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Curso de Ética

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Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
CURSO 
 
 
 
 
DE 
 
ÉTICA 
 
Prof. Marco Antônio 
 
 
 
 
“Por si só, um texto não é nada, tal como uma viagem 
por si só tampouco é nada. Uma alma se faz necessária 
para concatenar entre si os méritos desta e as frases 
daquele, fazendo jorrar do contato essa luz misteriosa 
que se chama verdade ou que tem por nome beleza” 
A.-D. Sertillanges 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
B695 Bomfim, Marco Antônio Correia. 
 Curso de ética / Marco Antônio Correia Bomfim. – 
 Ilhéus, BA: CESUPI, 2015. 
 144 f. 
 
 Inclui referências. 
 
 1. Ética. I.Título. 
 
 CDD 170 
3 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO.....................................................................................................3 
 
CAPÍTULO I – ÉTICA E CIVILIZAÇÃO 
1.O LOGOS GREGO E O ESTUDO DO ETHOS.............................................11 
1.1 A ÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DO ETHOS..............................................11 
1.2 O “CONHECE-TE A TI MESMO” COMO FUNDAMENTO DO SABER 
ETICO................................................................................................................18 
1.3 A ETICIDADE COMO DIMENSÃO ONTOLÓGICA DO SER DO ENTE 
HOMEM.............................................................................................................26 
1.4 A FORMAÇÃO DO ETHOS PELO HÁBITO................................................36 
1.4.1 A RESPONSABILIDADE..........................................................................38 
1.4.2 O CARÁTER.............................................................................................41 
1.4.3 O HÁBITO E O SEU VALOR MORAL......................................................50 
 
CAPÍTULO II – O ETHOS CRISTÃO-MEDIEVO 
2.O ETHOS CRISTÃO E O HOMEM (PESSOA) COMO REALIZADOR DO 
BEM E DO MAL MORAL...................................................................................54 
2.1 A DIMENSÃO ÉTICA DO EVANGELHO.....................................................54 
2.2 A IGREJA E A MORAL NO OCIDENTE......................................................62 
 
CAPÍTULO III – O ETHOS MODERNO E SUA PERSPECTIVA 
REVOLUCIONÁRIA..........................................................................................71 
3.1 O ETHOS MODERNO ENQUANTO RUPTURA E VONTADE DE PODER76 
3.1.1 A DISSOCIAÇÃO ENTRE POLÍTICA E ÉTICA NO FAZER HUMANO E A 
SUBMISSÃO DO ÉTICO AO POLÍTICO...........................................................78 
3.1.2 VONTADE DE PODER, COISIFICAÇÃO E NEGAÇÃO DO OUTRO......84 
3.1.2.1 A TRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES.............................84 
3.1.2.2 MORAL E PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA: a moral enquanto 
reengenharia social............................................................................................89 
 
CAPÍTULO IV – A CULTURA DENTRO DO ETHOS 
GLOBALISTA..................................................................................................114 
4.1 MASSIFICAÇÃO, DESCONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO....................121 
4.2 A ÉTICA COMO DIMENSÃO PRECÍPUA PARA A RECONSTITUIÇÃO DO 
SER DO ENTE HOMEM .................................................................................128 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................135 
 
REFERÊNCIAS...............................................................................................140 
 
 
 
 
 
4 
 
INTRODUÇÃO 
 
“Para se compreender uma civilização. É preciso amá-la, e isto 
só se consegue graças aos valores permanentes, de validez 
universal, que ela implique. Tais valores costumam coincidir 
fundamentalmente em todas aquelas culturas que não servem 
só para o bem-estar físico, mas se preocupam com o homem 
total, ancorado no eterno. Sem tais valores, a vida não tem 
sentido.” TitusBurckhardt 
 
A perplexidade inerente ao homem moderno, pode-se dizer que tem se 
manifestado na angustiante realidade que perfaz a sua existência, a qual é a 
da permanente convivência com a crise. Fenômeno este que assola todos os 
campos, áreas onde o ser humano atua. 
Dentre as várias crises que acometem a vida humana, não se pode 
deixar de mencionar a crise moral. Crise esta que não diz respeito apenas às 
relações do homem para consigo mesmo, do homem para com seus 
semelhantes, do homem para com as coisas que o cercam, como também do 
homem para com o Ser do qual participa. 
A crise moral então se instala, também, nos estudos que se realizam 
sobre as disciplinas tão importantes na busca de compreensão, pelo homem, 
da realidade que o circunda e perfaz. Daí se poder falar que reina no âmbito da 
vida humana a maior confusão. 
Segundo o filósofo brasileiro, Mário Ferreira dos Santos (1964, p. 158) 
 
A nossa época é uma época de confusão de idéias. E é confusa, 
porque as idéias, que foram separadas para a análise, que o trabalho 
crítico realizou para estudá-las em separado, não foram devolvidas 
de modo hábil à concreção, mas reunidas confusamente, isto é, 
fundidas com outras, obedecendo a novas hierarquias de valores, 
que não correspondem ao que melhor devera ser, embora revelem o 
que se dá na presente fase do processo histórico. 
 
Segundo o filósofo, estamos numa época de crise porque vivemos 
como em nenhum outro momento da história da Civilização Ocidental a crise. E 
como esta se instala em todos os setores, não poderia deixar de afetar a Ética. 
E como não haver crise em época onde nós seres humanos nos separamos 
cada vez mais? Há a ciência, há o crescimento econômico, há a difusão das 
informações, etc. mas a crise do/no humano é cada vez mais crescente. 
5 
 
Este novo milênio, sem dúvida, pode e deve ser caracterizado por um 
lado, pelo fenômeno da globalização1, entendido este em seu sentido mais 
amplo. Então o conhecimento, as informações estão viajando em milésimos de 
segundos, por meios de cabos de fibras óticas e chegando a locais 
inimagináveis, pondo os indivíduos em contato com mundos diferentes, que os 
inquietam e produzem no mesmo, anseios, desejos, repulsas, enfim, um 
mundo de sensações, imagens, representações. 
Por outro, e de certa forma, ligada à anterior a terceira revolução 
científico-tecnológica, que traz mudanças nas sociedades, por motivo de suas 
novas descobertas (biotecnologia, nanotecnologia, etc.). E aqui se pode falar 
no desenvolvimento da informática e suas influências diretas noutras áreas do 
conhecimento e intimamente na vida dos seres humanos, estejam eles nas 
grandes metrópoles ou nos recantos do mundo habitado pelo ser humano. 
Não por acaso, uma das características marcantes da 
sociedadehodierna que se diz pós-moderna é a desrealização, 
desestruturação; ou seja, este é o tempo das transformações profundas que 
afetam diretamente toda a cultura do humano. Como diz Castells(1999, p. 41) 
em sua obra: A sociedade em rede: “Nossas sociedades estão cada vez mais 
estruturadas em oposição bipolar entre a Rede e o ser”. 
Constata-se então, em meio aos burburinhos do tempo que urge e 
vigora, que o homem “pós-moderno” está no meio de uma esquizofrenia 
estrutural entre a função e o significado; o ter e o ser. Diante de tal realidade é 
lícito também perceber que as noções de tempo e espaço são literalmente 
transformadas e passam a adquirir novos significados. 
Enquanto o lugar tem como característica própria o ser fixo, ou seja, é 
específico, delimitado, concreto, conhecido, familiar em que as raízes do 
homemsão aí fixadas. 
O espaço ganha uma nova dimensionalidadeque de nada necessita do 
concreto para fixar-se, até porque sua marca distintiva é a flexibilidade, a 
fluidez, ou numa linguagem mais atual, ele se virtualiza adquirindo assim uma 
 
1O termo globalização não deve ser compreendido no sentido habitual, o qual lhe é dado frequentemente, 
enquanto produto de um sistema econômico em particular, o capitalismo. Mas sim, como um processo de 
dominação pela cultura,gerência administrativa e reengenharia social que é parte de um projeto meta-
capitalista, onde se aliam grandes conglomerados financeiros, organizações supra-estatais, ONGs, 
partidos políticos. (CARVALHO, 2007 ) 
6 
 
onipotência e onipresença impensável e impossível para o lugar. Porque com 
muita rapidez apenas com um piscar de olhos, um comando de mãos ou voz 
rompem-se espaços siderais. 
O que se pode inferir desta assertiva é a destruição do espaço através 
do tempo. Então, por trás de todo o processo globalizante (mentalidade 
revolucionária/globalista) tem-se nada mais que o enfraquecimento e a 
destruição de valores ético-morais e das identidades culturais. 
No meio deste turbilhão de informações, modificações, revoluções que 
é o mundo “pós-moderno”, o homem é como que conduzido a pensar e viver 
dentro de uma proposta que o remete à interdependência cada vez maior, 
entre os meios e processos de inter-relação e produção social. 
Assim, passa a ser um imperativo para a vida das sociedades e dos 
indivíduos que nela habitam um modo de pensar, de ser e de agir. O homem 
está preso numa teia de símbolos que nega toda e qualquer possibilidade de 
uma individualidade autêntica, pois esta só é possível dentro dos parâmetros: 
ou desse homem consumidor (capitalismo vigente), ou do homem politicamente 
correto (socialismo/comunismo/fascismo). 
Deste modo, o mesmo se encontra imerso numa descaracterização, 
portanto, desumanização do ser de seu ente(homem) em prol de projetos que 
vislumbram criar entidades abstratas que possibilitem a constituição do melhor 
dos mundos possíveis2. 
São inúmeros os pontos críticos da realidade hodierna que podem ser 
investigados, não obstante, nosso enfoque neste curso priorizará os aspectos 
éticos dentro da constituição deste entechamado Homem. Porque, sem as 
exigências éticas, as quais estão na base do agir humano, a cultura, qualquer 
que seja a época em que ela se manifeste no caminhar da história, o que se 
obterá como conseqüência, será a violência, a barbárie. 
A este respeito, o filósofo Mário Ferreira dos Santos procurou-nos 
alertar em meados do século passado acerca da tragédia em que a condição 
humana estava vivendo sob a bota da superficialidade e a invasão cultural da 
barbárie com a sua obra/manifesto Invasão vertical dos bárbaros. 
 
