuidar de JR sem muito progresso na sua condição, visto que, ele 
permanecia desnutrido, deprimido e dependente de cuidados de sua mãe. 
18 
 
O cenário era de um corpo que atrofiava diante de olhos atônitos, 
inclusive de trabalhadores da saúde enviados em visitação domiciliar. 
Na sequência de relativo insucesso das visitas domiciliares feitas pelos 
profissionais de saúde, a Gerente da Unidade resolveu ela mesma ir até JR 
para fazer um atendimento. O que se viu a partir disto foi uma mudança 
importante em toda situação. Nesta visita domiciliar, ela buscou se 
conectar com JR a partir de um tema, a esperança, o desejo de viver, a 
religiosidade, os aspectos subjetivos que pudessem ativar forças até então 
inertes, algo que despertasse nele mesmo uma potência de vida. Era como 
se soubesse que, a superação de uma dada situação de fragilidade física e 
subjetiva, se daria pelo aumento da sua potência vital e isto seria 
conseguido pelo próprio JR, pois somente ele para encontrar o ponto de 
conexão com a vida. 
O encontro acionou no JR uma força desejante de vida, e aumentou sua 
potência de agir. Este foi o dado fundamental que possibilitou a 
formulação de um projeto terapêutico que envolvia todos os cuidados 
necessários ao seu restabelecimento. No movimento de recuperação, 
inicialmente foi necessária uma nova internação hospitalar, por curto 
período, e posteriormente cuidados domiciliários semi-intensivos, com 
fisioterapia diária, assistência médica, de enfermagem e assistência social, 
cirurgia plástica e tratamento para escaras. Uma segunda rede de apoio se 
formou para o cuidado a JR, pautada na idéia de intersetorialidade, que 
mobilizou recursos relacionados à previdência social, documentação e 
provisão de recursos para atendimento às necessidades básicas. 
A evolução de JR se deu a partir deste momento aqui relatado, que se 
tornou referência para a idéia de cuidado. Ele evoluiu da tetraplegia para 
uma paraplegia. Desejoso, volta a circular pela rua, freqüenta a Unidade 
de Saúde com seus próprios meios, reivindica seus direitos de usuário e 
faz planos para o aprimoramento profissional. 
O que se vê em seguida é sua atividade intensa no cuidado de si, na 
busca dos recursos necessários à manutenção da sua saúde, com grande 
capacidade reivindicativa. JR se transformou em um sujeito altamente 
desejante, potente, e produz na relação com a equipe de trabalhadores da 
Unidade de Saúde uma relação de gratidão, e ao mesmo tempo de busca 
ativa dos recursos e cuidados. Circula na comunidade onde mora, refez 
relações, tem renda garantida e tornou-se um sujeito produtivo e 
socialmente reconhecido. 
Algumas questões sobre este caso nos desafiam em um primeiro plano, 
quais sejam: O que faz com que JR passe da condição de uma quase 
morte, instituída assim por ele mesmo, para uma vida socialmente ativa? 
19 
 
Considerando as diversas intervenções realizadas sobre o seu corpo, como 
elas se produziram nele, enquanto recursos de cuidado? Tomamos por 
referência nesta discussão as reações de JR, objetiva e subjetivamente 
observadas. 
 
Em questão, o corpo 
Para enfrentar estas questões, inicialmente procuramos compreender o 
que é um corpo, tomando dois campos conceituais por referência, a do 
corpo “anátomo-clínico” definido assim por Foucault (2006) em “O 
Nascimento da Clínica”, e a do Corpo sem Órgãos (CsO), discutido por 
Deleuze e Guattari (1996) no livro “Mil Platôs: capitalismo e 
esquizofrenia”, vol. 3. Entendemos que inicialmente estas contribuições 
nos ajudam a penetrar no campo problemático ao qual o caso JR nos 
lançou, o do corpo, a clínica e o cuidado enquanto expressão do trabalho 
em saúde. 
A problematização do conceito de corpo e da clínica tem o objetivo de 
discutir o contexto do cuidado em saúde. Concebe-se o pressuposto de 
que ela é um instrumento do cuidado, uma tecnologia que permite a 
partir do trabalho produzir intervenções que agenciam o outro, em 
diferentes intensidades. A dimensão do cuidado, tomado como campo do 
trabalho e sua micropolítica, é uma importante referência neste debate. O 
que nos move é a percepção de que, a compreensão do corpo tal como 
concebida inicialmente no séc. XVIII, como uma estrutura ou sistema em 
funcionamento, é insuficiente para uma intervenção eficaz sobre os 
problemas de saúde que o habitam. 
Dado uma insuficiência portanto, a princípio conceitual, buscou-se 
através do conceito de Corpo sem Órgãos (CsO) pensar outras práticas de 
cuidado, capazes de operar pelos afectos. O CsO fala pelos afectos de que 
é capaz. E é no sentido de compreender esta questão e seus efeitos na 
vida prática, que utilizamos do caso JR como nosso guia neste debate. 
A partir do conceito de corpo, que vai se construindo no texto, vão 
aparecendo a par e passo o conceito de clínica, ou seja, percebe-se que a 
clínica é concebida mediante a idéia que se tem, ou, o modo como é 
significado o corpo. Sendo assim a discussão será feita em paralelo sobre 
estes dois conceitos, mediada pela idéia do trabalho e o cuidado em 
saúde. O que é um corpo? De que clínica se fala, quando se tem por 
referência um conceito de corpo? Temos aqui duas questões vinculadas às 
anteriores, a nos desafiar, com as quais vamos dialogar para buscar 
entender como se produz certa clínica e não outra, e até mesmo que 
20 
 
clínica é capaz de intervir sobre certas condições de saúde, apoiando de 
forma eficaz uma prática de cuidado. 
 
O Corpo Anátomo-clínico e a insuficiência da clínica do olhar 
O caso JR nos desperta para o fato de que a concepção de corpo é o 
que aciona o profissional de saúde para suas práticas de cuidado, e/ou 
clínica. A concepção atualmente hegemônica vem do séc. XVIII, conforme 
descreve Foucault (2003) no seu livro “O Nascimento da Clínica”. O texto 
que se segue descreve como se deu no século XVIII o surgimento da 
clínica, tendo por referência estudos da cirurgia e anatomia patológica. 
Até então o corpo como depositário do sagrado não podia ser violado 
após a morte, o que começa a ser feito pelos médicos no século XVIII: 
 
A medicina só pôde ter acesso ao que a fundava cientificamente 
contornando, com lentidão e prudência, um obstáculo maior, 
 aquele que a religião, a moral e obtusos preconceitos opunham á 
abertura dos cadáveres. (Foucault, 2003, p.142). 
 
