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2008
DIREITO TRIBUTÁRIO
E POLÍTICAS PÚBLICAS
Coordenador
José Marcos Domingues
Autores
André Brugni de Aguiar
Diogo Ferraz Lemos Tavares
Gustavo do Amaral Martins
Carlos da Costa e Silva Filho
Hermano Antonio do Cabo Notaroberto Barbosa
José Marcos Domingues
3
PREFÁCIO
Misabel Abreu Machado Derzi
Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito 
da UFMG
Professora Titular de Direito Financeiro e Tributário das Faculdades Milton 
Campos
Membro do Grupo de Pesquisa Europeu de Finanças Públicas (Gerfi p), Paris I
Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt)
Consultora 
Advogada
Esta obra, coordenada pelo Professor Titular de Direito Financeiro 
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, José Marcos Domingues 
de Oliveira, reúne seis artigos independentes que tratam de desafi an-
te assunto, verdadeira vexata quaestio do direito tributário brasileiro, as 
contribuições de intervenção no domínio econômico e a extrafi scalida-
de. Tentam estabelecer limites à extrafi scalidade, em alguns casos, ou 
demonstrar, em outros, os novos campos em que podem atuar as contri-
buições. Todos eles, de maneira geral, abordam a mudança do Paradig-
ma do Estado do Bem Estar Social para um Estado Regulador.
Os trabalhos, no melhor desempenho da pesquisa de pós-gradu-
ação, confi guram a maturação intelectual que se vai consolidando, ao 
longo do tempo, de um grupo de jovens mestrandos, que atuam dentro 
da mesma linha de pesquisa, guiados e orientados de modo inovador. 
Encerrando o leque das meditações do grupo, o artigo do Prof. José Mar-
cos Domingues levanta as principais questões relativas às contribuições 
especiais, sua freqüente tredestinação, e analisa o orçamento anual como 
instrumento jurídico, e não mera peça política.
Como toda investigação que se aprofunda, nela se abrem novas 
perguntas, postas no contexto contemporâneo, questões que, não obs-
tante, arrastam o afl oramento de outras velhas questões da dogmática 
jurídica e da fi losofi a do direito, como pano de fundo, eternamente deba-
tidas e insufi cientemente resolvidas. Destaquemos apenas a mais antiga, 
da qual se podem desprender outros problemas conexos. 
A primeira delas faz ressurgir na mente do leitor, em diferentes 
roupagens, o problema das relações entre o saber jurídico e o saber polí-
Todos os direitos desta edição reservados a
MP Editora
Av. Brigadeiro Luís Antonio, 613 - 10° andar
São Paulo-SP 01317-000
Tel./Fax: (11) 3101 2086
adm@mpeditora.com.br
www.mpeditora.com.br
© Os autores
 Revisão Fábio Luiz de Carvalho e Lilian de Carvalho
 ISBN 978-85-98848-82-2
 Diretor responsável Marcelo Magalhães Peixoto
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tico-econômico e sociológico, ou seja, o sistema e a dogmática jurídica e 
o seu ambiente (outros sistemas e ciências). Tal questionamento ressur-
ge, fortemente, quando se coloca a questão dos fi ns, dos resultados, das 
conseqüências das normas jurídicas. De um lado, Hans Kelsen, Niklas 
Luhmann e Max Weber dão ao problema uma solução separatista, como 
realça Alberto Febbrajo (ver prefácio em: LUHMANN, Niklas. Sistema 
Giuridico e Dogmatica Giuridica, 2. ed. Trad. Alberto Febbrajo. Bologna: 
Mulino, 1978, p. 8), em contraste com as teses de Eugen Ehrlich e Th eo-
dor Geiger, que preconizam a investigação do output do sistema. 
Os artigos aqui reunidos não se empenham novamente nessa rica 
discussão, em que, recorrentemente, se envolvem escolas diversas, desde 
a jurisprudência dos conceitos em oposição à jurisprudência dos interes-
ses de Jhering, passando pela natureza da coisa de Esser, pela interpreta-
ção teleológica, pelo social engineering, enfi m, pelo sincretismo dos fi ns 
jurídicos, sociais e políticos da norma. 
Como se sabe, a obra de Hans Kelsen se volta contra o sincretismo 
dos métodos sociológico e jurídico, pois a “dogmática jurídica é restrita 
ao mundo do dever ser (Sollen) e o seu fi m é a compreensão das normas” 
(Tra Metodo Juridico e Sociologico. Trad. It. G. Calabrò, Napoli, 1974, p. 
41). Em Max Weber, também não se podem fundir os métodos jurídico 
e sociológico, pois os objetos de cada um são heterogêneos e, estando em 
planos diferentes, não podem entrar em contato (Economia e Sociedade, 
v.1. P. Rossi: Milano, 1968, p. 310). 
Contrapondo-se a uma visão sincretista, sociologia/direito/econo-
nomia, com que autores, como Eugen Ehrlich e Th eodor Geiger, preco-
nizaram a ingerência do saber sociológico - como direito vivo - no saber 
jurídico, Niklas Luhmann insurge-se contra a racionalidade teleológica, 
que pesquisa os efeitos (o output) do sistema. Para ele, o ordenamento 
jurídico é um sistema (na verdade, um subsistema), que se distingue em 
limites rígidos de seu ambiente (os demais sistemas), de modo que a 
dogmática jurídica está orientada em direção ao input do sistema nor-
mativo (às fontes positivas, ofi ciais de criação das normas), e não dire-
cionada pelo output do sistema, ou seja, pelos efeitos sociais/econômicos 
que tal sistema produz. Ele entende que, em uma sociedade complexa, 
uma dogmática jurídica impermeável, dirigida por critérios autônomos 
de racionalidade, separados daqueles da pesquisa sociológica, exerce 
uma função insubstituível, verdadeiramente relevante. 
Para Niklas Luhmann, a orientação de toda dogmática, em parti-
cular da jurídica, volta-se ao input do sistema normativo e “comporta, de 
fato, uma perspectiva temporal, uma orientação ao passado, a normas 
já estabelecidas, orientação que é profundamente diversa de uma orien-
tação output do sistema normativo, ou seja, aos efeitos que esse produz 
no futuro, orientação que é tipicamente assumida pela pesquisa socio-
lógica”, como observa Alberto Febbrajo (ver prefácio em: LUHMANN, 
Niklas. Sistema Giuridico e Dogmatica Giuridica. Trad. Alberto Febbrajo, 
2. ed. Bologna: Mulino, 1978, p.18).