2 Cf. a obra: O futuro do pensamento brasileiro, do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho, onde na 
segunda parte, que trata das conferências que o mesmo deu em Paris e Bucareste no tópico III – A 
globalização da ignorância. O filósofo tratará de forma direta, concisa e elucidatória o projeto da nova 
ordem cultural do mundo. 
7 
 
Não se considerando as exigências éticas fundamentais do agir 
humano, as quais são co-extensivas ao trabalho da cultura humana.Toda e 
qualquer transformação da vida social, por mais que pareça ser promissora, a 
exemplo dos inúmeros avanços científicos e tecnológicos ocorridos no século 
passado e início deste, os direitos elaborados em prol de uma sociedade e 
humanidade abstrata, não terá objetivamente nenhuma condição de promover 
e garantir o bem estar da comunidade humana. 
Observando-se a quantidade de violência, perpetrada pelo mundo 
inteiro, nas diversas categorias de seres humanos, constata-se que vem se 
tornando trivial e como tal, ameaça fazer esse mundo inabitável. Estamos 
imersos em uma crise moral sem precedentes na história da humanidade. 
Não por acaso então um enorme fluxo de estudos (artigos, livros) 
acerca da reflexão ética. E dentro das mais vastas atividades laborais 
humanas, crescentes são as preocupações em torno das questões éticas. 
E as razões que podem explicar esse interesse extraordinário pelos 
temas éticos são múltiplas e complexas. No entanto, acredita-se que se está 
diante de uma das mais inequívocas e significativas reações a uma crise moral 
sem precedentes, que atinge a Civilização Ocidental. E particularmente a 
sociedade brasileira, a qual é amplamente divulgada e reconhecida como 
possuindo um jeito todo peculiar de ser: o jeitinho brasileiro. 
Na atualidade a evolução científica e tecnológica que revoluciona o 
conhecimento estabelece novos paradigmas para as relações humanas e 
sociais e produz impacto em toda a atividade humana. O tema da ética inquieta 
cientistas, pesquisadores e profissionais das diferentes áreas do saber. 
Se os princípios éticos devem conduzir a ciência, a consciência ética, 
porém, não resulta do debate científico, mas da vontade e coragem das 
pessoas que agem movidas por princípios éticos, na construção da ciência, nas 
relações de trabalho, na vida afetiva, etc. Embora, por vezes, não haja clareza 
de quais caminhos seguir, em vista de um mundo cada vez mais cético e 
relativista. Onde a derruição das morais leva a maioria das pessoas a confundir 
a Ética com a Moral. 
É preciso ter bem clara a compreensão de que a Ética estuda o dever 
ser humano, enquanto que a Moral descreve e prescreve como se deve agir 
8 
 
para realizar este dever-ser. Ou seja, a Moral é variante, mas a Ética é 
invariante. 
E exatamente por este motivo é que os homens geralmente mal 
assistidos pela intelectualidade erram quanto à eticidade de um ato e 
estabelecem um costume que ou não é conveniente ou é exagerado. Como 
nos diz Mário Ferreira na esteira dos filósofos clássicos, a Ética deve ser 
consagrada ao universal. 
Assim, da moral que surge na vida prática do homem, a mente 
especulando sobre a mesma chega à Ética, que por sua vez é mais 
especulativa que prática, pois nela há princípios que são eternos, enquanto na 
moral há regras de valores históricos, logo, mutáveis. 
Como medida de esclarecimento do que fora mencionado é possível 
dizer que: dar a cada um o que é de seu direito é uma norma ética, todavia, o 
modo como venha a se proceder, segundo a conveniência humana obediente a 
esta norma, será uma regra moral. 
Nessa compreensão acerca do emaranhado que compõe a realidade 
social, a responsabilidade pessoal – ou o que Schweitzer apud Ripolo (2009) 
denomina moral da personalidade ética, ao entender que a pessoa deve fazer 
o que pode para elevar a moral social – contribui para aprimorar a moral da 
sociedade ética. E o descaso pela moral da personalidade ética rebaixa a 
dignidade da pessoa humana e repercute nas relações interpessoais e na ética 
da sociedade. 
A deficiência ética degrada o ser humano. A Ética, ao invés, resulta da 
disposição lúcida e coerente da razão que ilumina o discernimento e norteia a 
conduta. E como os demais valores que orientam a conduta humana e social, 
ela permeia e perfaz as relações humanas. 
Uma dimensão de vida mais justa, ordenada e equânime, tanto em 
sentido pessoal quanto coletivo exige uma Ética no sentido integral. Em que o 
homem esteja ciente do seu propósito na teia da vida e de que ele é 
parteindissolúvel do meio em que vive (natural, social, etc.); mantém relações 
dialogais com os seus semelhantes;é sensível e atento para com anatureza, 
com os outros seres vivos e com o mundo. 
Esta Ética, baseada em valores que se fundam numa estrutura 
ontológica da realidade existente e que se constitui existencialmenteda 
9 
 
cooperação, da qualidade de ser e das ações deste, de participação e de 
integração, considera a vida em todas assuas dimensões. 
A Ética em seu sentido integral deve ser reguladora, no qual os 
significados tenham a vercom a unidade dos propósitos entre a vida singular 
dos indivíduos e da sociedade: a demanda se aproxime da necessidade; o 
custoconsidere a destruição ecológica e os danos sociais (BUARQUE, 1993). 
Os princípios éticos podem se manifestar em relações de poder. E 
dentro de paradigmas gestados enquanto entes de razão, tais princípios 
tendem a se transformar em máquinas abstratas de pressão, desumanização e 
até supressão de vidas humanas. Um exemplo claro acerca disto são os 
diversos matizes de socialismo (comunismo, nazismo e fascismo) que 
vigoraram no século passado na Europa e ainda faz eco em presente século, 
principalmente, nas “periferias” do mundo. 
Só que aracionalidade integral exige não o poder traduzido como 
domínio exclusivo sobre os outros, mas o poder concedido a outros com o 
objetivo de fortalecer o processo decisório,de uma forma dinâmica, 
democrática, participativa, descentralizada e que almeje a constituição da vida 
humana em sua plenitude e, não a tome como meio para outros fins. 
Como fazem os modelos perpetrados pela economia de mercado e a 
mentalidade política revolucionária, que a tudo e todos almejam seduzir, 
formatar, enquadrar, resignificar como se coisas fossem e não seres humanos. 
Quando não aniquilam por completo das formas mais cruéis e abjetas como 
nos relatam sobreviventes, dissidentes, pesquisadores, etc.. 
Esta nova visão de mundo, a qual exige um retorno a uma contemplação 
da dimensão ética do ser do ente homem,baseada em princípios que respeitem 
a vida em sua integralidade deve ser balizadora de todas as instâncias do fazer 
humano; deve ser um modusoperandi dos grupos de cientistas, pensadorese 
professores;dos empresários, funcionários e trabalhadores. Deve ser estendida 
às comunidades, instituições e organizações. 
Destarte a constituição do homem, da sociedade, das novas gerações, 
perpassa e exige a colaboração consciente de cada indivíduo, tomado este a 
partir da sua condição de cidadão, não meramente observado em um 
determinado tempo e espaço circunscrito, mas sendo capaz de romper com 
certas fronteiras que negam a possibilidade do diálogo entre o novo e o velho; 
10 
 
entre o progresso e a tradição; entre o presente e o passado; entre o material e 
o espiritual. 
Enfim, que não renegue no homem a sua condição metafísica em prol 
da arbitrariedade dos modismos ditados por cada época e cultura em particular, 
como se a escala medidora da verdade fosse aquele do tempo presente. 
A idéia que se procura fazer ressaltar aqui é a de uma necessária 
retomada do paradigma clássico da razão prática, enquanto idéia diretriz da 
Ética filosófica, ou seja, a razão enquanto ordenação à ação (práxis) e não 
simplesmente ao conhecimento. A fim de possibilitar uma reflexão mais 
abrangente acerca da formação e atuação do ser humano enquanto indivíduo, 
pessoa, cidadão. 
O presente curso encontra-se estruturado da seguinte forma: 
- O primeiro capítulo: Ética e civilização: o logos grego e o estudo do ethos. Irá 
tratar acerca da Ética segundo o pensamento clássico grego (Sócrates, Platão 
e Aristóteles) e o ethos cristão-medievo (Agostinho, Tomás de Aquino, 
escolástica/pessoa e dignidade da vida humana); 
- O segundo capítulo: O ethos moderno e sua perspectiva revolucionária. 
Desenvolverá acerca do ethos moderno tomando como parâmetro os 
pensadores: Nicolau Maquiavel, Friedrich Nietzsche e Karl Marx; 
- O terceiro capítulo: A cultura dentro do ethosglobalizado e a Ética. Onde 
serão tomados como suportes para pensar a cultura e a globalização, os 
seguintes pensadores: Hannah Arendt, Manuel Castells, Stuart Hall e Evilázio 
Teixeira; e para pensar a Ética dentro de tal contexto o pensamento do filósofo 
contemporâneo Mário Ferreira os Santos. 
Na urgência de uma reflexão ética mais sólida, o capítulo a seguir 
busca-se amparar nos conceitos e sistematização da Ética filosófica clássica, 
mais especificamente encontra alicerce em seus formadores: Sócrates, Platão 
e Aristóteles. 
Bem como, no helenista Werner Jaeger, através de sua obra clássica 
Paidéia: a formação do homem grego, estudo amplo e aprofundado acerca da 
formação cultural do homem grego e, no terceiro volume da obra Ordem e 
História:Platão e Aristóteles, de Eric Voegelin, onde o filósofo completa o seu 
vasto e riquíssimo estudo sobre a cultura grega indo desde suas remotas 
origens pré-helênicas, até sua plena maturidade com o império de Atenas e 
11 
 
com os pensadores e filósofos que representam o ponto mais elevado da 
investigação filosófica entre os gregos. 
Para tratar da parte referente ao ethos cristão-medievo serão 
observados aspectos do pensamento de Santo Agostinho, Tomás de Aquino, a 
escolástica; a renomada obra Nova moral fundamental: o lar teológico da Ética, 
do catedrático espanhol Marciano Vidal (importante nome ligado à renovação 
da Ética Teológica depois do Concílio Vaticano II), assim como, da importante, 
reveladora, esclarecedora e excelenteobra Como a Igreja Católica construiu a 
civilização Ocidental, do historiador Thomas E. Woods Jr.. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I – ÉTICA E CIVILIZAÇÃO 
12 
 
