Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A CIRCULARIDADE DA CUL TURA JURíDICA: NOTAS SOBRE O CONCEITO E SOBRE MÉTODO oJf flo XEROY VALOR ~o PASTA o'f Luís Fernando Lopes Pereira ~~rRIA b"?I'04'lli; ORIGINAL. 1. A EMERGÊNCIA DO OUTRO E A CENTRALlDADE DA CULTURA. A História tradicional rankeana ao se separar da filosofia, propondo um método próprio para a disciplina a partir da narrativa dos acontecimentos afim de se tornar ciência autônoma, fragilizou-se enquanto teoria e empobreceu a disciplina de reflexão filosófica, embora o Iluminismo e o Antiquarismo 1 tenham proposto procedimentos mais complexos de união da prospecção . das fontes às explicações de cunho filosófico. Afinal, ao historiador alemão "agradava-lhe ainda menos a ordem conceitual esvaecida das categorias históricas na concepção hegeliana do mundo histórico.,,2 Dois elementos contribuíram para o sucesso do historicismo rankeano: de um lado a influência das ciências naturais na busca de uma verdade objetiva, em defesa da neutralidade do conhecimento e do saber histórico. Ao separar fatos e valores, o positivismo histórico tinha a pretensão de resgatar o passado como ele realmente aconteceu. De outro lado, o teleologismo, o sentido prévio da história orientado para o futuro. Futuro que se caracterizaria como ideia nova pois antes, nos gregos, tínhamos uma visão cícficrI r1rI História. Mas a tradição oitocentista se ligou a um futuro escatológico (tributário da tradição judoico-cristã) e sua perspectiva linear, tendo COIIIU fim o Estado ou a Revolução. Nos anos 50 temos uma espécie de revisão da consciência do intelectual pelo estruturalismo, com reflexos para a História. 8raudel e o tempo hisLórico inserem os elementos: estrutura, conjuntura e acontecimento, além de sérios questionamentos em relação ao objetivismo.3 Este estava no centro da pretensão historiográfica desde o século XVII: "aquilo que caracteriza a historiografia do final do século XVII e início do XVIII é o grande número de historiadores nos quais o principal empenho era em acertar a verdade de cada fato mediante o melhor método de pesquisa.,,4 Entretanto, a ruptura feita pela Escola dos Annales e pelo Marxismo foram apenas :> começo. Maiores rupturas viriam com a contemporaneidade que 1 Esta influência antiquaria pode ser vista na obra de Carlo Ginzburg e suas constantes referências aos estudos de Arnaldo Momigliano. Ver: MOMIGLlANO, Arnaldo. Sui fondamenti della storia ântica. Torino: Einaudi, 1984. 2 OILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: UNESP, 2010.p. 50. 3 Ver FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá. 2011. 4 Tradução livre do autor: "Cià che caratterizza la storiografia dei tardo Seicento e dei primo Settecento e il gran numero di storici il cui principale impegno era di accertare la verità di ogni fatto mediante il miglior metodo di ricerca." In: MOMIGLlANO, Arnaldo. op. Git.p.33-34. afetariam diretamente o conhecimento histórico, fazendo com que o foco se alterasse para questões mais fragmentadas e cotidianas. Para Jean Baudrillard5 a cotidianeidade passa a ser um tempo forte e novos temas passam a interessar a política, a história, o direito. Dentre as grandes contribuições metodológicas, as que mais nos interessam aqui vieram de estudos que têm em comum a emergência do tema da cultura e mesmo sua centralidade. A título de exemplo destaco as obras que profundamente influenciaram a historiografia brasileira dos anos 80 do século XX, primeiro o livro de Tzvetan Todorov6 no qual o mesmo buscava um entendimento sobre a diversidade humana, destacando a construção de uma ideia de outro como o diferente do nós (presente também em Tristes Trópicos de Lévi-Strauss, onde o viajante e estrangeiro são vistos como construções 7 e para quem "todo bom livro de história ...está impregnado de etnologia"s); depois a obra de Marshall Sahlins9, na qual o autor verifica o impacto da chegada do capitão Cook ao Hawai, defendendo a ideia de que não se pode permanecer na perspectiva universalista de mundo, mas se deve buscar uma leitura da chegada do branco pelos nativos e sua ótica. Aqui Sahlins combina perfeitamente a análise da estrutura e do evento, vendo como o contato com o europeu deu origem a conflitos internos não previstos pelo fortalecimento que os brancos promoveram de naturais rivais do chefe, partindo do pressuposto de que cada esquema cultural tem suas preferências e signos.1o 5 BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiOrias silenciosas; o fim do social e a emergência das massas. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1984. Poderia-se mesmo entrar na discussão da centralidade da imagem na sociedade contemporânea, com autores como DÉBORD, Guy. Com menta ires sur la société du spectacle.Paris: Gallimard, 1988. BUCCI, Eugênio & KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. KLEIN, Naomi. Sem logo; a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2002. Isso para não entrar em discussões sobre a cultura e condição pós-modernas. 6 Todorov apresenta uma reflexão sobre a construção histórica de conceitos como etnocentrismo, cientificismo, relativismo, etc., a partir de autores como Montaigne e Lévi- Strauss, para pensar a relação entre o nós (grupo social determinado) e ou Outros (os que não têm a mesma identidade do grupo). ver: TODOROV, Tzvetan. La Conquista de America; EI problema dei otro. México: Siglo XXI, s/data. 7 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 8 Tradução livre do autor de: "tout bon livre d'histoire ... est-il impregné d'ethnologie". LÉVI- STRAUSS, Claude. Apud: GINZBURG, Carlo. Introdução. In: BLOCH, Marc. I re taumaturghi; studi sul carattere sovrannaturale attribuito alia Potenza dei re particolarmente in Francia e in Inghilterra. Torino: Einaudi, 1973. 9 SAHLlNS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. Sahlins mostra a análise dos mitos primordiais e lendas tribais dos maoris e como estas lendas são importantes para a compreensão da ordem atual. A ontogenia desta tribo repete a cosmogonia em seus ritos. É por isso que a insurreição que trouxe Sir George Gry à Nova Zelândia está diretamente relacionada com a revolta ocorrida entre 1844-46. Segundo Sahlins "a revolta foi por causa de um mastro, que também tinha a ver com a posse da terra: um mastro de bandeira com as cores britânicas voando ao vento sobre Kororareka, na Baía de Islands, que foi por muito tempo o assentamento europeu mais populosos (... ) em quatro ocasiões diferentes, entre julho de 1844 e Marco de 1845, Hone Heke, o 'rebelde maori', e seus guerreiros da tribo Ngapuhi cortaram o mastro da bandeira." Idem. p. 85. Mas o mais importante é a conclusão de Sahlins de que os maori não estavam lutando pela posse da cidade ou contra a dominação britânica. Apenas lutavam contra a colocação do mastro por seu valor simbólico e suas relações miméticas com o surgimento da humanidade. 10 Dentro da cosmogonia hawaiana existia a lenda de que os deuses voltariam a terra, mas que logo após a sua saida, os impostores viriam e deveriam ser detidos. Por isso na primeira Assim, defende-se aqui uma unidade entre método e conceito, sob o prejuízo de desvios tanto interpretativos quanto aplicativos do mesmo. Afinal um conceito de cultura jurídica a partir dos referenciais que aqui se utilizará exige um instrumental de análise adequado, como se verá. Assim, os debates sobre o conceito serão perpassados por notas sobre o método. Em resumo: de um lado o debate metodológico, de como os instrumentais antropológicos, mais complexos, plurais' e abertos seriam mais eficazes para o estudo do Direito (como fenômeno cultural), e de outro a possibilidade de criação de conceitos úteis ao estudo do fenômeno histórico jurídico, como o de cultura jurídica. 2. A CIRCULARIDADE DA CULTURA JURíDICA E SUAS PISTAS: EM BUSCA DE UMA INTERPRETAÇÃOPROVÁVEL. Parte-se, inicialmente,de um debate acerca do ofício do historiador e vincula- se aqui a uma busca pela coleta de provas, de pistas e indícios, de rastros desse passado jurídico que se pretende interpretar. Caso contrário corre-se o risco de conclusões enganadoras, cosméticas nos termos de Carlo Ginzburg17.Busca-se, portanto, seguir os conselhos de Paolo Grossi, sobre a necessidade de se ser historiador da experiência já que esta não deve ser desprezada por aqueles que pretendem evitar abstrações vazias: "o historiador da ciência jurídica não pode não ser também historiador da experiência: detrás da ciência há sempre uma experiência que preme e condiciona, e que não deve ser ignorada se se pretende evitar abstrações vazias".18 A partir de tais pistas é que se pretende estabelecer relações com o geral; relações entre universal e singular que mostram como a totalidade pode ser apreendida pelos indícios, desde que se recomponha o restante de forma prudente, seguindo novamente as lições de Ginzburg e seu método indiciário19,tributário da semiótica de Pierce e da iconologia de Warburg2o. mundo de ponta-cabeça; idéias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 16 Destaque para o deslocamento dos debates para as questões culturais, com posições que variam do conceito de indústria cultural forjado por Adorno e Horkheimer ao debate de Walter Benjamin sobre uma arte com aura e uma sem aura. Há aqui também forte influência da psicanálise e de Sigmund Freud, principalmente em Herbert Marcuse. Ver: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985. MARCUSE, Herbert. Cultura e psicanálise. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 17 GINZBURG, Carla. Relações de força; história, retórica e prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 18 Tradução livre do autor de: "Lo storico della scienza giuridica non puà non essere anche storicodella esperienza: dietro la scienza c'é sempre un'esperienza che preme e condiziona, e che non deve essere ignorata se si vuole evitare vuote astrazioni."GROSSI, Paolo. Scienza ~iuridica italíana: un profilo storico (1860-1950). Milano: Giuffré, 2000. p.2. 