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24 Geologia do Brasil A humanidade povoa a Terra há alguns poucos mi- lhares de anos. Parece natural que cada um de nós ima- gine ser a Terra muito antiga, além de estável. Formamos a ideia de estabilidade permanente, a partir da serenidade das montanhas e da grandeza dos oceanos. Nada poderia ser mais distante da realidade. Embora o planeta tenha idade respeitável, a expressão “Terra inquieta” é bem com- preendida por todos aqueles que vivem sob a ameaça cons- tante de terremotos, vulcões e tsunamis, e que conhecem o perigo representado pelas instáveis margens das placas tectônicas em busca de novas situações de equilíbrio. Nos próximos capítulos estudaremos os registros de nossa variada história de mudanças geológicas e am- bientais, desde a formação da Terra. Veremos como foi desenvolvida a ideia de Tempo Profundo por meio de racio- cínio lógico e adoção de procedimentos rigorosos. Como exemplo, refletiremos sobre o tempo necessário para for- mação de uma bacia sedimentar. As mudanças ocorrem em escalas de tempo muito distintas: cada etapa significa o ponto de partida de outra. Estudando a noção geológica de tempo e a evolução das ideias sobre Tempo Geológico, veremos as principais contribuições dos geocientistas para a moderna formulação de idades do universo conhecido e da Terra. Sabemos que o planeta se formou há aproxima- damente 4,56 bilhões de anos. Os geocientistas compre- endem que a história da Terra está registrada nas rochas da crosta terrestre e pode ser decifrada por métodos apro- priados. Aos poucos, identificam ciclos e processos e in- UM OLHAR GEOLÓGICO...PARA O TEMPO PROFUNDO Celso Dal Ré Carneiro Fernando Flávio Marques de Almeida Pedro Wagner Gonçalves Alexandre Uhlein Carlos Maurício Noce (in memorian) Antes do desenvolvimento da datação radiométrica, nosso entendimento da estrutura de tempo da Terra compara-se a de um historiador, que sabe que Albert Einstein viveu em alguma época entre Alexandre, o Grande, e Michael Jackson, sem definir exatamente quanto tempo se passou entre esses eventos. (Halliday 1997) dicam idades cada vez mais remotas para a origem da vida e do homem. Essa fascinante história motivou o surgi- mento da geologia como ciência moderna. Ainda que boa parte das pessoas desconheça que a Terra seja tão antiga, ou até mesmo desacredite das idades dadas pela ciência, rara- mente pensamos sobre o significado desse conhecimento em nossa cultura. Para formar pessoas cientificamente cultas, é essencial dispor de ideias consistentes sobre idade da Terra, que ajudam a construir formas menos antropo- cêntricas de ver o mundo. Em um planeta tão antigo, buscamos dar signi- ficado aos longos intervalos de tempo utilizando as se- utilizando as se-utilizando as se- guintes siglas: Ma significa mega-age, ou milhões de anos; e Ga significa giga-age e refere-se a bilhões de anos. Afinal, quanto tempo é 1 milhão de anos? Pense bem: se uma pessoa pudesse viver 1 milhão de dias, ela atin- giria a respeitável idade de 2.740 anos! (Weisgarber s.d.). Para dar uma ideia de quanto tempo é algo da ordem de 4,56 Ga (4.560.000.000 anos), basta um (simples?) exer- cício de imaginação (a experiência real é impossível): se você começasse, agora, a contar números de dez em dez, sendo cada número correspondente a dez anos da história da Terra e, a partir deste instante, não fizesse outra coisa durante os próximos anos, ou seja, ficasse sem dormir, sem comer, apenas contando, em poucos minutos de contagem chegaria ao tempo dos egípcios; mas seriam necessários aproximadamente 14,26 anos ininterruptos de contagem para chegar à época de formação deste planeta. Muito tempo mesmo, não? willian Zone de texte In: HASUI, Y.; CARNEIRO, C.D.R.; ALMEIDA, F.F.M.de.; BARTORELLI, A. Geologia do Brasil. Editora Beca, 2012. 900 p. 25 2UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO UM EXEMPLO DE “HISTÓRIA GEOLÓGICA CURTA” Um exemplo de fenômeno bastante recente, do ponto de vista geológico, permite compreender a importância e magnitude dos processos geológicos envolvidos: trata-se da formação da bacia sedimentar do Pantanal (Fig. 1). Sondagens da Petrobras realizadas em diferentes partes da bacia atravessaram cerca de 500 m de sedimentos fluviais e lacustrinos (Weyler 1964 apud Assine 2003), compre- endendo o intervalo desde o Pleistoceno, que abrange cerca de 1.800.000 anos. Convertendo-se a quantidade de metros em milímetros e dividindo-se os números, tem-se A vastidão incomensurável de tempo compreende tanto lentas transformações cíclicas quanto as mudanças rápidas que caracterizam, muitas vezes, catástrofes am- bientais. Os ciclos da água, das rochas, das montanhas e dos continentes são alguns desses ciclos. A própria evolução da vida, tal como formulada por Darwin, Wallace e outros biólogos evolucionistas, encaixa-se em – e depende de – uma visão de história da Terra ampliada em relação àquela vigente até o início do desenvolvimento da mo- derna Geologia. A Escala Absoluta do Tempo Geológico vem sendo montada desde os primórdios da Geologia e tem sido continuamente revisada nos últimos dois sé- Figura 1. Dados de subsuperfície da Bacia do Alto Rio Paraguai, obtidos a partir de poços perfurados pela Petrobras na década de 1960 e curvas de isópacas da Formação Pantanal (Modif. de Assine 2004, 2010. Fontes de dados: Brasil e Alvarenga 1989, Ussami et al. 1999, Weyler 1962, 1964) culos. A versão mais recente, publicada por Gradstein et al. (2004) e revisada por ICS (International Commission on Stratigraphy/ IUGS 2010), discrimina etapas da história do planeta a partir de determinados intervalos de idade de rochas, com base na ocorrência de eventos relevantes, no reconhecimento de certos fósseis ou em informações geocrono- lógicas. O tema “Idade da Terra”, nos últimos 400 anos, despertou ampla polêmica no mundo religioso e político, com implicações que se estendem até hoje. No início dos anos 1800, homens com boa formação científica e filosófica acreditavam que a Terra possuísse cerca de 7.000 anos. Na época, e nas décadas seguintes, poucas vozes eram discordantes. Somente no último quartel do século XVIII, naturalistas germânicos, franceses e britâ- nicos passaram a imaginar que a idade do planeta fosse muito maior do que isso. Bu- ffon, pensador francês da época das Luzes, impressionou-se com as próprias conclusões: os eventos ocorridos no planeta sugeriam eras de dezenas de milhares de anos. A isso ele chamou, no século XVIII, de “abismo do tempo”. A idade da Terra estender-se-ia, se- gundo ele, por cerca de 75 mil anos (Gohau 1991). O conceito de “abismo do tempo” tem profundo significado filosófico. Sua impor- tância para a ciência pode ser comparada à mudança de concepção de mundo que acon- teceu quando o heliocentrismo substituí o geocentrismo. São avanços profundos do co- nhecimento científico e da cultura humana, porque mudaram a forma pela qual o homem se reconhece no universo, além das evidentes finalidades práticas, como localização de re- servas de água, petróleo, gás, minérios, preser- vação e proteção ambientais. 26 Geologia do Brasil abundante informação sobre fósseis. O autor popularizou entre os naturalistas a ideia de que a história da Terra era muito longa – conforme Hutton imaginara no último quartel do século XVIII. Na primeira metade do século XIX, quando a Geologia, a Paleontologia e a Antropologia pré-histórica emergiam como disciplinas científicas, ferramentas de pedra de homens primitivos, denominadas eólitos, vinham sendo encontradas por antiquários, em camadas sedimen- tares da Dinamarca, Inglaterra e França, ao lado de restos de animais extintos, como ursos cavernícolas e mamutes. Nos anos 1860, firmaram-se os vínculos entre a história humana antiga e o TempoGeológico: uma revolução do conceito de tempo. O esquema cronológico básico da Ar- queologia propõe que os seres humanos evoluíram nas idades da Pedra, do Bronze e do Ferro. Mais tarde a Idade da Pedra foi subdividida em antiga e nova: as épocas pa- leolítica e neolítica, sendo esta última associada à revo- lução agrícola (Smail 2005). A obra que unificou o tempo biológico fora publicada em 1859 por Charles Darwin (A Origem das Espécies), sucedida por Evidências geológicas da antiguidade do homem (Lyell 1863) e Tempos pré-histó- ricos (Lubbock 1865). As três obras oferecem um modo de ligar a história da vida à Escala do Tempo Geológico. UMA HISTÓRIA DE MUDANÇAS AMBIENTAIS A Terra é um planeta geologicamente ativo e em constante transformação; trocas de matéria e energia mudam os limites entre as esferas terrestres, sua compo- sição e características. Para se compreender a dinâmica do planeta, a concepção de Tempo Geológico é essencial, pois a duração do conjunto de processos e fenômenos terrestres exerce papel decisivo nos ciclos de transformação do Sis- tema Terra. Qualquer feição geológica ou rocha representa uma série de eventos naturais que estão situados em um in- tervalo de tempo específico da história geológica da Terra. Na progressão do tempo, percebem-se “ciclos in- cessantes de mudança” (Viñuales Solé et al. 1995, p. 10). Os processos que integram o Ciclo das Rochas (Cap. 1) são interdependentes. Mesmo reconhecendo-se que a ideia de ciclo seja simplificada, uma etapa que se finda é o ponto de partida de outra. Um modo eficaz de propor uma subdivisão didática que facilite o entendimento de ciclos baseia-se na ideia de processos e produtos. As rochas, os sedimentos, os solos, o magma, as formas de relevo, as cadeias de montanhas e as bacias sedimentares são todos eles construções que representam produtos de determi- nado ciclo; os processos, por sua vez, são os