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EA D América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas 3 ObjEtivOs1. Demonstrar as principais características das sociedades • pré-colombianas mesoamericanas. Apresentar e identificar as principais características políti-• cas, sociais e econômicas dos astecas. COntEúDOs2. Toltecas e a organização política no vale central do Méxi-• co. Astecas: sociedade, economia, política e cultura.• OriEntAçãO pArA O EstuDO DA uniDADE3. Não deixe de ler a orientação a seguir para aproveitar me- lhor os seus estudos. © História da América I Centro Universitário Claretiano 118 Para conhecer um pouco mais sobre os mitos e as lendas 1) dos povos pré-colombianos, leia a obra Mitos y Leyen- das de los Aztecas, Incas, Mayas y Miuscas, de Walter Krickeberg (México: Fondo de Cultura Económica, 1995). Caso você se interesse, para comparar tais histórias com a mitologia dos indígenas norte-americanos, leia o livro Historias Magicas de los Índios Pieles Rojas, de R. Beni- to Vidal (Madrid: Edimat, 2003 – Coleção Enigmas de la Historia). intrODuçãO à uniDADE4. Ao longo de sua história pré-colombiana, a região central do México abrigou importantes povos, que se configuraram em forma de estados ou impérios organizados de maneira urbana. Na unida- de anterior, vimos como a cidade de Teotihuacán, primeira grande civilização do México central, desempenhou uma influência signi- ficativa sobre os demais povos da região mesoamericana. Nesta unidade, veremos os outros dois grupos sociais que construíram verdadeiros impérios militares, estendendo domínios para além da região central: os toltecas e os astecas. Desde já, é importante ressaltar que, além da proximidade geográfica e da influência cultural, os toltecas serviram como um importante referencial político aos astecas. A elite imperial asteca construiu sua legitimidade baseada em uma possível hereditarie- dade de seus reis dos reis toltecas de menos de um século antes. Assim, podemos dizer que a forma de os astecas organiza- rem seu império, bem como o plano de sua expansão imperial, espelhou-se na civilização tolteca. Para entender melhor a orga- nização asteca, é preciso recorrer a algumas características gerais dos toltecas. Na Figura 1, veja o mapa do império asteca, com os seus limi- tes geográficos e as suas principais cidades. 119© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Figura 1 Mapa do império asteca. O vALE CEntrAL DO MÉXiCO E Os tOLtECAs5. Do declínio do período clássico dos maias ao apogeu asteca, desenvolveu-se uma sociedade que merece destaque: a tolteca. Localizada a 60 quilômetros do vale do México, sua capital chama- va-se Tula. A origem dos toltecas está diretamente vinculada aos chichi- mecas do norte. A denominação “chichimeca” era utilizada para fazer referência a grupos "bárbaros", quase como os gregos faziam com os povos não helenos (cf. SOUSTELLE, 1962, p. 16). Os chichimecas geralmente viviam da caça e da coleta. Para Cardoso (1990, p. 73): [...] o início da civilização dos toltecas está vinculado à migração de grupos chichimecas vindos do norte, que fizeram irrupção vio- © História da América I Centro Universitário Claretiano 120 lenta no planalto central mexicano a princípios do século X d.C., terminando, porém, por sedentarizar-se, assimilando a herança te- otihuacana através do contato e mistura com povos locais. A migração de grupos oriundos da etnia chichimeca e sua miscigenação com povos da região deram origem aos toltecas. Por conta disso, não é de se admirar que os toltecas possuíssem alguns deuses e algumas divindades do panteão teotihuacano e, também, próprios da região central do México, como Quetzalcoátl. Em menos de três séculos, os toltecas expandiram sua influ- ência política e cultural a vários pontos da Mesoamérica. Constru- íram um vasto império, composto por alianças com outros reinos e confederações. Dessa forma, ocuparam o norte de Veracruz, an- tiga região olmeca; dominaram a região de Oaxaca, onde os mis- tecas haviam construído um reino em cima das ruínas zapotecas; e conquistaram a península de Yucatán, onde se encontrava a já fragmentada sociedade maia. Tula, a capital do império, seguindo a tradição mesoameri- cana iniciada pelos olmecas, também possuía praças cerimoniais rodeadas por plataformas de terra. No entanto, para além da tra- dição, os toltecas trouxeram inovações para o campo arquitetôni- co. No quadro das imponentes construções mesoamericanas, pela primeira vez, foi utilizada a madeira para a construção de tetos com vigas suportadas por pilares de pedra. Conforme descreve Meggers (1979, p. 90): [...] um novo fator arquitetônico foi a construção de teto sobre vi- gas de madeira, sustentadas por colunas de pedra [...], algumas das quais eram representações gigantescas de guerreiros equipados com propulsores de dardos e escudos. Frisos com jaguar, coiote, águia e motivos de crânios decoravam a parede. Na Figura 2, você pode observar a plataforma escalonada lo- calizada na cidade de Tula e, na Figura 3, em destaque, os guerrei- ros que ficam sobre o Templo. 121© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Figura 2 Plataforma escalonada, em Tula. Figura 3 Guerreiros sobre o Templo. O Templo dos Guerreiros demonstra um elemento impor- tante dessa civilização: a militarização. A expansão tolteca não foi somente cultural e econômica, mas valeu-se, também, da força e da dominação; muitas vezes, as alianças travadas com outros po- vos se davam no plano da submissão militar, e não por meio da simples concordância entre as partes. © História da América I Centro Universitário Claretiano 122 Essa militarização se estabeleceu para além do período de conquistas desse povo. Após a consolidação de seu império, os exércitos toltecas guardavam suas fronteiras contra possíveis in- vasões de grupos nômades, firmando aduanas e bases de apoio militar em regiões fronteiriças. Um fato interessante da composição do exército tolteca é o de que muitos dos seus integrantes eram recrutados entre os "bárbaros" do norte, ou seja, os chichimecas. Entre esses povos recrutados, é bem possível que também os astecas tenham sido membros de tal exército; daí a referência dos líderes astecas ao exército imperial tolteca em suas