 
1. A ÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DO ETHOS 
 
“Cada homem em particular deve ter portanto, em potência, a 
aptidão de, atendidos os requisitos pertinentes e guardadas as 
devidas proporções, compreender seus semelhantes [...], na 
medida em que se conduzam como seres humanos. E 
conduzir-se como um ser humano é em última instância, agir 
segundo um propósito que não se reduza por completo à mera 
resposta empírica a uma dada situação particular, mas que 
aponte, de algum modo e em alguma medida, para um sentido 
universalmente válido.” Olavo de Carvalho 
 
Falar da Ética é tratar de um aspecto preponderante na história e 
formação do ente humano. Onde quer que tenha existido uma comunidade de 
pessoas que deliberadamente ou não tiveram que conviver, ali houve a prática 
de certas atividades, a introjeção de certos costumes e hábitos, a constituição 
de um conjunto de normas e leis, etc. A História tem demonstrado ao longo dos 
tempos que as civilizações mais remotas tiveram códigos normativos que 
buscavam coerir a existência dos indivíduos numa vida coletiva. 
Por uma questão singular, o que nos interessa aqui é retratar a 
peculiaridade na história da civilização do fenômeno chamado Helenismo, pois, 
a Grécia se apresenta com relação às culturas do Oriente – diga-se de 
passagem, culturas riquíssimas quanto aos aspectos das realizações artísticas, 
religiosas, políticas – com um avanço fundamental quanto ao quesito vida 
humana em comunidade. 
Os gregos são sem soma de dúvidas um referencial na história daquilo 
a que se pode chamar conscientemente de cultura. Quanto a isso corrobora a 
famosa obra de Werner Jaeger, Paidéia: a formação do Homem grego (1995, 
p. 5), 
 
A investigação moderna no século passado abriu imensamente o 
horizonte da História. A oikoumene dos gregos e romanos 
“Clássicos”, que durante dois mil anos coincidiu com os limites do 
mundo, foi rasgada em todos os sentidos do espaço e perante nosso 
olhar surgiram mundos espirituais até então insuspeitados. 
Reconhecemos hoje, todavia, com maior clareza, que tal ampliação 
do nosso campo visual em nada mudou este fato: a nossa história 
[...] “começa” com a aparição dos Gregos [...] “Começo” não quer 
dizer aquiinício temporal apenas, mas [...], origem ou fonte 
espiritual, a que sempre, seja qual for o grau de desenvolvimento, se 
tem de regressar para encontrar orientação. É este o motivo por que, 
no decurso da nossa história, voltamos constantemente à Grécia. 
Ora, este retorno à Grécia [...], não significa que lhe tenhamos 
conferido, pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, 
fixa, independente do nosso destino. O fundamento do nosso 
13 
 
regresso reside nas nossas próprias necessidades vitais, por mais 
variadas que elas sejam através da História. 
 
Nesta obra Werner Jaeger faz um estudo profundo sobre os ideais de 
educação da Grécia antiga, onde se observa a interação entre o processo 
histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual 
os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. Não por acaso, esta 
representa um dos marcos da cultura contemporânea. 
Faz-se importante aqui salientar o aspecto do retorno à Grécia que o 
autor menciona no trecho acima citado, pois, é justamente este retorno que se 
almeja fazer neste primeiro capítulo, onde será tratado filosoficamente o tema 
da Ética, ou ciência do ethos como os “gregos” assim a definiram. O retorno se 
dá face a mais uma crise que a cultura da Civilização Ocidental cientificizada 
está inserida, a qual denota proporções nunca antes vivenciadas. 
No entanto, fora gestada no seio da cultura ocidental por uma série de 
pensadores (Maquiavel, Marx, Nietzsche, Heidegger, etc.) que se entregaram a 
um minucioso e pertinaz afã de destruir o monumento intelectual erguido pela 
civilização do Ocidente. Mais especificamente, destruir os alicerces 
ontoteológicos desse monumento (Metafísica e Ética), porque sobre estes se 
edificaram as estruturas da razão teórica e da razão prática. 
A título de exemplos destas tendências e investidas pode-se citar o 
positivismo lógico e sua crítica ferrenha aos fundamentos da Metafísica e aos 
fundamentos da Ética, como também o niilismo – o espectro que rondava a 
Europa, conforme o discurso nietzscheano – mordaz que tem paralisado 
mentes e viceja por entre as entranhas da cultura ocidental ocupando espaços 
nunca antes imaginados. Sem contar com a ênfase dada pelo 
marxismo/socialismos à “dialética negativa”, onde se parte do pressuposto que, 
da destruição da sociedade, cultura Ocidental é que se pode vir a construir o 
mundo melhor possível. 
A multiplicação das razões de toda ordem, seja as de caráter 
científico-técnico até as de cunho ideológico-político têm sido acompanhadas 
por uma atitude generalizada de ceticismo (dialética do negativo) que vem 
atingindo as razões últimas do ser e da vida – Estas razões iniciaram a 
civilização do logos e começaram a estabelecer o centro do nosso universo 
14 
 
simbólico, como também, a delinear as possíveis direções de nosso caminhar 
histórico. 
Tais tendências nos impelem a um retorno às nossas origens, uma vez 
que se corre o sério risco de atrofiamento da inteligência e, por conseguinte, a 
perda da consciência que pode devorar por completo a sanidade do universo 
simbólico e com ele esvai-se a capacidade de compreensão do real. 
Não por acaso, viveu-se o ápice das ideologias (comunista, nazista, 
fascista, progressista) em século passado, onde mentes desconectadas do real 
criaram geometricamente: sociedade, homem e tentaram impor a “ferro e fogo” 
o utópico “mundo melhor possível”. Todavia, no encontro com a realidade o 
que se pode observar foi a maior carnificina jamais pensada por qualquer dos 
piores tiranos de épocas remotas da história da civilização. 
Somente o regime comunista, de acordo com pesquisas feitas pelo 
cientista social e historiador R. J. Rummel da Universidade do Havaí e O livro 
negro do comunismo ceifou mais de 140 milhões de vidas em um século – e 
ainda continua seduzindo mentes e corações juvenis, assim como, governos e 
movimentos que procuram em sua essência destruir o ethos ocidental – 
utilizando-se de aparatos tecnológicos modernos, dos serviços conscientes de 
homens de ciência, das letras, imprensa, etc.. 
Enfim, os meios empregados para tais atos bárbaros em nenhum 
momento se refrearam diante do “ethos tradicional”, da consciência ética, mas 
ao contrário, vicejavam a constituição de um novo e super-homem, uma nova 
sociedade destituída dos valores burgueses e judaico-cristãos, um mundo sem 
Deus e todos os mitos e ignorâncias que até então vigorara. 
Reveladora desta mentalidade “progressista” e revolucionária é uma das 
diretivas encaminhada a seus comandados, feita por Latzis, um dos primeiros 
chefes da Tcheka(a polícia política soviética): 
 
“Nós não fazemos uma guerra específica contra pessoas. Nós 
exterminamos a burguesia enquanto classe. Não procurem, na 
investigação, documentos e provas do que o acusado fez, em atos 
ou palavras, contra a autoridade soviética. A primeira questão que 
vocês devem colocar-lhe é a que classe ele pertence, qual é a sua 
origem, sua educação, sua instrução, sua profissão.” (LATZIS, citado 
por COURTOIS em o Livro negro do comunismo. p. 20-21, 1999.) 
 
15 
 
Daí se poder perceber que para esta empreitada dentro da “práxis 
revolucionária”todos os meios se faziam justos e necessários: 
“Os comunistas recusam-se a ocultar suas opiniões e suas 
intenções. Declaram abertamente que seus objetivos só podem ser 
alcançados com a derrubada violenta de toda a ordem social até 
aqui existente...” (MARX, Manifesto do partido comunista. p. 99, 
1993.) 
 
“Nós não entraremos no reinado do socialismo com luvas brancas e 
sobre um chão polido” (TROTSKY citado por JONHSON, p. 53, 
1994) 
 
“O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo 
virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a 
virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, 
severa, inflexível; esta é, assim, uma emanação da virtude” (LÊNIN 
citado por JONHSON, p. 52, 1994) 
 
“Em princípionós nunca renunciamos ao terror e não podemos a ele 
renunciar” [...] “Perguntaremos ao homem: que posição você toma 
na revolução? Você é a favor ou é contra? Se ele é contra, nós o 
colocaremos no paredão” (LÊNIN citado por JONHSON p. 53, 1994) 
 
“nós temos que destruir os Kulaks, eliminá-los enquanto classe. Nós 
temos que quebrar a resistência dessa classe em batalha aberta” 
(STALIN, citado por JONHSON, p. 227, 1994) 
 
“O objetivo de qualquer propaganda séria é o de exercer uma 
intromissão na liberdade de querer do homem” (HITLER citado por 
JONHSON p.107, 1994) 
 
“Cada comunista precisa entender: o poder político nasce do cano 
de um revolver!” (Mao Dez Dong). 
 