mecanismos incansáveis que promovem transformações à medida que realizam fluxos (transferências) de energia. A partir do estudo das camadas rochosas que com- põem os domínios mais superficiais da Terra (como as ba- uma taxa de sedimentação de 0,28 mm/ano. A cifra, ele- vada, é compatível com taxas de 0,5 mm/ano no Gráben do Reno (França-Alemanha); 0,2 mm/ano no Lago Baikal (Rússia) e 0,4 mm/ano na plataforma do Golfo do México (Louisiana EUA) (Assine 2010). A acumulação tende a entulhar de sedimentos todo o espaço disponível da bacia. Considerando que o Pantanal tem permanecido raso durante todo o tempo da história humana, pode-se concluir que a região deva ter afundado continuamente, para acolher mais sedimentos, empilhados lentamente, a uma taxa média superior a 2 mm / 10 anos. O número, aparentemente pequeno, assume grande sig- nificado pelo longo intervalo de tempo correspondente. Assim, a bacia sedimentar do Pantanal foi gradualmente formada, desde 1.800.000 anos até o Recente, a partir do afundamento da crosta e do preenchimento por sedi- mentos fluviais e lacustrinos. Vários eventos geológicos podem ser reconstituídos (afundamento crustal, sedimen- tação) ao longo do intervalo de tempo considerado. Afinal, de que modo os cientistas construíram as ideias fantásticas sobre a longa duração do Tempo Geo- lógico? TEMPO GEOLÓGICO A descoberta do tempo profundo assume, sob di- versos pontos de vista, significado similar ao da revolução cosmológica de Galileu. A nova perspectiva temporal in- fluenciou todas as ciências históricas. Hutton (1795) foi o precursor em comprovar a concepção de idades muito an- tigas para explicar o fato de que as montanhas não haviam sido erodidas no tempo supostamente disponível; admitiu que sedimentos tivessem originado novas rochas no fundo do mar, posteriormente soerguidas, para então constituir continentes. Hutton deixara de lado a ideia de uma Terra eterna, não criada, e concentrou seu argumento em mecanismos geológicos. De forma similar, os historiadores evitam questões polêmicas sobre a origem do homem e focam a atenção em processos (Smail 2005). Em essência, sua concepção é a de que nenhum vestígio da Terra primordial poderia ter sobrevivido à interminável e incessante reci- clagem de materiais, desde a formação. A capacidade de decifrar “pistas” gravadas pela atuação dos fenômenos no passado teve em James Hutton um dos pioneiros. O mo- delo de pensamento que construiu, denominado machina mundi, baseia-se na ideia de que o calor interno da Terra é capaz de erguer continentes, consolidar rochas e promover uma série de outras interações. O livro Princípios de Geologia do geólogo britânico Sir Charles Lyell, publicado nos anos 1830, permitiu or- denar de forma convincente o Tempo Geológico em eras, cuja definição fora baseada na sucessão de estratos e em 27 2UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO cias sedimentares), os geocientistas encontram evidências da história de modificação das rochas do planeta e recons- troem cenários do passado geológico. Os domínios super- ficiais ou bacias são áreas de acumulação de sedimentos, depositados ao longo do tempo em diferentes ambientes, por exemplo, fluviais ou lacustrinos, como a Bacia do Pantanal (Fig. 1). Assim, embora os ambientes não mais existam em sua integralidade, eles podem ser revelados, ao menos em parte, a partir do estudo das evidências mate- riais de diferentes naturezas (físicas, químicas, biológicas) preservadas nas rochas. A reconstrução de cenários pre- téritos não é tarefa para uma única pessoa, tampouco é rápida: o conhecimento vem sendo construído ao longo de gerações e continuará a se ampliar graças à produção de novos conceitos, ao desenvolvimento de novos métodos de estudo e à modernização das tecnologias de observação. A estrutura e limites dos continentes resultam de complexa sucessão de eventos histórico-evolutivos que transformam o planeta no decorrer do Tempo Geológico. Os continentes modificam-se em dezenas de milhões de anos, devido ao movimento gradual das placas tectônicas (Cap. 5) causado pelo calor interno. Ao mesmo tempo, os agentes externos, animados pela força da gravidade e pelo calor do Sol, reduzem a amplitude do relevo. Os mecanismos do intemperismo causam transformações mecânicas e químicas que desagregam rochas e formam novos minerais, e os de erosão e sedimentação esculpem e moldam novas formas de relevo. A Teoria da Tectônica de Placas é conhecida mo- dernamente como Tectônica Global. Neste livro, utiliza- remos como sinônimos ambas as denominações. A Tec- tônica Global busca analisar o comportamento dinâmico da Terra e seus processos: magmatismo, vulcanismo, se- dimentação, metamorfismo, abalos sísmicos (terremotos), evolução de cadeias montanhosas e formação de recursos minerais e energéticos (como petróleo, gás e minerais radioativos). As transformações envolvidas podem ser tra- tadas segundo ciclos intimamente entrelaçados: os ciclos das rochas, das montanhas e dos continentes (Cap. 6). JAMES HUTTON A história do desenvolvimento da moderna Geo- logia pode ser iluminada pelas conclusões do naturalista britânico James Hutton (1726-1797). Ele desenvolveu um modo peculiar de reconhecer, sistematizar e interpretar muitas marcas deixadas por acontecimentos passados, re- gistrados em rochas e outros materiais (Fig. 2). Para al- guns de seus contemporâneos, ele foi capaz de “conversar com as rochas”. Hutton observou muitos vestígios marinhos espa- lhados nos planaltos escoceses. Na época, as marcas eram explicadas por significativo rebaixamento do nível do mar, mas ele se perguntou: para onde teria ido tanta água? Sem obter resposta, supôs que o continente tivesse sido levan- tado e os depósitos, depositados muito tempo atrás no fundo mar, haviam sido soerguidos centenas de metros acima de onde se formaram. Ele foi maisatento do que seus contemporâneos em valorizar a erosão e os mecanismos de rebaixamento do relevo, responsáveis pela acumulação de materiais no fundo dos oceanos, ao lado dos continentes, para, longo tempo depois, serem empurrados para cima for- mando novos continentes. O engenhoso esquema cíclico de destruição e construção de continentes foi a pedra de toque explorada até hoje em modelos muito mais complexos e detalhados. Na época, Hutton não podia responder a uma pergunta-chave: quais seriam os mecanismos que movem o ciclo de destruição e construção de rochas e continentes? Hoje, supomos que as placas litosféricas e os processos tec- tônicos associados organizam uma sequência satisfatória de muitos eventos particulares que ocorrem em diferentes es- calas de tempo e de espaço. São, em conjunto, responsáveis pela construção de feições de grande escala, como os cintu- rões montanhosos e assoalhos oceânicos, pelo desenvolvi- mento de bacias sedimentares, pelas causas dos terremotos e vulcões, entre outros. Hutton encontrou um modo seguro de identificar ciclos e processos na longa história geológica do nosso planeta: determinadas feições geológicas oferecem as “pistas” necessárias para o reconhecimento de fenômenos e contam uma história do que aconteceu; é algo similar ao que fazem historiadores diante de medalhas, moedas, urnas funerárias etc. para relatar a história da Antiguidade. A concepção de Hutton envolve o calor interno da Terra, capaz de levantar continentes e consolidar rochas, as quais formariam novos solos e novas superfícies, sujeitas a in- temperismo e erosão. Os detritos por sua vez seriam re- carregados para o fundo dos oceanos, onde se transforma- riam em novas rochas. Hutton percebeu, por exemplo, que muitas mudanças na Terra são imperceptíveis para nós, porque ocorrem de modo muito lento: cálculos aproxi- mados do volume de sedimentos transportados pelos rios Figura 2. Gravura desenhada em Glen Tilt, Tayside, por J. Hutton (Disponível em: <http://gallery.usgs.gov/images/07_22_2009/kOf6JVu22C_07_22_2009/ large/575015-Map__Glen_Tilt__Tayside.jpg>) 28 Geologia do Brasil para o fundo dos oceanos indicam quantidades imensas, mas só foram feitos no século XX. No assoalho marinho os detritos são acumulados e compactados para se trans- formar mais tarde em rochas consolidadas. Muitas coisas estão se modificando: minerais e rochas estão se renovando; solos são levados pela erosão, transformando-se em sedimentos, e outros estão se for- mando. No ciclo da natureza a água removeria materiais para o fundo do mar e o calor levantaria novos continentes para ocupar o lugar daqueles que foram desgastados. Uma boa ideia, cuja veracidade precisaria ser provada... Quando Hutton visitou o vale do Rio Jed, em 1787, na Escócia, observou uma sequência de rochas cujas ca- madas não estavam depositadas horizontalmente, umas em cima das outras, como era comum (Fig. 3). Não eram nem mesmo paralelas entre si, porque exibiam uma descontinui- dade (termo usado mais tarde, depois da morte de Hutton). Na falta de explicação adequada, Hutton expôs sua ideia: as camadas inferiores, depositadas no fundo do mar, foram com o tempo compactadas, dobradas e elevadas; com a fragmentação e erosão, as bordas verticais foram expostas e a ação contínua do processo retirou e transportou muito material; o nível topográfico das camadas rochosas tornou- -se cada vez mais baixo até que novos sedimentos devem ter sido depositados e consolidados, sem serem dobrados. Por fim, deve ter havido uma segunda elevação do lugar. Hutton concluiu que no vale do Rio Jed (Fig. 3) havia provas de que os processos naturais se repetem em ciclos, ao longo de muito tempo. A região fora o fundo de um oceano onde se acumularam sedimentos, poste- riormente deformados no interior da Terra. A elevação, o desgaste e a erosão