Antes deste período, nos primórdios da civilização a medicina não era 
concebida enquanto um saber científico, o cuidado se dava com base no 
conhecimento instintivo, na sensibilidade de cada um, na busca pelo 
conforto, o alívio da dor e sofrimento. A questão central neste período é o 
fato de que não havia um saber-soberano, ou seja, um saber que se 
colocava acima dos outros e instituía o critério de verdade, julgamento 
sobre o que é, e como deve ser o corpo, e as práticas de cuidado.O saber 
então era reconhecido como algo de posse de todos, e portanto validado 
coletivamente. O que significava alívio diante do sofrimento era 
transmitido oralmente às gerações como conhecimento de si. Do saber de 
si extraía-se também o ato de cuidar. Gestos singelos como por exemplo a 
mudança de posição sobre o leito, a busca do conforto, era expressão de 
que, um sujeito que sofre é ao mesmo tempo objeto e sujeito do cuidado. 
 
Todo mundo, indistintamente, praticava esta medicina... as 
experiências que cada um fazia eram comunicadas a outras 
pessoas... e estes conhecimentos passavam de pai para filho. 
(Coakley apud Foucault, 2003, p.60). 
 
Segundo Foucault (op. cit., p.60), “antes de ser um saber, a clínica era 
uma relação universal da Humanidade consigo mesma: idade de felicidade 
absoluta para a medicina”. Este estado de felicidade relatado pelo autor 
21 
 
se justifica pela capacidade de reconfiguração do sujeito diante do corpo 
que sofre. O estar na vida, mesmo em situação de sofrimento de um corpo 
doente, era uma condição do sujeito, e se dava através da sua 
sensibilidade e intuição. 
O conhecimento adquirido e apropriado coletivamente vai 
gradativamente sendo estruturado pelo saber médico, ele é expropriado 
da sociedade para se tornar propriedade de alguns. Passa então a ser 
mediado pela linguagem escrita, transmitido pela palavra, e o acesso ao 
mesmo vai-se aos poucos ficando restrito a uma elite letrada. 
O saber sobre o corpo vai-se construindo sobre o próprio leito do 
doente. O olhar do médico à época, debruçado sobre os órgãos, 
percebendo sua morfologia, as lesões, e todo o universo que se revela 
através de uma nova linguagem corporal, era fonte de conhecimento. O 
debruçar-se sobre o corpo, ato que dá sentido à clínica, se torna um 
método na busca e formação do conhecimento da medicina. 
 
A medicina moderna fixou sua própria data de nascimento em 
torno dos últimos anos do século XVIII. Quando reflete sobre si 
própria, identifica a origem de sua positividade com um retorno, 
além de toda teoria, à modéstia eficaz do percebido. De fato, 
esse presumido empirismo repousa não em uma redescoberta 
dos valores absolutos do visível, nem no resoluto abandono dos 
sistemas e suas quimeras, mas em uma reorganização do espaço 
manifesto e secreto que se abriu quando um olhar milenar se 
deteve no sofrimento dos homens. (Foucault, 2003, X). 
 
Na segunda metade do séc. XVIII se produziram intensas experiências 
que possibilitaram a conformação de uma certa clínica. Inaugura-se a 
clínica do olhar, como fonte de saber, e conhecimento validado pelo 
critério de verdade que surge com o conhecimento do corpo anátomo-
clínico. “Esta experiência, que inaugura no séc. XVIII e de que ainda não 
escapamos, está ligada a um esclarecimento das formas da finitude, de 
que a morte é, sem dúvida, a mais ameaçadora, mas também a mais 
plena” cita Foucault (2003, p. 228) já no final do seu livro. Esta frase 
contém a idéia de que a atual civilização, no limiar do século XX e porque 
não dizer, já no século XXI não escapou, não se libertou, do 
aprisionamento criado com o conceito de que, o corpo fala pela sua 
geografia, a estrutura dos órgãos, e por isto à clinica compete decifrar e 
atuar sobre a sua morfologia. Inaugura-se a clínica do olhar. E de que olhar 
se está falando? Notadamente o “olhar retina”, como nos lembra Suely 
22 
 
Rolnik (2006) o que enxerga as estruturas, o plano do visível, um olhar 
razo, incompleto sobre o próprio corpo, um simulacro. Isto porque não 
enxerga o sujeito que o habita. 
A clínica que surge no séc. XVIII, e funda o conceito de corpo anátomo-
clínico formula ao mesmo tempo um conjunto teórico-conceitual, que tem 
por base o método científico, e sustenta que o corpo se resume à 
estrutura então concebida como tal. 
A “clínica do olhar”, que surgiu do estudo e conhecimento sobre a 
geografia dos órgãos, impede que se enxergue o sujeito que habita o 
corpo, perdendo sua complexidade, profundidade, e outras dimensões da 
vida que pulsa neste corpo, e se inscrevem na sua subjetividade. 
Para entender o caso JR esta questão é fundamental, pois, a equipe que 
lhe deu alta hospitalar declara a possibilidade de óbito em 6 meses. O que 
sustenta esta afirmação é sem dúvida uma avaliação realizada sobre o 
corpo na sua forma-estrutura. A avaliação dada pela equipe a JR na sua 
alta tem por base uma referência parcial, limitada, simplista do 
entendimento sobre o corpo. Ora, se aquele que detém o suposto 
conhecimento científico sobre o corpo, a verdade sobre seu 
funcionamento, e tem legitimidade social para falar sobre ele, declara 
morte a este corpo, então, cabe ao sujeito que o habita cumprir sua sina e 
morrer. É isto que ocorre com JR, opera sobre ele uma função de morte, a 
qual vai definindo o comportamento do seu corpo posteriormente à alta 
hospitalar. 
O que se vê no entanto é que, há uma outra dimensão do corpo, que é 
acionada em um processo de trabalho centrado na sua dimensão 
relacional, e este recupera sua potência de agir sobre o mundo. Viu-se 
portanto que há um Corpo sem Órgãos (CsO) que é parte do universo 
corporal, sensível, e que foi capaz ele também de operar uma recuperação 
até então impensada por aqueles que supunham que o corpo se 
compunha apenas do seu componente biológico. 
 