9 GINZBURG, Carla. A micro-história; e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989. 20 Warburg com sua iconologia pretendia libertara análise das obras de arte das amarras da estilística e da centralidade da avaliação puramente estética. Propunha interrogar filologicamente os elementos figurativos da obra, considerando de modo unitário seus vários Para o autor, as sociedades frias explicam tudo por elementos internos (mitológicos, por exemplo) e não se alteram no contato com os outros; já nas quentes haveria uma circularidade cultural, uma troca. Para Sahlins, se existem estruturas sincrônicas, existem também estruturas performativas e prescritivas, onde tudo está prescrito de saída.11 Por último, a obra de Edward Said12 que analisa como o ocidente cria um discurso sobre o oriente, inventando-o como seu outro '(posicionado na barbárie e naquilo que não quero aceitar e ver em mim mesmo, sendo de certa forma, uma projeção da minha imagem), em suas palavras: "O Oriente não está apenas adjacente à Europa; é também (...) seu concorrente cultural e uma das suas mais profundas e recorrentes imagens do Outro 1),'. "Outro" este perceptível como . receptáculo de projeções, bem representativos das teses de Said são as releituras belicosas da oposição a um outro inventado (desta vez se chama "islã") feitas por Bernard Lewis e Samuel Huntington 14. Essa emergência do "outro" marcante na recente historiografia, possibilitou também uma relativização de conceitos "civilizacionais", mais que isso, ljma historicização e interpretação dos fenômenos de nossa própria sociedade. Ainda, tal aproximação com a Antropologia, pretende também revelar facetas escondidas do jurídico, que carregam em si o peso da tradição e inúmeras pistas para a compreensão histórica do fenômeno, como as questões ritualísticas e simbólicas. A pretensão do artigo é de criar um conceito dé" cultura jurídica e sugerir um método de pesquisa a partir de um diálogo com tais perspectivas que podem ser chamadas de culturalistas, como também o são. as revisões do marxismo feitas pela Nova Esquerda Inglesa 15 e pela Escola de Frankfurt16. chegad<l de Cook a região, o mesmo é tratado como deus e na sua volta, morto. SAHLlNS, Marshall. op.cil. Ú Idem. P. 74. 12 SAIO, Edward. Orientalismo; o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 13 SAIO, Edward. op Gil. p. 13. 14 Lewis cria o conceito de choque de civilizações em seu artigo, publicado na Foreign Afairs, intitulado as origens do ódio muçulmano Uá no titulo se percebe para onde caminha o texto.~.}, ellJ 1990 e foi apropriado com sucesso por Huntington em seu livro. No artigo Lewis afirma: "Trata-se nada menos do que um choque de civilizações -as reações talvez irracionais mas certamente históricas de um antigo rival contra nossa antiga herança judaico- cristã, nosso presente secular e a expansão mundial de ambos.oÉ crucialmente importante que nós, da nossa parte, não cedamos à provocação e que nós tenhamos uma reação igualmente histórica~ mas também igualmente irracional contra esse rival." LEWIS, Bernard. The Atlantic Monthly; september 1990, "The roots of muslim rage", volume 266, n. 3. P.57. HUNTINGTON, Samuel. O choque de dvilizações. São Paulo: Objetiva, 1997. Ver a critica de SAIO, Edward. O choque de definições (sobre Samuel Huntington). In: _' Reflexões sobre o exilio; e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 316-336. 15 Destaca-se aqui as obras de Edward Thompson e Christopher Hill. O primeiro estuda a formação da classe operária inglesa a partir dos motins de fome do século XVIII, destacando o conceito como uma construção cultural e o segundo analisa a Revolução Inglesa e particularmente as idéias radicais que circulavam naquele momento histórico. Ambos criticam o marxismo vulgar e principalmente o estruturalismo althusseriano, abrindo espaço para novos estudos, privilegiando a cultura. Ver: THOMPSON, Edward. A formação da classe operária inglesa. (3V) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. HILL, Christopher. O Como um caçador primitivo, segue-se pistas e a incerteza ocupa preocupação central, na evidente presença do qualitativo e do individual, tendo a experiência como base. Na historiografia, tal inspiração viera de Marc Bloch21 que em seu livro trabalha também com pistas, testemunhos. Na prática, inclusive, ele sempre soube que a questão central era a da avaliação dos testemunhos, muito difícil. e incerta - a testemunha, mesmo a ocular, muitas vezes não vê, ou vê de maneira inexata. O tema do livro de Bloch é uma 'gigantesca falsa novidade', a partir da qual analisa o poder real e a monarquia na passagem do medieval ao moderno. De um lado desmistifica o milagre régio, buscando sua gênese no desenho político-administrativo e de outro, chega a uma verdade mais profunda, para além da crença, aquela das 'representações coletivas'. No caso da visão das Monarquias, privilegia aqui o simbólico. Mas para conseguir chegar a tal visão é preciso superar as análises tradicionais, afinal, "Para compreender que coisa foram as monarquias de uma vez por todas, para explicar sobretudo o seu longo domínio sobre o espírito dos homens, não basta descrever, até sua última particularidade, o mecanismo da organização administrativa, judiciária, financeira que estes impuseram a seus súditos; não é suficiente nem mesmo analisar em abstrato ou procurar trazer de qualquer grande teórico os conceitos de absolutismo ou de direito divino. É preciso também penetrar nas crenças e lendas, que floresceram ao redor da casa principesca.,,22 A mesma valorização da singularidade está presente na Antropologia e mesmo em Bakhtin. Este, inclusive, na mesmaperspectiva de Norbert Elir.ls não separa individual e coletivo, afinal mesmo a consciência individual pr.lm o autor é múltipla e 3 realidade verbal heteroglótica, multiacentuéfl, ê:l consciência individual é dialógica, multivocal e não uma unidade, como acreditava a história da cultura tradicional e mesmo parcela da história das ideias e das mentalidades. Em termos de método, Bakhtin se coloca contra as grandes síntp.ses que reduzem a heterogeneidade e a diversidade a um aspectos. Ginzburg, que estudara no Instituto Warburg, recebe deste tal influência e busca, juntamente com Ernst Gombrich, fugir de um lado da questão da genialidade e da autoria (presa a elementos internos) e de outro de uma "sociologização" exagerada que prende a obra em uma espécie de "espírito de época". Ver: GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de método. In: __ o Mitos, emblemas e sinais; morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.15-40. GOMBRICH, Ernest. Aby Warburg; una biografia intellettuale. Milano: Feltrinelli, 1970. 21A edição italiana da obra possui tradução e prefácio de Carlo Ginzburg. BLOCH, Marc. I re taumaturghi; studi sul carattere sovrannaturale attribuito alia Potenza dei re particolarmente in Francia e in Inghilterra. Torino: Einaudi, 1973. 22 Tradução livre do autor de "per capire che cosa furono le monarchie di una volta, per spiegare soprattuto il loro lungo domínio sullo spirito degli uomini, non basta affato descrivere, fin nel'ultimo particolare, il meccanismo dell'organizzazione amministrativa, giudiciaria, finanziaria, che esse imposero ai loro suditi; non basta neppure analizzare in .astratto o cercare di trarre da qualche grande teorico i concetti d'assolutismo o di diritto divino. Ocorre anche penetrare le credenze e le leggende, che fiorirono attorno alie case principesche." In: BLOCH, Marc. Op. Cil. p.6. molde único. Afinal, para ele a "alteridade é a condição da identidade: os outros constituem dialogicamente o eu que se transforma dia logicamente num outro de novos eus.,,23 Por isso a pesquisa deve prospectar indícios e buscar a definição de uma hipótese aceitável (ainda que conjecturai e provisória), estabelecida com base na sua "plausibilidade, coerência e potência explicativa,,24., com a intenção de lançar novas luzes interpretativas ao objeto, no caso, o passado jurídico, em busca não da verdade abstrata da certeza, mas aquela da probabilidade. Há, portanto, aqui uma pretensão de interpretação feita em íntima relação com as fontes, dentro do âmbito do provável. E esta é a diferença em relação ao positivismo historicista: reconhece-se a necessidade de analisar, de discutir, de dar sentido ao passado (tarefa que mesmo Hegel sabia pertencer ao historiador, destacando a astúcia da razão25), portanto, de interpretar. Mas a partir dos sinais. Elemento em comum a necessidade de historicizar, de colocar o objeto no passado, em um tempo diferente do dele. Uma tarefa que parece impossível, pois não há como se estabelecer um conhecimento imediato com o passado, na medida em que este é algo que não existe mais. Mas ele nos legou pistas, mensagens, logo, apenas partes nos chegam. Pietro Costa26 nos mostra como a interpretação é obra criativa que produz um resultado diverso e atribui sentido ao texto. Entretanto, Costa alerta também para os perigos de uma interpretação de tendência "desconstrucionista", para a qual a arbitrariedade da interpretação seria absoluta -e que, em verdade destituiria de sentido a própria operação hermenêutica. Assim, se de um lado se distancia da busca da verdade pretendida pelo objetivismo positivista, de outro, também nega a redução do texto histórico a um mero romance. Costa defende uma liberdade ampla de interpretação, mas não ilimitada. A interpreta~ão feita, embora apenas uma entre várias, deve, entretanto ser plausível2 . Daí a afirmação de que a historiografia não é a descrição de coisas, mas atribuição de sentido: logo, uma interpretação, que busca colher significados hermenêuticos. Trata-se de uma viagem no tempo, viagem não linear, mas em meio a um labirinto, com curíosas experiências de estranheza. Há outro aspecto que necessita ser esclarecido: as fontes. Indícios, pistas, provas são termos que por si só sugerem já uma vinculação ao fato, ao acontecimento, a outra temporatidade da história que não a estrutura ou conjunturâ, para usar os conceitos de Braudel28. Entretanto, os acontecimentos ou mesmo os indícios só podem ser explicados a partir do 23 FARACO, Carlos Alberto. ° dialogismo como chav~ de uma antropologia filosófica. In: . (org.) Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 1996.p.125. 2ll""(3INZBURG, Carlo. Jean Fouquet; ritratto deI buffone Gonella. Modena: Panini, 1996. 25 HEGEL, Georg. A razão na história. Rio de Janeiro: Centauro, 2001. . 26 COSTA, Pietro. Soberania, reprElsentação, democracia; ensaios de história do ~ensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2010. • 7 COSTA, Pietro. O conhecimento dOi passado; dilemas e instrumentos da historiografia. Curitiba: Juruá, 2007. 28 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2007. contexto, de sua ligação com o todo. O caso por si só não se explica e, como não se pretende permanecer na mera narrativa, há que se estabelecer ligações com o contexto. São exatamente tais conexões que permitirão a leitura de um caso como anômalo (em relação à norma). Como diz Ginzburg, a anomalia traz em si a norma, daí a maior relevância de seu estudo, pois a análise da norma, ao contrário, não nos permite apreender a anomalia. A atenção ao desvio, ao excepcional, abre a possibilidade de revelar algo sobre a natureza da norma que a atenção à própria norma em si não revelaria. Para ele, "a violação da norma contém em si (do mesmo modo que a pressupõe) também a norma, enquanto o oposto não é verdadeiro.,,29 Afinal, de perto toda a realidade é anômala! Mas o historiador não pode se deixar seduzir pelas fontes e ser por elas dirigido, mas deve ter em mente que o importante é a possibilidade que tais fontes, pistas, indícios nos dão para relacionar o micro e o macro que em verdade caracteriza a microstoria3o. Como destaca Walter Benjamin, "nem tudo nessa vida é modelar, mas tudo é exemplar".31 Tal opção pelo micro pode ser relacionada a outra preferência: pelo fronteiriço, aquele que está em meio a imbricadas relações culturais com a alta e a baixa culturas. Essa questão remete ao debate da relação entre individuo e sociedade, enfrentada por Norbert Elias que constrói o conceito de configuração que "serve de instrumento r.onceptual que tem em vista afrouxar o constrangimento social de falarmos e pensarmos como se indivíduo e sociedade fossem antagônicos e diferentes.,,32 Os personagens fronteiriços seriam aqueles mais reveladores da ausência de dicotomias pois encontram-se em uma posição pela qual circulam em maior quantidade elementos da alta e da baixa culturas, como o caso de Mozart na análise feita por Elias, que teve de incorporar elementos variados, afinal, "A maioria das pessoas que começavam a carreira de músico não eram de origem social nobre, mas burguesa, de acordo com nossa terminologia. Se faziam carreira no seio da sociedade cortesã, isto é, se significa que queriam encontrar as possibilidades de implantar os seus talentos como intérpretes ou músicos credores, teriam que se adaptar, de acordo com sua baixa posição, não apenas estética musicalmente, mas também suas roupas, a totalidade de seu caráter humano ao cãnone de comportamento e sensibilidade cortesãos.33" 29 GINZBURG, Carlo. Uma história noturna. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.p.26. 30 Primeira obra do gênero foi feita por Luiz González y González (México) Micro história de San José Gonzalez. Ali, procurava recompor parcela do social mais próximo ao núcleo faf"":iliar afetivo, uma história de um ponto de vista particular. Ver:González y González, Luis. Pueblo en vi lo. Microhistoria de San José de Gracia .. México: El Colegio de México, 1968. O método tomou força na itália dos anos 70 com os Quaderni Sforici e com historiadores como Edoardo Grendi, Giovanni Levi e Carlo Ginzburg, este ultimo, o grande responsável pela popularização desse tipo de historiografia. Ver: LIMA, Henrique Espada. A micro- história italiana; escalas, indicios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 31 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica; arte e politica. Obras escolhidas volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.36. 32 ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1999.p. 141. 33 Tradução livre do autor de: La mayoria de las personas que iniciaban la Carrera de músico no eran de origen social noble sino burgLJês, según nuestra terminologia. Si hacian Carrera en el seno de la sociedad cortesana, es decir, si querian encontrar las possibilidades de A mesma poslçao fronteiriça é destacada por Bakhtin, para quem Dostoievski34 teria sido o criador do romance polifônico: aquele que constrói seus personagens a partir do encontro entre eles (inacabado, construído na interação das vozes), ou seja, o eu se constituindo no processo de encontro com as consciências dos outros (para ele as personagens são de certa forma independentes do autor, gozam de relativa autonomia, em Os irmãos Karamazov, por exemplo): "A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas caracteristicas mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse ao lado da palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de oljtros heróis". 35 O mundo para o autor seria polifônico e a realidade do ser no mundo dialógica. Logo, as coisas são definidas nas fronteiras, não nos pólos como para aqueles que procuram um sistema, uma unidade. Nas fronteiras é que vemos a unidade, pois as coisas se definem na relação, no dialogismo, no diálogo. Aqui mais um autor que critica o idealismo, afirmando que a unidade semântica nunca está em Lima proposição isolada, mas encarnadas em uma consciência dialógica. . A relação entre o todo e as partes e a necessidade de uma interpretação por parte da história pode ser encontrada também nas obras de Dilthey que contribuiu enormemente com a filosofia hermenêutica, ao pregar, através da imagem do "circulo hermenêutico", que o significado do todo se dá com base nos elementos que o compõem, mas que, ao mesmo tempo, só se compreende cada uma das partes tomando como referência o todo.36 "Nesta multiplicidade dos valores históricos vem à tona inicialmente a diferença das coisas que não são senão valores utilitários ante os de si mesmo ou os próprios, valores que estão associados à consciência de si. Esses valores são o material do mundo histórico. Eles são como sons, a partir dos quais provém o tecido das melodias do universo espiritual. Cada um deles assume uma posição determinada nesse tecido por meio da relação em que se encontra com os outros. Mas ele não tem apenas a determinidade do som segundo a intensidade, a altura e a duração, mas é enquanto indivíduo, al~Jo indefinível, único; e isto não apenas segundo a relação em que se encontra, mas em sua própria essência.,,37 desplegar su talento como intérpretes o músicos credores, tenian que adaptar, de acuerdo con su baja posición, no solo su estétíca musical, sino también su vestimenta, la totalidad de su carácter humano ai Canon cortesano de comportamiento y sensibilidad.ln: ELIAS, Norbert. Mozart; sociologia de un genio. Barcelona: Península, 1991.p.25. 34 Para Bakhtin, em Dostoievski o mais importante 'é criar condições para o dialogo (finalidade do processo estético) que é sempre inacabado. Por isso a construção do final se dá com uma ruptura. Os personagens se constroem interacionalmente no livro. Ver: BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoievski. Río de Janeiro: Forense, 2008. 35BAKHTIN, Mikhail. Idem. p. 5. 36 RICKMAN, H. P. (Ed) Dilthey; selected writhings. Cambridge: University Press, 1976.p.254. 37DILTHEY, Wilhelm. op. cit. p. 254. É preciso agora, falar um pouco sobre a circularidade da cultura jurídica. A idéia é utilizar tal termo também inspirado, inicialmente, nas orientações de Carlo Ginzburg emprestando do mesmo sua ideia de circularidade, como exposto no estudo sobre um moleiro do século XVI: "Pode-se ligar essa hipótese àquilo que já foi proposto em termos semelhantes, por Mikhail Bakhtin, e que é possivel resumir no termo 'circularidade'; entre a cultura das' classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo.,,38 A concepção tradicional de cultura, que muitas vezes inspira visões sobre o jurídico, é aristocrática e prega uma aparente separação radical entre a alta e a baixa culturas. Assim, quando um elemento das classes privilegiadas migra para as subalternas destacam-na como degeneração. Isso também ocorre com a análise do que poderíamos chamar de cultura jurídica. O termo se tornou popular, de acordo com Ramón Narváez a partir dos anos setenta, "a partir dos escritos de Lawrence Friedman, que a definiu como uma interpretação do direito (oficial, popular e misto) e suas instituições. (...) Friedman distingue dois tipos de cultura jurídica, a interna e a externa,,39, que divide especialistas e senso comum. Aqui vemos a separação entre alta e baixa cultura e a visão desta como degeneração. Ainda, nas análises tradicionais privilegia-se o estudo das elites jurídicas, dos grandes doutrinadores e juristas, tratados de forma celebrativa.4o E toda uma gama de fontes é desprezada elou desqualificada, como os manuais e demais produções que circulavam e que são considerados pelas visões tradicionais como uma cultura inferior, mera simplificação da alta cultura e seus eruditos debates. Isto para não falar dos processos (que em grande número se acumulam nos Arquivos Públicos, sem análise, quando não se perdem ...), onde se torna evidente o componente não apenas técnico e jurídico, mas principalmente político e social de uma configuração que ainda estava em construção, ainda longe de ter conquistado uma autonomia mesmo que relativa. o que temos é na verdade uma circularidade, um influxo recíproco no qual se constituem tanto a alta cultura jurídica como a baixa. Logo, elementos migram de uma para a outra. Circularidade que, como citada por Ginzburg, remete a Mikhail Bakhtin que, ao analisar François Rabelais busca nele os elementos de cultura popular que seriam a base da riqueza cultural do Renascimento. Afinal, para ele: 38GINZBURG, Carla. O queijo e os vermes; o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 13. 