das rochas formaram gradativamente um novo local de deposição de sedimentos. As mudanças no ambiente percebidas por Hutton fazem parte de uma cadeia cíclica de eventos cuja duração é da ordem de cen- tenas de milhões de anos. Hutton comprovou transforma- ções do passado do planeta mediante leitura das marcas impressas nas rochas. Foi como se tivesse descoberto uma “máquina do tempo” para o passado longínquo da história da Terra, dando um passo importante para se desvendar processos relacionados às forças internas da Terra. Apenas no século XIX as ideias de Hutton foram popularizadas, quando o escocês Charles Lyell (1797-1875) publicou o livro Principles of Geology em 1830. O reconhecimento de vários ciclos de destruição e construção de continentes, em um mesmo local, indicava que o tempo da natureza era muito longo. Muitos ainda acreditavam que a história da Terra possuía poucos mi- lhares de anos, o que era incoerente com as descobertas de Hutton. Lyell avançou os estudos de Hutton e detalhou algo que havia sido desconsiderado: o conteúdo de fósseis presentes nas camadas terrestres, as marcas de seres vivos do passado que ficaram registradas nas rochas). A sequência faunística conhecida no final do século XVIII revelava a existência de animais pretéritos muito diferentes dos atuais. Os seres vivos estão classificados se- gundo suas características e por meio de semelhanças e di- ferenças com outros seres vivos; todos aqueles animais não poderiam pertencer a um único quadro taxionômico. Isso indicava o fato de terem existido em épocas diferentes. Assim, as camadas rochosas poderiam ser reconhecidas e organizadas, e o tempo precisava necessariamente ser muito mais longo do que se imaginava, o tempo da Terra deveria ter milhões de anos. O livro de Charles Lyell trouxe abundante infor- mação sobre os fósseis e permitiu ordenar de forma con- vincente o Tempo Geológico em eras. Isso foi decisivo para popularizar entre os naturalistas a ideia de que a his- tória da Terra era muito longa – como Hutton imaginara. A evolução do conhecimento geológico desde os tempos de Hutton e Lyell foi vertiginosa. Em pouco mais de duzentos anos, os geocientistas edificaram uma teoria geral sobre a dinâmica da Terra, denominada Tectônica Global, desde o reconhecimento, nos anos 1960, de que as placas integrantes da superfície da Terra estão em inces- sante movimento (ver Cap. 5). A Tectônica Global explica o comportamento do planeta, a partir das interações dos processos externos com os da dinâmica interna: magma- tismo, sedimentação, metamorfismo e deformação de ro- chas no interior da crosta, que são os principais causadores das atividades sísmicas e terremotos. A paisagem da Terra muda ao longo de centenas ou milhares de anos. Além de não observarmos diretamente os processos, pode ser que a semelhança entre a nova pai- sagem e a anterior dificulte a comparação, fazendo-nos pensar que nada mudou. A primeira dificuldade decorre das diferenças entre as escalas dos fenômenos e das obser- vações feitas pelo homem. Cuidemos, pois, das escalas de tempo dos processos naturais. Figura 3. Representação artística da discordância observada por Hutton no vale do Rio Jed, perto de Edimburgo (Merguerian 2002. Disponível em <http://people.hofstra.edu/charles_merguerian/ Publications/PubsPdf/HU0704_Geol014NYNJGuide.pdf>) 29 2UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO assim sucessivamente. A camada que ocupa a parte supe- rior do bolo é depositada sobre as demais. Bacias sedimentares são então porções subsidentes da crosta, preenchidas por sedimentos, que são às vezes muito antigos. Esses sedimentos foram depositados em diferentes ambientes, marinhos ou continentais. Assim, as bacias sedimentares representam porções favoráveis para o reconhecimento da evolução geológica da Terra, assim como para precisar a evolução dos ambientes antigos de sedimentação e sua relação com o Tempo Geológico.A Bacia do Paraná é mais antiga que a do Pantanal: a camada superior depositou-se ao final do Cretáceo, há mais de 65 milhões de anos. Para fazer uma ideia apro- ximada de quanto tempo demorou para se formar uma bacia com as gigantescas dimensões da Bacia do Paraná, por exemplo, precisamos primeiro entender o que se quer dizer com a expressão “durante períodos de tempo muito longos” que utilizamos acima. Estamos acostumados a ver situações, no ambiente natural ou artificialmente construído, cujo desenvolvi- mento ocorre em velocidades bastante rápidas: o voo de um pássaro, um trovão, a passagem de um automóvel, uma ventania. Temos que mudar a escala de percepção para imaginar intervalos de tempo ainda mais longos, como a lenta migração de um bando de aves, um temporal, o des- locamento completo de um veículo por uma longa estrada, uma garoa suave etc. Imagine agora qual seria o ajuste ne- cessário para pensar em eventos que aconteceram durante intervalos de tempo ainda maiores. Se visitarmos o Parque Natural do Varvito, na cidade de Itu (SP), teremos contato visual com o esplêndido registro de camadas sedimentares acumuladas e compactadas ao longo do tempo, um inter- valo de tempo muito longo (Fig. 4). Mas quanto tempo? Nessa época remota, há 300 Ma, o ambiente do Sul-Sudeste do Brasil seria muito distinto do atual. A América do Sul e grande parte dos continentes atuais, como África, Antártida, Índia, Austrália e Madagascar estavam unidos e, além disso, situados próximos ao polo sul terrestre. Grandes geleiras formaram-se sobre esse continente antigo. Rochas sedimentares de origem glacial se formaram, constituindo então registro ou “prova” do evento glacial antigo. Entre elas, depositou-se o Varvito de Itu, num antigo lago glacial. Ocorrências similares às do Varvito de Itu, em outros locais do vasto supercontinente, se formaram, igualmente, no fundo de antigos lagos. De- vemos, pois, imaginar fenômenos que aconteceram sob condições muito distintas das de hoje e, além disso, con- ceber lagos calmos, recebendo a descarga de argilas e siltes transportados por águas de degelo. Qualquer feição geológica, solo, sedimento ou rocha, resulta da interação de uma série de eventos na- turais, situados em um intervalo de tempo específico da história geológica da Terra. TEMPO ABSOLUTO E RELATIVO A medida do Tempo Geológico era um problema que opôs Hutton a seus contemporâneos. O debate estendeu-se pelo século XIX. Hutton e sucessores pro- puseram que a Terra deveria ser mais antiga do que se imaginava, mas não havia um método seguro para ava- liar quanto tempo seria este. Mesmo o conhecimento das mudanças na vida, observadas por meio dos fósseis, não trazia informes quantitativos sobre a formação das camadas. Somente a descoberta da radioatividade no final do século XIX e sua aplicação para avaliar a idade das rochas forneceu indícios da duração de cada era geológica. Desde os primórdios da investigação geológica, a classificação e nomenclatura das sequências sedimen- tares mais recentes da história da Terra têm sido até certo ponto problemáticas. Nas primeiras duas décadas do século XIX, o sedimento inconsolidado que repousa em discordância sobre rochas terciárias, recobrindo as montanhas e frequentemente contendo fragmentos exó- ticos e restos de animais, muitos dos quais ainda exis- tentes, exercia “enorme fascínio sobre os homens cultos” (Lavina 2011). Os restos foram considerados produtos do Dilúvio Bíblico (a “Teoria do Dilúvio universal”). A origem pelo Dilúvio”, como foi chamada, era aceita pelos geólogos mais eminentes da época, incluindo Buckland e Sedgwick. Em muitas passagens deste livro, você tomará con- tato com colunas estratigráficas de diferentes partes do território brasileiro. As colunas mostram, de maneira es- quemática, o empilhamento das camadas (ou estratos) de determinada região, de tal modo que as rochas mais an- tigas são indicadas na base e as mais jovens situam-se no topo da coluna. Tais representações gráficas são comuns em geologia, para bem descrever as unidades e a evolução geológica da região considerada e, afinal, facilitar a com- preensão de suas particularidades. As rochas são organi- zadas em grupos e formações, que constituem unidades litoestratigráficas. Esse mecanismo foi estabelecido pelos geólogos para agrupar rochas com características comuns e representá-las convenientemente em mapas. Em quanto tempo se forma uma bacia sedimentar? Bacias sedimentares são áreas que tendem a subsidir (termo que significa “afundar”) na crosta terrestre ao longo do tempo. A Bacia do Pantanal (Fig. 1) é um exemplo de bacia cujo preenchimento corresponde, mais ou menos, a um bolo de camadas: a espessura de sedimentos é em geral maior na parte central e diminui gradualmente em direção às bordas. Em certas bacias, cada camada que aparece de um lado, a partir da base da sequência, percorre toda a parte “inferior” do bolo e pode reaparecer do outro lado e 30 Geologia do Brasil Processos e ciclos geológicos Uma classificação simplificada do tempo em ciclos e processos geológicos permite comparar os eventos con- forme sua duração relativa (Costa e Inda 1992). Processos e ciclos interagem uns com os outros de modo complexo. A classificação é artificial, porque um processo de menor duração que aparece em uma categoria está necessaria- mente incluído em outra; individualizá-los é, muitas vezes, impossível. Por outro lado, a classificação revela processos difíceis de reconhecer e tem a vantagem de separá-los da- queles que observamos diretamente ou temos notícia mais frequentemente pelos jornais e canais de TV. De fato, os processos e ciclos mais lentos são identificados somente por meio de evidências indiretas, de modo que jamais po- deremos observar