Tais pensamentos e ações denotam uma singularidade da práxis 
revolucionária e delineiam de forma bastante clara um novo modelo de homem, 
política, moral, enfim, a construção de um ethos que viceja tornar-se o 
paradigma de constituição da nova sociedade e que encontra o seu 
fundamento “epistêmico” em teorias pseudo-filosóficas e pseudo-científicas. 
Estes são apenas ínfimos pensamentos dentre um quadro mais amplo 
(pensadores e pensamentos) onde se enquadra a chamada perspectiva 
revolucionária. 
É mais que latente no que acima fora citado que, a mentalidade 
revolucionária, como nos fala o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (2007), se 
crê habilitada a remodelar a estrutura do homem e da sociedade por meio da 
ação política e como “sabedora” do destino da humanidade não hesitará em 
um só milímetro da sua “vontade de potência de transformação”. 
16 
 
Para isso é claro, os velhos conceitos, valores, modelos devem ser 
alterados e vidas “inevitavelmente extirpadas”, na medida em que inviabilizam 
um projeto de desenvolvimento da humanidadee, numa política de cálculo 
geométrico, onde fins justificam meios pior será para certos valores, símbolos e 
vidas humanas. Já que os mesmos não são encarados como tais, mas sim, 
como preconceitos, alienação, subespécies, empecilhos à marcha da história e 
inexorável por vir da autêntica raça, classe e progresso da espécie humana. 
Diante de tal fenômeno não é difícil perceber que entram em conflito: 
realidade e visão ideológica de mundo, onde para surpresa de qualquer 
mentalidade normal3: realidade torna-se um fenômeno a ser modificado, 
construído segundo os moldes de uma racionalidade puramente lógico-formal. 
Para o filósofo brasileiro, Mário Ferreira dos Santos (1964), e 
pensadores como Vaz (1993, 2002), Oliveira (1993) dentro do atual momento 
em que vivemos pode-se dizer que vigora na cultura do Ocidente um clima 
intelectual em que, os problemas de forma adquirem uma primazia bastante 
ampla com relação aos problemas de conteúdo. O que quer dizer que um dos 
aspectos que preponderam e marcam o mundo hodierno é o da desrealização, 
ou seja, a perda progressiva da referência ao mundo real. 
Isso implica diretamente em conseqüências aos paradigmas éticos 
transmitidos pela tradição já que por um lado, a desrealização se mostra em 
nossa cultura com um fenômeno bastante marcante, que é a 
instrumentalização. Então, o predomínio da Metaética pode vir a significar uma 
instrumentalização da lógica e da linguagem éticas, que se indiferentes à 
realidade (conteúdo objetivo) passam automaticamente a servir à expressão de 
um universal relativismo dos valores (necessidades e fins subjetivos, interesses 
ideológicos). 
Por outro lado, exprime-se ainda na renúncia à tradição da busca de 
uma conceituação filosófica na explicação da conduta ética, o que nada mais é 
que derivar a Ética para a área das ciências humanas e assim querer explicar o 
fenômeno ético apenas em termos de padrões culturais ou de categorias 
psicológicas e sociológicas. 
 
3 Que é tal como deve ser. Um sinônimo atenuado de bom e justo. Assim sendo, significa em instâncias 
pragmáticas, que: uma ordem normal de coisas subordinaria o supérfluo ao necessário. 
17 
 
Para a língua filosófica grega, ethike procede do substantivo ethos, o 
qual receberá por sua vez duas grafias distintas que designam perspectivas 
diferentes da mesma realidade. Assim, ethos (quando escrito com eta inicial) 
quer designar o conjunto de costumes normativos da vida de um determinado 
grupo social; já ethos (quando escrito com épsilon) procura referir-se à 
constância do comportamento. 
A Ética enquanto ciência real tem como objeto de investigação o 
ethos, que se apresenta como um fenômeno histórico e cultural dotado de 
evidência imediata – daí para Aristóteles ser insensato e até ridículo querer 
demonstrar a existência do ethos, assim como é ridículo querer demonstrar a 
existência da physis4. Porque physis e ethos são duas formas primeiras de 
manifestação do Ser e o ethos não é senão a transcrição da physis na 
peculiaridade da práxis e das estruturas histórico-sociais que dela advém. 
Esta evidência se impõe à experiência do indivíduo assim que este 
alcance a idade da razão. A experiência do ethos revela uma estrutura dual 
característica e constitutiva, a qual é a de ser uma realidade sócio-histórica, 
mas que só existe concretamente, na práxis dos indivíduos. 
Destarte é na observância dessa práxis que se faz possível acessar a 
realidade própria de um determinado ethoshistórico. Sabe-se que originalmente 
ethos significa morada do animal, no entanto, humana e moralmente falando 
(cultura) o ethos enquanto transposição metafórica passa de morada do animal 
para casa/oikos do ser humano. 
Há aqui um salto imensurável que translada o mundo da matéria, da 
física para o mundo simbólico que acolhe o ser humano não mais “puramente” 
de forma material. Enquanto morada física que proporciona abrigo e 
segurança, mas sim a casa simbólica, a qual, o acolhe espiritualmente e lhe dá 
uma nova dimensão para a constituição de sua casa material, pois, agora, 
repleta de significados (relações afetivas, éticas, estéticas...) que ultrapassam 
as finalidades meramente utilitárias integrando-as no mundo humano da 
cultura. 
Como nos evidencia os escritos helênicos desde Homero, Hesíodo 
passando pelas tragédias, Sócrates, Platão até Aristóteles, no que diz respeito 
 
4 Ética a Nicômaco VII, 9, 1152 a31 
18 
 
à realização do ser humano, ou melhor, sua plena auto-realização. Antes de 
habitar no oikos da natureza, deve o ente humano morar no seu oikos espiritual 
(mundo da cultura), o qual é por assim dizer, constitutivamente ético. 
O mundo enquanto espaço habitável que se constitui de comunidades 
e sociedades humanas tem no ethos sua condição fundante. Da mesma forma 
que a casa material precisa ser construída sobre bases sólidas para ter 
permanência e durabilidade, assim o ethos dos mais diversos grupos humanos 
revela uma extraordinária capacidade de resistir à usura do tempo e às 
mudanças advindas das tradições estranhas. 
Como ser humano algum é dotado da capacidade de reconstruir a sua 
morada espiritual a cada dia, o ethos enquanto constituição se revela como 
tradicional, pois, trata-se de um legado que é transmitido de gerações a 
gerações – o fenômeno do niilismo contemporâneo com sua conseqüente 
destruição das tradições éticas na sociedade é uma contraprova da 
tradicionalidade intrínseca do ethos. 
No entanto, não se deve pensar que por ser tradicional o ethos não 
esteja aberto a mudanças. Pensar assim é negar a dimensão histórica do ethos 
e do ente homem; é não perceber que o ethos revela um surpreendente 
dinamismo de crescimento, adaptação e recriação de valores. 
Ao longo dos tempos o ethos tem demonstrado não só uma enorme 
capacidade de adaptação a novas situações como também assimilação de 
novos valores. Esta é a historicidade própria do ethos, a qual se exprime como 
necessidade constituída e que Aristóteles comparou à necessidade dada da 
Natureza. 
Esta dialética permanência e historicidade que é intrínseca ao ethos e 
que aparece como forma constitutiva do fenômeno ético, é responsável pela 
maneira como o ethos se apresenta socialmente, enquanto costume. Ou seja, 
é a forma com que a vida humana é vivida dentro de certa tradição ética. 
Desta maneira pode-se ver a evolução do ethos na codificação do 
costume a partir da constituição de leis assim como, de instituições – como 
exemplo pode-se citar a passagem do ethos grego arcaico para o ethos 
clássico: honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar os estrangeiros, educar 
19 
 
os jovens a partir da concepção ideal de arete5, tendo como elemento 
intrínseco a noção de beleza no sentido normativo da imagem desejada do 
Ideal, onde tal passagem já anuncia a futura criação da Ética. 
O ethosintrojetado no indivíduo enquanto hábito/costume torna-se para 
o mesmo um bem cultural e enquanto tal confere significado humano a todos 
os outros bens da cultura. É importante destacar aqui que o hábito é uma 
propriedade fundamental da práxis humana e que, a sua formação provém de 
repetitivas ações dotadas de qualidade que acabam se transformando em sua 
segunda natureza. 
Sendo o hábito uma aquisição do indivíduo enquanto sujeito agente 
que a utiliza de forma deliberada e consciente (virtude), esta ação é por assim 
dizer, completamente oposta ao comportamento instintivo ou puramente 
repetitivo, que é próprio do animal (natureza). 
Assim, dentro das sociedades tradicionais, a prática de ações 
virtuosas enquanto açõesexemplares, torna-se uma das maneiras mais 
eficazes de transmissão do ethos (modelos). Desta forma pode-se perceber 
que, do mesmo modo que o ethos enquanto costume tem a sua existência 
(histórica) garantida pela tradição, o ethos enquanto hábito é introjetado no 
indivíduo de forma eficaz e permanente pela educação. 
Para as culturas Judaica, Grega e Cristã – culturas basilares na 
constituição do Ocidente – é fato notório que, na tradição se inscreve a 
historicidade do costume, na educação a historicidade do hábito. Destarte, 
entre os dois pólos do ethos e da práxis ética traçam-se as fronteiras do campo 
ético. 
 