lendas. É importante ressaltarmos que houve convivência entre vá- rios povos importantes da América. O nascimento de um não ocor- reu após o término de outro; muitos deles foram contemporâneos e partilharam de um mesmo referencial cultural ou geográfico. As- sim, podemos dizer que, para a América pré-colombiana, foram o grau de desenvolvimento tecnológico e a complexidade social que determinaram a superioridade e a dominação de uma civilização sobre outra. Além da referência constante ao exército imperial tolteca nas lendas astecas, a elite administrativa asteca apresentava-se como herdeira do povo tolteca. Os governantes e a aristocracia imperial diziam possuir laços de parentesco e continuidade com a antiga aristocracia tolteca, como forma de legitimar seu poder ou seu status. O domínio sobre a região de Yucatán deixou muito mais do que algumas heranças de estilo arquitetônico ou artístico. Na capi- tal maia, Chichén Itzá, os toltecas construíram um templo de guer- reiros utilizando as mesmas técnicas empregadas para a constru- ção do templo correlato em Tula. De certa forma, a construção do Templo dos Guerreiros de Chichén Itzá serviu para revitalizar a cultura maia, que havia entra- do em declínio no início do século 10º, como antes vimos. Ironi- 123© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas camente, quando Tula sucumbiu diante das invasões estrangeiras, por volta do ano 1150, Chichén Itzá continuou sendo um centro religioso de peregrinação e local deinfluência tolteca até o início do século 13. Na Figura 4, veja o Templo dos Guerreiros, uma construção tolteca na cidade de Chichén Itzá. Figura 4 Templo dos Guerreiros de Chichén Itzá. Assim como acontece com as demais sociedades, não sabe- mos ao certo o que levou à derrocada da sociedade tolteca. Para alguns estudiosos, grandes alterações climáticas na região mesoa- mericana provocaram longos períodos de seca, e, por isso, houve uma série de novas migrações e, consequentemente, o início de novos conflitos étnicos. Nesse processo, Tula não teria resistido às constantes invasões. Com a queda do império tolteca, vários outros povos se esta- beleceram no vale do México entre os séculos 13 e 15. Cidades como Colhuacán, Texcoco e Azcapotzalco passaram a interferir na dinâmica social e econômica do centro mexicano. No entanto, nenhuma conse- guiu se firmar como uma referência unívoca perante os demais povos nem erguer um vasto império como fizeram os toltecas. © História da América I Centro Universitário Claretiano 124 Foi somente a partir do final do século 14 que outra civili- zação estendeu seus domínios imperiais sobre a região, trazendo coesão política a custo de vitórias e dominações militares. Essa ex- pansão ocorreu em um espaço muito curto de tempo e fez de seus protagonistas o império mais populoso de toda a América: o dos astecas. Dos dois principais impérios que tivemos na América pré- colombiana, o asteca foi o mais populoso, enquanto o inca foi o mais extenso. No tópico a seguir, vamos entender como os astecas alcan- çaram tamanha dimensão e importância entre os demais povos mesoamericanos. Os AstECAs6. A última grande civilização mesoamericana – e também a mais poderosa de todas – teve um início difícil e menosprezado. Foi uma das últimas tribos nômades a tomar o México central. En- quanto buscavam o seu espaço entre as diversas populações, os astecas submeteram-se aos desmandos de outros povos mais or- ganizados socialmente, os quais os contratavam como guerreiros devido à fama de “violentos” que os estigmatizava. À medida que cresceram, eles foram aprendendo técnicas de cultivo, assimilando línguas e incorporando deuses de outras culturas, formando, assim, seu vasto panteão religioso. A arte, o calendário e a arquitetura haviam sido herdados dos moradores de Tula (os toltecas), além de toda uma herança militar, como já vimos antes. O Nahuatl, variação do Nahuat, língua nobre de Te- otihuacán, havia sido assimilado durante os anos de serviços aos povos vizinhos. Entre os deuses, um diferenciava-se: Huitzilopochtli. Essa mistura de homem, civilizador e deus teria sido responsável por conduzir os mexicas (nome da etnia asteca) à terra prometida, 125© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas onde fundaram a sua grandiosa cidade, Tenochtitlán. Teria sido ele o libertador e o regenerador de um povo marcado pela domina- ção. A lenda de Huitzilopochtli e a formação do império asteca foi deliberadamente criada pelos sacerdotes de seu povo, sendo sua veracidade, portanto, improvável. Todavia, ao compararmos carac- terísticas gerais do mito com o que a história parece concordar, veremos algumas semelhanças. Alguns autores defendem não ser possível a concepção dos astecas como um império. Ronaldo Vainfas, um dos representan- tes dessa linha, argumenta que a região mesoamericana "se en- contrava unificada numa confederação de cidades-estado, à frente das quais despontava Tenochtitlan, a cidade dos astecas" (1984, p. 24). Vamos acompanhar isso mais de perto. Origem e expansão A origem dos astecas, sua formação e seu desenvolvimento, como na maioria dos povos pré-colombianos, recorrem a elemen- tos mitológicos para a rememoração de seu passado. No entanto, no caso asteca, a "história" da formação de seu povo foi forjada por membros da aristocracia política e sacerdotal do império. Como afirma Miguel León-Portilla (2004, p. 36-37): Uma das realizações dos Mexicas no apogeu de seu desenvolvi- mento político e cultural (mais ou menos sessenta anos antes do contato europeu) foi o forjamento de uma imagem de suas pró- prias origens, desenvolvimento e identidade. Assim, por volta de 1430, Itzcoatl, governante maior aste- ca, com a prerrogativa de que o povo não precisava conhecer os escritos, ordenou a queima de todos os livros antigos que fizes- sem referências ao passado mexica e à sua relação com os demais povos mesoamericanos. Em seu lugar, ele decidiu construir uma imagem idealizada do passado sobre a chegada de seu povo à ilha de Tenochtitlán. © História da América I Centro Universitário Claretiano 126 Nessa narrativa, transmitida em forma de livros e lendas e, também, pela tradição oficial, os mexicas teriam sido, durante muitos anos, um povo cativo da cidade de Aztlan