a longa cadeia de fenômenos envolvidos. • Períodos excessivamente curtos, medidos em se- gundos, minutos e horas, como tempestades, furacões, terremotos e tsunamis, correntes de turbidez, cata- clismas vulcânicos, deslizamentos e avalanches, im- pacto de meteoritos, catástrofes em geral, depósitos tecnogênicos e modificações do meio ambiente pela esfera antrópica (incêndios, poluição sonora etc.). • Processos de duração muito curta, medidos em meio dia, dias e semanas, como o ciclo das marés e depósitos correlatos; variação diurna de temperatura devido à rotação da Terra; tempestades e inundações com depósitos de inunditos (sedimentos ligados a inun- dações) e escorregamentos; cataclismas vulcânicos e depósitos de tufos e piroclastos inconsolidados; depó- sitos tecnogênicos e modificações do meio ambiente pela esfera antrópica (incêndios, desmatamentos, po- luição do ar e das águas superficiais etc.). • Processos de duração curta, medidos em ano, vá- rios anos e décadas, como a formação da camada de húmus do solo; variações climáticas sazonais; va- riação da calota polar; crescimento anual dos animais e vegetais; depósitos tecnogênicos e modificações do meio ambiente pelo homem (poluição do ar e das águas superficiais e subterrâneas); subsidências etc. • Processos de duração média, medidos em séculos a poucos milhares de anos, como as variações climá- ticas globais; formação de planícies de inundação; variações da linha de costa; assoreamento de lagos; formação de solos de 0,5 m a 2,0 m de espessura; precessão e variações na inclinação do eixo da Terra; depósitos tecnogênicos (lixo, esgotos, efluentes in- dustriais, rejeitos em geral etc.) e modificações do meio ambiente pela esfera antrópica. • Ciclos de duração longa, medidos em várias dezenas, em centenas de milhares até alguns milhões de anos. Envolvem os ciclos climáticos globais de longa du- ração, oscilações climáticas entre eras glaciais e in- terglaciais no sistema terrestre; desenvolvimento de solosmuito espessos; variações no sistema de cor- rentes oceânicas profundas; intemperismo químico extensivo; evolução das espécies; mudança no sentido de movimento das placas tectônicas; flutuações eus- táticas (do nível do mar em relação às terras emersas) Figura 4. Camadas horizontais contínuas do Varvito de Itu. As sutis ondulações refletem condições específicas que vigoraram ao tempo da deposição de cada camada. O martelo serve como escala da fotografia. 31 2UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO às encontradas nas cordilheiras submarinas ou no Parque Nacional de Yellowstone (EUA), onde foram descritos os seres termófilos, organismos que obtêm a energia neces- sária para viver a partir de fontes químicas, exclusivamente inorgânicas. A vida também pode ter evoluído em camadas de rochas profundas abaixo de continentes e assoalhos oceânicos (Harrison et al. 2004). Anteriormente pensava- -se que essas zonas fossem muito pobres em nutrientes para sustentar a vida, porém já foram encontrados micror- ganismos, como bactérias, em amostras de rochas reco- lhidas a cerca de 3.000 m abaixo da superfície, sob tempe- raturas de até 75°C. O Arqueano é, ainda, relativamente pouco conhe- cido. Caracteriza-se por apresentar alto gradiente termal, crosta fina sobre manto muito plástico, placas possivel- mente bem menores do que as atuais e atmosfera redutora, isto é, desprovida de oxigênio livre. Neste éon surgiram os primeiros registros de vida no planeta, na forma de algas azuis e verdes capazes de efetuar fotossíntese e iniciar a produção de oxigênio (O2) para a atmosfera. O Proterozoico é dividido nos períodos Paleopro- terozoico (2,5 a 1,6 Ga), Mesoproterozoico (1,6 a 1,0 Ga) e Neoproterozoico (1,0 a 0,54 Ga). Na evolução do terri- tório brasileiro há amplos registros de rochas formadas em cada um desses éons. No Proterozoico, o planeta estaria mais estável e consolidado, com placas tectônicas mais espessas e rígidas, menor fluxo térmico, menor atividade vulcânica, atmos- fera progressivamente mais oxidante e com maior quan- tidade de oxigênio (Windley 1995). Em diferentes partes do território nacional, o estudo e a descrição de rochas ar- queanas e proterozoicas revelam testemunhos (ou relictos de uma evolução) que permitem compreender melhor a evolução da atmosfera, biosfera e hidrosfera durante essa etapa “primitiva” da evolução do planeta Terra. O Fane- rozoico é a etapa de explosão da vida na Terra, com plena atuação de placas tectônicas e amplo desenvolvimento da vida, até atingir formas mais semelhantes às da espécie hu- mana, em fins do Neógeno. Existem determinadas porções da crosta terrestre que foram enriquecidas em diversos elementos químicos (Fe, Au, Mn, U, Al etc.), em função de processos geoló- gicos específicos. Esses processos fundamentais, como magmatismo, sedimentação e metamorfismo, ocorreram ao longo do Tempo Geológico. No Brasil, esses processos relacionam-se fundamentalmente com os éons Arqueano e Proterozoico. As regiões do Brasil favorecidas pela natu- reza apresentam-se como celeiros de depósitos minerais, ou seja, constituem áreas com grande atividade de extração de minérios. Conforme abordaremos adiante neste livro, as regiões da Serra dos Carajás e do Quadrilátero Ferrí- fero apresentam concentrações econômicas de ouro, ferro, manganês, cobre e alumínio, entre outros bens minerais. com amplitudes acima de 100 m; excentricidade e alterações cíclicas da órbita da Terra; inversão do campo magnético. • Ciclos de duração extremamente longa, medidos em dezenas de milhões a bilhões de anos. Incluem pro- cessos evolutivos da crosta, manto e núcleo da Terra; formação de continentes, ilhas e áreas oceânicas; de- riva continental; formação de cadeias montanhosas devido a colisões entre placas; erosão e aplainamento das cadeias de montanhas; transgressões e regressões em escala continental; fases orogenéticas (formação de montanhas ou terras emersas) e metalogenéticas (formação de recursos minerais); surgimento da vida e criação da atmosfera, estratosfera, entre outras; evo- lução das espécies etc. PRINCIPAIS INTERVALOS DO TEMPO GEOLÓGICO A história da natureza tem sido subdividida em pe- ríodos com dezenas de milhões de anos cada um. O re- gistro geológico possibilitou dividir a história geológica da Terra em éons, eras, períodos, épocas e idades. A Escala de Tempo Geológico adotada neste livro segue as proposições de Gradstein et al. (2004), Ogg et al. (2008), e ICS (2010). O início de cada intervalo é registrado por algum fenômeno marcante na evolução do planeta, aparecimento de certos tipos de seres vivos, ou desaparecimento de outros, que viviam no intervalo imediatamente mais antigo. Episó- dios de extinção em massa de espécies sempre intrigaram os cientistas da natureza – como por exemplo, o que marcou o fim do Permiano e varreu do mapa 90% das espécies entre o Permiano e o Triássico, há 252 milhões de anos. O éon mais antigo, e menos conhecido, é denomi- nado Hadeano. Nessa época, a Terra formou-se a partir da acresção de pequenos planetesimais primitivos, aglo- merados de gás e partículas de poeira e gás. À medida que os planetesimais eram atraídos uns pelos outros sob a in- fluência da gravidade, as colisões construíram corpos cada vez maiores. A maioria dos meteoritos que ainda hoje aterrisa na superfície constitui fragmentos de planetesimais primor- diais. Admite-se que um corpo do tamanho da Terra deva ter demorado entre 50 e 100 Ma para crescer. Desde que foi criada, a Terra permanece em órbita em torno da estrela surgida no centro da nebulosa. Até hoje o Sol continua a banhar os satélites com emanações de luz, gás e energia. O éon seguinte, Arqueano, estende-se de 3,9 a 2,5 bilhões de anos, sucedido pelo Proterozoico, de 2,5 bilhões de anos a 542 milhões de anos e, por fim, o Fanerozoico, que vai até os dias atuais. A vida pode ter evoluído na Terra há mais de 3,8 Ga (Mojzsis et al. 1996), sob con- dições inicialmente severas, que podem ser comparadas 32 Geologia do Brasil FERRO, AÇO E MODELOS DO INTERIOR DA TERRA Inúmeros artefatos à nossa volta são feitos de aço, como automóveis, o concreto armado das construções, ja- nelas, portas, talheres, relógios, moedas etc. Poucas vezes nos perguntamos de onde vem a matéria-prima para pro- duzir o aço e menos ainda sobre a procedência do ferro das jazidas do Quadrilátero Ferrífero (MG) ou de Carajás (PA). Como pode haver tanto ferro nesses locais? De onde ele veio? Haveria ligação entre as concentrações minerais e a composição global da geosfera? A história do planeta determinou a distribuição e os arranjos dos materiais existentes na superfície e no in- terior da Terra. Devemos pois estudar a estrutura interna da Terra para entender as profundas e duradouras inter- -relações dos processos que operam hoje e que atuaram no passado remoto. O interior da Terra é inacessível. Grande parte dos livros de texto de Ciências e Geografia do ensino básico ilustra simplificadamente as grandes camadas do modelo da estrutura interna da Terra. O modelo é repetitivo: crosta terrestre, manto e núcleo, frequentemente associados a um corte da Terra com geoides concêntricos. As propriedades físicas e químicas das calotas esféricas são expostas sem suporte no conjunto de dados que indicam suas caracte- rísticas. Muitas vezes, sugerem-se visões incorretas sobre composição e características físicas. Por exemplo, afirma- -se que o manto é formado de magma – ideia que associa rocha fundida ao manto e é totalmente equivocada, pois as pressões no manto são tão elevadas que tendem a impedir a fusão, exceto em zonas muito restritas. CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA Celso Dal Ré