1.2 O “CONHECE-TE A TI MESMO” ENQUANTO FUNDAMENTO DO 
SABER ETICO. 
 
“Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida” Sócrates 
 
 
5
Conforme exposto por Jaeger: “Os gregos entendiam por Arete, sobretudo força, uma capacidade. Às 
vezes definem-na diretamente. Vigor e saúde são a Arete do corpo; sagacidade e penetração, a Arete do 
espírito. É difícil conciliar estas concepções com a explicação subjetiva agora usual, que faz derivar a 
palavra de “agradar” [...] É verdade quearete tem com freqüência o sentido de aceitação social, 
significando então “respeito”, “prestígio”. Mas isto é secundário e deve-se à grande influência social de 
todas as valorações do homem nos primeiros tempos. Originariamente a palavra designava um valor 
objetivo naquele qualificava, uma força que lhe era própria, que constituía a sua perfeição. 
20 
 
Com Sócrates a reflexão ou o voltar-se para o sujeito adquire uma 
nuance de conhecimento direcionado para o recesso interior, singular e 
intransferível do agente ético. O que implica em dizer que este sujeito (portador 
do hábito e também agente) agora está inserido numa forma de relação de 
responsabilidade para com a realização do ethos. 
Nessa relação especificada pela responsabilidade, se faz necessário 
então o agir sob a “justa medida”, o “justo meio” a fim de não incorrer nos 
excessos tão naturais quando se age por força dos impulsos ou por ignorância. 
Talvez não seja um equívoco dizer que é justamente aí que se tem origem a 
noção de consciência moral. 
Entretanto, diante dessa consciência moral vem a pergunta: o que 
convém? O que devo fazer? Pergunta esta que em Sócrates passa por uma 
compreensão primeira da essência do ser Homem, uma vez que todas as 
coisas que existem tendem a um fim, uma finalidade e no ser do ente homem 
isto se faz mais complexo, pois, o mesmo não está dado, feito é um ente por se 
fazer. Para tal, tem o mesmo o privilégio de possuir o logos e através deste, o 
dever constitutivo de des-velar a realidade, compreender os seus aspectos e 
por meio da luz da razão guiar a sua vida tanto em esfera particular como 
pública6. 
Para Sócrates o homem é a sua alma7, na medida em que é a sua 
alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. A este respeito 
nos fala Giovanni Realeem sua História da Filosofia - Vol. I (1990, p. 88), 
acerca de um dos raciocínios fundamentais feitos por Sócrates para dizer o que 
é o homem, 
 
Uma coisa é o “instrumento“ que se usa e outra é o “sujeito” que usa 
o instrumento. Ora, o homem usa o seu próprio corpo como um 
instrumento, o que significa que o sujeito, que é o homem, e o 
instrumento, que é o corpo, são coisas distintas. Assim, à pergunta 
“o que é o homem?”, não se pode responder que é o seu corpo, mas 
sim que é “aquilo que se serve do corpo”. Mas “o que se serve do 
corpo é a psyché, a alma (= inteligência)”, de modo que a conclusão 
é inevitável: ”A alma nos ordena conhecer aquele que nos adverte: 
conhece-te a ti mesmo.” 
 
 
6 Cf. os diálogos platônicos em especial, a obra: República. 
7 Para Sócrates a alma é a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. 
21 
 
O modo de atuar de Sócrates era bastante peculiar e por si só 
revelador. Isto se faz evidenciar na seguinte passagem da obra platônica, 
Apologia de Sócrates(PLATÃO, 1979, p. 26-27): 
 
Enquanto viver, não deixarei jamais de filosofar, de vos exortar a vós 
e de instruir quem quer que eu encontre, dizendo-lhe à minha 
maneira habitual: querido amigo, és um ateniense, um cidadão da 
maior e mais famosa cidade do mundo, pela sua sabedoria e pelo 
seu poder; e não te envergonhas de velar pela tua fortuna e pelo seu 
aumento constante, pelo teu prestígio e pela tua honra, sem em 
contrapartida te preocupares em nada com conheceres o bem e a 
verdade e com tornares a tua alma o melhor possível? E, se algum 
de vós duvidar disto e asseverar que com tal se preocupa, não o 
deixarei em paz nem seguirei tranquilamente o meu caminho, mas 
interrogá-lo-ei, examiná-lo-ei e refutá-lo-ei; e se me parecer que não 
tem qualquer Arete, mas que apenas a aparenta, invectivá-lo-ei, 
dizendo-lhe que sente o menor respeito pelo que há de mais 
respeitável e o respeito mais profundo pelo que menos respeito 
merece. E farei isto com os jovens e com os anciãos, com todos os 
que encontrar, com os de fora e com os de dentro; mas sobretudo 
com os homens desta cidade, pois são por origem os mais próximos 
de mim. Pois ficai sabendo que deus assim mo ordenou, e julgo que 
até agora não houve na nossa cidade nenhum bem maior para vós 
do que este serviço que presto a Deus. É que todos os meus passos 
se reduzem a andar por aí, persuadindo novos e velhos a não se 
preocuparem nem tanto nem em primeiro lugar com o seu corpo e 
com a sua fortuna, mas com a perfeição da sua alma. 
 
Aqui se está diante de um momento singular e original da forma como 
Sócrates filosofa, como o mesmo entende o papel da filosofia e do filósofo, 
como o mesmo analisa dialeticamente o homem, sua existência e a 
constituição do seu ser, ou, vir a ser do humano no ente homem (essência). 
De pronto o que se evidencia é que não estamos diante de um teórico, 
de um acadêmico, nem tampouco de um homem de retórica, mas de um 
homem maduro (spoudaios) que tem a plena consciência do que seja o 
conhecimento na vida dos indivíduos, da sociedade e, do seu papel frente aos 
concidadãos e demais homens. Assim como, perante a pólis e acima de tudo 
ao deus que o exortou para tal atividade. 
Torna-se perceptível que o homem não é visto apenas como entidade 
material, física, como um ser histórico e culturalmente datado, por isso mesmo, 
há a repreensão/exortação com relação à preocupação indevida com os bens 
materiais deixando de lado e até esquecendo-se de preocupação mais nobre e 
necessária, a qual é a sua alma. 
22 
 
Como um médico da civilização, o filósofo exorta os seus concidadãos 
à necessidade de cuidar da alma8, daquilo que ele entende como mais 
precioso no humano e que não é o seu corpo, mas sim o seu interior. 
Segundo Jaeger (1995), Sócrates define de forma mais concreta o 
cuidar da alma como um cuidado através do conhecimento do valor e da 
verdade (phronesis e aletheia). O mundo interior, a arete de que nos fala 
Sócrates é um valor espiritual. Destarte, servir a alma é servir a deus, porque 
ela é espírito pensante e razão moral, e estes são os bens supremos do 
mundo. 
Destarte, torna-se importante saber que, 
 
Em Sócrates, aquelas expressões de aparência religiosa brotam da 
analogia entre a sua atuação e a do médico. É isto que dá ao seu 
conceito de alma o cunho especificamente grego. Dois fatores 
confluem na representação socrática do mundo interior como parte 
da “natureza” do Homem: o hábito multissecular do pensamento e os 
dotes mais íntimos do espírito helênico. [...] A alma de que Sócrates 
fala só pode ser compreendida com o acerto se é concebida em 
conjunto com o corpo, mas ambos como dois aspectos distintosda 
natureza humana. (JAEGER, p. 534, 1995) 
 
O pensamento Socrático não separa, nem tampouco opõe o psíquico 
ao físico, pois, ambos, corpo e alma fazem parte do cosmo. Elucidativa, 
portanto, é a frase mens sana in corpore sano(mente sã em corpo são) para 
designar de forma correta o sentido do que fora acima exposto, uma vez que o 
próprio Sócrates não descuidava do corpo e ensinava aos amigos a manterem 
o corpo são por meio do endurecimento e alimentação apropriada. 
Se faz mister informar que para a cultura helênica a arete deve ser 
analisada através de uma analogia entre o corpo e a alma. Isto se evidencia 
por meio dos escritos, quando se observa que quase sempre as virtudes 
(aretai) da pólis grega estão associadas à bravura, ponderação, força interior, 
justiça, etc. (virtudes da alma). 
Os gregos falavam de virtude dos vários instrumentos, por exemplo: a 
“virtude” da faca, a qual seria cortar, a da cítara, que seria tocar, a do cão que 
seria ser um bom guardião, etc. Assim a virtude do homem deve ser pensada a 
 
8 Segundo Jaeger, a expressão “cuidar da alma” tem para nós um sentido especificamente cristão, porque 
se converteu em parte integrante desta religião. Isto se explica pelo fato de a concepção cristã coincidir 
com a socrática na idéia da Paidéia como o verdadeiro serviço de Deus e do cuidado da alma como 
verdadeira Paidéia. 
23 
 
partir daquilo que venha a fazer a sua alma ser de acordo com o que a sua 
natureza determina. Ou seja, boa e perfeita. Daí Sócrates dizer que é a ciência 
(conhecimento) este elemento e o seu contrário, o vício (ignorância) seria a 
privação de ciência. 
Deste modo é que vê Sócrates operar uma reviravolta no quadro dos 
valores até então em voga na cultura helênica. Uma vez que os “valores” se 
tornam valores (virtudes) na medida em que são usados como o conhecimento 
exige (em função da alma e da virtude). 
Daí então se poder falar que: status, riqueza, poder, beleza entre 
outros, não são valores em si, pois, valores ligados a coisas externas e, se 
utilizados de forma ignorante podem levar o indivíduo ou a sociedade a 
grandes males. 
Ao passo que os valores da alma governados pelo juízo e pela ciência, 
podem trazer benefícios para a vida humana. Conclui-se assim que para 
Sócrates, em si mesmos, nem uns nem outros (dos valores citados) têm valor. 
E conforme nos diz Werner Jaeger em sua Paidéia (1995, p. 535): 
 
A virtude física e a virtude espiritual não são, pela sua essência 
cósmica, mais do que a “simetria das partes” em cuja cooperação 
corpo e alma assentam. É a partir daqui que o conceito socrático do 
“bom”, o mais intraduzível e o mais exposto a equívocos de todos os 
seus conceitos, se diferencia do conceito análogo na ética moderna. 
Será mais inteligível para nós o seu sentido grego se em vez de 
dizermos “o bom” dissermos “o bem”, acepção que engloba 
simultaneamente a sua relação com quem o possui e com aquele 
para quem é bom. Para Sócrates, “o bom” é, sem dúvida, também 
aquilo que se faz ou quer fazer por causa de si próprio, mas ao 
mesmo tempo Sócrates reconhece nele o verdadeiramente útil, o 
salutar, e também, portanto, o que dá prazer e felicidade, uma vez 
que é ele que leva a natureza do Homem à realização do seu ser. 
 