O Corpo Sem Órgãos e os Afectos 
Antonin Artaut (1896-1948), o poeta francês, no seu poema “Para 
acabar com o julgamento de Deus”, proclama a existência de um Corpo 
sem Órgãos: “...se quiserem, podem meter-me numa camisa de força/mas 
não existe coisa mais inútil que um órgão./quando tiverem conseguido um 
corpo sem órgãos/então o terão libertado dos seus automatismos/e 
devolvido sua verdadeira liberdade”. Inspirados na declaração de Artaut, e 
com base na sua filosofia, Deleuze e Guattari (1996) concebem o conceito 
de Corpo Sem Órgãos (CsO): 
23 
 
 
Um CsO é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, 
povoado por intensidades. Somente as intensidades passam e 
circulam. Mas o CsO não é uma cena, um lugar, nem mesmo um 
suporte onde aconteceria algo. Nada a ver com um fantasma, 
nada a interpretar. O CsO faz passar intensidades, ele as produz 
e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. 
(Deleuze e Guattari, 1996, p. 13). 
 
Um corpo em que, no lugar dos órgãos é “povoado por intensidades”. 
Estas estão na ordem do sensível, são invisíveis ao “olho retina”, só sendo 
possível percebê-las pelo “corpo vibrátil” (Rolnik, 2006), porque falam 
pelo afectos. É assim que se entende o CsO, não é uma estrutura, 
instância, nem sensorial, metafísico. As intensidades operam por fluxos, e 
se encontram no plano das relações entre os sujeitos, entre sujeitos e as 
coisas. Há no “entre”, espaço relacional no encontro de dois corpos 
(sujeitos-sujeitos ou sujeitos-coisas) um “plano de consistência” por onde 
fluem as intensidades. 
 
O CsO é o campo de imanência do desejo, o plano de 
consistência própria do desejo (ali onde o desejo se define como 
processo de produção, sem referência a qualquer instância 
exterior, falta que viria torná-lo oco, prazer que viria preenchê-lo). 
(Deleuze e Guattari, 1996, p. 15). 
 
O desejo é social e historicamente produzido, se forma nos processos 
primários, isto é, no inconsciente, como uma energia de produção. Ele se 
realiza como uma força propulsora, que põe o sujeito em movimento na 
construção do mundo. De acordo com Deleuze e Guattari (1972), o desejo 
está sempre em agenciamento, isto é, ele é dispositivo, algo que dispara 
novos processos, que aciona mudanças. O CsO como campo de imanência 
do desejo demonstra que ele também está sempre em agenciamento na 
produção do mundo. Não há um juízo de valor sobre os conceitos que 
aqui estamos discutindo, ou seja, o sujeito pode desejar asolidariedade, 
como o egoísmo; uma relação acolhedora ou um atendimento sumário no 
cuidado em saúde. O desejo é o agenciador dos modos de existência, de 
agir, de cuidar, independentemente de como isto se realiza. 
Para Espinosa citado por Deleuze (2002) a idéia de corpo não se coloca 
por seus órgãos ou funções, e “tampouco se define um corpo como uma 
substância ou um sujeito”, ele é definido pelos afectos de que é capaz. 
24 
 
 
Um corpo por menor que seja, sempre comporta uma 
infinidade de partículas: são as relações de repouso e de 
movimento , de velocidades e de lentidões entre partículas 
que definem um corpo, a individualidade de um corpo [...] é 
este poder de afetar e de ser afetado que também define um 
corpo na sua individualidade (Deleuze, 2002, p. 128). 
 
O corpo para Espinosa não se refere somente a um ser humano ou coisa 
material, mas pode ser posto como uma teoria, idéia, alma, corpo sonoro, 
corpo social, corpo de conhecimentos que se materializam em relações 
entre si, pode ter expressão simbólica. Então, o corpo seria definido por 
meio das relações que produz e estabelece, ou seja, está no campo de 
consistência por onde fluem as afecções, está no entre-corpos. 
 
Um corpo não se define pela forma que o determina, nem como 
uma substância ou sujeito determinados, nem pelos órgãos que 
possui ou pelas funções que exerce. No plano de consistência, 
um corpo se define somente por uma longitude e uma latitude: 
isto é, pelo conjunto dos elementos materiais que lhe pertencem 
sob tais relações de movimento e de repouso, de velocidade e de 
lentidão (longitude); pelo conjunto dos afectos intensivos de que 
ele é capaz sob tal poder ou grau de potência (latitude). 
(DELEUZE, 1997. p. 46). 
 
O autor vai sugerir portanto que o corpo está sempre em movimento, 
ele não é uma estrutura com base nos seus órgãos, mas algo em 
permanente produção, mutação. A longitude vai significar os elementos 
materiais que compõem o corpo, no espaço relacional o qual denomina 
“campo de consistência”, que é o espaço entre dois corpos, onde fluem as 
intensidades. Latitude seria o conjunto dos afetos de que o corpo é capaz, 
sempre no espaço relacional do encontro entre os corpos. O corpo 
latitude e longitude está sempre em processo de recomposição, de 
produção e composição pelos indivíduos e coletividades (Deleuze, 2002, p, 
132). A latitude, dimensão dos afetos no campo relacional entre dois 
corpos, e longitudes, expressão dos elementos materiais que os 
pertencem não estão separados, mas compõem juntos o CsO. 
A título de ilustração, voltamos ao nosso caso JR, que vem surfando 
nestes conceitos contribuindo para compreendê-los e ao mesmo tempo, 
analisar o cuidado que foi realizado a ele mesmo. Quando JR se 
25 
 