39NARVÁEZ, José Ramón. Culturajurídica; ideas e imágenes. México: Porrúa, 2010. p. 7. 40 O tipo de história do Direito que encontramos, principalmente cumprindo funções introdutória a obras dogmáticas, ou tratam do Direito como fenômeno exclusivamente legal (reduzindo as fontes ao aparato normativo) ou quando muito, ampliam a análise para os "grandes juristas de nossa história". "É justamente esse caráter popular peculiar e, poderiamos dizer, radical, de todas as imagens de Rabelais que explica que o seu futuro tenha sido tão excepcionalmente rico, como o sublinhou exatamente Michelet. É também esse caráter popular que explica "o aspecto não literário" de Rabelais, isto é, sua resistência a ajustar-se aos cânones e regras da arte literária vigentes desde o século XVI até os nossos dias ... ,,41 o método de Bakhtin interpreta a própria língua como prática sócio-histórica, sendo que"a realidade da linguagem é sempre heteroglótica". Assim, contesta a visão tradicional para a qual a variação linguistica é sempre tida como determinada pela geografia, pelo tempo, por estamentos sociais ou pelo contexto. Para ele as línguas são, portanto, sócio-ideológicas.-o que significa que em uma língua encontram-se diversidades; dentro de um padrão, há uma multidão de Iínçluas, pois "o signo é a arena da luta de classes", posto que perpassado por valores, remetendo assim a sistemas de crenças diferentes. Assim, o conceito de signo de Bakhtin não apenas colabora com teorias antropológicas citadas nesse texto, mas sobretudo, permite uma melhor compreensão do fenômeno jurídico e seu valor simbólico, seu significado para uma determinada sociedade, particularmente em sociedades complexas como as que hoje se apresentam. O signo em Bakhtin não é neutro, mas ensopado de valores e a semiose não é unitária, mas múltipla e heterogênea, afinal o signo reflete e refrata.42 Assim, na circularidade de Bakhtin, os elementos da cultura popular aparecem na alta cultura renascentista e, a partir de tal descentração (multiplicação das formas de significado), as vozes são colocadas em um mesmo patamar, passando a SE~rencarada a linguagem como pOlifônica, onde a voz do autor se perde em meio às outras. Talvez tenha Bakhtin uma importância maior que se supõe para o estudo da cultura jurídica, pois ao analisar os discursos destaca a já citada polifonia, exceto no caso dos discursos de autoridade, com os quais não se dialoga. Mas o Direito não é um discurso de autoridade (mero comando coercitivo), mas guarda em si um dialogism043 que exige o estudo de seu diverso significado em cada cultura, afinal o espaço cultural é o espaço dos múltiplos diálogos. Sobre a dinâmica dialógica interior e social, vale resgatar as palavras de Augusto Ponzio, "Todos os nossos discursos, e sobretudo os nossos discursos interiores, vale dizer, os nossos pensamentos, são inevitavelmente dialógicos (...) O dialogo é aquele compromisso que confere lugar ao eu: o eu é esse compromisso 41 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Media e no Renascimento; o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 11987.p. 2. 42 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009. 43 Toda manifestação artística e literária é dialógica. Tqda realidade lingüistica é dialógica, pois responde e solicita resposta, atuando em um plano intra-enunciados. Todo enunciado é dialógico e a consciência social é semiótica e multivocal de ponta a ponta, nas palavras de Bakhtin: "nenhuma palavra ocorre sem o olhar obliquo do outro". Assim, para ele, o nosso falar nasce da boca dos outros, no universo da heteroglossia (múltiplas linguas e múltiplas redes dialógicas); a sentença, portanto, não é algo dado, abstrato, monológico, morto, mas um conjunto de citações. Aqui, novamente, encontramos a superação da dicotomia individual-coletivo, como em Norbert Elias. Ver: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética; a teoria do romance. São Paulo: UNESP, 1993. dialógico, dialógico em um sentido substancial e não formal, e o discurso narrativo com que se constrói a própria identidade é estruturado como um diálogo.,,44 Essa percepção de que somos na linguagem, representada em um universo simbólico, foi recepcionada pelos historiadores do direito por Pietro Costa em seu estudo sobre a iurisdictio, analisando seus problemas de significado, o que envolve uma série complexa de operações mentais, afinal, "a história da iurisdictio é uma semântica da linguagem político-jurídica medieval.,,45 Costa vai além, destacando que todo historiador traduz (adéqua o sentido atualiza), assim o autor pesquisa a criação de uma nova linguagem especial, profissional e analisa seu campo semântico. Daí falar em linguagem política medieval46 e buscar seu núcleo definidor, encarando o poder como possibilidade de obter obediência, inspirado por Weber47, destacando, portanto, a relação. Costa faz a História de uma palavra: iurisdictio. "para a cultura alto-medieval, esitaremos de falar, como fizemos para o pensamento jurídico baixo-medieval, de uma verdadeira e própria linguagem especial, completa, articulada, caracterizada como maneira particular de organizar a experiência. Podemos quando muito encontrar fragmentos de uma linguagem, mas não ainda um discurso que sabiamente tenha a ambição de constituir-se como linguagem conclusa e completa, tendencialmente técnica, mais ou menos de maneira ingênua, mas obstinadamente, definidora.,,48 Costa percebe que a nova linguagem jurídica nascia com o termo iurisdictio que para o autor pode ser traduzido como processo de poder, no qual a linguagem do poder enquanto tal não tinha ainda encontrado um lugar ao sol na linguagem político-jurídica e a lei ainda era interpretada como tradução da . 44Tradução livre do autor de: Tutti i nostri discorsi, e soprattutto i nostri discorsi interiori, vale a dire i nostri pensieri, sono inevitabilmente dialogici (...) il dialogo é quel compromesso che dá luogo all'io: I'io é questo compromesso dialogico, dialogico in un senso sostanziale e non formale, e il discorso narrativo con cui construisce la propria identitá é strutturato come un dialogo. In: PONZIO, A; CALEFATO, P; PETRILLI, S. Fondamenti di filosofia dei linguagio. Roma: Laterza, 1994. p. 130. Apud: FARACO, Carlos Alberto. O dialogismo como chave de uma antropologia filosófica. In: __ o op. cil. 45Tradução livre do autor de: "La storia di iurisdictio é una semântica deI linguaggio politico- giuridico medievale". COSTA, Pietro. lurisdictio; semantica dei potere politico nella pubblicislica medievale. (1100-1433). Milano: Giuffré, 2002. Per la storia dei pensiero giuridico moderno 62. p.3. 46 "Stabilire un corpus di proposizioni (il piu possibile) formali il cui strutturale disporsi insieme traduca Le correlazioni, Le opposizioni, il sistema dei linguaggio politico medievale."ln: COSTA, Pietro. Idem. p. 66. . 47WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília:Editora da UnB, 1999. 48Tradução livre do autor de: "per la cultura alto-medievale, esiteremmo a parlare, come abbiamo fatto per il pensiero giuridico basso-medievale, di un vero e proprio linguaggio speciale, completo, articolato, caratterizzato da un proprio modo di organizzare I'esperienza. Potremo semmai trovare frammenti di un linguaggio, ma non ancora un discorso che consapevolemente abbia I'ambizione di costituirsi a linguaggio conchiuso e completo, tendenzialmente técnico, piu o meno ingenuamente, ma ostinatamente definitorio." In: COSTA, Pietro. lurisdictio. op. cil. p. 97. ordem já dada da sociedade. Por isso fala em jogo entre símbolos de legitimidade e de validade. Essa percepção da dinâmica comunicacional da cultura jurídica aproxima Costa novamente de Bakhtin, para quem cultura é conjunto de processos interacionais, fazendo com que todas as atividades culturais (entre elas a jurídica) tenham um chão único: a dinâmica comunicacional. Na cultura (esse chão comum) existem diferentes I9sferas das atividades sociais. Logo, sua pergunta não é sobre em que consiste a atividade jurídica, mas como a cultura jurídica constrói tal esfera. Afinal, as esferas de atividades sociais, que se alteram, .produzem gêneros que são tão móveis quanto a cultura e quanto mais heterogênea a sociedÇ3demaior a complexidade das esferas e dos gêneros. Ao abándonar' G filtro da linguagem única e abstrata nos sugere a nós, historiadores do direito, o abandono da visão do fenômeno jurídico presa a estatalidade; elemento frequente nas críticas de Paolo Grossi, para quem Direito não exprime o ~stado, mas a sociedade, caracterizando-se como realidade complexa, como ord~namento do social.49 O mesmo Grossi faz um interessante paralelo entre a linguagem e o Direito, afirmando' que os dois têm uma plataforma comum, os dois possuem dimensão intersubjetiva e ambos 'secaracterizam como instrumentos que ordenam a dimensão social do sujeito: "a linguagem permitindo uma eficiente comunicação, o direito uma pacífica convivência". Ainda,. em ambos o componente do acolhimento tem a vantagem sobre a obediência. Assim, as instituições, por exemplo, passam a. ser vistas como nó de relações organizativas, funções e valores, com vocação pluralista (ordenamento como referente de uma sociedade complexa). A mesma relação com a língua é feita por Savigny citado por Dilthey, "Língua, hábitos, constituição, direito não possuem nenhuma existência separada, eles não são senão forças e atividades pãrticúiares de um povo, ligadas na natureza de maneira inseparável.,,5o Logo, a análise da cultura jurídica em uma sociedade complexa deve seguir orientações que possibilitem a construção de uma interpretação (aberta, complexa e provisória) do fenômeno juridico como fenômeno cultural e, como tal, constituído a partir de influxos recíprocos internamente ao campo jurídico e fora dele. Afinal, recorrendo a Geertz, "a .questão central colocada pelo florescimento do pluralismo jurídico no mundo moderno - ou seja, a questão de como devemos compreender o ofício do Direito, agora que suas variedades tornaram-se tão descontrolada mente misturarias -em grande parte, escapa à sua sala de aula e às suas fórmulas.,,51 49 GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre direito. Rio de janeiro: Forense, 2006. 