Desta passagem se faz salutar extrair o elemento ético como 
caracterizador da natureza humana. Ou seja, ser dotado de razão é 
implicitamente ser convocado a contemplar o seu ser como uma simetria entre 
corpo e alma, uma ordem, um cosmion(um todo ordenado). Esta existência 
dotada de razão e assumida responsivamente enquanto tal é que torna 
possível o ethos. 
Para Sócrates, a formação da alma neste ethos é precisamente o 
caminho natural do homem, o caminho possibilitador da sua eudaimonia. 
Segundo o pensamento do filósofo grego, para o homem encontrar a harmonia 
24 
 
com o seu ser, é necessário que o mesmo siga a lei por ele des-velada através 
do exame da sua alma. Pois, a verdade uma vez des-coberta não pode voltar a 
ser velada ou pelo menos, não deveria. 
Tem-se aqui um princípio que se mostra de importância fundamental 
para a constituição da vida humana: verdade des-coberta é verdade que deve 
ser seguida. E no que tange ao ethos tem uma implicação de instância moral, 
visto que, não se pode brincar com experimentos, excentricidades, etc. quando 
a matéria “em jogo”, a ser “utilizada” é a vida humana. Infelizmente, tal princípio 
é encoberto e destituído de valor para o ethoscontemporâneo (revolucionário). 
Em Sócrates, nos diz Jaeger, a experiência enquanto fonte dos valores 
humanos mais supremos deu existência àquele jeito de interioridade, 
característico dos últimos tempos da Antiguidade. E presenciamos assim o 
fenômeno, o qual é o de, a virtude e a felicidade deslocarem-se para a 
interioridade do homem. 
Através deste apelo do filósofo para o cuidado da alma, têm-se uma 
nova guinada com relação à forma do homem compreender e viver a vida. 
Porque a partir de agora a vida não é meramente um existir temporal, uma 
presa dos destinos, uma lástima dos sobreviventes e capricho dos deuses! 
Isso se torna evidente na vida e morte do próprio Sócrates, enquanto 
ente que paga cônscia e deliberadamente o preço por buscar viver uma 
existência que almeja a autenticidade e singularidade. Mesmo que o seu 
entorno não tenha esta compreensão; que a coletividade não tenha ainda 
alcançado este patamar de consciência. Pois diferente do que propagam os 
socialista, a realidade não é apreendida pela coletividade, mas sim, por 
individualidades concretas que compõem a vida social. 
Não é por menos que em Apologia de Sócrates(1979), o filósofo 
declara que “uma vida sem exame não vale a pena ser vivida”. Está aqui mais 
uma singularidade apontada pela sua filosofia, a qual é a do pensar-agir. Ou 
seja, em Sócrates a vida é sempre existência em meio aos fenômenos, aos 
conflitos, à escolha diante dos opostos. 
Enfim, entre se ganhar ou se perder no meio de um emaranhado de 
símbolos e modelos sedutores, os quais podem levar os homens de um lado 
para o outro ao sabor dos modismos culturais de cada época e que são marca 
registrada e elemento denotador destes tempos hodiernos. 
25 
 
A existência enquanto busca de vida singular e autêntica exige de 
cada ente humano uma escolha que inevitavelmente deve passar pelo 
conhecimento, portanto, uma escolha deliberada por se apropriar literalmente 
do ser do ente homem. O que implica uma vivência ética. Desta maneira, a 
vida humana é por essência uma vida ética. 
Não obstante ser o ente homem dotado de razão, esta não lhe é tão 
natural como os frutos numa arvore, ou como a defesa de uma galinha aos 
seus filhotes, frente ao perigo iminente do ataque de uma águia. No homem, 
este logos precisa ser trabalhado, desenvolvido. 
Então, mais uma vez se é levado a encontrar com esta figura 
paradigmática chamada Sócrates, pois o foco central agora paira sobre a 
Paidéia e o filósofo se vê dialeticamente em meio a discussões travadas com 
os sofistas, não por menos, o ético retorna enquanto elemento preponderante, 
uma vez que os Sofistas, por meio de seus ensinamentos o deslocam. Já que 
os mesmos acirram a dúvida quanto à possibilidade da educação triunfar. 
Inevitavelmente se há de deparar com os seguintes questionamentos: 
por que se deve estudar? Até onde se deve estudar? Para que serve o estudo? 
Qual o objetivo da vida humana? Com estas perguntas, não se busca denotar 
aqui um aspecto contingencial de uma época, aquela vivida pelo 
indivíduo/cidadão Sócrates, mas sim, fazer vir à nossa reflexão a singularidade 
constitutiva do fenômeno da educação na formaçãodo ser deste 
entecontemplador chamado homem. Assunto este bastante atual e ainda 
problemático dentro de nossa cultura. 
Todavia, educação aqui não deve ser pensada como mera 
instrumentalização para alcance do poder político, ou como é corrente em 
nossa cultura, a formação de especialistas para o mercado de trabalho – 
criando assim uma nova classe que muitas vezes se torna subutilizada e 
obsoleta, não ocupando os cargos para que fora “treinada”, pois o mercado não 
necessita da quantidade de mão de obra oferecida. Sem falar é claro, da 
qualidade questionada de boa parte desta mão-de-obra, fruto de interesses 
escusos, mesquinhos e, muitas vezes hipócritas (econômicos, políticos, 
ideológicos). 
Nem tampouco, se identifica com as atividades que exigem menos da 
capacidade intelectiva, e, diga-se de passagem, é justamente do seio desta 
26 
 
nova classe de “intelectuais” que se tem gestado muitos dos pensamentos 
niilistas, revolucionários, progressistas, etc.. São de extrema importância a este 
respeito, obras como: A traição dos intelectuais, de JulienBenda; A vida 
intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos, de Antonin-
DalmaceSertillanges, A rebelião das massas, Ortega y Gasset. 
Em Sócrates, é claro que o ideal político tão evidenciado nos sofistas, 
também está presente, não obstante, é com ele que a educação terá um 
sentido mais profundo, na medida em que procura reestruturar a conexão da 
cultura espiritual com a cultura moral (Paidéia). 
É desta forma que Sócrates inaugura um novo modo de pensar e agir 
do ser humano ao buscar na personalidade, no caráter moral a essência 
fundante tanto da existência humana como da vida em sociedade. A este 
respeito nos diz Jaeger (1995, p. 546-547): 
 
[...] toda educação deve ser política. Tem necessariamente de 
educar para uma de duas coisas: para governar ou para ser 
governado. [...] O homem que é educado para governar tem de 
aprender a antepor o cumprimento dos deveres mais prementes à 
satisfação das necessidades físicas. Tem de se sobrepor à fome e à 
sede. Tem de se acostumar a dormir pouco, a deitar-se tarde e a 
levantar cedo. Nenhum trabalho deve assustar, por árduo que seja. 
Não se deve deixar extrair pelo engodo dos prazeres dos sentidos. 
Tem de se endurecer para o frio e para o calor. Não deve preocupar-
se, se tiver de acampar a céu aberto. Quem não é capaz de tudo isto 
fica condenado a figurar entre as massas governadas. 
 
Dentro do ideal de educação socrático, rico em símbolos e dado a 
muitas interpretações, o que nos interessa especificamente é extrair um 
conceito de enorme importância para a cultura ética Ocidental, o qual é o de 
autodomínio (enkratéia). Fazendo-se assim perceber que a conduta moral deve 
brotar do mais íntimo de cada indivíduo, ou seja, o autodomínio enquanto 
virtude basilar para a formação ética do indivíduo representa a emancipação 
racional para com as seduções e os desregramentos da sua natureza animal. 
O autodomínio representa na vida de Sócrates a virtude humana de 
dominar a tirania dos instintos pelo poder do espírito. E aqui se deve notar que 
o Filósofo toca em um problema central, porque, uma vez que o homem se 
torna vulnerável aos seus desejos e presa dos seus instintos, não se pode falar 
em um indivíduo livre nem tampouco em um cidadão ético (ações eticamente 
27 
 
livres). O que denotará, por conseguinte, no plano das suas ações em atitudes 
moralmente imaturas. 
 Portanto, educar para Sócrates é muito mais que simplesmente 
domesticar, forjar habilidades e competências, “formar para a cidadania”, seguir 
alienadamente a cultura do entorno sem ter uma real dimensão do que seja o 
ente homem. 
Visto que, o homem nunca deverá ser tomado como meio, mesmo se 
compreendermos que a sua formação está intimamente ligada com o 
ethospreponderante; que a formação do homem enquanto cidadão é sempre 
voltada para o exercício de servir a pólis, do engrandecimento da cidade, de 
suas leis e de seus cidadãos. 
No entanto, este cidadão é antes e inalienavelmente um sujeito ético e 
como tal, não deve se conduzir com relação às leis, normas, tradição enquanto 
um indivíduo submisso. Mas sim, de acordo com uma conduta moral que brota 
do seu interior, que denota a maturidade (autodomínio) de um sujeito ético, a 
qual se expressa como uma ação consciente e deliberada, portanto, livre. 
A essência da verdadeira Educação humana deve estar num conjunto 
de saberes (virtudes) que ao longo da existência viabilize ao ser humano as 
condições necessárias para alcançar o fim autêntico de sua vida. – Segundo 
Jaeger (1995), em Sócrates é identificada com a aspiração ao conhecimento 
do bem, com a phronesis. – Em outras palavras, a Paidéia deve converter-se 
na aspiração a uma ordenança filosófica consciente da vida, a qual se propõe 
cumprir o destino espiritual e moral do homem. 
A continuação desta Paidéia, ou melhor, a sua explicitação por meio 
de símbolos clarificantes estará mais bem denotada nos diálogos de Platão e 
mais especificamente a sua alegoria da caverna. 
 