Carneiro Yociteru Hasui Pedro Wagner Gonçalves A ciênciaé acessível a todos os seres pensantes porque aplica os instrumentos universais do intelecto àquilo que é o seu material distintivo. Entender a ciência (...) torna-se cada vez mais crucial num mundo de biotecnologia, computadores e bombas. (Stephen Jay 1991) Alheios à controvérsia sobre comportamento dos materiais do manto e implicações ambientais da história térmica da Terra, autores de livros didáticos do ensino básico divulgam um modelo da estrutura interna da Terra abandonado há dezenas de anos. Isso é pior do que propagar erros sobre estado físico e composição de manto e núcleo. Divulga-se um conhecimento distante do cotidiano de alunos e professores, desprovido de sen- tido ecológico e ambiental que ajudaria a compreender mecanismos associados à manutenção da vida da Terra e das condições ambientais que propiciam a sobrevivência humana. Além disso, o modelo descritivo nada contribui para compreender a importância dos mecanismos que operam no manto para o funcionamento da vida no pla- neta. Sabemos que a atmosfera foi sendo modificada por processos que ocorrem no manto, até adquirir a compo- sição de gases conhecida hoje, fundamental para manter a vida. Neste capítulo indicaremos, com uma breve visão histórica, como se construiu o quebra-cabeça do conhe- cimento sobre estrutura interna do planeta e incertezas remanescentes. DENSIDADE E MODELOS DE ESTRUTURA INTERNA O conhecimento do interior da Terra começou com observações diretas das rochas e minerais, que podem ser vistos em minas subterrâneas, sob calor quase insu- portável, em profundidades de no máximo 3.000 m; e em testemunhos de perfurações para pesquisa e extração de petróleo que, mesmo com as modernas tecnologias, al- cançam alguns milhares de metros abaixo da superfície. Também foram coletadas amostras em furos de sondagem willian Zone de texte In: HASUI, Y.; CARNEIRO, C.D.R.; ALMEIDA, F.F.M.de.; BARTORELLI, A. Geologia do Brasil. Editora Beca, 2012. 900 p. 33 3CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA ticos não atingem a alta densidade necessária, restando somente os metais para atingir a densidade adequada, tais como o ferro, níquel, cobalto, cobre etc. O ferro possui a maior abundância cósmica dentre os metais pesados. Por esse motivo, estima-se que o núcleo da Terra seja formado essencialmente de ferro, com algum níquel. A determinação da constituição e da estrutura das profundezas do planeta requer métodos indiretos e inves- tigações sismológicas, de fluxo térmico, magnéticas e gra- vimétricas, bem como sínteses laboratoriais de minerais e rochas e modelagens numéricas, considerando dados físicos obtidos por diversas fontes. A Sismologia investiga as ondas sísmicas geradas principalmente por terremotos. Estes são os naturais, mas também são analisados os indu- zidos por explosão de bombas (a bomba atômica detonada pela antiga URSS em 1961 gerou sismo de magnitude 7,0), enchimento de grandes barragens (ex.: Paraibuna, SP), extração de água subterrânea e acomodação de blocos ro- chosos (ex.: Cajuru, SP), acidentes com obras de enge- nharia (a ruptura da barragem de Koyna na Índia gerou sismo de magnitude 6,3). ABORDAGEM PARA CONHECER O INTERIOR DA TERRA Charles Lyell (1797-1875), naturalista britânico, na décima edição de seu livro de Geologia (1866), propôs uma estrutura para o interior da Terra e, mais importante do que isso, um modo de investigar aquilo que não po- demos observar diretamente e tampouco reproduzir as condições de pressão e temperatura em laboratório. Uti- lizando as informações disponíveis na época, Lyell propôs a existência de uma calota rochosa superficial (com cerca de 200 km de espessura) e um núcleo mais denso ocu- pando a parte central. Reunira o conhecimento da época sobre fenômenos que deveriam ter algum vínculo entre si e seriam fontes de informação sobre os materiais do in- terior do planeta. Listou casos históricos de terremotos e vulcões e tentou indicar quais estudos deveriam ser feitos para melhorar o conhecimento sobre estrutura interna da Terra. Em outros termos, partiu das informações que se pode obter na superfície da Terra para construir uma hi- pótese sobre o que não pode ser observado ou alcançado. No levantamento histórico, Lyell percebeu nexos importantes. Terremotos acham-se associados a movi- mentos de blocos rochosos. Ele relata territórios que se er- gueram ou baixaram durante tremores de terra. Em meados do século XX era cuidadosamente medido e observado que áreas de alta sismicidade (locais sujeitos a muitos e intensos terremotos) sofrem movimentos verticais mensuráveis em alguns anos. A descoberta importante foi, portanto, a ideia de que os terremotos fornecem informações sobre os mate- riais do interior do planeta e seus movimentos. com que se tentou, sem sucesso, alcançar a base da crosta, a exemplo da sondagem realizada na Península de Kola, que atingiu 12 km de profundidade. Na Alemanha vem sendo realizada outra perfuração profunda, que ultrapassará 9.700 m de profundidade. Partes dos materiais estudados origina-se na superfície, em outra parte é das profundezas da crosta, como as rochas metamórficas, e até do manto, como materiais expelidos por vulcões ou incorporados em rochas que sobem das profundezas, como os xenólitos de rochas magmáticas e o diamante1. Se as escavações profundas apenas “raspam” a crosta, como é de fato o interior da Terra? Qual sua temperatura, que materiais existem lá e como se arranjam? Haveria ro- chas parecidas na superfície? São questões que desafiam a capacidade de pesquisa dos geocientistas. Conduzem a respostas importantes para compreender o ambiente e a sobrevivência dos seres vivos mas, ao mesmo tempo, são respostas hipotéticas que rapidamente acabam ultrapas- sadas por explicações mais atualizadas, ou seja, todos os modelos incorporam simplificações rapidamente ultra- passadas pelo avanço do conhecimento científico. Para conhecer o inatingível recorremos a vários princípios físicos e dados extraterrestres. As amostras de rochas da Lua, meteoritos e dados de sondas espaciais contribuem para conhecer a história do interior da Terra. Finalmente, o conhecimento astronômico fornece indica- ções essenciais, em função das densidades do Sol e dos planetas que compõem o Sistema Solar. A massa total da Terra, calculada com base na mecânica de Newton, divi- dida pelo volume, cuja estimativa é feita desde a Antigui- dade, permite determinar a densidade média do planeta. O valor é duas vezes maior que a densidade das rochas su- perficiais. Isso sugere que o interior do planeta seja muito mais denso que a superfície (Fig. 1). Vejamos: a Terra tem a forma de um geoide com diâmetros ligeiramente diferentes: o polar de 12.713,82 km e o equatorial de 12.756,77 km. Em geral a forma é assumida como uma esfera com diâmetro aproximado de 12.700 km. Sua massa total é de 5,6 x 1021 toneladas e a densidade média é de 5,53 t/m3. Para calcular a den- sidade média da Terra, determinamos a massa total e, considerando o diâmetro maior (12.756 km), sabemos o volume total. Se a Terra fosse mais ou menos homogênea, as rochas encontradas na superfície da Terra deveriam ter densidades próximas de 5 a 6 g/cm3, mas as medições, no entanto, revelam valores da ordem de 2,6 e 2,7 g/cm3. Parece óbvio que, se a densidade das rochas da superfície está abaixo da média, no interior da Terra devem existir rochas mais densas do que a média. Os minerais silicá- 1 O diamante é originado em profundidade de 125-200 km (rara- O diamante é originado em profundidade de 125-200 km (rara- mente de 400 km ou mais), sob pressão de 4,5-6,0 GPa e tempera- tura de 990 a 1.300°C, e contém inclusões de minerais e fluidos que fornecem informações do ambiente em que se formou. (DeBeers 2008). 34 Geologia do Brasil por Lyell é: os estudos sobre os materiais do interior do planeta dependem de observações indiretas, pois não po- demos descrever e analisar amostras dessas substâncias. Isso vem sendo perseguido e aperfeiçoado por meio de novas técnicas e métodos que fornecem indícios sobre diferentes profundidades, da superfície até material mais próximo do centro da Terra. As pesquisas permitem fazer mapas das rochas em diversas profundidades mas, por mais aperfeiçoadas que sejam as investigações é pre- ciso ter em vista que se trata de modelos hipotéticos que não podem ser confirmados. As condições de pressão e temperatura e, sobretudo, a história das transformações ocorridas no passado geológico não podem ser reprodu- zidas em laboratório. FONTES DE DADOS Hoje é aceito que dentro da Terra seja mais quente do que na superfície do planeta. Mas nem sempre isso foi consenso entre naturalistas, pensadores e filósofos. Se a aceitação é hoje universal, tanto quanto há alguns sé- culos não havia evidência suficiente para isso, emergem outras dúvidas que desafiam o conhecimento científico atual. Como o calor se distribui nos materiais do interior da Terra? Quais são os mecanismos que propagam o calor e como funcionam? As dúvidas vinculam-se à controvérsia que divide os cientistas da Terra nos últimos 20 anos. Duas escolas disputam a prevalência sobre modelos, formulados em meados do século XX, que descrevem mecanismos-chaves das teorias da Tectônica de Placas e de correntes de con- vecção no manto. As placas adquiriram ampla aceitação e, hoje, poucos geólogos põem em dúvida sua existência. O quadro é distinto do que ocorre com o funcionamento do manto: as correntes mantélicas movimentariam o manto inteiro ou haveria uma barreira a 670 km de profundi- dade e as correntes de convecção seriam estratificadas? Se hoje não existe a barreira, ela teria existido no