E complementa Luhmann que, se a tarefa da dogmática é “tornar 
operativas as questões da justiça em cada um dos campos singulares do 
direito”, ou seja, controlar e viabilizar as soluções dos confl itos por meio 
da simplifi cação da alta complexidade, então, a dogmática deveria estar 
em posição de formular conceitos socialmente adequados. Em tais con-
ceitos, a dogmática jurídica poderia encontrar sustentação sem necessi-
dade de se considerarem as conseqüências. Socialmente adequados, por 
sua vez, não signifi ca que os conceitos jurídicos seriam, em defi nitivo, 
conceitos sociológicos, ou deveriam reproduzir adequadamente a socie-
dade. O que estaria em contraste com o sentido da diferenciação, que 
diz respeito aos sistemas e às suas funções. Nesse contexto, a adequação 
signifi ca apenas que, no sistema jurídico, pode-se “realizar-se a transfor-
mação conceitual dos problemas”.
Ora, sem se envolver diretamente em tais questões metodológicas e 
mesmo fi losófi cas, os trabalhos de pesquisa e refl exão que esta obra en-
cerra não preconizam – apesar dos títulos contidos em alguns desses arti-
gos, que podem induzir o sentido inverso – uma investigação sociológica 
ou econômica dos fi ns possíveis das normas tributárias, como técnica 
de operar o direito tributário. Previstos os fi ns – constitucionalmente 
postos –, enquadram-nos quer do ponto de vista do direito econômi-
co, do direito fi nanceiro, quer constitucional. Em especial, no ensaio do 
Prof. José Marcos Domingues, os problemas – como fi ns – são levados 
para dentro do sistema e transformados estruturalmente em conceitos 
jurídicos e mesmo em lógica deôntica (fato gerador complementar ou 
acessório), que a norma tributária refl ete. Enfi m, nesta obra, percorre-
se o caminho inverso, o da juridicização, postos de lado os mecanismos 
utilizados pela jurisprudência, que tomaram a direção contrária, ou seja: 
nas decisões judiciais consolidadas, primeiro deu-se a projeção dos atos 
sociais ou de intervenção do Estado, que arigor são pressupostos fáticos 
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das normas reguladoras das contribuições, em fi ns, estranhos à norma 
tributária; depois, projetou-se a sua inclusão em dotações orçamentá-
rias, convenientemente politizadas. Em contrapartida, a dogmática jurí-
dica, em seus institutos e modelos conceituais, não estava preparada para 
abrigar a complexidade das contribuições, por meio de conceitos social-
mente adequados, como diria Niklas Luhmann. Essa falha pretende-se 
suprir nesta linha de pesquisa. 
O primeiro artigo, escrito por André Brugni de Aguiar, tem como 
título Parafi scalidade, regulação e Estado na economia globalizada. O au-
tor criticou a ausência de vinculação ou a sua incorporação ao orçamen-
to geral para tributos de natureza parafi scal. E defendeu o argumento de 
que as contribuições parafi scais, com as mudanças no paradigma estatal, 
passaram a ter outras fi nalidades. Vejamos pequeno trecho do argumen-
to:
Assim é possível falar em um novo papel do Estado e da tributação em 
uma economia globalizada, este será o de compatibilizar o global e o local, 
em que a desoneração e desregulação para atender à competitividade no 
mercado internacional coexistam com a manutenção de estruturas neces-
sárias à implementação de Políticas Públicas segundo as peculiaridades de 
cada nação – com refl exos em seu sistema tributário - ou, em alguns casos, 
do segmento econômico. [...] Viu-se que a parafi scalidade esteve historica-
mente ligada à idéia de troca e, subseqüentemente, às de intervenção e so-
lidariedade. Em nossos dias, possivelmente estará cada vez mais associada 
à idéia de autonomia da regulação econômica e social, onde ela ainda não 
seja capaz de exercer-se por iniciativa espontânea da sociedade civil em 
níveis condizentes com os objetivos públicos essenciais, ou em que o con-
fl ito de interesses torne pouco recomendável a autogestão. 
Ou seja, se antes a parafi scalidade estava ligada à idéia de fi nancia-
mento da intervenção direta do Estado na economia e na promoção de 
políticas públicas, hoje estaria mais ligada à idéia de regulação.
O segundo artigo tem como título A capacidade contributiva na 
tributação extrafi scal, do mestrando Diogo Ferraz Lemos Tavares. Nesse 
artigo, o autor retomou de forma breve, mas informativa, os conceitos e 
os fundamentos da capacidade contributiva. Argumentou que ela deve 
ser respeitada ao estabelecerem-se tributações extrafi scais e devem coe-
xistir, não admitindo as doutrinas que argumentam em sentido oposto. 
Faltaram, nesse artigo, obras mais clássicas de direito tributário, como 
a de Aliomar Baleeiro, porém, tem vasto suporte bibliográfi co. De fato, 
o princípio da capacidade contributiva é princípio que fundamenta ou-
tros, suportando vários que dele se depreendem ou que lhe são meros 
corolários. 
O terceiro artigo, escrito por Gustavo do Amaral Martins, intitula-
do Mercado e tributação: os tributos, suas relações com a ordem econômi-
ca e a necessidade de considerá-la na interpretação e aplicação do sistema 
tributário, questiona: será possível interpretar e aplicar o sistema tribu-
tário sem considerar os refl exos sobre a ordem econômica? O argumento 
básico do autor é o de que, ao se deparar com uma controvérsia judicial, 
o Poder Judiciário ou até mesmo as instâncias administrativas devem 
considerar os efeitos econômicos da tributação e verifi car se esses efeitos 
não afrontam outros princípios de direito econômico, como a livre con-
corrência. Vejamos trecho do autor:
A tributação surgiu primeiramente com fi ns arrecadatórios. Contudo, 
desde suas mais remotas origens o uso para fi ns não arrecadatórios sem-
pre esteve presente. No mundo atual, para além de efeitos intencionais no 
plano fi scal e extrafi scal, os tributos têm fortes efeitos extrafi scais, efeitos 
que se dão sobre o mercado. A tributação não pode ser compreendida 
sem que sejam consideradas as questões do mercado. Por decorrência, o 
sistema tributário não pode ser compreendido sem que seja considerada 
a ordem econômica, pois submetidos ambos à Constituição Econômica. 
