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275 CARACTERIZAÇÃO DE UM SEDIMENTO LAGUNAR PARA EFEITO DE DRAGAGEM E DISPOSIÇÃO EM TERRA L. S. Borma CETEM/CNPq M.Ehrlich COPPE/UFRJ M. C. Barbosa COPPE/UFRJ RESUMO: As operações de dragagem e disposição de sedimentos podem vir a disponibilizar, para a água dos poros, contaminantes originariamente aderidos à fase sólida. As diferentes alternativas de disposição, grosseiramente divididas em disposição em terra ou disposição no mar implicam em diferentes mecanismos de liberação de contaminantes. Enquanto a disposição no mar é, em linhas gerais, regulamentada pela Convenção de Londres, 1972, a disposição em terra ou alternativas de uso benéfico não possuem uma legislação específica. Considerando que, para sedimentos ricos em sulfetos de Fe, a disposição em terra promove a secagem e oxidação do sedimento, gerando acidez e aumentando o potencial de migração dos metais pesados para os ambientes circunvizinhos propõe-se, no presente trabalho, uma nova metodologia para caracterização de sedimentos dragados lagunares com vistas à disposição em terra. 1. INTRODUÇÃO As operações de dragagem são essenciais para implantação e manutenção do calado de portos e rios navegáveis ou ainda, a exemplo do que ocorre nas regiões de baixada do Estado do Rio de Janeiro, para melhoria das condições de drenagem e minimização do risco de enchente, nas épocas de grandes chuvas. Devido ao contínuo aporte de substâncias potencialmente tóxicas para o meio aquático, os sedimentos de dragagem tendem a apresentar níveis de contaminação por substâncias químicas tais como os metais pesados, compostos orgânicos, entre outros. Em decorrência, a seleção de alternativas para disposição desses sedimentos deve levar em conta o efeito potencialmente tóxico dos contaminantes presentes, além dos custos, como fator condicionante da opção a ser adotada. Sob o ponto de vista da engenharia, a disposição de sedimentos dragados pode ser grosseiramente dividida entre disposição em terra e disposição em corpos hídricos, incluindo-se nesse último a disposição no mar, em corpos hídricos interiores (baias e lagoas) ou em cavas submersas, recobertas ou não. Sob o ponto de vista legal, entretanto, as formas de disposição dos sedimentos dragados são agrupadas de forma diferente: -Disposição em oceanos -Disposição em terra ou em corpos hídricos interiores -Uso benéfico Essa diferenciação ocorre porque, sob o ponto de vista legal, o mar é um bem comum e a disposição de material dragado em um dado país pode vir a prejudicar outros, ao passo que 276 a disposição em terra ou em águas interiores só proporciona efeitos locais (Vellinga, 1997). Dessa forma, a disposição em oceanos está regulamentada, em linhas gerais, pela Convenção de Londres de 1972 (CL-1972) enquanto que a disposição em terra, disposição em corpos hídricos interiores e o uso benéfico não estão submetidos a uma legislação internacional específica. Alguns países, individualmente ou em grupo (p.e. Comunidade Européia), têm adotado legislações próprias que regulamentam esse tipo de disposição. Convenções globais (p.e. Convenção do Rio) têm realçado essa necessidade e fornecem princípios básicos a serem aplicados. Na realidade, esses princípios não diferem muito daqueles estabelecidos na CL-1972 para disposição nos oceanos (Vellinga, 1997). O Estado do Rio de Janeiro desenvolveu, através da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMADS) e da FEEMA, uma Diretriz para Dragagem e Disposição de Sedimentos Dragados, englobando aspectos da disposição em terra e no mar. Essa Diretriz encontra-se em fase de aprovação. Visando uma contribuição técnica para o entendimento dos mecanismos de liberação de contaminantes a partir dos sedimentos dragados apresenta-se, no presente trabalho, uma metodologia para caracterização dos sedimentos no que se refere ao potencial de liberação de contaminantes, em especial dos metais pesados, quando da disposição em terra. 