Chicomoztoc. Lá, viviam em estado de penúria e subordinados às vontades de uma elite local, a quem chamavam de tlatoque (os governantes) e pipiltin (os nobres). Diante dessa nobreza, os mexicas eram, tão somente, macehualtin (espécie de plebeus ou servos). Certo dia, já cansados da vida de submissão, liderados por seu sacerdote, Huitzilopochtli, os mexicas decidiram partir de Aztlan Chicomoztoc. Tezcatlipoca, deus do céu noturno, disse ao sacerdote mexica que havia reservado um lugar privilegiado para o seu povo. Durante a fuga, os mexicas organizaram-se em grupos de pessoas pertencentes à mesma casa de parentesco, chamados calpulli. Nas Figuras 5 e 6, temos as imagens de Tezcatlipoca e Huitzi- lopochtli, representadas nos códices Telleriano-Remensis e Borgia, respectivamente. Figura 5 Tezcatlipoca. Figura 6 Huitzilopochtli. Após uma longa peregrinação, na qual viveram como caça- dores e coletores, finalmente, os mexicas encontraram o lugar pro- metido por Tezcatlipoca e descrito por Huitzilopochtli. Ao ver uma águia empoleirada em um cacto e devorando uma serpente, eles 127© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas viram se confirmar a promessa: nascia, então, Tenochtitlán, que significa “o lugar do cacto”. Vale ressaltar que a atual bandeira do México (Figura 7) pos- sui, em seu centro, a exata imagem descrita na lenda sobre a for- mação da sociedade asteca: uma águia empoleirada em um cacto, devorando uma serpente. Figura 7 Bandeira do México. A partir desse dia, os fugitivos de Aztlan, ou aztecas, como passaram a se chamar, deixaram a condição de macehualtin e pas- saram a ser os próprios tlatoques, bem como a construir as suas próprias casas de pipiltins. Deixaram a vida de submissão para se converter em senhores. Como afirmamos antes, essa lenda procurou encobrir o ver- dadeiro passado dos mexicas, agora, astecas. Ao que tudo indica, com o final do poderio exercido por Tula, as tribos "bárbaras" do norte, os chamados “chichimecas”, passaram a ocupar o espaço deixado pelos toltecas. Aos poucos, as tribos foram sedentarizando-se, assimilando a língua Nahuatl e organizando as primeiras cidades pós-Tula. En- tre elas, as que mais se destacaram foram Texcoco, Colhuacán e Azcapotzalco. Conforme descreve Jacques Soustelle, tais cidades, "onde os nobres levavam uma vida requintada, disputam entre si e uma após outra a hegemonia do vale" (1962, p. 16). Entre os bárbaros que invadiram o vale mexicano, os últimos a chegar foram os mexicas, ainda no século 13. Por volta de 1325, © História da América I Centro Universitário Claretiano 128 obtiveram de seus poderosos vizinhos um grupo de ilhotas na re- gião pantanosa e infértil do lago Texcoco (Figura 8), onde constru- íram sua capital, organizada em um: [...] miserável grupo de cabanas de caniços - à volta do templo do deus indomável e cioso, Uitzolopochtli [...]. À volta deles, os pânta- nos sem terra arável, sem madeira e sem pedra paraos edifícios. Todo solo está na mão das cidades mais antigas, que defendem rija- mente os seus campos, as suas florestas e as suas pedreiras (SOUS- TELLE, 1962, p. 16). Figura 8 Região do lago Texcoco. 129© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Enquanto criavam técnicas de plantio, como as ilhas artifi- ciais feitas de bambu e lama – as engenhosas chinampas –, os me- xicas viveram subordinados às demais cidades. É aqui que o mito construído parece se inspirar no passado real. De fato, os mexicas eram desprezados pelos outros povos, que os consideravam "bárbaros e vagabundos". Nesse momento, da mesma forma como reza o mito, encontravam-se dominados por uma cidade e subordinados a um povo: os tecpanecas, de Az- capotzalco. Segundo León-Portilla (2004), a dominação e tributação de Azcapotzalco sobre os mexicas duraram cerca de 100 anos, desde a provável sedentarização da tribo na região do lago, em 1325. Dessa forma, por volta de 1426, após a morte de seu huey tlatoani (chefe maior dos astecas) Chimalpopoca e a chegada de Itzcoatl ao poder, os mexicas decidiram romper com a situação de domínio. [...] quando os tecpanecas estavam prestes a iniciar as hostilida- des, a maioria do povo mexica, isto é, os macehualtin, ou plebeus, sustentaram que era melhor render-se. Em resposta, os pipiltin fi- zeram um trato: se não conseguissem derrotar Azcapotzalco, obe- deceriam os macehualtin para sempre. Todavia, se conseguissem derrotar os tecpanecas, os macehualtin deveriam total obediência aos pipiltin. A vitória sobre os tecpanecas, por volta de 1430, esta- beleceu a base da tão enfatizada situação política e socioeconômi- ca dos pipiltin mexicas (LEÓN-PORTILLA, 2004, p. 40). A vitória não apenas marcou a soberania dos pipiltins sobre os macehualtins, como também representou o início das conquis- tas e dos triunfos dos astecas sobre os demais povos da região. No lugar da capital, repleta de miseráveis cabanas de caniço, ergueu- se uma verdadeira metrópole, com prédios grandiosos, feitos de pedra. A construção de Tenochtitlán possuía direta relação com outro povo, que habitou o vale do México oito séculos antes: os teotihua- cans. Ainda por volta do século 14, os mexicas encontraram a cida- © História da América I Centro Universitário Claretiano 130 de abandonada de Teotihuacán. Ficaram tão impressionados com a Pirâmide do Sol que acreditaram que ela fora construída não por homens, mas, sim, por deuses. Decidiram, portanto, construir, no centro de Tenochtitlán, uma pirâmide tão majestosa e tão esplendorosa como aquela vizi- nha. No entanto, essa ambição esbarrava em um empecilho. A re- gião pantanosa do lago Texcoco não aguentaria uma construção de tal porte. Qualquer grande estrutura afundaria no solo movediço da ilha central do Texcoco. Então, para superar essa realidade, deu- se início a uma série de inventos arquitetônicos, que destacariam, definitivamente, os astecas como uma sociedade construtora. No terremoto que sacudiu a Cidade do México em 1986, vários prédios afundaram verticalmente, sem se quebrarem. Isso ocorreu porque o sismo, ao agitar a terra sob os alicerces dessas edificações, “liquefez” o solo, originariamente parte do lago Tex- coco. No solo pantanoso de Tenochtitlán, afundaram estacas de madeira de 10 metros de altura por 10 centímetros de largura, formando uma base quadrilátera sólida na qual poderia erguer- -se um edifício. Foi assim que levantaram sua pirâmide central. Essa mesma técnica foi utilizada na construção de passeios e pontes que ligavam a ilha maior à margem do lago. Cada pas- seio poderia ter até 14 metros de largura, e sua passarela principal possuía pontes levadiças que permitiam a passagem de barcos. A construção dessas passarelas não apenas representou a inserção de novas técnicas, mas também permitiu o transporte de cargas pesadas, como as pedras para os edifícios, e melhorou a interliga- ção da ilha à margem, antes feita somente por pequenos barcos. À medida que a cidade crescia, o espaço tornava-se escasso para o plantio, e a água, insuficiente para o número cada vez maior de pessoas. Seguramente, Tenochtitlán superou a casa da centena de milhar. 131© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Segundo Betty Meggers, a capital asteca chegou a possuir 200 mil habitantes (cf. MEGGERS, 1979, p. 97). Para Mário Cur- tis Giordani (1990), a população estava entre 240 mil e 350 mil pessoas, distribuídas em 60 mil ou 80 mil lares. Giordani acredita, ainda, que a região em torno do lago era habitada por cerca de um milhão de pessoas no auge do império. Por se tratar de um número tão grande de pessoas, a água era muito escassa. Mesmo localizada no centro de um grande lago, a água do Texcoco não era própria para o consumo. Então, para suprir essa necessidade e possuir água em abundância, foi cons- truído um sistema de encanamento de água, que vinha das regiões próximas ao lago, passava por debaixo de suas águas e abastecia toda a cidade de Tenochtitlán, desde as fontes de água pública até a banheira do imperador. Já para suprir a falta de áreas de cultivo, milhares de chinam- pas foram construídas ao redor da ilha e de outras regiões do lago. Em cima das chinampas, plantava-se, especialmente, milho. Além disso, na praça maior da cidade, desenvolvia-se um importante e organizado centro de trocas, que visava suprir as necessidades ali- mentares, bem como a riqueza e a ostentação dos pipiltins. tenochtitlán Na Figura 9, vamos conhecer a imagem da cidade de Teno- chtitlán e suas passarelas. © História da América I Centro Universitário Claretiano 132 Figura 9 A cidade de Tenochtitlán e suas passarelas. Após a conquista, Tenochtitlán foi completamente destru- ída, e suas pedras, utilizadas na construção de outros prédios e templos. O lago Texcoco foi inteiramente drenado, e, sobre as ruí- nas, nasceu a atual Cidade do México. Nos dias de hoje, muitos restos arqueológicos são encontra- dos em escavações e construções subterrâneas. Mesmo assim, os relatos de cronistas espanhóis bestificados com o que viram nos permitem imaginar como era a capital do império asteca, sua vita- lidade e sua vida cotidiana. 133© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Vejamos o que escreveu Bernal Díaz del Castillo (apud MEG- GERS, 1979, p. 96-97): Nesta grande cidade [...] as casas se erguiam separadas uma das outras, comunicando-se somente por pequenas pontes levadiças e por canoas, e eram construídas com tetos terraceados. Obser- vamos, ademais, os templos e adoratórios das cidades adjacentes, construídas na forma de torres e fortalezas e outros nas estradas, todos caiados de branco e magnificamente brilhantes. O burburi- nho e o ruído do mercado... podia ser ouvido até quase uma lé- gua de distância [...] quando lá chegamos, ficamos atônitos com a multidão de pessoas e a ordem que prevalecia, assim como com a vasta quantidade de mercadorias [...] cada espécie tinha seu lugar particular, que era distinguido por um sinal. Os artigos consistiam em ouro, prata, jóias, plumas, mantas, chocolate, peles curtidas ou não, sandálias e outras manufaturas de raízes e fibras de juta, grande número de escravos homens e mulheres, muitos dos quais estavam atados pelo pescoço, com gargalheiras, a longos paus. O mercado de carne vendia aves domésticas, caça e cachorros. Ve- getais, frutas, comida preparada, sal, pão, mel e massas doces, preparadas de várias maneiras, eram também lá vendidas. Outros locais, na praça eram reservados à venda de artigos de barro, mo- biliário doméstico de madeira, tais como mesas e bancos, lenha, papel, canas recheadas com tabaco, misturado com âmbar líqui- do, manchados de cobre, instrumentos de trabalho e vasilhame de madeira profusamente pintado. Muitas mulheres vendiampeixe e pequenos pães feitos de uma determinada argila especial que eles achavam no lago e que se assemelham ao queijo. Os fabricantes de lâminas de pedra ocupavam-se, em talhar seu duro material e os mercadores que negociavam em ouro, possuíam o metal em grãos, tal como vinha das minas, em tubos transparentes, de forma que ele podia ser calculado, e o ouro valia tantas mantas, ou tantos xi- quipils de cacau, de acordo com o tamanho dos tubos. Toda praça estava cercada por piazzas sob as quais grandes quantidades de grãos eram estocados e onde estavam, também, as lojas para as diferentes espécies de bens. Até que ponto o texto de Bernal Díaz del Castillo nos permite com- preender o quanto os cronistas empregavam uma visão europeia sobre as coisas que viam na América? Nesse texto, o cronista va- loriza muito mais as coisas e os produtos que são trocados do que as pessoas que frequentavam o “mercado”. Além disso, emprega noções espanholas de valor-ouro para entender o sistema de tro- cas. Será que era possível estabelecer que, para um asteca, uma manta “valia”, realmente, tantas porções de ouro? Na próxima uni- dade, veremos outro relato de um espanhol sobre o Qoricancha e notaremos concepções semelhantes entre eles. © História da América I Centro Universitário Claretiano 134 Os pipiltins eram o que poderíamos chamar de “nobres da sociedade asteca”. Contudo, essa sociedade estava muito longe de ser monolítica. Entre os pipiltins, havia diferença de privilégio, as- sim como entre os "plebeus". Vamos ver como isso funcionava? Organização social e política A própria lenda da formação do povo asteca permite-nos de- limitar as principais camadas sociais que constituíam sua socieda- de. Tratava-se dos pipiltins (nobres) e dos macehualtins (plebeus). Perceba que essa diferenciação segue o mesmo padrão hierárqui- co visto