Esta realidade, contudo, não vem sendo enfrentada, ainda que para dela 
discordar, seja pela ampla maioria da doutrina nacional, seja pelos acór-
dãos mais signifi cativos do STF”. À primeira vista, o autor parece preco-
nizar uma interpretação econômica do Direito Tributário, além da tele-
ológica. Mas investigar as conseqüências econômicas e sociais é de todo 
impossível, pois há conseqüências imediatas, mediatas e remotas, enfi m, 
conseqüências das conseqüências em cadeia infi nita. Há ainda diferentes 
escolas e teorias econômicas, a partir das quais poder-se-ia enfocar certo 
acontecimento. Percebe-se, no entanto, que o autor refere-se à ordem eco-
nômica constitucional e os princípios, por ele invocados, pertencem quer 
ao Direito Econômico, quer ao Direito Constitucional Tributário. Enfi m, 
os chamados fi ns econômicos, a rigor, são princípios jurídicos. É o que se 
dá com a livre concorrência, expressa no art. 170, IV, da Constituição e 
transformada em norma impositiva, explicitada pela Emenda Constitu-
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cional nº 42/03, que a introduziu no art. 146-A, a saber: “Lei complemen-
tar poderá estabelecer critérios especiais de tributação com o objetivo de 
prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de 
a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. 
O quarto artigo, de autoria de Carlos da Costa e Silva Filho, tem 
como título Outorga onerosa do direito de construir: instrumento de polí-
tica pública no contexto da fi scalidade ambiental. O artigo trata primei-
ramente da idéia da efetivação da utilização dos tributos ambientais por 
parte do Poder Público. Como tributação ambiental, o autor entende ser 
a aptidão das espécies tributárias, segundo os moldes previstos no orde-
namento jurídico brasileiro, para tratar da proteção da qualidade am-
biental. Encara o direito ambiental como um direito transversal que se 
deve utilizar, inclusive, do direito tributário, para a consecução dos seus 
objetivos. Demonstra que os tributos ambientais não corresponderiam à 
sanção por ato ilícito, pois visariam somente desestimular práticas am-
bientais perversas. Sem desconhecer os problemas do chamado tributo 
ambiental, propõe uma reordenação dos institutos jurídicos e uma vi-
rada positiva no sentido de resguardar o meio ambiente. Por fi m, ana-
lisa a natureza jurídica das outorgas onerosas do direito de construir. 
Considera uma espécie de tributo ambiental, lastreado no princípio da 
função social da propriedade, reconhecendo que esse entendimento ju-
rídico, sobre sua natureza tributária, atrai para si a pecha de inconstitu-
cionalidade no atual direito positivo brasileiro. Afi rma que tais tributos 
ambientais demandariam tratamento diferenciado dentro do quadro da 
atividade tributária do Estado.
O quinto artigo trata da questão dos incentivos fi scais. Com o tí-
tulo Regulação econômica e tributação: o papel dos incentivos fi scais, o 
mestrando Hermano Antônio de Cabo Notaroberto Barbosa argumenta 
que:
[...] da mesma forma que o exercício do poder de tributar, que se traduz 
na faculdade política de instituição ou majoração de tributos, está sujeito 
a limitações, também o poder de não tributar, representado pela possibili-
dade da concessão de incentivos fi scais, não é livremente exercido. 
Partindo do pressuposto de que a regulação econômica – ou o seu 
não exercício – tem fundamento em razões de ordem política, econômi-
ca e fi losófi ca, historicamente alocadas, argumenta o autor que qualquer 
modalidade de intervenção estatal na economia deve ser constitucional-
mente orientada. Para o autor, a concessão de incentivos fi scais encon-
tra-se sujeita, além dos parâmetros constitucionais a serem observados, 
a limites formais – competência, procedimento etc. -, materiais – relativo 
aoconteúdo -, orçamentários – normais complementares que estabele-
cem os requisitos da renúncia - e concorrências – a depender da análise 
do caso em concreto. 
O último artigo contido neste livro, como já foi realçado, é de auto-
ria do Professor José Marcos Domingues e intitulado O desvio de fi nali-
dade das contribuições e seu controle tributário e orçamentário no direito 
brasileiro. Dois principais argumentos são desenvolvidos, a saber: 
1) no caso das contribuições, todas elas com destinação específi ca, 
a tredestinação, confi gurada também pelo contingenciamento de 
verbas a fi m de adequar o orçamento aos princípios da austeridade 
fi scal, deveria suspender a sua exigibilidade; e 
2) o orçamento não é mera peça política, e sim jurídica, devendo 
ter caráter impositivo, de sorte que toda a arrecadação de tributos 
acabe consumida nas respectivas fi nalidades constitucionais.
O Prof. José Marcos Domingues, cuja visão doutrinária aproxima-
se da nossa, assim pontifi ca:
Vê-se, assim, que a destinação específi ca das contribuições qualifi ca ju-
ridicamente esses tributos, integrando-se aos respectivos fatos geradores 
principais, como fato gerador acessório. A fi nalidade específi ca se afi gura, 
assim, verdadeira condição de legitimidade concreta das contribuições, ou 
seja, a fi nalidade específi ca é justifi cadora da sua instituição.
O autor é bem contundente ao criticar o posicionamento brando 
adotado pelo STF e faz críticas fortes à teoria do orçamento como lei 
formal. Analisando a posição de Lobo Torres, afi rma:
Esse autor, data vênia, cedendo a uma interpretação literal do direito cons-
titucional positivo brasileiro, dado o pretenso desaparecimento do prin-
cípio da anualidade tributária e sua dita vantajosa substituição pela an-
terioridade dos tributos, também considera que o orçamento é apenas lei 
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formal que apenas prevê receitas e autoriza despesas, não tendo signifi ca-
do jurídico quanto à receita pública em geral, especialmente em relação à 
receita tributária.