encontrava com reduzida força vital, a atuação sobre o corpo não havia 
conseguido ativar nele mesmo a sua energia desejante, sua potência vital, 
para que ele pudesse agir no cuidado de si mesmo, ou seja, produzir vida 
nele mesmo como parte do cuidado. Seu corpo apenas reagiu quando foi 
afetado em fluxos de intensidades que ocorrem na relação com o outro, 
no caso a gerente da Unidade de Saúde, que em função de uma 
intervenção específica conseguiu provocar um afetamento mútuo, pois ela 
também foi afetada por fluxos de intensidades no campo relacional com 
JR. 
Segundo Espinosa, citado em Deleuze (2002), o afecto de que um corpo 
é capaz, produz “paixões alegres”, ou “paixões tristes”, o que aumenta sua 
potência de agir no mundo, ou a reduz respectivamente. O encontro que 
teve por base uma atividade de cuidado, só foi capaz de ativar em JR sua 
energia desejante, porque produziu na relação intensidades como 
expressão de alegria. Recuperou a capacidade de cuidado de si, e abriu-se 
uma nova história de vida. 
Compreender o espaço dos campos magnéticos, tidos também como 
planos de consistência, espaço do plano molecular no qual se inscrevem 
os micro-poderes e diferentes devires, requer o uso do “corpo vibrátil”, 
aquele que vê diferentemente do olho retina. O vibrátil é capaz de 
transpor as fronteiras do visível sendo constitutivo de um Corpo sem 
Órgãos, que representa toda a capacidade de nossos sentidos em 
conjunto. No espaço micro da relação entre indivíduos e entre estes e a 
instância trabalho, reconhecemos que o olho retina não é capaz de por si 
só perceber os afetos, subjetividades, desejos que compõem as relações 
neste território, o que se faz através do corpo vibrátil capaz de atuar no 
“plano de consistência”, produzindo fluxos de intensidades, e ao mesmo 
tempo abre-se à percepção dos afetos. 
A imanência entre o olho retina e o vibrátil nos remonta à constatação 
de que apreender as relações que se constroem no âmbito do trabalho e 
cuidado em saúde requer mais do que uma simples observação. Exige uma 
escuta voltada para quem executa o trabalho e um olhar policênico e 
profundo a fim de capturar a complexidade das relações estabelecidas. 
Para que isso seja possível, é necessária a utilização de um “composto 
híbrido”, feito da união do olho retina molar com o vibrátil molecular. Isto 
porque o que se busca apreender é o movimento que surge da tensão 
permanente e fecunda entre fluxo e representação, no sentido de que o 
fluxo de intensidades escapa do plano de organização de territórios, 
desorientando suas cartografias rígidas, desestabilizando suas 
26 
 
representações e, “estacando” o fluxo, e por outro lado, canaliza as 
intensidades, dando-lhes sentido (Rolnik, 2006, p. 67). 
A subjetividade, inscrita na relação trabalhador de saúde e sua 
atividade de cuidado no cenário molecular, sempre terá efeitos que são 
concretos e reais, mesmo que não-visíveis, como pôde ser observado no 
caso estudado, onde JR e a gerente da Unidade de Saúde viveram um 
momento singular, tão intenso nos afetos que provocou um desvio na 
história de ambos, em especial do usuário que se via voltado à produção 
de morte no seu próprio corpo. Os afetos produzem em cada um efeitos 
que são singulares, ou seja, são específicas a cada um, e em um dado 
espaço e tempo que também são únicos. 
Baremblitt (1996, p. 50) nos traz a idéia da singularidade enquanto 
constitutiva de um ser múltiplo, baseado no fato de que o que “importa 
não é a produção de semelhanças ou de analogias entre os sujeitos, mas a 
produção de diferenças, a singularidade de cada sujeito produzido em 
cada lugar, a cada momento”. Isto significa que o mesmo sujeito vai se 
modificando, na medida em que o vivido e experienciado o conduz à 
permanente produção de si mesmo. Da mesma forma em espaços e 
tempos diferentes ele se apresenta como um sujeito-singular, no qual 
cabem diferentes funcionamentos, que são exercidas com base em um 
código simbólico o qual é acessado quando ele se localiza em determinado 
espaço e tempo que são também singulares, por exemplo, a função de 
pai, filho, funcionário, líder do grupo, etc... A multiplicidade só existe, 
porque as pessoas são singularidades em permanente produção de si e do 
mundo, e não uma totalidade que seria representada pelo indivíduo, ou, 
um ser único. O mesmo autor refere que na geração do novo, de uma 
subjetividade singular, instituinte, contingente, circunstancial e 
revolucionária, há um processo contínuo de “produção de subjetividade 
livre, não assujeitada, primigênica, produtiva, revolucionária, em que o 
desejo se realiza em conexões locais, micro e se efetua gerando o novo” 
(p. 51), não sendo mantedora do antigo. 
Partimos do pressuposto de que toda subjetividade é inscrita em 
desejos e que a subjetividade na concepção de Deleuze (2000) e Guattari 
(2005) é inerente à idéia de “outro”, indivíduo como processo e produto, 
um campo processual de forças moventes e formas que emergem dessas 
forças. Barros (2008) afirma que o humano é formado por um processo 
coletivoe em rede, dinâmico, inacabado. 
A formação do desejo, enquanto instância do processo de produção de 
universos subjetivos apresenta um primeiro momento descrito por Rolnik 
(2006, p. 31) como aquele onde há um encontro entre os corpos que 
27 
 
detêm poder para afetar e serem afetados, gerando uma mesclagem de 
afetos que se exteriorizam por “máscaras”, tomando corpo em matérias 
de expressão. Assim, o trabalhador da saúde, como também o próprio 
usuário na relação com ele, sempre opera em cenários de signos que são 
condicionados por desejos que constituem o motivador das ações de cada 
um, e que produzem afectos na arena de produção desta relação, que 
passa a compor o campo da micropolítica. Neste campo, a autora afirma 
que não existem unidades e sim intensidades, uma lista de afetos 
determinados pelos agenciamentos que são produzidos e, portanto, 
inseparáveis de suas relações com o mundo. O que perpetua é a 
multiplicidade comparada a um “rizoma”, através da constatação de que 
“nesse percurso nada mais é fixo, nada mais é origem, nada mais é centro, 
nada mais é periferia, nada mais é, definitivamente, coisa alguma” (p. 61). 
O conceito de rizoma advindo da Botânica e incorporado por Deleuze e 
Guattari é utilizado para vislumbrar os chamados sistemas abertos de 
conexão que se efetuam através de agenciamentos diversos, “produzindo 
novas formações relacionais sobre as quais se vai construindo o socius, o 
meio social onde cada um está inserido” (Franco, 2006, p. 1). Segundo 
Rolnik (2006, p. 61), o que aparece é uma “multiplicidade substantiva, 
devires imprevisíveis e incontroláveis [...] o que vai constituindo o plano 
imanente ao diagrama que o rizoma, em seu nomadismo, corporifica”. O 
que permanece é a idéia de “plano” enquanto instância variável, em 
contínuo processo de mudança, “sempre remanejado e recomposto pelos 
indivíduos e pelas coletividades”. 
Retomando o conceito de desejo enquanto dispositivo2, Baremblitt 
(1996, p. 49) o traz para o plano do inconsciente, são as “forças 
inconscientes”. O desejo para o Institucionalismo é imanente à produção, 
busca criar o novo, conexões, força de invenção. É constitutivo do ser, 
neste caso trabalhador e usuário, e representa um motivador para a 
atividade, no sentido de que “o pior das amarras normativas é a anulação 
do desejo” (Franco, 2006, p. 4). O desejo como força criativa por 
excelência foi a energia que deu propulsão aos sujeitos que cuidaram de 
JR, assim como a ele próprio para superação. Ele é a grande energia 
produtiva, e foi acionado com base nos afetos circulantes na relação com 
os próprios trabalhadores. Sem isto, ou seja, se a intervenção se desse 
apenas sobre as visíveis lesões do seu corpo, esta energia desejante não 
teria sido acionada. 
 