na cidade de Aztlan, segundo o mito. No entanto, conforme vimos, pipiltin e macehualtin eram os dois principais grupos que conformavam os mexicas em sua origem e que estavam igualmente submetidos aos tecpanecas. Ainda que se admita uma diferença político-social entre eles, tal hierarquia só ficou realmente clara após a libertação dos astecas do poderio de Azcapotzalco. Foi a partir do confronto com os tecpanecas que os pipil- tins passaram a desempenhar um papel soberano sobre os ma- cehualtins, ocupando os cargos públicos e assumindo as funções administrativas e governantes (os tlatoques, como no mito). Aos macehualtins, caberia a produção de alimentos e a construção de obras, tanto para si como para os pipiltins. Há outro ponto da lenda que nos permite compreender um elemento importante da organização social dos astecas. Como vi- mos, os mexicas, durante sua inventada fuga de Aztlan, organiza- ram-se em grupos de membros de uma mesma casa, os chamados “calpulli”. Assim como no mito, a organização social do povo asteca era chamada de calpulli. Os calpullis representavam a unidade básica das camadas mais baixas da sociedade. Assim, a soma de todos os membros dos diversos calpullis formava o estrato social denomi- nado “macehualtin”. Os membros de um calpulli geralmente esta- vam ligados por algum grau de parentesco. 135© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Na Unidade 4, você verá que os incas também possuíam uma organização social básica: os ayllus. Como os calpullis, os membros de um ayllu tinham relações de parentesco entre si. Dessa maneira: Os calpulli eram pequenos grupos de origem tribal que possuíam terras cujo usufruto distribuía-se periodicamente entre os homens casados. Um chefe eleito, o Calpullec, assistido por um conselho, administrava o grupo e distribuía a terra (GIORDANI, 1990, p. 147). Seguindo essa organização, os macehualtins membros de uma mesma família eram responsáveis pelo cultivo das terras para a produção de alimentos para si. As terras de um calpulli eram pro- priedades comuns de seus membros. Já o trabalho era socialmen- te dividido entre os gêneros, de modo que, aos homens, cabiam a caça, a pesca, a agricultura, a construção e o artesanato, enquan- to, às mulheres, restavam o serviço doméstico e a preparação do alimento para o consumo, como as famosas massas de milho para a confecção das tortillas. Na Figura 10, veja as imagens retiradas do Códice Florentino, pertencente aos macehualtins. © História da América I Centro Universitário Claretiano 136 Figura 10 Macehualtin - Códice Florentino. O interessante é que os calpullis que não possuíssem terra para cultivar desenvolviam seu trabalho nas terras dos pipiltins. Dessa forma, apresentavam-se como uma espécie de "servos" dos pipiltins, cuidando do cultivo e da produção dessas terras nobres. Esses calpullis sem-terra eram chamados de mayeques. Além dos mayeques e macehualtins, outro grupo social tam- bém era responsável por tarefas nas terras dos pipiltins ou utilizado como mão de obra na construção de obras públicas: os escravos. Na realidade, o termo “escravo” foi dado pelos espanhóis a um estrato social chamado tlatlacotin. Os tlatlacotins eram adquiridos por meio da guerra e conquista de tribos menores. Em torno de- les, grupos de guerreiros contratados organizavam um verdadeiro comércio. Os escravos que não possuíssem qualquer tipo de serventia aparente ou não fossem "comercializáveis" ganhavam sua liber- dade, o que, devido à total desorganização de sua sociedade de origem, poderia não ser algo positivo. Quando uma pessoa se torna escrava e vê a sua sociedade devastada, a “liberdade” representa a total perda de sua serven- tia, pois ela não mais possui a função social que antes tinha e, ao mesmo tempo, perde a "nova” função social obrigada a exercer por conta da escravidão. 137© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Outra forma de se tornar um tlatlacotin era por meio da ven- da espontânea de pessoas no mercado de trocas. Como nos expli- ca Léon-Portilla: Em períodos de dificuldade, as condições de vida dos macehualtin pioraram sob muitos aspectos. Assim, por exemplo, durante perí- odos de escassez de alimentos foram obrigados, muitas vezes, a venderem-se ou a seus filhos como tlatlacotin (2004, p. 51). Aqui entra um ponto importante a ser destacado: a escra- vidão, na sociedade asteca, era temporária. Dessa maneira, após um período de tempo, os escravos ganhavam, novamente, a sua liberdade. Outra questão importante a se ressaltar é que os filhos de escravos não eram considerados escravos, ou seja, o estado de escravidão não era hereditário. Você saberia apresentar diferenças entre a escravidão asteca e a escravidão colonial brasileira? Para ter mais sucesso em sua refle- xão, sugerimos que consulte a disciplina História do Brasil I. Depois de analisar esses pontos, podemos dizer que a vida do que se denomina “povo” (mayeques, macehualtin e tlatlaco- tin) diferia, completamente, da vida de fartura da qual gozavam os “nobres” (pipiltins). Geralmente, os macehualtins são referencia- dos como "miseráveis" nos códices astecas. Já os pipiltins são relatados em sua condição de superiori- dade social e desfrutando de uma vida muito mais opulenta. No entanto, isso não quer dizer que eles eram um bloco único de go- vernantes e que não havia uma diferenciação social entre seus membros. Quando os espanhóis chegaram à região mesoamericana, compreenderam não haver diferenças maiores entre os membros da camada governante. Essa foi uma visão que, de certa manei- ra, prevaleceu até pouco tempo. No entanto, analisando alguns códices e livros de escrita asteca, bem como relatos de cronistas, foi possível comprovar a existência de diferenças sociais devida- © História da América I Centro Universitário Claretiano 138 mente estabelecidas entre os pipiltins. Podemos estabelecer essa diferença daseguinte forma: tlazo-pipiltin (nobres ilustres), pipil- tin (ligados ao grupo dirigente), cuauh-pipiltin (nobres águias) e tequiuaque (filhos de pessoas ilustres). Dentro das quatro principais camadas que conformavam os pipiltins, ainda havia outras subdivisões, como a que ocorria no exército. Os guerreiros-jaguar, por exemplo, eram uma das partes componentes do exército