É impressionante o fato de que os contribuintes, embora dispo-
nham de um estatuto fortíssimo, consagrado em direitos e garantias pre-
vistos na Constituição, difi cilmente igualáveis nas cartas constitucionais 
de outros países, vivam no seio de uma outra realidade, continuamente 
em mutação e imprevisível, em que as contribuições, por eles pagas, não 
têm o destino a que estão afetadas pela própria Constituição. Após déca-
das de disputas e lutas entre as pretensões fazendárias e os contribuintes, 
com o advento da Constituição de 1988, fi ca defi nitivamente expandido 
o conceito de tributo, para nele fi carem abrigadas as diferentes espécies 
(impostos, taxas, contribuições em geral e empréstimos compulsórios). 
A reação não se faz demorar. Essa reação se consolida em vários aspec-
tos: a) em primeiro lugar, inicia-se um outro procedimento por meio do 
qual a União, para suprir os próprios cofres de novos recursos, pratica 
sistemáticos desvios, tredestinações ou simples não-aplicação do produ-
to arrecadado com as contribuições. Esse novo longo caminho culmina 
com a centralização da arrecadação na Receita Federal, por via da qual 
poderão ser desviados pelo menos 20% de toda a arrecadação prove-
niente das contribuições sociais e de intervenção no domínio econô-
mico, legitimados pelas normas do artigo 76 do ADCT; b) tais desvios 
restaram autorizados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, 
fundamentados na tese do fi nalismo, segundo a qual as ações do Estado 
a serem fi nanciadas por meio das contribuições (atos de política social, 
de intervenção no domínio econômico ou relativos a categorias profi s-
sionais) seriam causa fi nal, estranha à estrutura da norma tributária. De 
acordo com essa posição doutrinária, uma vez paga a contribuição, es-
taria extinta a relação jurídico-tributária, restando apenas uma situação 
superveniente, de desvio dos recursos, de caráter fi nanceiro, situação 
que não enseja a repetição do indébito. 
Examinemos, então, a doutrina da causa fi nal, que tem servido à 
legitimação do abuso e ao descumprimento de grandes princípios cons-
titucionais. 
Já com Platão, na Grécia antiga, o fi nalismo, introduzido por Ana-
xágoras, é doutrina que coloca a fi nalidade como causa total da organi-
zação do mundo. E, especialmente em Aristóteles, tudo aquilo que é por 
natureza existe para um fi m. Ele distinguiu, como se sabe, entre causa 
material, causa formal, causa efi ciente e causa fi nal, as causas possíveis, 
por meio das quais se atinge o conhecimento, a ciência.
Entretanto, segundo Nicola Abbagnano, o fi nalismo foi erradicado 
da ciência moderna e a causa fi nal passaria a ser completamente despre-
zada na explicação do mundo natural. 
E Bacon excluía explicitamente da investigação experimental a conside-
ração do fi m (Nov. Org., II, 2). Dizia: ´A investigação das causas fi nais é 
estéril: assim como uma virgem, consagrada a Deus, nada gera´. Por sua 
vez Galilei (Op.,VII, p.80) e Descartes (Princ. Phil., III, 3) eliminaram da 
ciência a consideração da causa fi nal e Spinoza contrapôs a necessidade 
com que as coisas provêm da natureza divina ao fi nalismo, que considerou 
um preconceito, contrário à ordem do mundo e à perfeição de Deus (Et., 
I,36, Ap.). (Cf. Dicionário de Filosofi a. São Paulo: Martins Fontes, 2000, 
p. 460). 
E conclui:
[...] o fi nalismo, hoje considerado inútil em todos os campos de explicação 
científi ca, permanece como característica das correntes metafísicas que 
consideram modesta demais para a fi losofi a a tarefa de criticar os valores 
para corrigi-los ou conservá-los, propondo-se a tarefa de demonstrar que 
os valores são garantidos pela própria estrutura do mundo onde o ho-
mem vive e que eles constituem o fi m dessa estrutura. O fi nalismo perdeu 
completamente o caráter científi co que possuía originariamente na Grécia 
antiga e permanece apenas como uma das tantas esperanças ou ilusões às 
quais o homem recorre na falta de procedimentos efi cazes ou em substi-
tuição deles.
De fato, Descartes, ao fundar a ciência moderna, afastou a busca 
da causa fi nal de suas investigações. Assim dispôs o 28º princípio fi losó-
fi co: “Que não é necessário examinar para qual fi m Deus fez cada coisa, 
mas somente por qual meio Ele quis que ela fosse produzida”. E assim 
o explica:
Nós não nos deteremos também para examinar os fi ns com que Deus se 
propôs a criar o mundo, e nós afastaremos inteiramente de nossa fi losofi a 
12 13
a pesquisa das causas fi nais; pois nós não devemos presumir tanto de nós 
mesmos, mas apenas acreditar que Deus quis que fi zéssemos parte de seus 
conselhos: mas, considerando-O como o autor de todas as coisas, nós nos 
ocuparemos somente em encontrar, pela faculdade de raciocinar que Ele 
colocou em nós, como aquelas coisas, que nós percebemos pela interme-
diação de nossos sentidos, puderam ser produzidas; e nós estaremos segu-
ros, por meio de alguns de seus atributos dos quais Ele quis que nós tivés-
semos algum conhecimento, de que o que nós perceberemos, claramente 
e distintamente, por pertencer à natureza dessas coisas, tem a perfeição de 
ser verdadeiro. (Cf. Princípio nº 28. RENÉ DESCARTES. Les Principes de 
la Philosophie. In : Oeuvres et Lettres. Ed. Gallimard. Bibliothèque de la 
Plêiade. 2004, p. 583-4.)
Se o fi nalismo assumirá nova roupagem nas modalidades de plano 
e objetivo, aí não será considerado causa, mas resultado e, ao contrário, 
se, nas ciências do espírito, é reintegrado como motivo ou motivação, 
converte-se em causalidade, vista do interior, ou seja, causa ou condição 
de uma escolha.
Ora, não apenas o fi nalismo foi abandonado pelos cientistas (exceto 
metafísicos, em certos contextos), como ainda a própria causa perdeu a 
sua força. Mesmo nas ciências chamadas da natureza, ou explicativas, a 
teoria da causa,com que Newton concebeu a sua própria teoria, refor-
çada em Kant, não é sufi ciente, nem simples (causas, concausas, contra-
causas, efeitos antropomórfi cos, etc.). A ela acresceram-se a física quân-
tica e a teoria das probabilidades. Heisenberg, trabalhando o princípio 
da indeterminação, e Heinchenbach, a teoria da probabilidade (1949), 
entre tantos outros, afi ançaram que não é possível uma única asserção 
sobre a realidade e uma nova terminologia passa a inspirar os estudos 
científi cos, como constância estatística, probabilidade, condição e con-
dicionamento.