2. AVALIAÇÃO DE SEDIMENTOS DRAGADOS SOB O PONTO DE VISTA DA CONVENÇÃO DE LONDRES, 1972 Um importante ponto de partida para a regulamentação da disposição de materiais contaminados em oceanos foi a Convenção de Londres de 1972 (CL-1972), da qual o Brasil é signatário. Tendo como enfoque a preservação ambiental marinha em relação aos mais diversos tipos de contaminantes, a CL-1972 reconhece que a dragagem é essencial para o desenvolvimento e manutenção das atividades portuárias. Reconhece também que a maior parte dos sedimentos provenientes de atividades de dragagem é, por sua natureza, de baixa ou nula contaminação, sendo somente uma pequena parcela contaminada, resultado da emissão de substâncias perigosas. A essa parcela de material contaminado devem ser aplicadas restrições ambientais até que seja efetuado um controle na fonte. Para tratamento diferenciado do sedimento de dragagem em relação aos demais resíduos, foi criada, dentro da estrutura da CL, uma série de diretrizes especiais para disposição de sedimentos dragados, publicada sob a forma de uma Estrutura Geral para Avaliação de Material Dragado (DMAF - Dredged Material Assessment Framework), adotada como parte integrante da CL em Dezembro de 1995 (IMO, 1995). Segundo essas diretrizes, a avaliação de um material para efeito de dragagem e disposição deveria seguir as etapas apresentadas no Fluxograma 2.1. Para efeito de caracterização e avaliação do impacto ambiental resultante das várias formas de disposição, as características físico- químicas do material em questão bem como os mecanismos controladores da mobilização, transporte e retenção dos contaminantes presentes no sedimento devem ser entendidos e quantificados (Singh et al., 1998). No caso específico de disposição de sedimentos dragados em terra, a secagem e oxidação são fatores responsáveis pela transferência de contaminantes entre as fases sólido/solução, afetando tanto compostos orgânicos como inorgânicos, incluindo-se aí os metais pesados. A maioria dos compostos orgânicos é microbiologicamente decomposta em presença de oxigênio e, através de diferentes trajetórias, acaba se convertendo em CO2 e água (De Brabandere, 1991). Os metais pesados, por sua vez, são afetados por variações nas condições redox quando associados a elementos suscetíveis a essas variações, tais como o S, C, N, O, Fe e Mn. Dentre eles destaca-se, para efeito do tema abordado no presente trabalho, o enxofre (S). Os compostos de enxofre não oxidados, em especial o sulfeto de Fe, oxidam- se em presença de oxigênio, produzindo íons sulfato e acidez, podendo vir a liberar metais pesados originariamente retidos na fase sólida do sedimento (Borma, 1998). 277 Fluxograma 2.1 – Estrutura para Avaliação de Materiais Dragados (Vellinga, 1997) 3. VARIAÇÕES NAS CONDIÇÕES REDOX COMO MECANISMO GERADOR DE ACIDEZ Um dos problemas clássicos relativos à produção de águas ácidas provém da disposição de pilhas de estéril ricas em sulfetos de Fe, resultantes das atividades de mineração. Em presença de ar e água os sulfetos de Fe oxidam-se produzindo íons H+, responsáveis pela diminuição do pH das águas que percolam através do rejeito. Em ambiente ácido, os metais pesados tendem a se solubilizar, podendo atingir mananciais de água, superficiais ou subterrâneos. Zonas não saturadas e sujeitas à variação sazonal do nível d’água ficam preferencialmente expostas ao fluxo difusivo de O2 (Richie, 1994). A oxidação dos sulfetos de Fe não implica necessariamente na formação imediata de Caracterização do material dragado Existe alternativa para reutilização imediata? Controle na fonte Identificação das alternativas de disposição e caracterização detalhada Selecionar opção: Disposição aquática Disposição em terra tratamento Avaliação de impacto licenciamento Implementação do projeto e do plano de monitoramentoMonitoramento de campo e avaliação dos resultados sim não sim Avaliação da necessidade de dragagem não 278 drenagem ácida. Embora as reações de oxidação produzam íons H+, esses íons podem ser consumidos por meio de reações com outros componentes do sistema. Segundo Hutchinson & Ellison (1991), a dissolução dos carbonatos e a decomposição dos aluminosilicatos são importantes grupos de reações que atuam de forma a inibir ou retardar a produção de acidez em sedimentos ricos em sulfetos. Em trabalho recente, Borma (1998) evidenciou que a dragagem de ambientes aquáticos costeiros, ricos em sulfetos de Fe, pode resultar em problemas de drenagem ácida similares aos ocorridos nos rejeitos de mineração. Nesses casos, os sulfetos são formados dentro de ambientes lagunares pouco oxigenados, em presença de enxofre (S), ferro e bactérias. Tomando como exemplo o sedimento de fundo do sistema lagunar de Jacarepaguá, a referida autora observou nítida formação de acidez devido à dragagem e disposição em terra. 