50 DILTHEY, Wilhelm. Op. CiLp. 45. 51 Tradução livre do autor de: "The central issue posed by the f10rescence of legal pluralism in the modem world -namely, how ought we to understand the office of law now that its varieties have become so wildly immingled-Iargely, escapes its rather c1assroom formulae." In: GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. USA: Basic Books, 1983.p. 221. Circularidade que já os clássicos estudiosos do Brasil Colonial, para permanecer na atual área de interesse do autor, conheciam bem. Charles Boxer52 e os demais brasilianistas sempre trataram de nosso pais como parcela do Império Português, componente de uma imbricada rede de circularidade de ideias, mercadorias e pessoas.53 O mesmo ocorrendo com Sérgio Buarque de Holanda, que, inclusive, destaca o fato de Portugal ser um histórico local de passagem54 e Gilberto Freyre,55 que teve sempre a sensibilidade de situar o Brasil em relação a outras colônias e mesmo em intercâmbio com estas, mesmo no que diz respeito a questões que compõem a esfera cultural e que não são tradicionalmente analisadas, como as questões simbólicas. Freyre destaca, por exemplo, a roupa dos magistrados: "Eram os principais magistrados brasileiros, e não apenas os ministros, que se revestiam, então, para o exercicio de suas funções, de becas 'ricamente bordadas', vindas do Oriente. Se o hábito faz sempre o monge, a justiça por eles administrada ou distribuída era antes a patriarcal que a estatal nas suas inspirações, a que considerava antes a familia que o indivíduo ou o Estado. E a julgar pelas leis -então dominantes num pais patriarcal como o Brasil- a favor da propriedade dos homens por homens, da subordinação quase absoluta das mulheres aos maridos e dos filhos aos pais, de defesa da religião como valor político e familial, e não apenas individual ou pessoal.,,56 A cultura oriental, para ele, teria influenciado a do Bras!l, impregnada de familismo, patriarcalismo, religiosismo ou misticismo. Embora não entre explicitamente no debate, destaca uma cerca circularidade cultural, como entre os hábitos abaixo descritos, "Fora também oriental o rito de se reverenciarem, em solenidades oficiais, com zumbaias caracteristicas do extremo respeito dos governados pelos governantes, quando não as pessoas, os retratos dos monarcas ou dos 52Ver: BOXER, Charles R. O Império Colonial Português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1981. Ainda, apenas para citar os mais conhecidos: SCHARTZ, Stuart. Sovereignity and society in colonial Brazil; the High Court of Bahia and its judges, 1609-1751. Los Angeles: UCLA Press, 1973. Este um estudo clássico sobre o Tribunal da Relação da Bahia e ainda, MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa; a Inconfidência mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Todos situam o Brasil em sua relação com os demais cantos do Império português. 53Interessante nesse sentido é sua visão da luta contra os holandeses, tratada por ele como uma luta global, afinal, "a luta luso-holandesa, que começou com os ataques a Principe e a São Tomé em 1598-1599, terminou com a conquista das colônias portuguesas do Malabar em 1663 (...)"BOXER, Charles R. O Império Colonial Português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1981.p. 120. 54HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. . 55 Freyre, mais vinculado às questões culturalistas por ter estudado com Franz Boas na Universidade de Columbia (NY), absorve deste a negação do determinismo e do evolucionismo, destacando, portanto, a questão cultural. Por isso se dedica a uma história do cotidiano e da cultura, desprezando tudo da história político-administrativa e militar, vendo o português como um mestiço, em profundo elogio da colonização, enxergando no Brasil uma sociedade original e multirracial criada nos trópicos, como obra do gênio português. Ver: FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. São Paulo: Global, 2006. 56FREYRE, Gilberto. China Tropical; e outros escritos sobre a influência do Oriente na cultura luso-brasileira. Brasília: Editora da UnB, 2003. p. 60. .•. príncipes (prática que a protestantes mais severos pareceu tão repugnante quanto a do beija-mão nos palácios reais). Oriental o costume de se ajoelharem todos na rua à passagem da Rainha ou de qualquer dos Príncipes da Famílía Real; (... ) ou o de a gente servil curvar-se diante do senhoril em gestos que se tornaram conhecidos entre nós por aquele nome indiano: zumbaias. Zumbaias também trocadas entre iguais na classe, na I . I .57raça e na cu tura reglona . Mesmo a recente historiografia nacional que se debruça sobre o período colonial recuperou a ideia de circularidade e a mesma é visível em obras com as de Ronado Vainfas58, Mary Del Priori59, Laura de Mello e Souza60 e Ronald Raminelli61. Característica comum às obras aqui referenciadas é a opção também pela cultura como foco da circularidade. Os autores que tratam do tema da circularidade tendem a buscar uma superação da já citada dicotomia radical entre alta e baixa culturas, valorizando desta forma o elemento cultural e possibilitando a percepção de forma mais evideote. Isso está presente também em outros autores que tiveram forte influência sobre a historiografia brasileira, como o Já citado Edward Thompson e a Nova Esquerda Inglesa e Robert Darnton6 , apesar das diferenças entre suas interpretações acerca da ideia de circularidade. Em particular em 'Thompson, a cultura popular é vista a partir de uma tendência coletiva, em que o individual só é perceptível quando inserido no grupo. Desta forma, o uso da categoria cultura jurídica nos remete a preocupação com a questão da alteridade, da diferença, em outros termos, com a antropologia. Há, portanto aqui, uma centralidade do conceito de cultura que pressupõe, no caso da cultura jurídica circulante no Brasil, um intercâmbio entre os diferentes níveis, reforçando a pluralidade e a complexidade. 3. A DIMENSÃO CULTURAL DO JURíDICO E O CONCEITO CULTURA JURíDICA. Mas o termo cultura aqui necessita de maior precisão. Já foi dito que não se adota um conceito rígido de cultura que separe a cultura de elite da popular, entretanto, é preciso afirmar que cultura aqui não é vista como propriedade 57 FREYRE, Gilberto. China Tropical; Op. Cit. p.80. 58 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pf:!cados; moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1988. 59 DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994. 60 SOUZA,Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz; feitiçaria e religiosidade ~opular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. . 1 RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização; a representação do indio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 62 Destaque para seus estudos sobre a Enciclopédia e sobre a "baixa literatura", demonstrando uma maior relação desta com as idéias dos revolucionários franceses que aquela. Mostra aqui, portanto, as raízes populares da Revolução e de suas idéias. Ver: DARNTON, Robert. Boemia literária e Revolução; o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio; história da publicação da enciclopédia. (1775-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1996 . material ou mesmo educação formal, mas como modos de comportamento nas ações63 como destaca Elias, cuja posição busca superar a dicotomia clássica entre natureza e cultura. Para ele, "o homem é um ser biológico ao mesmo tempo que um indivíduo social. (... ) é que a cultura não pode ser condiderada nem simplesmente justaposta nem simplesmente superposta à vida. Em certo sentido substitui-se à vida, e em outro sentido utiliza-a e a transforma para realizar uma síntese de nova ordem.,,64 É preciso superar as visões tradicionais de cultura, muito proxlmas a uma ideia de mercadoria (nas sociedades capitalistas), como destaca Alfredo Bosi, criticando tal visão reificada que cumpre, segundo ele, a função de diferenciação social (alguns têm outros não). Mas "cultura é um processo. A palavra cultura traz em si uma raiz Latina: vem do verbo colo, que significa "cultivar a terra". (... ) Diferentemente dos gregos, cuja palavra mais próxima de cultura é paidéia: aquilo que se ensina a criança. (... ) Mas qualquer consideração que se faça, implica, no fundo, na ideia de trabalho.,,6~ Esse trabalho de construção de padrões de comportamento, vinculados a grupos sociais com regras e habitus, novamente remete a Elias e mesmo a Freud e sua ideia de bildung66. Para ele, o sujeito culto-cultivado (ideia de cultura muito próxima, para os alemães do XIX, do de civilização, de luta contra a natureza, perceptível tanto em Freud como em Elias) seria aquele que se construísse (internamente, o que se refletiria externamente), em processo de introjeção de valores, normas, comportamentos em sua relação com a sociedade. Esse conceito se aproxima dos debates aqui destacados da Antropologia cultural que encara a cultura também como uma construção de habitus (ritos, práticas sociais, linguísticas, etc ... ) de determinados grupos. Assim, a Antropologia e a História se apoximam, na medida em que o objetivo das duas passa a ser a busca da particul;:)rioriop., da diferença. A Antropologia busca a diferença no espaço e a História no tempo. Segundo Bernard S. Cohn "historiadores e antropólogos têm um objeto de estudo comum, a 'alteridade'; um campo constrói e estuda a 'alteridade' no espaço, o outro no tempo. Ambos os campos têm concordância no que se refere a texto e contexto.,,67 Novamente Pietro Costa68 ao estabelecer uma ponte com a antropologia, afirma se comportar frente aos textos de saber jurídicos como o 63Ver: ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador; uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. 