asteca. Essa diferenciação precisa ser compreendida, uma vez que cada uma das partes dessa elite era responsável por uma função administrativa específica, não podendo ocupar o lugar de outra. Os tlazo-pipiltins eram a camada mais nobre dos pipiltins. Era daí que saía o governante asteca, chamado huey tlatoani. Os pipiltins (não o termo genérico) possuíam ligações com o grupo dirigente sem possuir descendência direta. Geralmente, eram designados como senhores da casa de armas e ocupavam os cargos de comando do exército imperial. Os cuauh-pipiltins eram os guerreiros que, por algum ato no- bre, foram incorporados ao grupo dominante, passando a possuir papel de destaque. O reconhecimento dessa "casta" demonstra a existência de certa mobilidade social entre os astecas. Por fim, temos os tequiuaques, que eram os filhos das pes- soas que possuíam papel de destaque na administração imperial. Geralmente, eram filhos de um teteuctin; justamente por isso, os espanhóis os chamavam de "senhores" e, seus filhos, os tequiua- ques, de “fidalgos”. Na Figura 11, você pode ver a elite gerreira pipiltin. 139© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Figura 11 Elite guerreira pipiltin. Os teteuctins eram pessoas designadas pelo huey tlatoani para ocupar um cargo de chefia dentro dos calpullis. Geralmente, faziam parte dos pipiltins ou, então, eram membros de reconheci- do destaque social, provenientes do próprio calpulli. A nomeação dos teteuctins possuía destacada importância, uma vez que eram eles os responsáveis pelo controle da produção na unidade socio- econômica. Além dos administradores de calpulli, havia, também, os administradores de cada região em que se subdividia o império asteca. Esses “governantes” eram chamados de tlatoques e eram invariavelmente originários da camada pipiltin. Além de ocuparem os cargos mais importantes, os pipiltins não pagavam impostos e possuíam usufruto sobre suas terras. O interessante é que, ao que tudo indica, as terras cultivadas pelos pipiltins não tinham caráter privado. Na realidade, as terras per- tenciam ao cargo ocupado pelo pipiltin em questão, e não à "pes- soa física", de maneira que, sempre que um pipiltin deixasse o car- go e outro assumisse o seu lugar, a terra passava para o controle deste. © História da América I Centro Universitário Claretiano 140 Outro benefício que se estendia somente aos pipiltins era o direito à educação. Os filhos dos pipiltins eram encaminhados às cidades, para os calmecac, onde recebiam instrução e eram forma- dos segundo um senso de dignidade e responsabilidade. Na Figura 12, temos uma representação da educação asteca encontrada no Códice Florentino. Figura 12 A educação asteca – Códice Florentino. Quanto à escolha do huey tlatoani, também há um elemento extremamente importante a se esclarecer. Como vimos, somente os membros pertencentes aos tlazo-pipiltin podiam concorrer ao cargo supremo do império. Este, por sua vez, era escolhido por um conselho formado pelos representantes de cada família dos tlazo-pipiltin. León-Portilla (2004, p. 44) descreve essa escolha da seguinte forma: A eleição do Huey Tlatoani era dever e privilégio de um número limitado de pipiltin. Esse grupo representava a antiga nobreza a quem os plebeus prometeram obediência quando correram o risco 141© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas de ser aniquilados pelos tecpanecas. Ser eleito governante supre- mo pressupunha fazer parte do grupo dos tlazo-pipiltin. As qualida- des pessoais eram cuidadosamente examinadas pelos eleitores. Na verdade, não votavam, pois seu propósito era chegar a uma decisão unânime; assim, passavam vários dias a consultar pessoas diferen- tes e a deliberar entre si. Finalmente, chegavam a uma aceitação unânime de alguém que, embora pudesse ser superado por outros em alguns aspectos, por outro lado satisfizesse os vários interesses na maioria dos aspectos e fosse considerado suficientemente capaz para ser o líder de toda a nação. Dessa maneira, o huey tlatoani governava respaldado por um conselho que o teria elegido. Não seria ele, portanto, um rei inquestionável, ascendido ao trono por conta de uma dinastia à qual pertencesse. Ao contrário, era um representante dos princi- pais líderes tradicionais. Nesse sentido, o sucessor de cada rei não era, obrigatoriamente, seu parente ou um descendente direto. Da mesma forma, não era ele, em si, uma figura divina. Era, na reali- dade, um representante dos deuses. Aqui cabe outra comparação com os incas. No caso deles, o rei, “sapa inca”, era também um deus e chegava ao poder por con- ta de seu parentesco direto com o último imperador. Economia A economia asteca não difere muito do que já apontamos nas sociedades mesoamericanas comentadas até aqui. O sistema de coivara, bem como os produtos cultivados e consumidos, era semelhante ao de outros grupos mencionados anteriormente. En- tão, da mesma forma que nas outras sociedades da Mesoamérica, temos um destaque para o feijão, a abóbora e, especialmente, o milho e o cacau. Devemos somente um destaque maior às trocas comerciais. Conforme podemos observar na própria crônica de Bernal Díaz del Castillo descrita anteriormente, a praça central de Tenochtitlán possuía um comércio tão intenso que se podia ouvir a distância os homens trocando coisas e comprando escravos. © História da América I Centro Universitário Claretiano 142 Já no que diz respeito à religião, gostaríamos de fazer algu- mas considerações mais detalhadas. Acompanhe-nos! religião Sem sombra de dúvida, um dos itens que mais chamam a atenção do público comum e de pesquisadores sobre os astecas é a sua religião, que concebia, entre outras coisas, os sacrifícios hu- manos. Para nós, os sacrifícios são inadmissíveis; entretanto, isso parte de um ponto de vista ocidental que se relaciona tanto com nossa concepção de direitos humanos e sufrágio universal quanto com a moral cristã, firmemente enraizada. Por mais difícil que isso possa parecer, devemos respeitar esse elemento como algo que se relaciona com uma cultura específica para não incorrer no etno- centrismo. Não queremos aqui concordar com tais sacrifícios, mas, sim, justificá-los em seu lugar e sua época. O sacrifício humano era uma prática quase geral entre os povos mesoamericanos. Dos