4. METODOLOGIA PROPOSTA PARA CARACTERIZAÇÃO Considerando-se a possibilidade de geração de drenagem ácida a partir da disposição em terra de sedimentos dragados propõe-se uma nova metodologia para caracterização do material quanto à concentração de metais pesados e potencial de liberação para a água dos poros (Fluxograma 4.1). As bases para essa metodologia são discutidas nos itens a seguir. 4.1 Etapas dos ensaios de caracterização Para conhecimento das principais características do material a ser dragado, os ensaios de caracterização dividem-se em caracterização física, físico-química e mineralógica. No Fluxograma 4.1, esses ensaios estão apresentados em um mesmo nível, entretanto, sugere-se que eles sejam feitos seqüencialmente de forma que, a depender dos resultados do passo anterior, os passos posteriores possam ou não ser excluídos. 4.1.1 Caracterização Física Considerando que essa metodologia aplica-se à avaliação do material a ser dragado sob o ponto de vista da sua capacidade de liberação de contaminantes (mais especificamente dos metais pesados) a caracterização física consiste apenas na determinação da densidade real dos grãos e da distribuição granulométrica. Uma vez que os metais pesados tendem a se aderir às partículas finas (ver item 4.1.2), a determinação da distribuição granulométrica é de fundamental importância. Segundo a Estrutura Geral para Avaliação de Materiais Dragados (IMO, 1995), quando o material dragado é predominantemente composto por areia, pedregulho ou rocha - frações em geral mineralogicamente inertes - são desnecessárias investigações adicionais com relação à contaminação por metais pesados e o material não apresenta restrições quanto à disposição no que se refere à liberação de contaminantes. A análise e procedimento de avaliação nesses casos ficam restritos a uma seleção adequada do local de disposição e avaliação dos impactos físicos – isso é válido tanto para disposição em terra quanto para disposição em oceanos. 4.1.2 Caracterização físico-química Sob o nome de caracterização físico- química engloba-se, nessa metodologia, a determinação da concentração de metais pesados (total e disponível), a concentração de enxofre e o teor de matéria orgânica. Concentração de metais pesados O comportamento dos metais pesados nos solos e sedimentos foi amplamente estudado nas décadas de 70 e 80. De acordo com esses estudos, a disponibilidade dos metais pesados para os processos metabólicos ou para migração através dos poros do solo está diretamente relacionada às espécies químicas formadas (Förstner & Wittman, 1979). Quando os metais pesados penetram no meio aquático, quer pela descarga de efluentes industriais ou por fontes naturais, eles se distribuem em vários compartimentos do ecossistema (Galvez-Cloutier et al., 1995). 279 Segundo Singh et al. (1998), a avaliação da distribuição geoquímica dos metais pesados nesses compartimentos é fortemente empírica e dependente das técnicas de extração química utilizada. Para determinação e quantificação das associações metálicas preponderantes em solos e sedimentos, é comumente adotada a técnica de extração seqüencial. O método consiste na aplicação seqüencial de reagentes, em geral ácidos fracos, agentes redutores, agentes complexantes, agentes oxidantes e ácidos fortes. A seqüência de aplicação dos reagentes não é procedimento padrão, podendo diferir em função do método adotado. Na Geotecnia Ambiental tem-se utilizado a técnica proposta por Tessier et al. (1979) para investigação dos mecanismos atuantes na retenção de metais pesados em solos utilizados como barreira isolante em aterros sanitários ou industriais (Yanful et al., 1988; Yong et al., 1993). Os resultados dos ensaios de extração seqüencial, de uma maneira geral, classificam os compostos metálicos em: Formas trocáveis – metais ligados por troca catiônica aos argilominerais, matéria orgânica, etc. Fração carbonática – metais associados aos minerais carbonáticos Fração redutível – metais associados aos óxidos e hidróxidos de Fe e Mn Fração oxidável – metais associados aos