64 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 41-2. 65 BOSI, Alfredo. Cultura como tradição. In: BORNHEIM, Gerd. (org.) Tradição/Contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. p. 38-39. 66 Ver sobre a relação das teorias freudianas com a cultura: MEZAN, Renato. Interfaces da pesicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. 67 COHN, Bernard S. History and Antropology: the state of play. In: Comparative studies in society and history. Cambridge, 1980. 68 COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia; Op. Cil. entomologista frente às abelhas: seguindo-as diligentemente, diria amorosamente, o vôo, os hábitos, a vida; sem, entretanto, pretender entrar na colméia para colaborar na produção de mel. Citando Remotti, salienta que História e Antropologia enfrentam o mesmo desafio da diversidade (uma em relação ao espaço, outra ao tempo), empregando ambas instrumentais linguísticos sugeridos pelas culturas às quais os pesquisadores pertencem. O historiador deve agir como um bricoleur, que tem consciência de que a metalinguagem que utiliza não possui um alto valor teorético, e não pode visar a um alto grau de generalidade. Como todo intérprete, o historiador toma o passado empregando a linguagem, as categorias, os preconceitos do seu presente. . No outro lado da relação com a Antropotgia, Franz Boas (que sofre influências de Hegel e Dilthey). tende a atribuir um certo valor a história, pois busca não apenas compreender a dinâmica das socied~des existentes, mas "também como elas se tornaram aquilo que sãp (... ) a matéria-prima da antropologia é tal, que ela precisa ser uma ciência histórica". 69 Novamente a questão do processo e da construção, elaborada em amplo campo de circularidade, e que exige uma visão mais alargada de cultura, afinal "invenções, vida econômica, estrutura social, arte, religião e moral, todas estão inter-relacionadas. ( ... ) Os fenômenos sociais são de tal complexidade, que 'me parece duvidoso que se possa encontrar qualquer lei cultural válida. As condições càusais das ocorrências culturais repousam sempre na interação entre indivíduo e sociedade". 70 A Antropologia cultural reforça o que foi dito anteriormente, quando se tratou do método da microstoria e sua pretensão de relação entre macro" e micro, quando trata da necessidade de estudos particulares, empíricos, para a partir deles arriscar (sempre com prudência) certas conclusões. Em Bóas vemos essa tendência à empiria: "os fenômenos de nossa ciência são tão individualizados, tão expostos a acidentes externos, que nenhum conjunto de leis pode explicá-lo".71 Ou, em outros termos, "seu sentido só pode ser compreendido por uma análise penetrante dos elementos humanos presentes em cada caso". 72 A luta de Boas é contra as tendências abstratas das ciências. sociais que tendem a buscar leis sociais que explicariam a reação do individuo à cultura, mas também contra certa naturalização de comportamentos, crenças, valores etc. que se constituem como patrimônio cultural de uma sociedade, grupo ou Nação e que, ao serem naturalizados, têm como consequência a redução daqueles que não compartilham tais habitus a uma condição de subumanos e semianimais. Entretanto, segundo o autor é preciso investigar "quantas de nossas linhas de comportamento - que acr~ditamos estar profundamente 69 BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 104. 70 BOAS, Franz. Idem.p.103-107. 71 BOAS, Franz. Idem. p.106. 72 BOAS, Franz. Idem. p.107. Mas, mais que isso, nessa obra o autor dialoga especificamente com o Direito, encarando tal fenômeno também como elemento passível de interpretação posto que pautado em formas simbólicas próprias que dialogam com outras. Assim, o direito seria mais uma maneira de imaginar o mundo em meio a outras, como a arte, o senso comum etc. Só que o direito seria uma representação normativa, fundamentada em uma forma própria de imaginar como deveriam ser as coisas (a lei) e como elas são (o fato), a partir do que se constrói um "sentido de justiça" que é sempre específico, "local", em dependência de como se relacionam fato e lei nos diferentes contextos culturais. Afinal, "direito, tenho dito (.00) é saber local; não apenas em termos de lugar, tempo, classe, e variedade de discursos, mas também de acento (... ) é esse complexo de caracterizações e imagens, histórias sobre eventos moldados em ima~inações sobre princípios, que eu tenho chamado de sensibilidade legal." o Desta forma, o . "Direitoé religado às outras grandes formações culturais da vida humana - moral, arte, tecnologia, ciência, religiões, a divisão do trabalho, história. (00.) Como outras instituições de longa permanência - religião, arte, ciência, o estado, a familia - o Direito está em processo de aprendizado para sobreviver sem as certezas lançadas fora.,,8 Assim, compartilha das angústias deslél~, em um mundo no qual o.dissenso é maior que o consenso e onde culturas e sentidos de justiça vários convivem lado a lado, configurando aquilo que Geertz chama de "pluralismo jurídico,,82 Direito como dimensão simbólica que também foi destacado por Savigny na referência feita por Dilthey, "o corpo do direito é composto pelas 'ações simbólicas, nas quais supostamente surgem ou perecem as relações jurídicas.' 'Sua seriedade e sua dignidade correspondem à significância das próprias relações jurídicas.' Elas são 'a gramática propriamente dita do direito nesse período.,,83 Por isso o estudo comparativo do direito "não pode ser uma forma de reduzir diferenças concretas a abstração da existência de atributos comuns,,84Afinal, para Geertz, direito é também um saber local que constitui a sociedade: 80Tradução livre do autor de "Law, lha been saying, (... ) is It knowledge; local not just as to place, time, c1ass, and variety of issue, but as to accent (... ) It is this complex of charaterizations and imaginings, stories about events casts in :magery about principies, that I have been calling a legal sensibility" GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. Op. Cit. p. 215. 81Tradução livre do autor de "Law is rejoined to the other great cultural formations of human life - morais, art, technology, science, religions, the division of labor, history. ( ... ) Like just about every other long-standing institution - religion, art, science, the state, the family- law is in the process of learning to survive without the certitudes that launched i1."GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. op. ci1. p. 217-219. 82 Na verdade o termo é "legal pluralism". GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. op. cit. ~.220. 3 DIL THEY, Wilhelm. Op. Ci1.p. 45. 84Tradução livre do autor de: cannot be a matter of reducing concrete differences to abstract commonalities. GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. op. ci1. p.223. fundadas na natureza humana - são na realidade expressões de nossa cultura e estão sujeitas a alterações produzidas por mudança culturaL,,73 Assim, o conceito aqui utilizado de cultura foca sua análise nos processos de construção cultural na relação entre indivíduo e sociedade74. Mais que isso, desnaturaliza elementos e busca a valorização de traços que poderíamos chamar de simbólicos. Elementos que caracterizam o ser humano, de acordo com Ernst Cassirer75. Ele resgata um círculo funcíonal para explicar o funcionamento dos seres vivos: o círculo é composto por dois sistemas, o sistema receptor e o reagente. O receptor recebe os estímulos e o reagente, reage. Entretanto, no caso dos seres humanos o sistema se complexifica, amplia-se quantitativa e qualitativamente. Surge nos seres humanos um sistema intermadiário, que é o simbólico. Assim, o homem não reage aos estímulos como os animais, mas responde (de maneira particular, determinada por seu sistema simbólico, composto por sua estrutura psíquica, valores, sentimentos, etc ... ). A resposta humana seria, portanto, não exatamente relacional a seu estímulo, mas a sua dimensão simbólica. Ora, se a realidade pode ser lida como sistema de símbolos, signos, isso nos aproxima das ideias de Clifford Geertz, que em A interpretação das culturas 76, defende que os fenômenos culturais devam ser tratados como sistemas significativos e, portanto, passíveis de interpretação, daí que seu método ser conhecido como "abordagem interpretativa". Essa perspectiva também abdica das grandes generalizações, típicas dos grandes modelos explicativos, em favor de um conhecimento contextualizado. Em seu outro livro77 destaca o caráter simbólico da dominação política, dando à figura do líder carismático novo sentido, valorizando outras fontes e métodos de análise, como no caso da interpretação feita do poder do Imperador D. Pedro 11por Lilia Moritz Schwarcz78 e da República brasileira por José Murilo de Carvalh079, textos que mostram que as fronteiras entre a antropologia e a história se tornam cada vez mais tênues. 