2
 O dispositivo é sinônimo de agenciamento, estando sempre a “serviço da produção, do desejo, da vida, 
do novo”. É capaz de gerar acontecimentos revolucionários e transformações, produzindo as linhas de 
fuga do desejo, da produção e da liberdade. Seria algo capaz de disparar processos de mudança 
(BAREMBLITT, 1996, p. 74). 
28 
 
Deleuze e Guatarri (apud Baremblitt, 1996) propõem uma idéia de 
desejo não apenas no sentido de uma força que impulsiona o psiquismo, 
mas sim uma força produtiva e criativa promotora de encontros, estando 
atrelada a outras forças animadoras do social, histórico, do natural. Teria, 
essencialmente, um caráter produtivorevolucionário e não restitutivo. 
Afirmam, ainda, que na Esquizoanálise o desejo é introduzido no campo 
da produção e a produção no campo do desejo. “Trata-se de aprender a 
pensar um desejo essencialmente produtivo e uma produção, dita no 
sentido amplo, que não pode ser senão desejante” (p. 58). 
Foucault procurou relacionar o desejo sempre à instância do poder, de 
forma que o próprio desejo é também poder, se estrutura a partir dele, o 
que explica a potência criadora e inovadora do ser desejante, aquele que 
deseja e que estabelece relações de afeto em nome deste mesmo desejo. 
No sofrimento, o corpo é destituído de poder, torna-se uma aptidão, 
ocorre uma inversão de energia e de potências, o que torna a relação de 
sujeição estrita. 
O que significa pensar o caso JR sobre a dimensão dos afetos e desejo? 
Ora, já foi dito aqui que o afeto circula em um “campo de consistência”, 
que se forma na relação entre os corpos, no “entre”. Nesta relação, entre 
JR e o pensamento clínicohegemônico produto da declaração de que ele 
iria viver por curto tempo, resulta que os fluxos de intensidades 
circulantes entre JR e a declaração de fracasso diante da vida (este 
enunciado é entendido como coisa, algo com o qual JR se encontra), 
provoca no cenário relacional a produção de morte pelo seu corpo. 
São efeitos provocados por um pensamento dominante na clínica que 
surgiu no séc. XVIII, que se sustenta no entendimento de que o corpo é 
únicamente a sua expressão anátomo-fisiológica. Quem vê o corpo 
reduzido à geografia dos órgãos é incapaz de perceber a complexidade 
deste mesmo corpo em produzir a si mesmo, como vida ou morte, e ao 
mesmo tempo, produzir o mundo social, também como expressão do 
viver ou morrer. O que se viu na relação de JR com todo cenário da sua 
alta hospitalar foi a expressão do que Espinosa chama de um “mau 
encontro”, a produção de “paixões tristes”, que reduziram a sua 
capacidade de agir no mundo. É assim que JR deixa de ser desejante, e isto 
é outro funcionamento que o inscreve na idéia de morte, pois o desejo 
como energia, força propulsora na produção de mundo, foi anulado na 
sua condição operatória. O corpo inerte é também desconectado do 
mundo, tem seus fluxos rizomáticos interditados. 
Um outro encontro que se produziu neste cenário, o da gerente da 
Unidade de Saúde, como cuidadora. Nos afetos que produz consegue 
29 
 
expressões de “paixões alegres” o que resulta no aumento da capacidade 
de agir e a expressão desejante de vida. É deste lugar que JR vai recuperar 
forças até então inertes para produzir em si mesmo a vida, em um esforço 
grandioso, que só é capaz se movido pela poderosa energia desejante. O 
desejo como centro da subjetividade que opera na produção de si e do 
mundo coloca JR na cena da vida, como expressão de produção. 
O afeto no encontro entre cuidadora e JR é mútuo, ou seja, ela também 
se produz nesse encontro, e tem aumentada a sua capacidade de agir no 
mundo. Movida portanto por forte energia desejante, ela busca formar 
uma rede de apoio entre trabalhadores, comunidade, e mobiliza recursos 
necessários aos cuidados a JR. O que se vê no cenário é a multiplicação 
dos encontros, e uma forte mobilização pela vida que agencia a todos na 
produção do novo cenário, neste que passa a ser um micro-cosmo de alta 
intensidade. 
Quando falamos de intensidades circulantes na relação entre os corpos, 
estamos dando expressão aos afetos que se expressam pelo Corpo sem 
Órgãos. A percepção de que o CsO opera produzindo vida ou morte, em si 
e nos encontros que um corpo produz, faz com que a clínica ganhe uma 
nova dimensão, a qual necessida ser contemplada nas práticas de cuidado. 
Sugerimos a idéia de um acoplamento do CsO ao corpo anátomo-clínico, 
ou seja, não se pensa aqui a idéia de substituição ou exclusividade de um 
em relação ao outro, mas uma produção conjunta, existência em dobra 
entre os corpos. 
 
Signos e Intensidades na Composição do Corpo 
Segundo Deluze (1987, p. 4) a palavra signo diz respeito ao ato de 
aprender, de forma que os signos são objeto de um aprendizado que é 
temporal e não de um saber abstrato. Assim, aprender seria 
essencialmente o ato de considerar um objeto, um ser e uma matéria 
como se emitissem signos que teriam de ser decifrados, interpretados. O 
autor recorre ao exemplo do marceneiro e do médico, para dizer que oprimeiro só é marceneiro quando reconhece os signos inscritos na 
madeira e, o segundo só é médico porque é capaz de identificar um 
sistema de signos referentes às doenças. Desta forma, “a vocação é 
sempre uma predestinação com relação a signos”. 
O que Deleuze sugere é que todos os componentes de um determinado 
contexto interpretativo são constituídos e se conformam através de uma 
multiplicidade de signos que são singulares, únicos para cada matéria ou 
sujeito, de modo que “a unidade de todos os mundos está em que eles 
formam sistemas de signos emitidos por pessoas, objetos, matérias; não 
30 
 