sulfetos e matéria orgânica Fração residual – metais incorporados aos retículos cristalinos dos minerais Em geral, há uma tendência dos metais incorporados aos retículos cristalinos dos minerais estarem ligados aos sólidos de maneira mais estável do que os metais introduzidos por meio das atividades antrópicas. Fluxograma 4.1 – Metodologia para caracterização de sedimento para efeito de dragagem e disposição em terra CARACTERIZAÇÃO FÍSICA Granulometria Densidade dos grãos FÍSICO-QUÍMICA metais pesados enxofre teor de matéria orgânica MINERALÓGICA Sulfetos (presença e tipo) Carbonatos Tipos de argilominerais ENSAIOS ENSAIOS ENSAIOS ESPECIAIS P/ VERIFICAÇÃO DO POTENCIAL DE GERAÇÃO DE ACIDEZ Balanço Ácido-Base Capacidad e Tampão Método da Produção de Sulfato Método do Consumo de Oxigênio Método do Gradiente de Oxigênio 280 Esses últimos podem se tornar disponíveis para migração pelos poros e assimilação pelas plantas em caso de disposição sobre o solo ou assimilação pela biota quando em ambientes aquáticos. Dessa forma, a fração representada pela soma dos metais liberados nos quatro primeiros passos é comumente denominada “fração potencialmente móvel”. Essa mobilidade pode se dar por um aumento na acidez, formação de complexos solúveis ou variações nas condições redox. Os ensaios de extração seqüencial têm sido objeto de grande controvérsia, principalmente no que se refere à seletividade dos reagentes adotados (Singh et al., 1998;Yong et al., 1993). Entretanto, a despeito desses problemas, a extração seqüencial tem sido uma ferramenta útil nos estudos de química ambiental (Tessier & Campbell, 1991; Tack & Verloo, 1995). Além dos ensaios de extração seqüencial, existem outros métodos que visam a determinação da fração potencialmente móvel ou fração biodisponível. Esses métodos, em geral, utilizam um único reagente e não separam as diversas fases presentes, como os ensaios de extração seqüencial. Segundo Singh et al. (1998), numerosos tipos de agentes extratores têm sido propostos para avaliação da mobilidade e disponibilidade dos metais pesados em solos e sedimentos (Lindsay and Norvell, 1978; Rappaport et al., 1988; Sanders et al., 1986; Gupta et al., 1996, entre outros). Uma terceira forma de se determinar a concentração de metais pesados é através da digestão total. Utilizando uma mistura de ácidos concentrados que extraem não somente a fração móvel, mas também os metais incorporados ao retículo cristalino dos minerais, esses ensaios permitem a determinação da chamada concentração total. Também nesse caso são adotadas diferentes técnicas de extração, que variam em função dos outros constituintes presentesno material em análise (p.e. matéria orgânica) e do grau de precisão que se busca. Uma técnica que vem sendo adotada nos estudos de Geotecnia Ambiental foi proposta por Yanful et al., (1988) e é semelhante ao último passo do método proposto por Tessier et al. (1979) para o ensaio de extração sequencial . Um dos fatores a se observar quando da escolha do método a ser adotado para determinação da concentração de metais pesados é a forma que será utilizada para classificar o sedimento quanto ao grau de contaminação. Uma das formas de se avaliar os resultados obtidos é através de valores de referência que fornecem limites acima dos quais o material em estudo pode ser considerado inadequado para efeito de disposição em terra. Embora esse tipo de avaliação esteja sujeito a uma série de críticas, pois não leva em conta as interações existentes entre os metais e os constituintes do sedimento, trata-se de uma ferramenta útil e rápida que caracteriza preliminarmente o sedimento dragado quanto ao seu grau de contaminação. O Brasil ainda não tem esses valores limites estabelecidos, e padrões internacionais devem ser utilizados com cautela, uma vez que as associações metálicas preponderantes podem variar muito de uma região para outra, em função do tipo de solo e seus constituintes. Embora a concentração potencialmente móvel possa significar, teoricamente, uma expectativa mais real de liberação de metais pesados, os valores de referência em geral baseiam-se na concentração total (IADC/CEDA, 1997). Dessa forma, ao se trabalhar com a concentração total em detrimento da concentração potencialmente móvel, a comparação com valores limites