73 BOAS, Franz. Idem. p.109. 74 Esta relação entre individuo e sociedade é também tema recorrente nas ciências sociais. De um lado temos os clássicos da sociologia que tendem a reduzir o papel individual a meros coadjuvantes em um processo mais amplo que os conduz (como no caso das classes de Marx); de outro, a busca de uma excessiva autonomia individual, como em alguns estudos de sociologia da arte em que a autoria se torna central e os termos genialidade e invenção correntes. Norbert Elias rompre com tal dicotomia, posicionando individuo e sociedade de forma relaciona!' Ver: ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Op. Cit. 75 CASSIf ~ER, Ernst. Antropología filosófica. México: Fondo de Cultura Económica, 1963. 76 GEERTZ, Clifford. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 77 No qual destaca a compreensão da compreensão, termo que revela as bases epistemológicas e metodológicas de uma antropologia embasada na hermenêutica gadameriana e ricoeuriana. Ver: GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. USA: Basic Books, 1983. 78 No caso da autora, professora titular de Antropologia na USP, os métodos vêm da mesma, com destaque mesmo para as fontes: a coleção de imagens do Império brasileiro. Ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador; D. Pedro 11, um monarca nos Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 79 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas; o imaginário da República no Brasi!. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. "Tomadas juntas, essas duas proposlçoes, que Direito é saber local não princípios fixos e que ele é constitutivo da vida social e não reflexivo, ou de toda forma não apenas reflexivo, da mesma, leva preferencialmente a uma visão pouco ortodoxa sobre em que os estudos comparativos deveriam consistir: tradução cultural.,,85 Assim, a cultura jurídica deve ser buscada na circularidade cultural, evitando as visões dicotômicas e suas consequências. Mas tratou-se aqui também de questões de método: encarar o direito como fenômeno cultural (e produto de uma circularidade que se alimenta mesmo de outras fontes) que possui, portanto, dimensões mais profundas que as diagnsoticadas pelas análises tradicionais (simbólicas, imaginárias, ritualísticas). Logo, destacou-se a dimensão cultural do jurídico e aproximou-se um pouco mais do conceito de cultura jurídica. 4. OS LIMITES DO DIÁLOGO: A ESPECIFICIDADE DA CULTURA JURíDICA Mas o termo cultura aqui é adjetivado de jurídica. Isso pretende destacar, de um .~ado, () necessidade de especificidade de um estudo volLéluo para as formas jurídicas, desprezadas pela historiografia tradicional e de outro os limites de uso dos instrumentais da antropologia e mesmo da micros/oria. Afinal, o estudo da História do Direito tem suas especificidades e não pode virar uma antropologia do juríclir.086, 01.1seja, uma visão antropológica sobre o fenômeno jurídico, pois SP. segue a ideia de Paolo Grossi87 de que existe uma especificidade no fenômeno jurídico, ou nos termos que tem se tratado aqui, na cultura jurídica. Assim, há que se ter certos cuidados com as transferências de conceitos da antropologia para o estudo do Direito, como o de cultura (jurídica). A ressalva é feita novamente por Paolo Grossi, em relação a estudos sobre a Idade Média: "É certo, como fazem Duby e outros historiadores, orientar o olhar sobre a relação de dádiva como reveladora de tantas certezas de fundo do medievo feudal, mas não é certo examinar e manejar essa relação apenas sob a luz 85 Tradução livre do autor de: "Taken to.gether, these two propositions,that law is local knowledge not placeless principie and that it is constructíve of social Iife not reflective, or anyway not just reflective, of it, lead on to a rather unorthodox view of what the comparative study of it should consist in: cultural translation." GEERTZ, Clifford. local Knowledge. op. cit. p.218. 86 Fala-se aqui em antropologia do jurídico pois reforça-se a separação dicotômica entre as disciplinas, o que não ocorreria no uso do termo antropologia jurídica, pois esta pressupôe já um dialogo relaciona I entre os dois. 87 Para Grossi, "a dimensão jurídica é uma dimensão autônoma da realidade, porque o 'jurídico' é um seu valor típico e específico" In: GROSSI, Paolo. História da propriedade; e outros ensaios. São Paulo: Renovar, 2005. das iluminadoras investigações etno-sociológicas de Mareei Mauss. A dádiva como construção juridica está preparada para oferecer ao historiador social esclarecimentos indicações penetrantes.,,8 A ideia é seguir esse caminho de diálogo. Como faz António Hespanha em texto no qual usa exatamente o conceito de dádiva de Mauss para analisar as trocas (simbólicas e não) na corte portuguesa do Antigo Regime, sobre a economia da graça.89 Afinal, se não é possível reduzir a dimensão jurídica a apenas um objeto de recorte da antropologia ou da história social, destas entretanto, não é possível se apartar, afinal, deve-se evitar os riscos de se cair em uma visão essencialista do direito que daria ao conceito uma idéia imobilizante, como nos ensina novamente Hespanha: "Normalmente, os historiadores do direito -posto que provêm do território dos juristas- crêem no direito, isto é, crêem na existência de uma realidade normativa substancial, dotada de uma natureza por si, definida uma vez por todas (em sua intenção extremada), mesmo se submetida (e é este já um processo das últimas décadas) a determinações do contexto social e político.,,90 Pode-se, portanto, partir "do direito" (como saber local), mas com a necessidade de investigar o contexto que permitiu a formação (relacional) da cultura jurídica, seja ele social, político, religioso, etc. Entretanto, a cultura juridica trataria do conjunto de prüticas, saberes, ritos, crenças, imaginários e técnicas da configuração jurídica, formada não apenas pelos especialistas que compõem o corpo técnico vinculado a essa configuração social, mas por outros que os cercam e mesmo por estranhos de outras configurações. Assim, a cultura jurídica se formaria, como já destacado, a partir de uma interação com a sociedade e com as demais configurações sociais que se aproximam ou se distanciam do jurídico, conforme o contexto. É o que ocorre, por exemplo, com a Igreja, com o pensamento religioso, que tem uma influência direta e indireta na culllura jurídica, aumentando sua área de ação 88Tradução livre do autor de: "E giusto, come fanno Duby e altri storici. puntare lo sguardo sul rapporto di donazione come rivelatore Iji tante certezze di fondo dei medioevo feudale, ma non é giusto esaminare e maneggiare quell rapporto soltanto alia luce delle pur illuminanti indagini etno-sociologiche di Mareei Mauss. La donazione come costruzione giuridica é in grado di offrire alio storico sociale chiaramenti e indicazioni penetranti." GROSSI, Paolo. Storia sociale e dimensione giuridica. In: __ (org.) Storia sociale e dimensione giuridica; strumenti d'indagine e ipotesi di lavoro. Milano: Giuffré, 1986.p. 11. 89 HESPANHA, António Manuel. A politica perdida; ordem e governo antes da Modernidade. Curitiba: Juruá, 2010. 90Tradução livre do autor de: "Normalmente, gli storici dei diritto -posto che provengono dai territorio dei giuristi- credono nel diritto,. cioé credono nella esistenza d'una realtà normative sostanziále, dotata di una natura a sé, definite una volta per tutte (nella sua intenzione estrema) anche se sottomessa (ed é questo già un progresso degli ultimi decenni) a delle determinazioni dei contesto sociale e politico." HESPANHA. António Manuel. L'interdisciplinarità di fonte a una definizione relazionale dell'oggetto della storia giuridica. In: GROSSI, Paolo (org.) Storia sociale e dimensione giuridica;op. ciL p. 313. ou diminuindo, conforme o contexto. A contribuição do historiador do direito está exatamente na análise dessa cultura jurídica e de como a mesma interage com a sociedade. Mas o objeto deve ser recortado e o olhar a ser projetado sobre o mesmo deve ser histórico-jurídico, embora acrescendo novas fontes e emprestando métodos diversos dos tradicionais. A ideia de cultura como construção nos leva a buscar uma interpretação satisfatória de tal construção e é aqui que a contribuição da antropologia e dos marcos teóricos usados é fundamental. Ao trabalhar com a ideia de circularidade, busca-se na verdade, a raiz popular do fenômeno (e é a busca de Bakhtin, Ginzburg, Darnton, etc.), destacando aspectos de sua construção que por si só estabelecem pontes com outros aspectos sociais. Assim a cultura juríDica deixa de se confundir com o pensamento jurídico dos grandes nomes dessa configuração e passa a ser visto como elemento fruto de complexas formas de construção que envolvem procedimentos de fluxos e influxos entre a alta e a baixa culturas. Afinal, novamente de acordo com Hespanha, "A história do direito não é apenas a história do direito conhecido e oficial. A história do direito praticado ou do direito das comunidades camponesas, designado como 'direito dos rústicos' pelos juristas eruditos, constitui, ele. também, um domínio da história jurídica, por discreta que seja a historiografia estabelecida nas Faculdades de Direito sobre esses sujeitos." 