No mundo jurídico, a dogmática também sentiria os efeitos desse 
contexto. 
Lembremo-nos de que houve época em que todos os tributos eram 
concebidos segundo sua causa fi nal, a saber: os impostos se diferenciavam 
dos demais por se destinarem ao custeio das despesas gerais. Já as taxas 
teriam como fi m o fi nanciamento de certos serviços públicos; por sua vez, 
a contribuição de melhoria teria como causa fi nal, o custeio de obras públi-
cas. A causa fi nal passou, assim, a dirigir os conceitos nucleares do direi-
to tributário. Também não eram raros os juristas que investigavam a cau-
sa dos tributos, adentrando o mundo da causalidade e suas intrincadas 
possibilidades (formais, materiais, efi cientes e fi nais). Gilberto de Ulhôa 
Canto nos dá desse fenômeno um excelente relato. Mais recentemente, 
retornam em alguns textos doutrinários a busca da causa e da motivação 
na teoria das contribuições especiais. 
Qual o melhor caminho? Voltemos a Foucault, que disse: “Por trás 
de todo o saber, de todo o conhecimento, o que está em jogo é uma luta 
de poder [...]”. Igualmente, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao Es-
tudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1989, p. 
40-45) alerta para o problema referindo-se aos enfoques zetético e dog-
mático do direito. 
Para isso, lembremo-nos de que toda a ciência jurídica – não ape-
nas do direito tributário –, por infl uência das correntes fi losófi cas domi-
nantes, experimentou conceder maior ou menor relevância ao causalis-
mo, ao fi nalismo, aos conceitos ou tipos esvaziados de valores ou mais ou 
menos axiologicamente carregados. O que importa é que, naqueles ra-
mos jurídicos, como no direito penal, em que deve imperar a segurança 
inerente ao Estado de Direito, essa batalha travou-se dentro da própria 
norma penal, ou ainda dentro do próprio ramo jurídico em questão, sem 
prejuízo das liberdades fundamentais. E ainda se trava dentro do próprio 
direito penal. Ao contrário, no direito tributário, as teorias causal, de 
motivação e justifi cação, ou o fi nalismo, colocaram questões da mais alta 
relevância em campo estranho à norma tributária. Nas contribuições, as 
ações do Estado a serem por elas custeadas ou são identifi cadas a moti-
vações, prévia fundamentação política que leva o legislador às decisões 
contidas na norma tributária, ou são identifi cadas à destinação legal do 
produto arrecadado, um posteriori fi nanceiro, superveniente à aplicação 
da norma tributária. Enfi m, os direitos e garantias dos contribuintes e do 
cidadão, de modo geral, fogem a todo o controle dogmático do direito 
tributário: ou se colocam em posição prévia ou posterior à atuação da 
norma tributária. 
Assim, o causalismo e o fi nalismo na ciência do direito penal (não 
na fi losofi a) atuaram antes nos requisitos ou elementos do delito, en-
fi m, nos pressupostos da punibilidade, ora reduzindo a causa efi ciente ao 
tipo, ou a uma questão de subsunção ao tipo, ora absorvendo-se a causa-
lidade intelectualizada à ação típica, por meio do fi nalismo. O que não se 
fez foi a expulsão da causa efi ciente ou fi nal, motivação ou justifi cação, 
14 15
por mais complexa que seja a questão, para fora do direito penal, como 
se fez no direito tributário. 
No direito civil, não menos árduas são as batalhas entre causalistas 
e anticausalistas. Francisco Amaral relata que a causa, mesmo quando 
não mencionada expressamente pelo legislador (modo de nosso Código 
Civil) como elemento integrante da teoria do negócio jurídico, perma-
nece viva na discussão de alguns juristas, como requisito de validade. 
Por exemplo, a função social dos contratos impulsiona a discussão como 
justifi cação capaz de validar ou não um negócio jurídico. E identifi ca a 
causa efi ciente do negócio jurídico ao fato jurídico ou ao contrato. (Cf. Di-
reito Civil. Introdução, 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 429-436). 
Tal modo de enfocar o tema, sem dúvida, aproxima a doutrina civilista 
do mesmo tratamento dado por Beling, no direito penal, à causa típica 
(no direito tributário, ao fato gerador). Na verdade, a causa típica de Be-
ling suprime a teoria da causa em sua forma pura, porque reduz a cadeia 
causal a problemas de subsunção e de interpretação. 
Ora, a grande diferenciação está em que, quer no direito civil, quer 
no direito penal, as teorias da causa efi ciente ou da causa fi nal não pro-
jetam os importantes elementos do delito ou do negócio jurídico para 
campos estranhos ao direito penal ou civil, ao contrário dos efeitos do 
causalismo ou fi nalismo no direito tributário. Essa revisão vale para lem-
brar que, se quisermos, poderemos transformar todas as espécies tribu-
tárias em fi nalísticas, no sentido extratributário. Tudo vai depender da 
ideologia dominante. O fi nalismo colocará os atos estatais, que determi-
nadas espécies tributárias visam custear, hoje identifi cadas como fatos 
geradores, como despesas públicas (despesas com serviços públicos es-
pecífi cos e divisíveis, nas taxas; despesas com obras públicas na contri-
buição de melhoria; despesas com outros serviços e atividades estatais 
nas contribuições especiais; despesas com guerra e calamidade pública 
nos empréstimos compulsórios) como resultado integrante da norma 
fi nanceira (não tributária) e projetará as garantias do contribuinte em 
campo estranho ao direito tributário, de tal forma que, uma vez pago o 
tributo, não sendo prestado o serviço (nas taxas), nem sendo realizada 
a obra pública na contribuição de melhoria, ou não sendo efetivados os 
atos estatais sociais ou de intervenção nas contribuições especiais, não 
poderá o contribuinte reaver do Estado as importâncias indevidamente 
pagas. Observe-se que, freqüentemente, o legislador, por razões de pra-
ticidade, determina primeiro o recolhimento do tributo – nas taxas, por 
exemplo, – para, em seguida, prestar o serviço, que deu ensejo à cobran-
ça. 