se descobre nenhuma verdade, não se aprende nada, se não por 
decifração e interpretação” (Deleuze, 1987, p. 5). No entanto, esta 
pluralidade dos mundos consiste no fato de que os signos não são do 
mesmo tipo, não podem ser decifrados do mesmo modo e detêm 
significados diversos. 
O fato de sermos sensíveis aos signos e considerarmos o mundo como 
algo a ser decifrado, constitui um dom que poderia ser oculto em nós caso 
não tivéssemos os encontros necessários. Assim, estes sistemas se 
produzem nas dinâmicas de afetos que emergem dos encontros 
intersubjetivos, os quais estão repletos de diferentes signos, significados e 
desejos que conformam os cenários de paixões e afetamentos descritos 
por Espinosa. 
Esta discussão da representatividade dos signos que emergem das 
relações entre os sujeitos, nos leva a pensar na figura da aranha. Mas por 
que uma aranha? Deleuze (1987, p. 182) utiliza a figura deste artrópode 
para exemplificar o que é um Corpo sem Órgãos. De acordo com o autor a 
aranha “nada vê, nada percebe, de nada se lembra. Acontece que em uma 
das extremidades de sua teia ela registra a mais leve vibração que se 
propaga até seu corpo em ondas de grande intensidade e que a faz, de um 
salto, atingir o lugar exato”. Assim, a aranha enquanto um corpo sem 
órgãos, aquele descrito por Rolnik (2006) como a totalidade dos órgãos do 
sentido em conjunto, seria movida unicamente por signos que atravessam 
o seu corpo como uma onda e a torna capaz de saltar em busca da presa, 
sendo que “sem olhos, sem nariz, sem boca, a aranha responde 
unicamente aos signos e é atingida pelo menor deles”. Os signos, para a 
aranha, seriam a sua própria essência, a essência do próprio existir que a 
impulsiona em múltiplas direções e entre múltiplos sentidos, sendo eles 
que disparam o ato de tecer com “cada fio se movimentando por este ou 
aquele signo”. 
Mais do que um Corpo sem Órgãos, a aranha, para nós, constitui a 
instância figurativa de um trabalho arquitetônico invejável, no simples ato 
impulsivo do tecer a sua teia. Seria a própria essência de um trabalho que 
é similar ao que se dá no cotidiano dos atos em saúde, a partir da 
constatação de que um trabalhador da saúde, estaria em permanente 
construção de sua teia, operando sempre em fluxos-conectivos que 
traçam uma cartografia no interior da micropolítica dos processos de 
trabalho em saúde (Franco, 2006). 
Para entender melhor, recorremos às características biológicas deste 
ser aranha. Assim, partimos da constatação de que as teias de uma aranha 
são cinco vezes mais fortes do que o aço no mesmo diâmetro, podendo se 
31 
 
esticar quatro vezes mais que seu comprimento inicial e resistindo a 
temperaturas muito baixas sem se romperem. Os fios de seda são 
produzidos por meio de glândulas localizadas no abdome, sendo que 
existem sete tipos destas glândulas que nunca ocorrem na mesma aranha. 
Os fios têm a finalidade de encapsulamento da presa, formação da 
moldura, raios e espirais da teia e formação dos casulos. Outro fato 
interessante é que muitas aranhas tecedeiras reciclam suas teias, as quais 
têm que ser renovadas freqüentemente. Observando uma aranha em 
plena atividade de construção da teia, certamente percebemos que existe 
uma sabedoria intrínseca em sua técnica: na maneira como ela estende 
primeiro o grande eixo de sustentação da teia e, a partir daí, vai unindo 
esses fios de suporte e preenchendo os espaços vazios com fios radiais, 
rapidamente, dando origem a uma estrutura de impressionante 
geometria, além de grande resistência. 
Compreendendo a teia de uma aranha e suas peculiaridades, buscamos 
os signos inerentes ao ato de tecer a teia e os transpomos ao trabalho em 
saúde. Neste sentido, o trabalhador na sua atividade cotidiana, que 
constitui um trabalho vivo em ato, é construtor de sua teia, uma teia que 
é singular para cada sujeito e que se caracteriza por sua tenacidade, 
resistência e elasticidade, de forma que se estende por diferentes 
territórios, “capturando” atores integrantes do processo e se 
reconstituindo de acordo com a dinâmica do cotidiano de trabalho. Esta 
teia é determinada, especialmente, pelos encontros e agenciamentos de 
que o trabalhador é capaz, na permanente construção de territórios 
existenciais que conformam campos magnéticos de produção de sentidos 
e de afetos (Rolnik, 2006). 
O que caracteriza esta teia é sua capacidade de se renovar, se 
movimentar e de construir novas conexões. Seria uma representação do 
Rizoma, à medida que se constitui em sistemas abertos que transitam por 
diferentes territórios e que mobilizam agentes na produção de um socius, 
um meio social que se constitui nas “linhas de contato entre os agentes 
sociais que são a fonte de produção da realidade” (Franco, 2006, p. 1). 
Assim, o trabalho do profissional da saúde é atravessado por fluxos de 
intensidades que emergem dos signos provenientes da essência sujeito e 
do espaço molecular, que constitui o campo da micropolítica do trabalho, 
o que é resultado de um processo que ressurge dentro do trabalhador e 
que dispara uma produção de vida em si, uma autopoiese tida como uma 
“contínua produção de si mesmo, na qual o ser vivo se conserva e 
continua vivo na realização de sua história individual ontogênica” 
(Maturana, 1998, p. 200). Mariotti (1999) ao significar a autopoiese, refere 
32 
 