estabelecidos internacionalmente é mais fácil e tem-se a garantia de se estar trabalhando de forma mais conservativa. Os teores de metais pesados, para efeito de avaliação da contaminação de um dado ambiente aquático, em geral são determinados na fração menor que 63mm. Embora esse ainda não seja um procedimento padrão existem, de acordo com a OSLO Convention, esforços no sentido de se normatizar esse procedimento. Isso ocorre porque é essa a fração responsável pela retenção da maior parte dos metais presentes no material em análise. Ainda com relação à determinação da concentração de metais pesados, para efeito do conhecimento do volume total de um dado contaminante a ser disposto sobre o solo quando da dragagem e disposição, faz-se necessário não somente o conhecimento da concentração de metais presente na fração menor que 63mm bem como o quanto essa 281 fração representa em relação ao montante de material a ser dragado. Por esse motivo, a determinação de metais pesados deve estar sempre acompanhada da distribuição granulométrica. Determinação do teor de enxofre Várias formas de compostos de enxofre podem ocorrer em sedimentos provenientes de ambientes lagunares. Sob condições anaeróbias, em geral, predominam o sulfeto de Fe (FeS ou FeS2) e o enxofre livre em solução (S2-). A determinação acurada das formas reduzidas é dificultada pela facilidade com que elas se oxidam quando expostas ao ar. Para a determinação do enxofre total em solos e sedimentos, as várias formas de enxofre são frequentemente convertidas, por oxidação, a sulfato. Tack et al. (1997) apresentam métodos para determinação das várias formas de enxofre. Assim como para os metais pesados, existem critérios internacionais que fornecem concentração limite para os compostos de enxofre. Segundo critério estabelecido pelo Reino Unido (IADC/CEDA, 1997), teores de enxofre total da ordem de 0 a 100 mg/kg são característicos de baixa concentração ao passo que teores acima de 5000 mg/kg (ou 0,5%) são considerados extremamente elevados. A título de exemplo, o sedimento lagunar de Jacarepaguá, segundo Borma (1998), apresenta teor de enxofre total na faixa de 3%, ou seja 30.000 mg/kg. Como não existem informações acerca de qual seria o teor de enxofre a partir do qual pode-se esperar ocorrência de drenagem ácida, sugere-se que, para concentrações acima de 100 mg/kg, sejam efetuados ensaios especiais para verificação da formação de drenagem ácida. Esses ensaios são apresentados no Fluxograma 4.1 sob o nome de “ensaios estáticos” e estão descritos no item 4.2. Teor de matéria orgânica Os ambientes aquáticos, em geral, são ricos em matéria orgânica, sendo esta responsável pela captura de metais pesados, que ficam associados a ela sob a forma de complexos organo-metálicos. Se a matéria orgânica é pouco solúvel nas condições do sistema em questão, o complexo orgânico formado tende a ficar aderido à fase sólida. Entretanto, se a matéria orgânica se solubiliza, ela pode migrar através dos poros do solo carregando consigo os metais pesados. Um outro aspecto importante da matéria orgânica é que, assim como os sulfetos de Fe, ela se oxida em presença de oxigênio. As reações de decomposição da matéria orgânica são bastante complexas e variam muito em função do tipo de matéria orgânica presente mas, em geral, essa oxidação provoca produção de CO2. Nessas condições, ela compete com os sulfetos de Fe para consumo do O2. Se o sistema em análise tem oxigênio suficiente nos espaços intersticiais, a presença de matéria orgânica não tem maior influência na velocidade de oxidação. Entretanto, se a velocidade de oxidação é condicionada pela velocidade de difusão do oxigênio para dentro da pilha de resíduos disposta, a matéria orgânica pode retardar ou minimizar a formação de drenagem ácida ao longo do tempo. Por outro lado a matéria orgânica, ao se oxidar, produz ácido carbônico (H2CO3), que é um ácido fraco, se comparado ao H2SO4. Nesse sentido, a oxidação da matéria orgânica contribui, ainda que levemente, para a acidificação das águas percoladas pelo sedimento (Borma et al., 1998). 