passado da Terra? Para responder a essas perguntas precisamos es- tudar as principais fontes de informação sobre o interior da Terra, com o devido destaque para as ondas sísmicas. INFORMAÇÕES SÍSMICAS A movimentação de placas gera tensões que se acu- mulam em seu interior ou borda e são liberadas quando alcançam valores capazes de induzir a formação de falhas Figura 1. O interior da Terra. As camadas consideradas são baseadas na composição, distinguindo crosta, manto e núcleo e suas subdivisões, e nas características mecânicas, separando a litosfera e a astenosfera na porção superficial do planeta. (Modif. de Lamb e Sington 1998) Além disso, Lyell associou vulcões e terremotos a causas co- muns. Na época ele não podia provar tal hipótese e, em virtude disso, su- geriu que os estudos fossem concen- trados para revelar tais nexos. Hoje sabemos que áreas vulcânicas têm muitos sismos porque as rochas estão em movimento e, de fato, o número e o ritmo desses movimentos ajudam a prever quando vai ocorrer uma erupção vulcânica. Lyell também preconizou que deveriam ser feitos estudos sobre o campo magnético terrestre. Em sua época era observada a migração dos polos magnéticos, ou seja, além dos polos magnéticos não coincidirem com os geográficos (os polos mag- néticos acham-se a mais de 100 km dos polos geográficos), há pequenas mudanças de direção mensuráveis em poucos anos. A rigidez e as trans- formações das rochas da superfície pouco ajudavam a explicar esse fato. Consequentemente, isso implicava pesquisas dos materiais internos do planeta. O ponto essencial sugerido 35 3CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA velocidade é determinada a partir de experimentos em laboratório com diferentes materiais rochosos. As ondas sísmicas obedecem às leis da mecânica ondulatória - possuem o comportamento de ondas mecânicas, ou seja, apresentam velocidades que variam em função de propriedades dos materiais que atravessam, como rigidez e elasticidade, densidade, compressibilidade e resistência ao cisalhamento. Ao percorrer um meio, as velocidades podem mudar abruptamente e alterar sua trajetória, ao encontrar as descontinuidades sísmicas (ao mudar as propriedades mecânicas do meio). As ondas são refletidas ou refratadas por interfaces formadas por mudanças de materiais. Assim, mediante um arranjo de geofones e sismógrafos, é possível saber o trajeto das ondas geradas por determinada fonte. Como funcionam as ondas sísmicas? Os princi- pais tipos de ondas produzidas por um foco sísmico são: penetrativas e superficiais (Fig. 3). As ondas penetrativas interessam aos estudiosos do interior da Terra porque for- necem informações sobre a distribuição de materiais em subsuperfície até grandes profundidades. São rápidas e dividem-se segundo a geometria de movimento das partí- culas que deslocam. Há dois tipos fundamentais de ondas penetrativas (Tab. 1): • Ondas Primárias (ou P): Longitudinais (compres- sivas), mais rápidas, atravessam os materiais em qualquer estado físico (sólido, líquido ou gasoso). As ondas P “puxam e empurram” as rochas à medida que se movem através delas, à semelhança das ondas so- noras, que igualmente “puxam e empurram” o ar ao se deslocar. • Ondas Secundárias (ou S): Transversais, mais lentas do que as ondas P, atravessam somente materiais só- lidos. As ondas S, ao se mover através das rochas, os- cilam para cima e para baixo ou de um lado para outro, perpendicularmente à direção de propagação. As ondas que circulam na superfície são as causa- doras de danos e efeitos destrutivos dos terremotos. Os danos e a intensidade das ondas superficiais são menores em terremotos profundos. As ondas superficiais des- crevem trajetórias na superfície da Terra ou próximo a esta e caracterizam-se como ondas longas - comparativamente com as demais. Dependendo do movimento de partículas que produzem em seu deslocamento, dividem-se em dois tipos: Rayleight e Love (Fig. 3). • Ondas Love: Transversais, estas ondas receberam esse nome em homenagem ao bri- tânico A.E.H. Love, que elaborou um mo- delo matemático para esse tipo de onda, em 1911. São as ondas superficiais mais rápidas, e se movem no chão, de um lado para outro, perpendicularmente à direção de propagação, como uma cobra ao deslocar-se. Permanecem confinadas à superfície da Terra. ou promover deslocamento ao longo de descontinuidades existente. A liberação da energia mediante deslocamento por atrito de duas massas rochosas ao longo de falha ocorre em sucessivos espasmos instantâneos. Nos terre- motos ou sismos de origem tectônica, na zona de falha em que ocorre o movimento situa-se o centro irradiador de energia (foco), chamado hipocentro. A projeção do hipo- centro na superfície do terreno é o epicentro (Fig. 2). O comportamento mecânico das rochas depende de temperatura, pressão e esforços atuantes. Pode ser rúptil, quebradiço ou friável, se ocorre fragmentação e perda de coesão, ou dúctil ou plástico, se há deformação sem rompi- mento. A fragmentação leva à formação de falhas, juntas e fraturas; a deformação plástica leva à formação de zonas de cisalhamento, dobras e foliação. Como cada rocha tem seus minerais próprios, sob as mesmas condições físicas umas têm comportamento rúptil e outras, dúctil – por isso, o comportamento de uma rocha é em geral misto, dúctil-rú- ptil ou rúptil-dúctil, com predominância de um ou outro. Quando uma falha se movimenta (Fig. 2), há libe-(Fig. 2), há libe-há libe- ração de energia e esta se propaga pelos materiais terrestres por meio de ondas mecânicas. Os tipos básicos de falhas são: (a) falhas de cavalgamento ou empurrão, que possuem baixo ângulo de mergulho e deslocamento tangencial à su- perfície, (b) falhas de gravidade ou normais, que possuem alto ângulo de mergulho e deslocamento normal à super- fície, (c)falhas transcorrentes, que possuem alto ângulo de mergulho, geralmente subvertical, e deslocamento tan- gencial à superfície. Embora existam outros mecanismos responsáveis por gerar terremotos, aqueles associados a falhas não apenas são mais comuns e importantes, como estão associados à liberação de energia capaz de informar sobre os materiais do interior da Terra. As ondas resultantes (Fig. 3) se propagam pelo interior ou pela superfície do pla- neta, segundo padrões bem conhecidos, sendo detectadas pelos sismógrafos. Mediante uso de técnicas apropriadas, os estudos de distribuição das ondas liberadas por um sismo afastado de uma rede de sismógrafos permitem localizar o hipocentro e determinar características dos abalos, como, por exemplo, o tipo de movimentação ocorrida. O estudo das ondas é feito por intermédio de sismógrafos, que são aparelhos que captam a chegada da onda produzida por um sismo; registram o tipo, a intensidade e o tempo de percurso da onda (Fig. 3). A Figura 2. Tipos de falhas responsáveis por terremotos e relações entre foco sísmico e epicentro nos três casos 36 Geologia do Brasil que as ondas S desaparecem completamente (Fig. 8). A velocidade das ondas é diretamente proporcional às constantes elásticas do meio e inversamente propor- cional à densidade, de acordo com a seguinte relação: Vp = ( k + 4 m / 3 ) / d onde: Vp - velocidade das ondas P k - módulo de elasticidade do material m - módulo de rigidez d - densidade Os elementos acima permitem inferir a compo- sição litológica das rochas atravessadas pelas ondas. Uma vez que rochas diferentes possuem velocidades distintas, as mudanças de pressão e temperatura alteram a rigidez da rocha; analogamente, podem ser inferidas dos modelos de velocidade de ondas sísmicas. O que revelam as ondas sísmicas? Em 1909, Andrija Mohorovičić (1857-1936) já havia montado uma malha de sismógrafos e pode medir o comportamento de ondas sísmicas produzidas por um terremoto ocorrido em Zagreb, em 8 de outubro. Quais- quer ondas se refletem e refratam quando passam de um material para outro, isso é o resultado da mudança na velocidade de propagação. A velocidade de ondas mecâ- nicas, tais como ondas sísmicas ou sonoras, depende das propriedades de rigidez e elasticidade do meio material. • Ondas Rayleight: Transversais, estas ondas receberam esse nome em homenagem a Lord Rayleigh, John William Strutt, que previu matematicamente a exis- tência desse tipo de ondas, em 1885. Uma onda Rayleigh é elíptica e desloca-se no chão, para cima e para baixo ou de um lado para outro, acompanhando a direção de pro- pagação, à semelhança de ondas que movimentam em um lago ou no oceano. A maioria dos tremores perce- bidos durante um terremoto deve-se às ondas Rayleigh. As informações sísmicas são obtidas continua- mente pela rede sismográfica instalada ao redor da Terra, havendo troca de dados em tempo real, graças à moderna rede mundial de computadores. Para avaliar a incidência de terremotos e sismos na América do Sul, produzimos a Figura 4 com a ferramenta NEIC: Earthquake Search Results2, (USGS 2007). No mapa representaram-se 14.225 sismos com magnitudes entre 2 e 9, no intervalo de 1471 a 1981. As profundidades em quilômetros dos focos sís- micos acham-se indicadas na escala de cores ao lado. O contraste entre a grande concentração na região andina e a dispersão de pontos no território brasileiro mostra que este possui baixas intensidade e frequência de sismos. A rede mundial permitiu construir modelos cada vez mais aprimorados sobre as variações de velocidade das ondas P e S em seu deslocamento (Fig. 5). As variações de velocidade podem ser devidas a mudanças composicionais (mudanças na identidade ou proporção de átomos dos materiais), ou mudanças de fase dos materiais envolvidos (rearranjo de átomos para formar nova estrutura mineral). Por meio do comportamento das ondas são