Na contribuição de melhoria, a realização da obra pública (da qual 
resulta a valorização do imóvel do contribuinte) é hipótese, pressuposto, 
fato gerador. Não se trata de mera fi nalidade. Muitas tentativas já se fi -
zeram para cobrar a contribuição de melhoria antes de realizada a obra, 
pois a simples notícia de sua realização pode desencadear uma valoriza-
ção imobiliária. Tais tentativas foram corretamente repelidas pela dou-
trina e pela jurisprudência. Imaginemos milhares de prefeituras a cobrar 
contribuição de melhoria para fi nanciamento de obra futura. Pago o tri-
buto pelo contribuinte e desviados os recursos para outros fi ns, como é 
costume acontecer em nosso País, certamente a teoria fi nalista, que defi -
nisse o tributo como exação destinada a custear obras públicas, não seria 
sufi ciente para demonstrar o direito à devolução dos recursos pagos, já 
que o fenômeno de sua aplicação, à luz da jurisprudência, é questão fi -
nanceira ou orçamentária superveniente. 
 Apesar do esforço inegável em eleger critérios confi áveis de con-
trole das contribuições especiais, sobretudo das contribuições de inter-
venção no domínio econômico (Cf. SCAFF, Fernando Facury. Para além 
dos direitos fundamentais do contribuinte. In: SCHOUERI, Luis Eduar-
do (Coord.). Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003; FER-
RAZ, Roberto. A Inconstitucionalidade dinâmicada Cide-combustíveis 
– a CIDE está inconstitucional? In: Grandes Questões Atuais de Direito 
Tributário. São Paulo: Dialética, 2005; GRECO, Marco Aurélio. A desti-
nação dos recursos decorrentes da contribuição de intervenção no do-
mínio econômico – CIDE sobre combustíveis. In: Revista Dialética de 
Direito Tributário, v. 104. São Paulo: Dialética, entre outros), a doutrina 
não tem logrado êxito em traçar um caminho seguro que possa garantir 
a cobrança correta e a aplicação efetiva e integral dos recursos arreca-
dados nas fi nalidades – sociais, de intervenção ou corporativas - autori-
zadas pela Constituição Federal. Lembre-se ainda Marco Aurélio Greco 
que, a par de negar o caráter tributário às contribuições, somente admi-
te ver reconhecidas a tredestinação e a não-aplicação institucionalizadas 
dos recursos por meio de elementos ou aspectos estranhos à estrutura 
da norma tributária, ou seja, por meio da análise da execução da lei de 
diretrizes e da lei orçamentária, segundo critérios que extrai da lei de 
responsabilidade fi scal (Lei Complementar nº 101/00), o que supõe o 
decurso mínimo de quatro a dois exercícios fi nanceiros contados a partir 
16 17
da arrecadação. Tal modo de solucionar o problema pode levar ao re-
conhecimento da inconstitucionalidade da contribuição inaplicada nas 
fi nalidades constitucionalmente previstas, segundo o autor citado, ape-
nas em relação a exercícios futuros, não sendo possível a devolução do 
produto até então arrecadado por duas razões, a saber, porque a correta 
ou incorreta aplicação dos recursos é evento superveniente à incidência 
da norma (pois é evento estranho à norma tributária) e, ainda, porque, 
com o pagamento, dilui-se o vínculo entre o montante individual pago e 
a inaplicação parcial do conjunto dos recursos (Cf. Em busca do controle 
sobre as CIDE´S, op. cit). 
Entendemos, hoje, que esse modelo teórico, que insiste nos fi ns, 
projetados para fora da norma tributária, não é sufi ciente, pois as ações 
do Estado, a serem fi nanciadas por meio das contribuições mantêm-se 
estranhas à estrutura da norma tributária, como mera causa fi nal. 
É necessário um retorno à teoria de Geraldo Ataliba (como prega 
Luciano Camargos em tese de doutorado pela UFMG, no prelo), que 
inseriu as contribuições entre os tributos vinculados a uma atuação es-
tatal (ver: Hipótese de Incidência Tributária, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 
1993). Previu, porém, como critério de diferenciação das contribuições, 
a circunstância intermediária, exatamente o aspecto da norma que faz a 
mediação entre a atuação estatal e o contribuinte, ou seja, o aspecto da 
hipótese de incidência que, indireta e mediatamente, impõe a referibili-
dade ao obrigado, defi nindo o grupo de sujeitos passivos atingidos pela 
ação estatal. Na conseqüência, refl etem-se os dois núcleos da hipótese, 
a saber, não se pode arrecadar mais de todos os contribuintes envolvi-
dos do que o custo da atuação estatal. (Nesse ponto, residindo a única 
diferença que apontamos em relação à teoria de Geraldo Ataliba, pois 
a hipótese de incidência teria dois núcleos substanciais, um deles cha-
mado de circunstância intermediária). Seja como for, é decididamente 
relevante resgatar as lições de Geraldo Ataliba, como, aliás, já tinha ob-
servado José Marcos Domingues e também Eduardo Maneira (Cf. Base 
de Cálculo Presumida. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2002, 
no prelo). 
Disso resulta a importância da posição constante do artigo do Prof. 
José Marcos Domingues. As ações estatais que as contribuições visam 
fi nanciar devem estar no pressuposto da norma tributária, integrar a sua 
hipótese de incidência, de tal modo que, uma vez pago o tributo, mas 
identifi cada a tredestinação ou a não-aplicação dos recursos, estaremos 
em face de tributos sem causa, sendo devida a repetição do indébito. 
Michel Foucault demonstrou, com sabedoria, que o conhecimen-
to não apenas é infl uenciado pelo poder, mas é nele informado. Afi rma 
que:
[...] com Platão, se inicia um grande mito ocidental: o de que há 
antinomia entre saber e poder... Esse grande mito precisa ser liqui-
dado. Foi esse mito que Nietzsche começou a demolir ao mostrar, 
em numerosos textos já citados, que por trás de todo o saber, de 
todo o conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder. O 
poder político não está ausente do saber, ele é tramado com o sa-
ber. (Cf. A Verdade e as Formas Jurídicas. trad. Roberto Cabral de 
Melo Machado e outro. Caderno PUC n. 16, 4. ed. Rio de Janeiro, 
1979, p. 17).