1.3 A ETICIDADE COMO DIMENSÃO ONTOLÓGICA DO SER DO ENTE 
HOMEM. 
“O homem pode converter-se no mais divino dos animais, 
sempre que se o eduque corretamente; converte-se na criatura 
mais selvagem de todas as criaturas que habitam a terra, em 
caso de ser mal-educado.”Platão 
Em Platão, aquele que representa memorável e magistralmente os 
ensinamentos de Sócrates ver-se-á o prolongamento do ensino e estudo ético-
28 
 
socrático. Isto, sobretudo, pode ser observado nos primeiros Diálogos de 
Platão (Diálogos Socráticos), onde duas características importantes nos são 
apresentadas: uma de ordem metodológica aonde Sócrates por meio da 
inquisição (zetesis) vai avançando entre perguntas e respostas, tendo por 
objetivo chegar a uma definição. No entanto, sempre atento às aporias, 
conflitos e armadilhas do discurso que toda discussão faz surgir. 
A outra de ordem temática, que revela a originalidade do ensinamento 
de Sócrates, onde se verá o Filósofo transitar por entre os temas do homem 
interior (psychê), da verdadeira sabedoria (sophrosyne) e a virtude (arete). Tais 
temas representam uma mudança e uma revolução no campo do saber 
filosófico e do conhecimento acerca do ser do homem, em um primeiro 
momento, na cultura grega e posteriormente, em toda a cultura da Civilização 
Ocidental. 
Com Sócrates então será dada a mudança de paradigma quanto ao 
objeto de conhecimento: da natureza (physis) para o homem (antropos) e o 
necessário aprofundamento no estudo de tal objeto, onde por meio das 
interpelações aos cidadãos atenienses se pode perceber um itinerário que visa 
mostrar aos mesmos o verdadeiro valor do ser deste ente homem. 
Segundo Sócrates este valor reside no único bem inatingível pela 
instabilidade e inconstância da fortuna, incerteza do futuro, precariedade do 
sucesso e todas as vicissitudes da existência, o qual é o bem da alma. Isto nos 
é revelado em diálogos como: Apologia de Sócrates, Críton, Primeiro 
Alcebíades, etc. 
O início do pensamento filosófico de Platão está marcado pela morte 
de seu mestre, por tal motivo, estas reflexões têm um forte teor ético-político. 
Com Platão tem-se o desdobrar do ensinamento ético de Sócrates. Em 
primeiro ponto há a retransmissão dos ensinamentos do sábio ateniense e, só 
por isso já é possível dizer que nós nos encontramos frente à sua filosofia 
como grandes devedores. No entanto, há ainda o gênio de Platão que eleva a 
herança dos ensinamentos socráticos a uma altitude especulativa não 
imaginada pelo seu mestre. 
É sabido que Platão não escreveu nenhum Diálogo específico sobre a 
temática ética, assim como,esta só ganhou contornos de disciplina 
“sistematizada” com Aristóteles. Todavia, não se pode deixar de observar que 
29 
 
os temas éticos são uma constante nos Diálogos (socráticos e da maturidade) 
escritos por Platão. 
Até porque Sócrates (a questão socrática) é sempre retomado em sua 
filosofia. Isto se faz evidente no prólogo à sua obra magna A República, onde 
Sócrates em diálogo com Trasímaco explicita que a vida autêntica do homem 
(como deve o homem viver) perpassa pela investigação do logos. 
A idéia central do pensamento ético platônico é a de ordem (taxis). 
Para Platão é ela que permite a unificação, da Ética, da Política e da 
Cosmologia, assegurando a mediania da arete entre o indivíduo e a pólis e 
guiando, desta forma, o Demiurgo na construção de um Kosmos harmonioso. 
Tudo isso é claro, sob o domínio da Teoria das Idéias, a qual faz interagir a 
significância de natureza ética com a de matiz metafísica. 
Com a idéia de ordem enquanto proporção Platão procura exprimir 
uma analogia, que é capaz de unir elementos e seres diversos, como, entre a 
alma humana e a pólis, entre a alma e o mundo. Deste modo ver-se-á surgir 
com Platão o primeiro grande modelo ético da história. A questão do ethose da 
práxis transposta ao plano do logos (filosófico), apresenta-se como solidária a 
uma concepção da realidade total, solidariedade esta que poderíamos 
denominar como sendo entre o Bem e o Ser. 
Todas as categorias éticas: do saber ético grego (sabedoria, virtude, 
lei, justiça) e socráticas (alma, virtude-ciência) serão retrabalhadas na filosofia 
platônica dentro da perspectiva metafísica da ordem. 
O que se intenciona fazer a seguir é tomar a Alegoria da caverna como 
um momento significativo deste pensamento ético-metafísico, onde se pode 
observar o pressuposto socrático da unidade entre arete e logos, assim como, 
a questão da conciliação entre liberdade e necessidade. 
Talvez não seja um absurdo enunciar que a alegoria ou mito da 
caverna, a qual se encontra no centro (livro VII) da obra magna A República, de 
Platão, seja uma das mais famosas passagens da literatura filosófica; assim 
como, uma das mais lidas, citadas e discutidas. 
Esta é uma das muitas alegorias utilizadas por Platão para expor 
acerca da condição humana, diga-se de passagem, com uma amplitude e 
riqueza interpretativa extraordinária. 
30 
 
Esta alegoria será exposta aqui de forma esquemática e sintética, para 
isso, a mesma será dividida em quatro momentos, os quais são: 
 
1º - A caverna 
É sabido que esta alegoria conta acerca de um homem, que estava 
preso numa caverna com outros iguais. Eles estavam acorrentados desde a 
infância (corpo e cabeça imobilizados) e tudo que viam, ouviam e “sabiam” lhes 
era mostrado por meio das sombras dos objetos projetadas na parede e 
iluminadas pela fogueira e dos ecos das vozes que advinham de fora da 
caverna... 
Por mais estranhos que esses homens possam nos parecer é de nós, 
do nosso mundo e da nossa condição de seres humanos que a alegoria está a 
tratar. Um mundo artificial, aparente, verossímil feito de realidades efêmeras 
que desconhecemos, mas que, no entanto nos são caras, pois vive-mo-la de 
forma aprazível desde a mais tenra idade (a nossa ilusão é total) como se esta 
fosse a nossa mais pura realidade. 
E habituados estamos de receber tudo do exterior a ponto de vivermos 
dos simulacros das imagens e dos discursos a mercê das opiniões reinantes. 
Porque não temos condições de fazer os devidos julgamentos e assim nos 
contentamos com os boatos, com o ouvir dizer, com os pré-conceitos e todos 
os lugares comuns que preponderam numa sociedade que fabrica pessoas, 
funcionários, artistas, políticos, heróis, belezas, etc.; que produzem realidades 
como se produzem objetos nas linhas de produção das modernas e eficientes 
indústrias. 
Então, presas do condicionamento, da intoxicação mental, das 
ideologias, estes homens se encontram duplamente acorrentados: em um 
primeiro plano, pois são vítimas! Em segundo, por que ignoram a condição de 
vítimas a qual estão condicionadas as suas existências. Sendo assim, se 
encontram em situação pior do que os incapacitados de visão uma vez que têm 
olhos, mas, não enxergam. 
 
2º - A conversão 
E “Se alguém soltasse um desses prisioneiros”? A continuação da 
alegoria irá transcorrer sobre a égide deste novo momento, etapa e mistério na 
31 
 
vida do ser humano! Não obstante há de se perguntar: que força, que ser 
empreende tal ato? É um deus? Um homem? Uma força interior? Não se sabe 
bem ao certo, no entanto, “esse ...” seguirá de perto o homem cativo até o fim, 
convidando o mesmo a transcender a sua condição de prisioneiro. 
Mas como é possível sair da caverna? Como negar todo um conjunto 
de fatos, símbolos, costumes, etc.? A saída da prisão significa uma conversão 
(periagogê), ou seja, uma mudança radical de rumo, uma renúncia ao mundo 
anteriormente tomado como real e vivenciado diuturnamente. 
Portanto, sair da caverna, converter-se significa passar por um 
processo árduo e doloroso de modificação e ascese! Isto implica esforço, 
incompreensão, ofuscamento, sofrimento, abandono, críticas, revolta, 
nostalgia, fraquezas, etc.; reaprender a ver, escutar, sentir; esforçar-se para 
aprender, elaborar os próprios pensamentos, refletir, julgar. 
Enfim, todo o processo de educação (reeducação) se faz imensamente 
doloroso, pois uma ruptura com um mundo anteriormente vivido e o iniciar de 
uma nova etapa desconhecida e imensamente amedrontadora! 
 