4.1.3 Caracterização mineralógica Por se tratar de análises que exigem equipamento mais sofisticado, a caracterização mineralógica pode se restringir aos casos onde a concentração de enxofre e metais pesados é suficientemente elevada. Embora no Fluxograma 4.1 ela esteja apresentada no mesmo patamar da caracterização física e físico-química, seus resultados serão úteis nos casos onde já se tenha detectado elevado potencial de geração de acidez (ver item 4.2) e esteja prevista a realização de ensaios cinéticos. Nesse sentido, ela deve enfocar a presença e caracterização dos seguintes compostos: Sulfetos de Fe – tipo e forma de ocorrência Carbonatos Argilominerais – tipo e forma de ocorrência 282 Uma das questões de maior relevância que podem ser elucidadas por meio da caracterização mineralógica nas situações aonde prevê-se a possibilidade de geração de drenagem ácida é o tipo de sulfeto de Fe existente. A cada tipo existe uma reação estequiométrica associada. A estequiometria é importante para determinação da velocidade de oxidação, conforme será visto no item a seguir. 4.2 Ensaios especiais para determinação do potencial de geração de acidez Diferentemente das reações de equilíbrio químico (precipitação, complexação), as reações de oxidação são de longa duração. Por esse motivo, os ensaios de laboratório realizados para efeito de avaliação do potencial de oxidação podem ser divididos em ensaios estáticos e ensaios cinéticos. Através dos ensaios estáticos pode-se avaliar o potencial de acidificação de um dado material e também o potencial de neutralização sem considerar o efeito tempo. A extensão do fenômeno, em termos de efeitos e tempo, é melhor avaliada através de ensaios cinéticos. 4.2.1 Ensaios estáticos Rigorosamente, o termo “teste estático” é usado para referir-se a um ensaio que fornece como resposta um balanço de massas entre os compostos potencialmente geradores de drenagem ácida e os compostos potencialmente consumidores dessa acidez. No presente trabalho, incluiu-se sob o termo teste estático o ensaio paradeterminação da capacidade tampão que, assim como o balanço ácido-base, fornece uma idéia qualitativa da capacidade do material de neutralizar a acidez gerada. Esses testes são chamados estáticos por não levarem em conta o tempo necessário para que a reação completa ocorra. Balanço ácido-base O balanço ácido-base é um procedimento desenvolvido para avaliar as quantidades relativas entre as substâncias geradoras de acidez e as substâncias consumidoras de acidez, sem levar em conta os tempos envolvidos no processo. De acordo com MEND (1991), o balanço ácido-base consiste no primeiro tipo de ensaio a ser adotado em projetos onde a drenagem ácida apresenta-se como um aspecto relevante, sendo o seu resultado utilizado como indicativo de potenciais problemas. Conforme exposto anteriormente, a presença de sulfetos de Fe nos resíduos não implica necessariamente na ocorrência imediata de drenagem ácida. A geração de ácidos pode ser inibida ou seus produtos alterados por meio de reações com outros componentes presentes no resíduo ou, em outras palavras, em função da capacidade tampão do material. No balanço ácido-base é feita uma estimativa do potencial máximo de acidificação (PMA) a partir da quantidade máxima de ácido que pode ser gerada por uma amostra contendo material reativo (sulfeto de Fe). Esse máximo teórico equivale à quantidade de ácido que seria produzida se todo sulfeto de Fe presente na amostra reagisse com o O2 (admitindo-se que não houvesse outras substâncias capazes de contribuir para a acidificação). A acidez é normalmente reportada como a quantidade de carbonato de cálcio que seria necessária para neutralizar a acidez gerada pelo sulfeto de Fe (FeS2) (Sobeck et al., 1978). Uma das restrições feitas a esse método é que, por tratar-se de um teste rápido, nele não estão computados os efeitos neutralizadores de longo prazo, como por exemplo as reações de decomposição do feldspato de potássio e dos argilominerais. Segundo Hutchinson & Ellison (1991), para sistemas nos quais a produção de ácidos é lenta, a decomposição dos silicatos e conseqüente consumo de acidez pode exercer controle efetivo sobre o pH. Determinação da capacidade tampão Na química, o termo tampão é aplicado para designar a capacidade de uma solução de se manter estável quando outros componentes químicos são adicionados ou removidos. Os pH-buffers, ou soluções tampões de pH são soluções que contêm substâncias capazes de resistir à variação