Tem razão Foucault. As conquistas do cidadão em face do poder de 
tributar podem ser acompanhadas por meio da análise de fatos históri-
cos, delineados no tempo e no espaço, mas também por meio da investi-
gação dos conceitos jurídicos, fi rmados na dogmática, sua evolução, seus 
efeitos e conseqüências.
Esta a justa (e velada) indignação que permeia os artigos desta obra. 
Tratam eles de rever conceitos e institutos da dogmática jurídica, de for-
ma a torná-los socialmente adequados. Diz a Constituição que as con-
tribuições nascem para custear a construção do Estado Democrático de 
Direito, ou melhor, a atuação da União nessa construção. Se essa atuação 
é colocada como mero resultado ou fi nalidade, estando fora do direito 
tributário, não exigimos que ela ocorra, embora a contribuição possa ser 
cobrada. E o direito tributário passa a funcionar assim, sem proteção da 
confi ança, sem obediência às promessas do legislador e da Constituição. 
A norma tributária não funciona porque não a tornamos efetiva, porque 
nós nos subordinamos a uma lógica deôntica ultrapassada, resquício dos 
tempos autoritários. 
É preciso lembrar a todo momento. Houve tempo em que todos os 
tributos eram concebidos segundo sua causa fi nal, a saber: os impostos se 
diferenciavam dos demais por se destinarem ao custeio das despesas gerais. 
Já as taxas teriam como fi m o fi nanciamento de certos serviços públicos; 
por sua vez, a contribuição de melhoria teria como causa fi nal o custeio 
18 19
de obras públicas. A causa fi nal passou, assim, a dirigir os conceitos nu-
cleares do direito tributário. Mas essa época levou à extrema pobreza 
os direitos e garantias dos contribuintes. Recentemente, com o retorno 
do fi nalismo, não raramente travestido de motivação, até contribuições 
destinadas ao custeio da aposentadoria daqueles contribuintes já aposen-
tados foram legitimadas, embora dentro de um quadro sofi sticado de 
justifi cação [...] obrigações sem causa fi nal são exatamente o fenômeno, 
de extrema gravidade, com que somos obrigados a conviver, com sen-
timento de profundo retrocesso democrático. Enfi m, nós abrimos um 
setor de ilicitude justifi cada, que corre paralelamente. Nesse contexto, 
não é possível esquecer as lições de Geraldo Ataliba, o grande mestre, 
que pôs a lógica e a metodologia a serviço dos grandes princípios cons-
titucionais. 
 Por tudo isso, é com grande satisfação que vejo nesta obra que 
ora se publica grupos sérios de pesquisa, liderados pelo Prof. José Mar-
cos Domingues, renovando a dogmática tradicional, e preparando novos 
instrumentos técnicos com que realizar os desígnios constitucionais.
APRESENTAÇÃO
Este livro é produto do grupo de pesquisa por mim coordenado na 
Faculdade de Direito da Uerj, em 2007. Integraram-no os diletos orien-
tandos no mestrado, Carlos Costa e Hermano Barbosa, e outros queri-
dos pós-graduandos, André Brugni, Diogo Ferraz, os quais então conhe-
ci, e Gustavo Amaral, ex-aluno no bacharelado. 
Nossas reuniões na faculdade foram momentos de debate profí-
cuo e enriquecimento mútuo. As tertúlias acadêmicas prolongaram-se 
por meio de encontros extraclasse e correios eletrônicos durante dois 
semestres.
O tema geral do grupo de pesquisa foi Tributação e Políticas Públi-
cas.
Não parece mais possível ao jurista, máxime ao tributarista,relegar 
a outros domínios do conhecimento a análise do mérito das decisões es-
tratégicas atinentes à atuação do sistema tributário.
É jurídica a apreciação dos limites do poder de tributar e do poder 
de exonerar, sob pena de não se realizar o respectivo controle de legi-
timidade, que decorre de um contraste entre os fi ns preconizados e os 
meios empregados. 
A unicidade fundamental do fenômeno fi nanceiro é uma realidade 
desde sempre anotada e acatada pela melhor doutrina contemporânea. 
Positivamente, ela confere com o texto da Magna Charta inglesa que, já 
em 1215, postulava a razoável fi xação dos impostos, com moderação, em 
linguagem ampla, da qual se pode extrair não só a adequação do tributo 
ao princípio da capacidade contributiva, como a respectiva pertinência 
aos fi ns a que se destina.
A utilização do tributo como instrumento de realização dos pro-
gramas de governo não deve ser olvidada, quer em face da teoria da ex-
trafi scalidade, quer em virtude da própria letra dos Textos Constitucio-
nais. Quer na versão italiana que determina que “o sistema tributário 
é inspirado nos critérios de progressividade” (art. 53), quer na dicção 
brasileira que ordena a tributação diferenciada da pequena empresa (art. 
170, IX, e art.179), revela-se o propósito de promoção da igualdade, por 
meio de políticas redistributivas e de pleno emprego, viabilizadas pela 
justiça fi scal, a mesma que, por exemplo, impõe o combate ao latifúndio 
por imposto mais gravoso.
20 21
Ademais, o custeio das ações de concepção e implementação de 
políticas públicas deve ser orientado por um princípio de economicida-
de que rege tanto a legislação como a administração, o qual, a par da se-
paração de poderes, determina que as respectivas provisões feitas pelos 
órgãos competentes daquela sejam ordinariamente acatadas pelo gover-
no na aplicação da lei orçamentária, pena de insinceridade fi scal e fraude 
constitucional.
A publicação dos trabalhos do grupo de pesquisa refl ete o com-
promisso da universidade com a produção do saber, por intermédio da 
contribuição de seus integrantes, aos quais se junta um ensaio do seu 
professor, com o orgulho de quem, ex-aluno da casa, vê, no empenho 
de jovens juristas, a realização da missão de fomentar o espírito crítico, 
razão maior de ser do ensino superior.
O percuciente prefácio com que a ilustre Professora Misabel Abreu 
Machado Derzi brinda autores e leitores é motivo de satisfação e júbilo, 
pois nos reconforta e anima a novas jornadas, ela que, liderança ímpar 
no direito pátrio, provém das Gerais, terra do primeiro grito pela liber-
dade e cidadania fi scal brasileira. 