que Poiesis é um termo grego que significa produção e a autopoiese quer 
dizer autoprodução. A palavra surgiu pela primeira vez na literatura 
internacional em 1974, em um artigo publicado por Varela, Maturana e 
Uribe, para definir os seres vivos como sistemas que produzem 
continuamente a si mesmos. Esses sistemas são autopoiéticos por 
definição, porque recompõem, de maneira incessante, os seus 
componentes desgastados. Pode-se concluir, portanto, que um sistema 
autopoiético é ao mesmo tempo produtor e produto e que se conformam 
em sentidos circulares, assumem uma circularidade produtiva. 
Maturana (1998) ressalta que todos os seres estão imersos em um 
sistema autopoiético que é constituído como unidade, uma rede de 
produção de componentes que em suas interações gera a mesma rede 
que os produz, constituindo seus limites como parte dele em seu espaço 
de existência. 
O trabalhador da saúde como um construtor inato de teias as constrói 
exatamente na circularidade produtiva descrita por Maturana, que 
permite conexões em múltiplas direções. As intensidades advindas dos 
encontros que o agente faz operam no cerne do sistema de signos 
inscritos em um sistema autopoiético do qual ele faz parte, à medida que 
é capaz de disparar em si mesmo processos de produção de vida, de 
significados, de forma a exteriorizar a sua essência indivíduo, 
representada enquanto potência para agir. Assim, quando ele é capaz de 
se reconhecer enquanto essência potencial na produção de vida, também 
se permite experienciar novos encontros e afetos, ao mesmo tempo em 
que “captura em sua teia” novos atores que são capazes de potencializar o 
sistema autopoiético que constitui os novos fios de seda, capazes de se 
propagar em novas direções e sentidos. Maturana (1998, p. 200) nos fala 
da própria imanência entre o sujeito e o seu círculo de relações, de forma 
que todo o ser se realiza defato em uma história de interações, sendo os 
seres humanos, essencialmente, seres sociais já que “vivemos nosso ser 
cotidiano em contínuo relacionamento com o ser de outros”. 
Os fios de seda que emergem a partir da autopoiese inscrita no ser 
trabalhador conformam uma teia que se caracteriza pela diversidade, pela 
produção e amplitude se conformando geometricamente a partir de 
pontos de fixação que são os próprios encontros que surgem no cotidiano. 
Esquematicamente a teia de um trabalhador da saúde seria representada 
pelos encontros de que é capaz: 
Estes encontros seriam, sobretudo, com os usuários, comunidades, 
demais profissionais da equipe, instituição Unidade Saúde da Família, 
associações e outros setores que compõem o espaço no qual atua. No 
33 
 
entanto, quando o processo de trabalho do profissional de saúde é 
capturado, ou seja, quando deixa de ser inventivo, criativo e autônomo, 
surgem falhas nesta teia, rupturas que desestruturam as relações antes 
estabelecidas e que de acordo com a natureza da cisão podem não ser 
novamente recompostas. O processo de captura pode se dar por 
diferentes meios, seja ele decorrente da hegemonia de um trabalho morto 
inscrito em tecnologias duras e leveduras (Merhy, 2002), ou mesmo, pelas 
disputas dos diferentes núcleos de saberes específicos de cada 
profissional que hegemonizam práticas de cuidado. 
 
Trabalho e Produção do Cuidado 
Merhy (2002) propõe que o trabalho vivo, que se constrói no âmbito do 
trabalho real tido como atividade e que envolve criação e liberdade, 
constitua-se em práticas criadoras que se efetivem no espaço intercessor, 
constituindo-se em ações como acolhimento, vínculo e resolutividade, 
denominando-as de tecnologias leves, que devem estar cada vez mais se 
expandindo em detrimento da grande e média expansão já efetivada, 
respectivamente das tecnologias duras e leve duras. Propõe que todo 
processo de trabalho em saúde opera com base no “trabalho vivo em 
ato”, o que dá ao trabalhador uma grande liberdade de agir, e ao seu 
trabalho uma potência instituinte. Isto, agregado a uma intencionalidade 
centrada na ética do cuidado é capaz de operar mudanças no modo de 
produzir o cuidado em saúde, abrindo processos de reestruturação 
produtiva. 
Ao se deter na análise do trabalho em saúde, Merhy (2007) o refere 
como sendo constituído pelos encontros que se dão entre o trabalhador e 
o usuário criando um “espaço intercessor”, que também existe na relação 
trabalhador/trabalhador e trabalhador/organização do trabalho. Este 
espaço, aqui expresso como campo magnético (Rolnik, 2006), conforma 
forças desejantes e micro-poderes que se interrelacionam através de 
intencionalidades, subjetividades e agenciamentos que compõem os 
encontros que são, muitas vezes, conflituosos e que determinam a 
natureza das relações construídas no cotidiano de trabalho dos sujeitos. 
A idéia de reestruturação produtiva é atribuída por Franco e Merhy 
(1999) como as novidades que surgem no interior dos sistemas produtivos 
que são capazes de causar impacto na conformação dos processos de 
trabalho em saúde, sendo construídas com base nas modificações no agir 
cotidiano dos sujeitos em atividade. O que perdura é a constatação de que 
existe uma “intencionalidade indicando o modus operandi que é singular 
de cada um. E o modo de agir [...] tem como um importante dispositivo os 
34 
 
processos de subjetivação que afetam os sujeitos” no sentido de que 
neste mesmo sujeito são impressos valores e condutas que são 
compartilhados pelos demais sujeitos que compõem o processo. 
Quando Merhy (2007) nos fala da caixa de ferramentas que o 
trabalhador detém para a execução de sua atividade, revela que o 
comando do trabalho vivo sobre o trabalho morto se faz, sobretudo, por 
meio da caixa de ferramentas que o trabalhador tem em posse, de forma 
que: 
 
O trabalho vivo não pode em ato, no interior do processo de 
trabalho, libertar-se plenamente do trabalho morto, mas tem 
condições de comandá-lo se conseguir aprender a interrogá- 
lo, a duvidar do seu sentido e a abrir-se para os 
ruídos/analisadores presentes no seu cotidiano, com isso, e de 
posse de uma caixa de ferramentas que tenha o compromisso 
com o sujeito da ação, e em ação pode-se reinventar a lógica 
do processo de trabalho, sua gestão, organização e finalidade, 
em ato, coletiva e publicamente (MERHY, 2007, p. 71). 
 
Franco et al. (2006) afirma que há uma liberdade constitutiva do 
trabalho vivo em ato que está associada aos agenciamentos do desejo, 
sendo imanente à atividade de cada trabalhador, produzindo uma “dada 
realidade social” que se inscreve no mundo do trabalho. Assim, o trabalho 
vai conformando um determinado território existencial, no qual opera um 
“referencial ético-político” que os trabalhadores adotam como plano de 
consistência entre eles e a produção do cuidado. 
O trabalhador da saúde no processo de trabalho que se desenvolve, no 
modelo assistencial hegemônico, baseado no conceito biologicista de 
corpo, é comumente destituído do protagonismo sobre o seu processo de 
trabalho, pois este é aprisionado em um território onde predominam os 
processos e produtos estruturados. As tecnologias duras inscritas nas 
máquinas e instrumentos, as tecnologias leve-duras que se expressam nos 
protocolos e normas. O trabalho em saúde exige grande coeficiente de 
criatividade, processos de trabalho menos estruturados, o uso das 
tecnologias leves como dispositivo de cuidado relacional, capaz de criar 
um campo entre trabalhador e usuário no momento do seu encontro, 
operando aí os fluxos de intensidades. O processo de trabalho no modelo 
hegemônico portanto, impõem um trabalho cárcere, opressor, que é 
capaz de amarrar por completo a liberdade expressa na sua subjetividade, 
35 
 