3º - A ascensão (anabasis) 
Ultrapassando o mundo dos objetos sensíveis – agora devidamente 
reconhecidos e identificados – deve o antigo prisioneiro seguir o caminho 
íngreme (encosta abrupta e árdua) que leva em direção ao Sol. Mas não se 
deve deixar enganar que esta etapa é mais fácil e prazerosa, porque iluminada! 
Mesmo que o indivíduo já demonstre nesta altura da empreitada ter 
vontade de mudar, de conhecer verdadeiramente a realidade das coisas 
existentes, tudo leva a crer que o caminho ainda é duro, difícil uma vez que não 
basta se desvencilhar das antigas impressões, opiniões, se faz necessário 
neste momento ir a busca da verdade, aquela que é capaz de livrar o homem 
do caminho enganoso e sedutor que é o das ideologias. 
Mas para isto é necessário aprender, se faz preciso o rigor da 
disciplina, a preparação da alma (caráter/personalidade) a fim de que possa 
receber e conduzir devidamente os conhecimentos da realidade. 
É necessário então aprender as ciências, as ciências abstratas que 
segundo Platão têm a virtude formadora (propedêuticas) de habituar os 
espíritos a manejarem com as abstrações e preparam-no para a abstração 
32 
 
suprema, a qual é a da capacitação para apreender as essências (Idéias), o 
mundo das verdades. 
 
4º - O retorno 
Até onde pode levar o caminho íngreme? O que significa o topo, este 
lugar mais alto? Quais as implicações deste novo saber? Neste ponto a 
filosofia e a existência humana se equivalem na medida em que assim como o 
filósofo sabe que não é possuidor da sabedoria, mas que necessita dela para 
se guiar; assim também é o homem na sua condição de ente que não está 
feito, acabado, mas que precisa se fazer durante a sua existência e o mais 
importante, não é qualquer espécie de vida que leva o homem ao caminho de 
sua humanidade integral. 
E Platão de forma magistral nos mostra que aquele que era afeiçoado 
à opinião (o filodoxo) na caverna, se tornou um amante da sabedoria (o 
filósofo). Mas não nos deixemos enganar achando que o amor é uma zona de 
segurança e conforto, porque este é tensão, vontade e busca. 
Assim, afilosofia é a busca incessante pela verdade, nunca descanso 
ou repouso nela, mesmo que nos pareça merecido este descanso depois de 
tamanha atividade, trabalho árduo de ascensão. 
E assim é a vida humana em seu processo ininterrupto de auto-
constituição seja na ordem privada ou na vida pública. E é exatamente nesta 
dimensão da práxis humana que o elemento ético-político se faz necessário na 
constituição do ser da realidade do mundo humano (equivalência e harmonia 
entre o Bem e o Ser). 
Sendo assim, uma vez o antigo prisioneiro tendo chegado “lá no alto”; 
no cume de seu esforço e no mais sublime do conhecimento da realidade, não 
lhe é permitido se deter no momento, uma vez que o seu ser é um constante 
devir, um vir a ser, um dever-ser! Ele não deve se instalar na quietude dos 
conhecimentos adquiridos ou das verdades encontradas. 
A vida humana não é um fim em si mesmo, tanto no sentido biológico, 
como no sentido histórico-cultural de sua existência. Existir para o homem 
também implica em estar com outros, estar no mundo; se fazer com outros, se 
fazer no mundo. 
33 
 
E acima de tudo isso, nos diz Platão ter a capacidade de dar o salto no 
Ser e compreender a realidade em sua totalidade e no retorno inevitável agir de 
acordo com os princípios eternos, pois, verdade conhecida é verdade que deve 
ser vivida. Eis aí toda a solidariedade entre Ser e Bem; entre a totalidade da 
realidade e a singularidade da realidade do ente homem dentro da totalidade 
do Ser! 
Ao filósofo cabe agora o retorno ao mundo e aos prisioneiros da 
caverna. Pois, são muitos os homens que vivem rebaixados na condição da 
ignorância, da ilusão, da mentira e das ideologias. O seu esforço e o seu árduo 
trabalho de subida e des-coberta da realidade não lhe serão tomados, até 
porque não é possível retirar daquele que sabe o seu saber. 
Todavia, o seu conhecimento não lhe pertence como um objeto, ele é 
condição essencial para a constituição da humanidade no homem e, aquele 
que consegue alcançá-lo tem por dever repassá-lo aos demais. 
Esta é a dimensão ético-política do conhecimento, uma vez detentor 
do conhecimento não lhe é permitido o direito de conservar tal bem como 
propriedade única e exclusivamente sua. Este saber constitui um bem e uma 
dimensão ontológica do ser do ente homem. 
Portanto, precisa ser partilhada e difundida por entre os demais entes 
humanos (antigos companheiros da caverna), para que os mesmos possam ser 
libertos e quiçá alcancem por meio da práxis o devido nível de autarquia 
necessário para constituir uma autêntica comunidade dos homens livres. 
A vida humana necessita desta forma da compreensão da verdade 
para se constituir plenamente, no entanto, o homem não é um ser puramente 
animal, o qual já está de antemão dado e circunscrito na esfera de suas leis 
causais. Ele é o ente privilegiado para quem a existência autêntica é uma 
conquista e a possibilidade de se derruir é de sua total responsabilidade, uma 
vez que o mesmo é um ser racional dotado de inteligência, vontade, da 
capacidade de agir e de fazer história. 
O homem é o ser para quem o conhecimento é um valor, e mais! 
Como nos diz Louis Lavelle: “O ato pelo qual o eu assume o seu ser próprio é 
que funda o valor de si mesmo. E, concomitantemente, de todos os objetos a 
que se aplica, de todos os fins que se propõe” (LAVELLE, apud REALE, 2007, 
p. 205). 
34 
 
O retorno enquanto uma etapa na constituição do ser deste ente 
(antigo prisioneiro) é um dever, mas é também uma árdua e perigosa tarefa, 
pois, o mundo da caverna está constituído sob a égide da aparência e da 
ignorância onde prepondera de um lado cegueira, inabilidade, etc. de outro 
sarcasmo, ódio, desejos e ameaças de morte ao outro! 
Não devemos nos esquecer da morte de Sócrates pelos seus 
concidadãos, aqueles para quem o discurso pautado fora da realidade 
circundante (cultural/politicamente correto) deveria ser execrado e punido com 
a pena de morte. Sócrates representava para tais “concidadãos” um perigo e 
um peso, pois trazia para a consciência dos mesmos tudo aquilo que era farsa, 
burla, representação; execrável na constituição do homem. 
Assim como o caso Sócrates, outros foram perpetrados na história 
tendo homens sendo perseguidos, torturados e aniquilados pela ignorância, 
prepotência, arrogância e presunção insolente daqueles que nada querem 
saber, mas desejam ardentemente o poder em suas mais variadas formas e 
escalas. 
E inequivocamente, por meio desta desmesura, ignorância e desvio do 
ser é que a humanidade do homem pode vir a ser rebaixada à mais vil das 
esferas, a qual é a da bestialidade não perceptível em qualquer outro ente, no 
entanto, vastamente vislumbrada na espécie humana, quando resolve agir pura 
e simplesmente por uma das esferas do seu ser9 
Na alegoria Platão trabalha de forma sintética e densa a simbolização 
metafísica, gnosiológica, dialética e ética da realidade, uma vez que traduz os 
diversos graus em que ontologicamente se divide a realidade (objetos 
sensíveis: as sombras da caverna... e supra-sensíveis: o Sol a idéia do Bem); 
os graus do conhecimento (as sombras e estátuas representam imaginação e 
crenças, os objetos verdadeiros e o sol que representam a dialética em seus 
vários graus e a intelecção pura); e o necessário retorno à caverna, onde a luz 
do Sol, conhecimento supremo, supremo Bem precisa ser posto em evidência 
para os demais companheiros antigos da caverna a fim de que os mesmos 
possam sair da condição indigna e desumana, a qual é a de escravos da 
 
9 Conferir a razão instrumental e o desejo de potência inerente ao tecnicismo, à tecnocracia, aos regimes 
socialistas: nazismo e comunismo. E toda a sua vasta conseqüência nas diversas áreas da vida e cultura 
humana. 
35 
 
aparência e ignorância e assim, utilizem de forma autárquica a liberdade que 
lhes é inerente e necessária para a constituição do seu ser. 
Nesta alegoria, Platão como um autêntico filósofo e discípulo de 
Sócrates procura levar o leitor não somente ao drama da história, à 
participação do diálogo; muito mais, ele nos obriga a responder. É o nosso 
próprio drama existencial que está em jogo, por isso ele nos convida a 
compreender como funciona a razão e como a consciência liberta. 
De suas descobertas do reino do Ser ele nos convida a “experiênciá-
las”, a tentar vivenciá-las e juntamente com outros homens que des-cobrem por 
meio de uma autêntica Paidéia chegar à iluminada libertação. 
Faz-se mister aqui salientar para melhor entender, que a filosofia em 
suas origens tem uma amplitude e dimensão que é ignorada e negligenciada a 
partir do ethos moderno, o qual a toma com muita freqüência, como se fosse 
um jogo intelectual destituído de entusiasmo, energia, onde o logos se reduz à 
mera especulação de ordem lógica. 
E daí ver-se surgir sistemas ideológicos gnósticos que são 
manipulados por vidas esquizofrênicas que são incapazes de compreender e 
aceitar a realidade, não obstante, e por este motivo, se mostram capazes de 
perpetrar assassinatos e mortandades à grande parcela da humanidade. 
Falta a muitos modernos a compreensão de que em sua filosofia, 
Platão tenta de forma magistral dar consistência e vida àquilo que ocorre na 
existência concreta humana. E como nos diz Eric Voegelin (2009, p. 13), 
 
a tensão no pensamento de Platão refletia a tensão de sua 
participação na metaxy, ou na mistura, da vida humana. [...] como a 
revelação, a filosofia “é mais do que um aumento de conhecimento 
da ordem do ser; é uma mudança na própria ordem”. 
 
A filosofia para Platão é muito mais que uma verdade sobre o Ser; ela

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