Agradeço a Fernanda Greco Laureano, minha orientanda na gra-
duação, que se desincumbiu da formatação dos trabalhos, consoante o 
padrão editorial escolhido.
José Marcos Domingues
Professor Titular de Direito Financeiroda Faculdade de Direito da Uerj
SUMÁRIO
PARAFISCALIDADE, REGULAÇÃO E ESTADO NA ECONOMIA 
GLOBALIZADA 23
André Brugni de Aguiar
1. Introdução 23
2. Breve histórico da intervenção estatal na ordem econômica e social 25
3. Contribuições especiais 37
4. A parafi scalidade no Brasil 40
5. A discussão dos conceitos 43
6. Tributação e necessidades globais 49
7. Considerações fi nais 53
8. Bibliografi a 56
A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL 59
Diogo Ferraz Lemos Tavares
1. Introdução 59
2. O princípio da capacidade contributiva 60
3. A tributação extrafi scal 82
4. O suposto confl ito entre a capacidade contributiva e a extrafi scalidade 98
5. O diálogo entre a capacidade contributiva e a extrafi scalidade: 
possibilidades e limites de uma tributação extrafi scal 101
6. Conclusão 108
7. Bibliografi a 111
MERCADO E TRIBUTAÇÃO: OS TRIBUTOS, SUAS RELAÇÕES COM 
A ORDEM ECONÔMICA E A NECESSIDADE DE CONSIDERÁ-LA NA 
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
(ou será possível interpretar e aplicar o sistema tributário sem considerar os 
refl exos sobre a ordem econômica?) 113
Gustavo do Amaral Martins
1. Introdução 113
2. Conceito de constituição econômica 117
3. Evolução da constituição econômica 119
4. Fiscalidade, extrafi scalidade e objetivos não-fi scais em tributos 
arrecadatórios. A tributação e intervenção do Estado na economia 123
5. Posição da doutrina brasileira 137
6. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal 138
7. Imaginando um exemplo 141
8. Considerações fi nais 143
9. Referências bibliográfi cas 144
22
DIREITO TRIBUTÁRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS
23
PARAFISCALIDADE, REGULAÇÃO E ESTADO NA 
ECONOMIA GLOBALIZADA
André Brugni de Aguiar
Fiscal de Rendas do Município do Rio de Janeiro
Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes
Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de 
Janeiro
Mestrando em Direito da Cidade na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
1. Introdução
O termo parafi scalidade se prestou a interpretações diversas, no 
tempo e no espaço. Ao ser usado pela primeira vez, em 1946, no famoso 
Relatório Schumann,1 parafi scalité designava um conjunto de encargos 
pecuniários de natureza variada, destinados a repartições públicas au-
tônomas, a associações profi ssionais e ao custeio da satisfação de alguns 
direitos sociais (FERNANDES, p. 66-67). Mas a simples aposição do pre-
fi xo para (no sentido de à margem de) a vocábulo que se originava do 
latim fi scus (que signifi cava cesto) já indicava a nota específi ca que, em 
tese, seria comum a todas essas exações: não se incorporavam ao cesto do 
orçamento geral do Estado.
A palavra parece estar hoje relativamente consolidada como indi-
cativa do fenômeno da delegação da capacidade tributária ativa2, isto é, 
das situações em que o ente criador da exação afeta a outro o poder de 
arrecadá-la3 e fi scalizá-la, bem como o de dispor do respectivo produto, a 
1. Nome do ministro das Finanças da França que coordenou, à época, minucioso 
levantamento sobre as exações vigentes em seu país. 
2. Conforme assinala FONROUGE, Carlos M. Giuliani, (2001, p. 343), não se con-
funde o poder tributário e competência tributária, correspondendo esta à noção 
de sujeição ativa: “El poder tributário, repetimos, es inherente al Estado [...] No 
puede ser objeto de cesión o delegación [...] Lo que puede transferirse, según vimos, 
es la llamada competência tributaria, o sea, el derecho a hacer efectiva la presta-
ción.”
3. Há quem não considere a delegação das atividades de arrecadar e fi scalizar como 
elemento do conceito, mas apenas a afetação da receita ao ente não-estatal: “Essa 
OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR: INSTRUMENTO DE 
POLÍTICA PÚBLICA NO CONTEXTO DA FISCALIDADE AMBIENTAL 151
Carlos da Costa e Silva Filho
1. Introdução 151
2. O dilema da modernidade cientifi cista e o despertar da consciência 
ecológica 152
3. Os bens públicos e o mercado: as externalidades 160
4. O princípio do poluidor-pagador (PPP) 170
5. A tributação ambiental 184
6. Meio ambiente urbano e a outorga onerosa do direito de construir 207
7. Considerações fi nais 230
8. Referências bibliográfi cas 231
REGULAÇÃO ECONÔMICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS 
INCENTIVOS FISCAIS 237
Hermano Antonio do Cabo Notaroberto Barbosa
1. Introdução 237
2. Estado regulador e regulação econômica 237
3. Sistema Constitucional Tributário, neutralidade e extrafi scalidade: 
a tributação como instrumento de regulação econômica 252
4. O papel dos incentivos fi scais 270
5. Conclusões 292
6. Referências bibliográfi cas 294
O DESVIO DE FINALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES E O SEU CONTROLE 
TRIBUTÁRIO E ORÇAMENTÁRIO NO DIREITO BRASILEIRO 299
José Marcos Domingues de Oliveira
1. Introdução 299
2. As contribuições e as Cides 303
3. Finalidade e fato gerador das contribuições 303
4. Finalidade, tredestinação e inconstitucionalidade 306
5. A jurisprudência do STF 310
6. O direito de resistênciae a defesa da constituição 313
7. O controle de constitucionalidade da lei orçamentária e da despesa 
pública. Natureza jurídica do orçamento: teoria da lei formal e do ato 
administrativo vs. teoria da lei material 316
8. Crítica à teoria do orçamento como lei formal 321
9. O Brasil e o orçamento contemporâneo 332
10. Os contingenciamentos de despesa. Cautela ou fraude constitucional? 337
11. Uma nova perspectiva de controle das contribuições – caráter 
impositivo da despesa vinculada 341
12. Preservação da supremacia constitucional. Considerações fi nais 343
13. Bibliografi a 347

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