mascarando a produção do desejo operante e não o anulando, uma vez 
que o desejo é constitutivo do ser. 
Há o reconhecimento de que a própria desterritorialização do mundo 
do trabalho advinda de uma reestruturação produtiva traz consigo um 
reaquecimento do desejo do trabalhador, que cria mecanismos, 
estratégias individuais ou coletivas que o mantém em cenários de paixões 
alegres, o que aumenta sua potência de agir (Espinosa, apud Deleuze, 
2006). Rolnik (2006, p. 89) acrescenta que com a intensificação da 
desterritorialização surge um aquecimento do desejo e as pessoas ficam 
mais expostas a encontros aleatórios, a afetar e serem afetados em 
direções diversas e com diferentes intensidades, o que se materializa em 
uma imensa potencialidade processual. 
 
Conclusões 
O caso JR é a demonstração clara de que a idéia de corpo anátomo-
clínico e a clínica do olhar, esta que se realiza com base na geografia dos 
órgãos é insuficiente para recuperar a saúde e a potência vital. Em um 
primeiro momento, logo após a sua alta hospitalar, JR se viu com a 
subjetividade devastada pelo prognóstico pessimista e todo contexto 
desfavorável à vida. 
O encontro entre ele e a gerente da Unidade de Saúde, no caso na 
condição de profissional do cuidado, cria uma reação positiva, ativada 
pelo desejo de viver, pela vontade em cuidar de si. Esta nova configuração 
de si mesmo diante do mundo é produzida com base nos afetamentos 
experimentados naquele encontro, e o trabalho realizado que esteve 
centrado na sua dimensão relacional, possibilitando o fluxo de afetos. 
Estes produziram no usuário o que descrevemos acima como “paixões 
alegres”, capazes de aumentar a potência de agir no mundo. 
O CsO é a dimensão capaz de ativar as energias mais intensas para o 
cuidado de si, condição do usuário na sua recuperação. Ele fala pelas 
intensidades, pela linguagem dos afetos, e foi na sua cartografia que JR 
conseguiu se recompor e encontrar a potência autopoiética, de produção 
de vida em si mesmo. 
Ao mesmo tempo em que os afetos podemproduzir este efeito no 
sujeito, a intervenção sobre o corpo na sua dimensão estrutural e 
biológica, com o objetivo da sua recuperação deve ser considerada. O que 
concluímos é que o corpo deve ser entendido como uma multiplicidade, 
não é apenas anátomo-clínico, isto seria uma grande simplificação sobre a 
compreensão do corpo; e não é apenas CsO. É necessário reconhecer que 
o corpo é múltiplo na sua composição, não se prende a um 
36 
 
conceitocaptura, seja ele qual for. Há portanto os órgãos, com sua 
topografia e limites, um CsO o qual não encontra limites físicos pois 
funciona por fluxos de intensidades, e assim vaza todos limites, estando 
sempre no “entre” sujeitos, compondo o “campo de consistência”. 
Não existe com base neste entendimento uma clínica que seja 
suficiente para o cuidado de um sujeito que sofre. Podemos então sugerir 
a idéia de “clínicas”, que juntas vão compor as ferramentas necessárias ao 
cuidado. Não é sem uma forte justificativa que se tem difundido muitas 
propostas para a idéia de Clínica, enquanto instrumental que lida com o 
cuidado. A Clínica Ampliada (Campos e Amaral, 2007; Cunha, 2005); 
Clínica Peripatética (Lancetti, 2006); Clínica do Desvio – Klinamen 
(Benevides e Passos, 2001), Clínica do CsO (Merhy, 2007) e a que 
sugerimos como a Clínica dos Afetos, são algumas das sugestões de um 
amplo mosaico de propostas que têm por objetivo não apenas a 
discussão, mas sobretudo uma práxis voltada para o cuidado em saúde. 
Pensamos assim que a clínica do olhar deve compor com a dos afetos 
operando sobre as diversas dimensões do corpo e produzindo ao mesmo 
tempo a intervenção sobre os órgãos, e um processo intenso de 
subjetivação pelos afetos. 
 
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do desejo. Rio Grande do Sul: Sulina, 2006. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
39 
 
ESTUDO DIRIGIDO 
 
Com base no texto “Em Busca da Clínica dos Afetos” e no vídeo a seguir, 
responda as questões propostas: 
http://www.youtube.com/watch?v=60KL8J7rQc4&feature=youtu.be 
1) Como surgiu e quais as características do que Foucault chama de 
“clínica do olhar”? 
2) O que é a clínica dos afetos? 
3) Na prática cotidiana do médico é possível combinar a “clínica do 
olhar” e “clínica dos afetos”? Após responder discuta a sua 
resposta. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
40 
 
A PRODUÇÃO IMAGINÁRIA DA DEMANDA E O 
PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE3 
 
Túlio Batista Franco 
Emerson Elias Merhy 
 
Introdução 
 
á há algum tempo viemos propondo a reorganização dos serviços 
de saúde, tendo como pressuposto a produção do cuidado, um 
processo de trabalho usuário centrado e relações acolhedoras, 
capazes de produzir vínculo, em um processo produtivo que aposta nas 
tecnologias mais relacionais para a assistência aos usuários. Nesse 
percurso tem-nos intrigado o fato de que, vez ou outra nos deparamos 
com usuários que chegam a Unidades de Saúde requerendo uma consulta 
médica ou um procedimento como por exemplo “exame de sangue” ou 
“raio x” ao reportar-se à recepção, quando muitas vezes não é isso que 
eles de fato necessitam, ou que seja capaz de resolver o seu verdadeiro 
problema. O constrangimento aumenta quando se percebe que os 
profissionais de saúde têm dificuldades de lidar com a questão, pois se 
colocam o seguinte dilema: se atendem, estão cometendo o uso indevido 
de recursos assistenciais, pois não é certo que o usuário tenha a 
necessidade dos procedimentos solicitados por ele mesmo; se não 
atendem, podem ser acusados pelo mesmo de um “mau atendimento”, 
“médico ruim porque não receitou”, aumentando a tensão na relação da 
equipe com sua clientela. 
Este fenômeno que é entendido como um grande ruído nos serviços de 
saúde, pode nos revelar como se produz a demanda dos usuários frente a 
estes, e assim funcionar como um analisador da assistência que

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