do pH à medida em que ácidos ou bases vão sendo adicionados. Segundo Yong et al., (1990), em se tratando do 283 sistema solo-água, o solo pode atuar como um ácido ou uma base, adsorvendo e/ou dessorvendo íons H+ ou OH-, oferecendo assim resistência à variação do pH. Muitos estudos sobre a capacidade tampão de solos vêm sendo realizados por pesquisadores das áreas de Agronomia e Engenharia Florestal. Com relação à disposição de resíduos sólidos sobre o solo, entretanto, esse conceito tem sido pouco aproveitado. Quando um ácido penetra no solo o efeito (sobre o pH) pode ser grande ou pequeno, dependendo do pH inicial do solo, da acidez do percolado e da capacidade do solo de resistir à mudança do pH (Yong et al., 1990). Em geral a capacidade tampão é devida aos constituintes presentes no solo, sendo os minerais carbonáticos os mais importantes. Por ser bastante simples e fornecer resultados qualitativos imediatos o conceito de capacidade tampão, aplicado aos casos de disposição de rejeitos ricos em sulfetos de Fe sobre o solo, pode ser utilizado de duas formas: no próprio rejeito e no solo do local selecionado para disposição do rejeito. Quando realizado no rejeito, o conceito de capacidade tampão dá uma idéia do potencial do próprio material disposto de neutralizar a acidez gerada. Esse mesmo aspecto pode ser bem avaliado pelo “balanço ácido-base”. Quando já existe um local selecionado para disposição, os ensaios de capacidade tampão no solo do local fornecem uma primeira idéia quanto à capacidade do material de fundação de neutralizar a acidez gerada. Descrições detalhadas sobre o ensaio de capacidade tampão podem ser obtidas do trabalho de Yong et al. (1990). 4.2.2 Ensaios cinéticos Sob o aspecto prático, o conhecimento da velocidade de oxidação é fundamental para avaliação das alternativas de remediação para minimização da drenagem ácida em pilhas de estéril já existentes. No que se refere aos sedimentos dragados, o conhecimento prévio da velocidade de oxidação é um dado importante para definição de alternativas de disposição e controle da formação de acidez após a dragagem e disposição sobre o solo. Adicionalmente, para efeito de modelagem matemática do problema de contaminação de aquíferos, faz-se necessário o conhecimento da velocidade segundo a qual a acidez está sendo produzida. Segundo Elberling et al. (1994), existem 3 diferentes métodos para avaliação da velocidade de oxidação em laboratório. São eles: método da produção de sulfato método do consumo de oxigênio método do gradiente de oxigênio O primeiro método baseia-se na velocidade de produção de sulfato, à medida em que o material é exposto à atmosfera oxigenada. A velocidade de oxidação é obtida a partir da estequiometria da reação do tipo de sulfeto presente. Os outros dois baseiam-se na medida de consumo ou de avanço do oxigênio em colunas de material reativo. Esses métodos foram descritos em Borma et al. (1998). Os ensaios cinéticos são mais trabalhosos e devem ser efetuados após se ter confirmado o potencial de geração de drenagem ácida do material a ser dragado. 5. CONCLUSÕES O presente trabalho propõe uma metodologia para caracterização de sedimentos dragados levando em conta a possibilidade de geração de drenagem ácida. Essa metodologia está direcionada à avaliação dos impactos ambientais provenientes da dragagem e disposição em terra. Convém observar que os ensaios especiais sugeridos para essa fase de caracterização fornecem resultados qualitativos, úteis para o entendimento do problema de disposição de sedimentos dragados sobre o solo. Identificado o risco de contaminação e entendidos os mecanismos físico-químicos responsáveis pela liberação desses contaminantes, deve-se lançar mão de programas computacionais que ajudem a quantificar o potencial avanço da contaminação. Nessa fase deve-se avaliar o montante de contaminação gerado, qual fração é passível de migração para o subsolo ou para os ambientes adjacentes e quanto dessa contaminação o solo de fundação é capaz de 284 absorver. Com base nesses resultados é possível considerar um programa adequado de disposição incluindo, caso seja necessário, o confinamento dos contaminantes ou tratamento dos efluentes gerados. 6. REFERÊNCIAS Borma, L.S. 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