ava- liados o estado físico de cada parcela do interior do planeta, tendo sido ainda estabelecido um modelo da densidade dos materiais rochosos interiores (Fig. 6). Por exemplo, as ondas P e S sofrem incremento de velocidade à medida que atravessam o manto, isso significa que o manto vai se tornando cada vez mais rígido em profundidade. As ondas P sofrem significativo decréscimo de velocidade na profundidade aproximada de 2.900 km (passam de cerca de 13,8 km/s para 8 km/s). Na mesma profundidade, as ondas S deixam de se propagar. Tal fe- nômeno é interpretado como uma mudança de estado físico dos materiais terrestres: o núcleo externo comporta- -se como líquido. Para explicar esse fato surpreendente sugere-se uma variação abrupta de composição que marca a passagem do manto para o núcleo externo. A posição da passagem é inferida pela zona de sombra de terremotos (Figs. 7 e 8). Sismógrafos distri- buídos pelo mundo inteiro detectam ondas sísmicas emitidas por terremotos (naturais ou provocados por explosões nucleares). As ondas P não são detectadas por sismógrafos situados entre 103-105° e 140-142°, ao passo 2 Disponível em <http://neic.usgs.gov/neis/epic/epic_ global.html>. Figura 3. Os principais tipos de ondas sísmicas e o padrão de movimentação das partículas envolvidas. As ondas P e S propagam-se pelo interior da Terra, enquanto as ondas Love e Rayleigh movimentam-se na superfície, sendo as causadoras dos maiores danos (Modif. de Encyclopædia Britannica Online. Disponível em <http://www.britannica.com/eb/art- 72286/The-main-types-of-seismic-waves-P-S-Love-and>) 37 3CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA Figura 4. O Brasil é relativamente assísmico. Representação de sismos na América do Sul: para magnitudes de 2 a 9, registraram- -se 14.225 sismos, entre 1471 e 1981. (Disponível em: <http:// neic.usgs.gov/neis/epic/epic_global.html>) Figura 5. Padrão de velocidades de ondas sísmicas P e S no interior da Terra. (Modif. de ESCP 1973) Figura 6. Padrão de densidades e temperaturas no interior da Terra. (Modif. de ESCP 1973) Tabela 1. Tipos fundamentais de ondas sísmicas Ondas Tipo Vel. média Ondas P Ondas Primárias (também chamadas Ondas de Pressão ou Push-Pull), que se propagam como ondas longitudinais e atravessam os materiais em qualquer estado físico (sólido, líquido ou gasoso) 6 km/s Ondas S Ondas Secundárias (ou Ondas de Cisalhamento), que se propagam como ondas transversais e atravessam apenas materiais em estado sólido 3,5 km/s Ondas Rayleigh Ondas Rayleigh ou Elípticas, são significativamente destrutivas, constituindo a maioria dos tremores percebidos em um terremoto Ondas Love Ondas Love ou Transversais, deslocam-se no chão, de um lado para outro, perpendicularmente à direção de propagação Sabemos hoje, com dados de sismógrafos distribu- ídos por várias regiões do planeta, que a crosta terrestre é dividida em camadas cuja espessura varia enormemente de um lugar para outro. Cada tipo de rocha tem valores médios de velocidade de ondas sísmicas. Estudos de labo- ratório indicam os valores, que são muito distintos; dessa maneira, pode-se estimar as rochas que estão em subsu- perfície a partir dos modelos de velocidade. Isso permite separar a Terra em envoltórios sucessivos e reconstruir a composição petrográfica de cada um deles. LEVANTAMENTOS ISOSTÁTICOS No máximo glacial, 20.000 anos atrás, centenas de metros de espessura de gelo cobriam vastas regiões do norte da Europa. O continente era muito mais pesado e conse- quentemente a crosta terrestre forçou o manto durante mi- lhares de anos. O continente afundou em relação ao nível do mar. O derretimento das geleiras diminuiu a pressão da crosta sobre o manto. O soerguimento pós-glacial, obser- vado nos últimos 10.000 anos, é percebido quando encon- tramos antigas praias suecas hoje situadas metros acima do nível dapraia atual. Esse é o dado fundamental que revela o soerguimento do Báltico, mas medidas precisas feitas por satélite mostram que continua a haver um levantamento da ordem de centímetros por ano. Por meio de modelos que consideram a velocidade do soerguimento é possível estimar a viscosidade do manto. A viscosidade do manto aumenta com a profundidade em duas ordens de grandeza; os maiores saltos ocorrem a 670 km de profundidade (marcando a descontinuidade Examinando os reflexos na superfície das ondas geradas pelo terremoto, Mohorovičić pode concluir que a Terra é formada por camadas. Ele estimou que a camada superfi- cial tinha 54 km de espessura naquele local e que, abaixo dessa camada, há outra mais rígida porque a velocidade das ondas sísmicas cresce abruptamente. Ele descobriu uma descontinuidade entre a crosta terrestre e o manto rígido. O fato foi tão importante que ficou conhecido como descontinuidade de Mohorovičić ou simplesmente Moho (Mccall, 2005b). Modif. de <http://www.matter.org.uk/schools/Content/Seismology/seismic.html> 38 Geologia do Brasil que separa o manto superior do manto inferior). Os mo-Os mo- delos sugerem que a viscosidade do manto cresce com a profundidade, pelo menos nos primeiros 2.000 km de pro- fundidade. Esse efeito mostra um fato extremamente im- portante para imaginar o comportamento dos materiais do manto: sob pressão, eles fluem ao longo do tempo. FLUXO TÉRMICO O planeta possui um grau geotérmico, ou seja, à medida que penetramos no interior do planeta eleva-se a temperatura. Se considerarmos as espessuras desde a superfície até chegar ao manto (onde a temperatura é de 1.200°C), quer na crosta de 5 km sob os oceanos, quer nos 40 km sob os continentes, a variação será de, respectiva- mente, 1°C para cada 4 m ou 1° para cada quase 33 m. Esse é o valor médio diretamente observado (1°C a cada 33 m), mas pode variar significativamente de uma região para outra (desde 3-4 m nas zonas de alto fluxo térmico até 70 m nas zonas de baixo fluxo térmico). O movimento do calor interno até a periferia do planeta ocorre tanto por meio do transporte “convectivo”, relativamente mais rápido, do calor no núcleo líquido externo e no manto só- lido, como pelo transporte “condutivo” através de camadas não convectivas limítrofes, tais como as placas tectônicas da superfície. O resultado desse lento processo é que grande parte do calor primordial do planeta permanece retido (Williams e Lyzenga 1997). O gradiente geotérmico é conhecido desde o século XIX; o fluxo térmico médio informa sobre a distribuição de temperatura abaixo da crosta terrestre a partir do calor produzido internamente. O fluxo térmico do interior para a superfície pode ser expresso segundo o gradiente térmico e depende diretamente da condutividade térmica dos ma- teriais rochosos e da fonte de calor. Há três condições físicas de transmissão do calor: radiação, condução e convecção. Se o interior da Terra é mais quente que a superfície, há transmissão de calor. O fluxo é avaliado por geossensores, que são aparelhos que medem quantas calorias uma dada superfície recebe, em certo intervalo de tempo, dos materiais situados abaixo dela. O fluxo de calor tende a ser maior onde a crosta terrestre é mais fina, indicando que boa parte do calor que chega à superfície provém do manto. É importante assinalar que o fluxo não interfere no aquecimento do ar e, portanto, não é motor de ventos e da circulação atmos- férica – que depende diretamente do aquecimento dife- rencial da atmosfera pela energia solar que chega à Terra. A distribuição global de medições de fluxo térmico não é homogênea, devido à concentração de estações de me- dida e dispersão relativa em outros locais (Davies e Davies 2010). Experimentos indicam que há um ponto crítico controlado pela amplitude térmica e viscosidade do meio a partir do qual o fluxo por condução passa para convec- tivo. Embora não se conheça a distribuição de calor no manto, para que ocorra a transferência é necessário um longo tempo. Este fato, junto aos dados de tomografia sís- mica, indica que os materiais quentes do manto inferior ascendem por mecanismos convectivos. Os modelos geotérmicos de fluxo de calor estão associados a teorias sobre origem da Terra e possíveis fontes de calor interno (Fig. 6). As fontes são, em pro- porções ainda incertas, derivadas da energia primordial da acresção planetária e das seguintes fontes de calor: (a) calor radiogênico: produzido pela desintegração radioativa, principalmente do U, K e Th, que são elementos presentes nas rochas da crosta, em concentrações maiores que nas esferas internas do planeta; (b) diferenciação entre núcleo e manto: processo exotérmico de segregação e solidificação do núcleo terrestre, ocorrido no início da história do pla- neta; (c) colapso gravitacional: calor produzido pela pressão adiabática da compressão das rochas no interior da Terra. O principal fator que controla o fluxo térmico, durante Figura 7. Trajetória de ondas sísmicas durante o percurso através do interior da Terra. Observar a refração de ondas P, o desaparecimento das ondas S a partir de 105° e a formação de zonas de sombra. Figura 8. Zonas de sombra no interior da Terra. A refração de ondas P impede sua detecção por sismógrafos situados entre as latitudes de 103° e 142°, a partir de um foco sísmico qualquer; as ondas S desaparecem a partir de 103°. 