olmecas aos astecas, quase todos o tiveram como prática ritualística de oferenda. Entre os maias, ao que tudo indica, eram sacrificados os homens de destaque na so- ciedade. Já os astecas sacrificavam somente os escravos. Esses sacrifícios ocorriam por meio da retirada do coração da pessoa enquanto viva. Para a realização do ritual, era necessário um artefato de corte, uma espécie de faca feita de pedra entalha- da e muito bem afiada – a faca de sacrifício. Enfiava-se essa faca no tórax da pessoa, abrindo um corte por onde, com as mãos, o sacerdote retirava o coração da vítima ainda pulsando. Esses rituais aconteciam por um motivo crucial e que impli- cava a vida ou a morte dos astecas. Estes acreditavam que o Sol nascia na cidade de Teotihuacán, metrópole dos deuses. No en- tanto, para que ele tivesse força para nascer todos os dias e prover a luz e a energia necessárias ao cultivo de plantas e alimentos, era preciso alimentá-lo com sangue humano. Assim, diariamente, homens e mais homens eram sacrificados em nome do Sol nas pranchas de pedra dos principais templos da capital.143© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Figura 13 Sacrifícios humanos apresentados no Códice Magliabechiano. A relação com o Sol era muito forte e significativa para os astecas, que, assim como os incas, se autointitulavam o povo do sol. Dessa maneira, tal como o povo dos Andes, tinham o Sol como um de seus deuses principais em um politeísmo quase ilimitado. Entre os deuses de maior destaque, podemos ressaltar alguns, tais como os já mencionados Huitzilopochtli e Tezcatlipoca, bem como Quetzacoátl, um dos principais deuses do panteão pan-mesoame- ricano. Além desses, Tlaloc, o deus-jaguar da chuva, é outra heran- ça mesoamericana. Teremos a oportunidade de ver, na Figura 14, os deuses pan- mesoamericanos da religião asteca Quetzalcoátl e Tlaloc, repre- sentados nos códices Telleriano-Remensis e Rios. © História da América I Centro Universitário Claretiano 144 Figura 14 Quetzalcoátl e Tlaloc – deuses pan-mesoamericanos da religião asteca, representados nos códices Telleriano-Remensis e Rios. Perceba que, dos nomes mencionados, somente Huitzilopo- chtli é uma divindade que não encontramos anteriormente em ou- tros povos. Dessa maneira, podemos dizer que a crença asteca se constituiu da fusão de variados referenciais pan-mesoamericanos. Trata-se de uma religião que incorporou várias outras religiões do vale central e da península mexicana. Para os ritos religiosos, destacava-se a figura do sacerdote. A religião era algo tão importante para o povo asteca que existia, claramente, uma hierarquia entre os sacerdotes que compunham um corpo sacerdotal. Giordani assegura que: [...] o corpo sacerdotal, escalonava-se em uma hierarquia que abrangia os sacerdotes comuns, que dirigiam os serviços de um templo num bairro, os sacerdotes superiores que controlavam o exercício do culto nas províncias, os sacerdotes dos grandes tem- plos da capital e, acima de todos, dois pontífices iguais em poder e título (serpente de plumas), um dos quais encarregado do culto de Huitzilopochtli, o deus da guerra, e outro dedicado ao culto de Tlaloc, o deus da chuva (1990, p. 149). O Estado estava impregnado pela religião, por seus pressá- gios e suas profecias. No entanto, ao contrário do que se possa 145© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas imaginar, as funções sacerdotais não se misturavam às governa- mentais. Como já notamos, os astecas não eram teocráticos. Entretanto, apesar de os sacerdotes não desenvolverem fun- ções políticas, isso não exclui a possibilidade de que os seus conhe- cimentos e as suas profecias fossem utilizados pelos governantes como uma forma de prevenir maus presságios ou adotar estraté- gias de guerra. Da mesma forma, como a religiosidade permeava todo o "modo de vida" de sua sociedade, é possível que os governantes astecas re- corressem, por conta própria, a seus deuses e entidades sagradas. Quem nos sugere essa interpretação é o linguista Tzvetan Todorov (1993), em sua obra A conquista da América. Segundo ele, Montezu- ma II, líder asteca à época da conquista espanhola, recorria aos pres- ságios, seus e/ou de seus sacerdotes, todas as vezes que tentava en- tender os espanhóis e que precisava tomar uma decisão relacionada a eles. Afirma, ainda, que, ao se amparar demasiadamente no que dizia o mundo sobrenatural sobre os espanhóis, ele acabou não tomando decisões eficazes quanto a eles. Você verá mais sobre isso nas discipli- nas História da América II e III. Podemos fazer outra comparação entre os incas e os astecas. Na sociedade inca, o curaca possuía dupla função: era administra- dor e sacerdote. Assim como o rei, ele era, também, deus, como já escrevemos aqui. Outra diferença que podemos estabelecer entre a religião asteca e a inca é que, entre os incas, os sacrifícios hu- manos ocorriam em ocasiões excepcionais. Até mesmo crianças eram sacrificadas, mas, em geral, os sacrifícios eram em forma de roupas ou camélidos. Uma última curiosidade sobre a religião asteca e que me- rece um breve comentário é a utilização de bebidas ritualísticas. Para a realização de vários rituais, os astecas recorriam a uma be- bida sagrada feita à base de cacau e que se chamava xocolatl. Isso mesmo, o nome não é estranho: trata-se do antepassado asteca do famoso chocolate que se consome em quase todo o mundo nos dias de hoje. Vale ressaltarmos que, normalmente, o cacau era misturado à água e à pimenta, e não ao leite. © História da América I Centro Universitário Claretiano 146 De qualquer forma, é preciso compreender que a religião as- teca possuía um papel central na organização e nas decisões de seu povo. Para os astecas, os sacrifícios estavam longe de serem atos desumanos. Ao contrário, eram a prova de sua condição humana de subordinação a um deus que lhes provia sustento e energia – o Sol. Logo, faltar com esse ritual era o mesmo que superestimar a sua capacidade humana de criação. Esperamos que esse seja um ponto importante de reflexão que esta unidade possa ter trazido. QuEstÕEs AutOAvALiAtivAs7. Ao final de nossa terceira unidade, sugerimos que você pro- cure responder, discutir e comentar as questões a seguir, as quais tratam das características do império asteca. Este é um momento ímpar para você fazer uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do conhecimento se dá de forma cooperativa e colaborativa; por- tanto, compartilhe com seus colegas de curso suas descobertas. Qual é a importância da discussão proposta nesta unidade para sua forma-1) ção? Quais são as aproximações que podemos fazer entre os toltecas e os aste-2) cas? De que maneira ocorreu a apropriação cultural dos legados toltecas pelos 3) astecas como forma de legitimar seu poderio político? Você saberia apresentar diferenças entre a escravidão asteca e a escravidão 4) colonial brasileira? Como funcionava a divisão do trabalho entre os astecas?5) COnsiDErAçÕEs8. Chegamos ao final de nossos comentários a respeito dos po- vos mesoamericanos que habitaram essa região por volta de três mil anos antes da chegada dos espanhóis. 147© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas Apresentamos aqui as principais características de dois im- portantes povos que compuseram a faixa central da Mesoamérica: os toltecas e os astecas. Apesar de o segundo grupo ter construído alguns elementos de sua “identidade” com referências diretas às heranças deixadas pelo primeiro grupo, podemos estabelecer en- tre eles muito mais diferenças do que semelhanças, mesmo que esse não seja um dos trabalhos mais fáceis. Como você pôde observar, há muita dificuldade no estudo desses povos. Muitas interpretações diferentes podem ser feitas na análise de restos arqueológicos e na significação dos símbolos e da escrita de algumas dessas sociedades. Por conta disso, acabamos muito mais presos à descrição do que, propriamente, à problematização em torno do modo de vida de cada grupo. De qualquer maneira, pensamos ser importante uma reflexão individual sobre esses homens, uma vez que suas tradições ainda alimentam o imaginário de comunidades tribais na região mexicana. De outro modo, compreender a construção de cada cultura é, também, uma forma de olharmos para o centro de nossas conven- ções e nossos signos culturais e pensarmos: até que ponto somos nós criadores das coisas que nos parecem termos criado? Afinal, se a cultura do outro parece uma invenção sem sentido aos nossos olhos, o que diriam eles sobre nós? Na próxima unidade, discutiremos outros povos e outras cul- turas que nos ajudam a repensar questões como essas. No entan- to, são povos que se encontravam em outra zona cultural de im- portante destaque na história da América pré-colombiana: a zona andina central. E-REFERÊNCIAS9. Lista de figurasFigura 1 – Mapa do império asteca: disponível em: <http://www.historiadomundo.com. br/imagens/asteca_mapa.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. © História da América I Centro Universitário Claretiano 148 Figura 2 – Plataforma escalonada, em Tula: disponível em: <www.artehistoria.jcyl.es/.../ jpg/AMT10171.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 3 – Guerreiros sobre o Templo: disponível em: <http://www.prof2000.pt/users/ secjeste/MuseuSecJE/Imagens/GigantesTula01.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 4 – Templo dos Guerreiros de Chichén Itzá: disponível em: <http://www. panoramio.com/photo/252>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 5 – Tezcatlipoca: disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ Image:Black_Tezcatlipoca.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 6 – Huitzilopochtli: disponível em: <http://www.answers.com/topic/ huitzilopochtli>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 7 – Bandeira do México: disponível em: <http://www1.istockphoto.com/file_ thumbview_approve/1824528/2/istockphoto_1824528-mexico-flag-background.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 8 – Região do lago Texcoco: disponível em: <http://sidewalksprouts.files. wordpress.com/2008/04/lake_texcoco_c_1519_.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 9 – A cidade de Tenochtitlán e suas passarelas: disponível em: <http://www. latinamericanstudies.org/aztecs/tenochtitlan-color.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 10 – Macehualtin - Códice Florentino: disponível em: <http://www.mexique-fr. com/aztecas/macehualli_codex.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 11 – Elite guerreira pipiltin: disponível em: <http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/thumb/2/23/Codex_Mendoza_folio_67r_bottom.jpg/550px- Codex_Mendoza_folio_67r_bottom.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 12 – A educação asteca – Códice Florentino: disponível em: <http://www.answers. com/topic/educacion-azteca-jpg-1>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 13 – Sacrifícios humanos apresentados no Códice Magliabechiano: disponível em: <http://www.answers.com/topic/mendoza-humansacrifice-jpg-1>. Acesso em: 15 jan. 2009. Figura 14 – Quetzalcoátl e Tlaloc - deuses pan-mesoamericanos da religião asteca, representados nos códices Telleriano-Remensis e Rios: disponível em: <www.answers. com/topic/quetzalcoatl e www.answers.com/topic/tlaloc>. Acesso em: 15 jan. 2009. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS10. CARDOSO, C. F. América pré-colombiana. São Paulo: Brasiliense, 1990. GIORDANI, M. C. História da América pré-colombiana. Petrópolis: Vozes, 1990. KRICKEBERG, W. Mitos y leyendas de los aztecas, incas, mayas y miuscas. México: Fondo de Cultura Económica, 1995. LEÓN-PORTILLA, M. A Mesoamérica antes de 1519. In: BETHELL, L. (Org.). História da América Latina: a América Latina colonial. São Paulo: Edusp, 2004. v. 1. MEGGERS, B. América pré-histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. SOUSTELLE, J. A vida quotidiana dos astecas: nas vésperas da conquista espanhola. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. 149© América Pré-colombiana: a Mesoamérica e os Astecas TODOROV, T. A conquista da América – a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993. VAINFAS, R. A América às vésperas da conquista In: ______. Economia e sociedade na América espanhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984. VIDAL, R. B. Historias mágicas de los índios pieles rojas. Madrid: Edimat, 2003. (Coleção Enigmas de la Historia). Centro Universitário Claretiano – Anotações
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