91 A tarefa, portanto, daqueles que pretendem aplicar o conceito que aqui se constroi de cultura juridica, é de buscar essa cultura jurídica dos rústicos, daqueles personagens mais fronteiriços que, em termos de alta e baixa nos evidenciam de maneira mais clara, os elementos circulantes do fenômeno. Para tal, novas fontes e métodos são exigidos e a nova historiografia jurídica brasileira tem se dedicado ao tema e procurado contribuir com novas formas de se analisar o assunto e se debruçado sobre fontes antes desprezadas, produzindo estudos e~dé:lrecedores sobre a cultura jurídica brasileira, em particular em sua fase de formação. Destaque para os estudos de Ricardo Marcelo Fonseca sobre a construção de uma cultura jurídica nacional (construção de uma modernidade jurídica), com a preocupação em analisar os currículos das Faculdades como componente direto da montagem dessa cultura92 ou de dessacralizar as canônicas visões acerca dos grandes juristas.93 Ainda, estudos como os de Samuel Barbosa, sobre os manuais e 91 Tradução livre do autor de: "L'histoiredu droit n'est pas seulement I'histoire du drait savant et official. L'histoire du droit pratiqué ou du drait des communautés paysannes, désigné comme 'droit des rustiques' par les juristes érudits, constitue, elle aussi, une domaine de I'histoire juridique, si discréte que soit I'historiographieétablie dans les Facultés de Orait sur les pareils sujets." HESPANHA, António Manuel. Une 'nouvelle histoire' du Orait? In:GROSSI, Paolo. (org.) Storia sociale e dimensione giuridica; op. ciLp. 326. 92 FONSECA, Ricardo Marcelo. A formação da cultura juridica nacional e oscursos jurídicos no Brasil do século XIX: relendo os traços do bacharelismo juridico. Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, v. 35, p. 581-600, 2007. 93 FONSECA, Ricardo Marcelo. Os juristas e a cultura jurídica brasileira na segunda metade do século XIX. Quaderni Fiorentini per la storia dei pensiero giuridico moderno, v. 35, p. 339-369, 2006. Ver também: FONSECA, Ricardo Marcelo. Teixeira de Freitas: um outras produções que circulavam no Brasil do final do século XIX94 e de Airton Seelander95 sobre literatura jurídica portuguesa do final do antigo regime, mostram uma preocupaç{lo com a amplíação da visão acerca da cultura jurídica,tratando implícita ou explicitamente do problema da circularidade cultural. Afinal, se há um elemento em comum é a busca dessa faceta nova da cultura jurídica. O que não deve ser confundido com qualquer pretensão de cunho (nem mesmo culturalmente) "nacionalista", como algumas experiências que buscam a particularidade da cultura jurídica local para reforçar e legitimar as elites coloniais. Mas, ao contrario, buscar os elementos populares e mesmo culturais evidentes na configuração jurídica. Novos personagens que podem nos oferecer pistas importantes para a a compreensão da cultura jurídica de uma determinada comunidade, como têm sido o caso também da recente historiografia latinoamericana. Para citar apenas dois exemplos, destaca-se José Ramón Narvaez96 e suas incursões pela cultura, estabelecendo pontes entre as produções culturais e o direito, além de estudar o próprio fenômeno como cultural; e Andrés Botero Bernal que relaciona os textos dos periódicos com processos judiciais.97 Assim, a busca pela cultura jurídica exige a compreensão de que a mesma se forma circularmente, o que impele o historiador a mergulhar em atos praticados por personagens juridicamente mais fronteiriços, ou seja, busca dos "atos da realidade cotidiana -contratos, testamentos, atos processuais - que aprisionam, conservam e evidenciam em seus naturais imbricamentos juridicos os vestigios talvez mais vivos da instância social que os produziu, vestigios, traços, que todavia um exame não especificamente jurídico corre o risco de permanecer irremediavelmente desfocado.,,98 Assim, a busca desses elementos e sua relação com a alta cultura jurídica jurisconsulto "traidor" na modernidade jurídica brasileira. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 172, n. 452, 2011. p. 341-454. 94Samuel Barbosa analisa como os diversos media textuais são mais do que veiculos de um saber, mas modelam (selecionam e estabilizam) um tipo de comunicação juridico-politico sobre as instituições. Os media textuais são os livros de doutrina, compêndios, sebentas, traduções da doutrina estrangeira, relatórios ministeriais e provinciais, colunas jurídicas em periódicos, comunicação parlamentar (discursos, debates, pareceres). Algumas dessas fontes não foram estudadas na sua função performativa (como as sebentas, as traduções e as colunas juridicas). Ver: BARBOSA, Samuel Rodrigues. 95 SEELANDER, Airton Cerqueira Leite. As prelecções de Ricardo Raymundo Nogueira (1746-1827): alguns aspectos do discurso pró-absolutista na literatura jurídica portuguesa do final do antigo regíme. p. 87-114. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 172, n. 452, 2011. 96 NARVÁEZ, José Ramón. Cultura jurídica; ideas e imágenes. México: Porrúa, 2010. 97 BERNAL, Andrés Botero. (org.) Causas Célebres y derecho; estúdios jushistoricos sobre la literatura, prensa, opinión pública y processo judicial. 'Medelin: Universidad de Medelin, 2011. 98 Tradução livre do autor de: "atti della realtà quotidiana -contratti, testamenti, atti processuali- che imprigionano e serbano ed evidenziano nelle loro connaturali intelaiature giuridiche le tracce forse piú vive delle istanze sociali che li hanno prodotti, tracce che tuttavia un esame non specificamente giuridico rischia di lasciare irrimediabilmente sfocate."ln: GROSSI, Paolo. (org.) Storia sociale e dimensione gíurídica; op. cit. p. 11. para a verificação dos elementos circulantes, pode oferecer pistas para a melhor compreensão de um fenômeno cada vez mais complexo e menos unitário. Ainda, para se interpretar os elementos que se solidificam como valores de uma cultura jurídica, é preciso também recorrer a análises típicas da antropologia: ampliar a análise do fenômeno jurídico para o estudo de suas representações simbólicas, por exemplo. Campo de pesquisa que oferece ao historiador do direito uma vasta gama de fontes iconográficas que devem ser analisadas com o já citado método iconológico de Aby Warburg e Ernst Gombrich. A interpretação dessas pistas oferecem ao historiador uma dimensão mais profunda do jurídico pois nela transparecem de forma mais evidentes elementos imaginários e significativos da cultura jurídica em foco. Ainda, o estudo dos rituais que acompanham os atos jurídicos, carregados de significados a serem interpretados e analisados, podem oferecer indícios preciosos para a compreensão das mudanças e permanências verificadas na cultura jurídica. Entretanto, tais análises exigem um conhecimento contextual da configuração jurídica que foge aos antropólogos e pedem ao jurista que se abra a tais diálogos e traga para a fronteira do conhecimento sua voz. Dessa forma, ao trazê-Ia, poderá também ouví-Ia, a partir dos outros chamados para o diálogo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Media e no Renascimento; o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética; a teoria do romance. São Paulo: UNESP, 1993. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense, 2008. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas; o fim do social e a emergência das massas. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1984. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e politica. São Paulo: Brasiliense, 1985. BERNAL, Andrés Botero. (org.) Causas Célebres y derecho; estúdios jushistoricos sobre la literatura, prensa, opiniãn pública y processo judicial. Medelín: Universidad de Medelín, 2011. BLOCH, Marc. I re taumaturghi; studi sul carattere sovrannaturale attribuito alia Potenza dei re particolarmente in Francia e in Inghilterra. Torino: Einaudi, 1973. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. BOSI, Alfredo. Cultura como tradição. In: BORNHEIM, Gerd. (org.) Tradição/Contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.p. 38-39. BOXER, Charles R. O Império Colonial Português (1415-1825). Lisboa: Edições 70,1981. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2007. BUCCI, Eugênio & KEHL, Maria Rita. Vid1eologias. São Paulo: Boitempo, 2004. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas; o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica. México: Fondo de Cultura Económica, 1963. COHN, Bernard S. History and Antropology: the state of play. In: Comparative studies in society and history. Cambridge, 1980. COSTA, Pietro, CIVITAS; storia della cittadinanza in Europa: dalla civilità comunale ai settecento. Bari:Laterza, 1999. COSTA, Pietro .. lurisdictio; semantica dei potere politico nella pubblicistica medievale. (1100-1433). Milano: Giuffré, 2002. Per la storia dei pensiero giuridico moderno 62. COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia; ensaios de história do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2010. COSTA, Pietro. O conhecimento do passado; dilemas e instrumentos da historiografia. Curitiba: Juruá, 2007. DARNTON, Robert. Boemia literária .~ Revolução; o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio; história da publicação da enciclopédia. (1775-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DÉBORD, Guy. Commentaires sur la société du spectacle.Paris: Gallimard, 1988. DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994. DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: UNESP, 2010. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador; uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. ELIAS, Norbert. Introdução à sociología. Lisboa: Edições
Compartilhar