39 3CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA Figura 9. Mapa do fluxo térmico preferencial global em mW.m−2, utilizando estimativas por categorias da carta geológica global. As tonalidades em vermelho e azul correspondem, respectivamente, a valores acima e abaixo da média. (Modif. de Davies e Davies 2010) planetário. Por isso, sua composição é indicativa da com- posição do núcleo da Terra. O corpo mais antigo do sistema solar datado até hoje é o meteorito Allende, com 4.566 Ma. Isso sugere a idade da condensação quando a nebulosa solar se trans- formou em disco. Meteoritos de basaltos possuem idade máxima de 4.539 ± 4 Ma, e indicam que cerca de 30 Ma depois da condensação houve a fusão dos planetas. A idade é coerente com as datações mais antigas de zircão, entre 4,4 a 4,3 Ga, que são evidência de água livre e crosta continental, portanto indicativos de que a temperatura na superfície da Terra havia diminuído. Outro grupo de meteoritos, os condritos carbo- nosos, pode representar a composição da nuvem primi- tiva. Esses meteoritos contêm só ferro oxidado e grandes quantidades de voláteis, o que é coerente com modelos termodinâmicos que sugerem que o ferro nas condições da nebulosa deveria estar oxidado. Da análise dos meteoritos, reunindo e misturando a composição de meteoritos dife- rentes, chega-se à composição da Terra: os elementos mais abundantes são Fe e O, seguidos de Si e Mg. Os quatro elementos perfazem quase 94% da massa terrestre. A história evolutiva sugere, então, que o ferro acha- -se concentrado no núcleo da Terra e que o manto é com- posto de silicatos de magnésio. O núcleo tem um caráter metálico, confirmado pelas velocidades das ondas sísmicas. É assumido que os basaltos das cadeias meso-oceânicas sejam derivados de rochas do manto, porém empobrecidos em alguns elementos. Há, ainda, fragmentos do manto empurrados para a superfície da Terra, bem como xenó- litos encontrados dentro de rochas ígneas que indicam a composição do manto. CAMPO GRAVITACIONAL O campo gravitacional padrão (980 gals) apresenta variações locais e regionais, relacionadas às características do geoide terrestre (sujeito às mudanças provindas das re- lações entre a Terra e os demais astros, em virtude dos mo- a história da Terra, parece depender da viscosidade do manto. A viscosidade do manto parece ter diminuído sig-nificativamente durante os primeiros 100 a 300 milhões de anos da história da Terra. A distribuição de temperatura pelo interior da Terra é complexa, o que explica a existência de modelos bastante distintos entre si. Se fôssemos extrapolar linear- mente o grau geotérmico de superfície (elevação de 1°C a cada 33 m), chegaríamos a uma temperatura de mais de 19.000°C no centro da Terra. Tal temperatura, associada a uma pressão de 4 megabares (4 milhões de atmosferas), faria com que os materiais estivessem fundidos (o que contraria as informações sísmicas). Medições sistemáticas de fluxo térmico podem ser feitas em separado para áreas oceânicas e continentais, sendo a quantidade de estações de medida cada vez maior, o que tem permitido melhorar a precisão dos cálculos de fluxo térmico médio. Os valores disponíveis (Pollack et al. 1991), segundo Pollack et al. (1993) são, respecti- vamente, de 101 ± 2,2 e 65 ± 1,6 mW/m². Os oceanos são exaustores de calor mais eficientes que os continentes (Fig. 9). Além disso, é desigual a intensidade de perda de calor interno nos oceanos, porque ela se concentra em zonas situadas aproximadamente a meio caminho entre continentes vizinhos, que são as longas faixas monta- nhosas lineares denominadas cadeias meso-oceânicas. Os valores de fluxo de calor, quando ponderados em função das áreas ocupadas respectivamente por oceanos e conti- nentes, fornecem valor médio global de fluxo térmico de 87 ± 2,0 mW/m², o que equivale a uma perda anual de calor global de 44,2 x 1012 W (Pollack et al. 1993). METEORITOS Outra linha de estudo sobre composição do inte- rior da Terra se baseia no estudo de meteoritos, que são considerados como provenientes da faixa de asteroides em órbita entre Marte e Júpiter (McCall 2005a). Admite-se a origem dos planetas, satélites, asteroides e cometas do sistema solar a partir de uma nuvem de gases e poeira, a nebulosa solar; a interpretação tem hipóteses diversas, que despertam viva controvérsia. Os meteoritos são classificados em rochosos, siderí- ticos, mistos e tipos raros (como os condritos carbonosos). Meteoritos pétreos, semelhantes a basaltos e a peridotitos, seriam comparáveis com o manto terrestre, o que é compa- tível com os dados sísmicos e de densidade. Os meteoritos sideríticos mais antigos foram datados entre 4,56 a 4,46 Ga. O metal desses meteoritos é composto de fases de Fe e Ni e poderiam ser comparados com o núcleo da Terra, com alguma contribuição de elementos químicos menos densos (Herndon 1979). Tal grupo é associado ao processo de diferenciação entre manto e núcleo dentro de um corpo 40 Geologia do Brasil Curie), adquirem magnetização orientada segundo o campo geomagnético existente e permitem determinar a posição dos polos na ocasião em que elas se originaram. O campo eletromagnético da Terra pode ser recuperado a partir das rochas magnetizadas, possibilitando determinar paleolatitudes (não as paleolongitudes) em relação aos polos geográficos. Quando os polos paleomagnéticos são determinados para sucessões de rochas em um continente, os pontos que se obtêm se distribuem segundo uma curva que representa a trajetória de migração do polo e converge para o polo geográfico atual. Essa curva indica que o continente se deslocou sobre a superfície do planeta e, sendo diferente para dois ou mais continentes, indica que todos se moveram e que variou a posição relativa deles (McElhinny 1973, Piper 1987). O MODELO DO INTERIOR DA TERRA O interior da Terra acha-se dividido em zonas ou calotas esféricas (Fig. 1). Elas podem ser separadas de acordo com: (1) a composição dos materiais, distinguindo- -se crosta, manto e núcleo, cada uma tendo subdivisões; (2) o comportamento mecânico, distinguindo-se uma ca- mada rígida periférica segmentada em placas, chamada litosfera, outra inferior plástica, a astenosfera, sobre a qual as placas se movem, e as profundezas rígidas do manto sob a última, com uma camada basal de comportamento menos rígido (Fig. 11). A casca rígida periférica da Terra é a litosfera (em grego: lithos = rocha). Ela está segmentada em porções maiores e menores, as placas litosféricas ou tectônicas, que se movimentam continuamente, atritando uma com as vi- zinhas. A movimentação guarda relação com as camadas interiores do planeta e é importante aqui apresentar uma visão geral das diversas camadas. A espessura da litosfera depende do comporta- mento das isotermas: onde estas se elevam (por exemplo, por ação de correntes de convecção ascendentes) ocorre adelgaçamento; onde estas sofrem subsidência e esfria- mento, dá-se espessamento. Como pode haver desloca- mentos horizontais das células de convecção e também vimentos terrestres e da inércia produzida principalmente pela rotação) e da distribuição dos materiais em subsuper- fície. Algumas informações gravimétricas relevantes: 1. A densidade da Terra inteira é 5.5 t/m³ (obtida pelos valores do campo gravitacional e dimensões da Terra); a densidade média das rochas da superfície da Terra é 2.7 t/m³ (valor médio para rochas magmáticas e metamórficas). 2. A densidade no interior da Terra deve estar distri- buída de modo que a massa esteja concentrada na região central do planeta (Fig. 6). O momento de inércia da Terra é menor do que se a massa fosse ho- mogeneamente distribuída. 3. Corrigindo-se as diferenças longitudinais do campo gravitacional produzidas pelas variações no geoide terrestre e pelo movimento de rotação, ocorrem ano- malias gravimétricas na superfície terrestre. Estas anomalias são devidas às variações de densidade e distribuição dos materiais rochosos em profundidade. 4. Nas regiões onde a descontinuidade de Moho é mais próxima da superfície, existem anomalias gravimé- tricas positivas (o campo gravitacional é maior que o esperado). Isso evidencia que as rochas do manto são mais densas do que as da crosta terrestre (Fig. 6). CAMPO MAGNÉTICO O eixo do campo magnético terrestre é aproxima- damente alinhado com o de rotação do planeta, sendo de- finido, em cada região, pela direção, sentido e intensidade. As variações no campo magnético são medidas por meio de aparelhos chamados magnetômetros. A direção é definida entre o ângulo horizontal estabelecido entre o polo mag- nético e o polo verdadeiro ou geográfico (chamada decli- nação). A diferença entre o plano vertical e o polo magné- tico (chamado inclinação) é outro elemento medido para avaliar a direção e o sentido do campo magnético (Fig. 10). A intensidade do campo diminui do polo mag- nético (aproximadamente 70 µtesla no polo sul) até o Equador (30 µtesla). Ao longo do tempo, variam tanto a intensidade como a direção. Pequenas variações ocorrem em horas a anos - relacionadas com as interações entre o campo eletromagnético terrestre com as camadas da atmosfera. Variações significativas no campo magnético, observadas ao longo dos séculos, são interpretadas como relativas à própria origem e desenvolvimento do campo. Apesar do padrão geral acima, observam-se variações no campo magnético esperado. São variações regionais que refletem alterações na composição das rochas em subsu- perfície (variações no grau de magnetização de uma dada região). Minerais ferromagnéticos das rochas, ao se resfriarem abaixo de determinada temperatura (ponto Figura 10. Relações entre o campo magnético e o equador terrestre. (Modif. de Teixeira et al. 2000) 41 3CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA terrenos pré-cambrianos, passou-se a interpretar essa porção como constituída de rochas de alto grau metamórfico que também satisfazem aos dados sismológicos (Dawson et al. 1986). Este é o modelo granulítico. Os complexos de alto grau, que foram alçados à superfície por tectonismo e formam os cinturões granulíticos (ou de alto
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