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Ondas Sonoras - Notas de Aulas
Prof. Antonio F Fortes
II Semestre de 2008
1 A velocidade do som
A propagação do som em um meio elástico se dá pelo deslocamento de uma frente de onda compressiva.
Isaac Newton determinou a velocidade do som fazendo o balanço do momento linear no tubo, como ilusta
a figura.
Figura 1: Quando vo < v, o deslocamento do êmbolo
com velocidade vo produz a frente de onda
que se desloca com velocidade v.
Gás estacionário
p, ρ
vo
vvo
Frente de onda
p + dp
ρ + dρ
p, ρ
Volume
deslocado
∆V = (vot)A
Secção A
t = 0
t > 0
F
Para deslocar o êmbolo é necessário uma força F na direção do deslocamento. Esta força resulta em
uma pressão p = F/A, que se distribui uniformemente dentro do cilindro. O movimento do êmbolo resulta
na compressão do gás contido no cilindro, isto é, a pressão é p no gás ainda não atingido pela frente de
onda e p + dp a montante da frente de onda. Por sua vez, o aumento da pressão resulta no aumento da
densidade do gás de ρ para ρ+ dρ. Entre a frente de onda e o êmbolo na posição inicial, a massa total de
gás comprimida entre o tempo t = 0 e t > 0 é m = ρAvt. Logo,
dm
dt
= ρAv
é o fluxo de massa, em kg/s, devido ao deslocamento do êmbolo. O aumento do momento linear devido
ao deslocamento do êmbolo é, portanto,
d(mvo)
dt
= vo
dm
dt
+m
dvo
dt
= ρAvvo.
Na direção do eixo do cilindro, o balanço de forças sobre o gás é
∑
F = (p+ dp)A− pA = Adp.
Daí, pela segunda lei de Newton, esta resultante é igual ao aumento do momento linear deduzido anteri-
ormente, o que resulta em
Adp = ρAvvo ∴ dp = ρvvo = ρv
2 vo
v
.
Mas
△V
V
=
votA
vtA
=
vo
v
.
Logo,
dp = ρv2
△V
V
∴ v =
√√√√√−V
(
dp
dV
)
ρ
,
onde o sinal negativo se deve a que um aumento de pressão resulta em um decréscimo de volume. Newton
denominou o numerador −V dp/dV o módulo de elasticidade volumétrico do gás(bulk modulus of elasticity).
Na propagação da onda sonora segundo a descrição acima não há dissipação de energia. A passagem da
frente de onda envolve apenas o transporte de energia de compressão elástica do gás, sendo desta forma
um processo puramente mecânico. Com uma dedução simples a partir da fórmula de Newton obtida acima
é possível mostrar que a velocidade do som é
v =
√(
dp
dρ
)
.
Uma fórmula semelhante a esta, para a velocidade de propagação de uma onda transversal em uma corda,
foi deduzida nas notas de aula sobre movimento ondulatório usando análise dimensional. Devido à natureza
das forças de coesão molecular que caracterizam um fluido, somente ondas longitudinais ou compressivas
se propagam nos fluidos. Em um sólido ambas as formas de propagação de ondas podem ocorrer, onde
as velocidades de propagação de ondas compressivas são sempre maiores que as velocidades de ondas
transversais, denominadas de ondas de cisalhamento(shear waves, em inglês). Isto porque em um sólido
as tensões de cisalhamento são menores que as tensões de compressão para uma mesma deformação. A
velocidade de ondas compressivas em um sólido é calculada por
v =
√
Y
ρ
,
onde Y é o módulo de elasticidade de Young em N/m2(Young’s bulk modulus of elasticity, em inglês) e ρ
é a densidade volumétrica do sólido.
2
2 Oscilação de pressão e energia acústica
2.1 Oscilação de pressão
A passagem de uma frente de onda é vista por um observador estacionário como uma oscilação de pressão
pequena que pode ser descrita por
△p = △pmsen(kx− ωt).
A esta oscilação de pressão está associado um deslocamento longitudinal que é correspondentemente
periódico, i.e,
s = sm cos(kx− ωt).
Com isto, a relação entre a oscilação de pressão △p e o deslocamento s é obtida derivando s em relação
a x:
∂s
∂x
= −smksen(kx− ωt) ∴ △p = −
△pm
smk
(
∂s
∂x
)
= −
△pmv
smω
(
∂s
∂x
)
.
A velocidade longitudinal de oscilação produzida pela passagem da onda é
vs =
∂s
∂t
,
e a velocidade do som(ou de propagação da onda) é
v =
dx
dt
,
e como a oscilação de pressão que dá origem à velocidade vs é pequena, resulta que vs ≪ v. Para o
observador que trafega com a onda, o fluxo de massa que chega com velocidade v é o mesmo que sai com
velocidade v − vs:
ρAv = (ρ + dρ)(v − vs)A ∴
dρ
ρ
=
vs
v
,
onde o termo vsdρ ≈ 0, pois a variação de densidade produzida pela passagem da onda é pequena, isto é,
dρ≪ ρ. Assim, o produto vsdρ é aproximadamente zero.
Figura 2: Para um observador que se desloca junto com a onda, as velocidades
do ar antes e depois da onda são v e v − vs.
vvs
ρ + dρ ρ
v − vs
v
Com isto é possível escrever
△p = −
△pmv
smω
(
∂s
∂x
)
= −
△pmv
smω
(
∂s/dt
∂x/dt
)
= −
△pmv
smω
(vs
v
)
=
△pmv
smω
(
dρ
ρ
)
,
3
onde o sinal negativo foi suprimido da última igualdade porque à compressão △p corresponde uma redução
dρ da densidade. Mas △p/dρ ≈ dp/dρ = v2, o que permite deduzir, finalmente, que a amplitude de
pressão de uma onda sonora é
△pm = vρωsm = v
2ρksm.
2.2 Intensidade do som
A energia cinética associada às oscilações longitudinais de uma massa dm = ρAdx é
dK =
1
2
v2sdm =
1
2
(ρAdx)(ω2s2m)sen
2(kx− ωt).
Dividindo a equação por dt,
dK
dt
=
1
2
ρAvω2s2msen
2(kx− ωt).
A média é
dK
dt
=
1
4
ρAvω2s2m,
obtida da mesma forma como foi no capítulo sobre movimento ondulatório. Na propagação do som sem
dissipação de energia, a energia média total por unidade de tempo transmitida pela onda será, portanto,
1
2
ρAvω2s2m.
A intensidade I de uma onda sonora é definida como o fluxo médio total de energia acústica(energia por
unidade de área por unidade de tempo) transmitido pela onda:
I =
1
2
ρvω2s2m =
(△pm)
2
2ρv
,
medida em W/m2. Este fluxo médio é obtido pela integração da potência por unidade de área(fluxo de
trabalho) devida à compressão produzida pela passagem da onda. Esta potência é dada por I = (△p)vs.
Substituindo sucessivamente △p = (△ρ)v2 e △ρ = ρvs/v, obtém-se
I = (△p)vs = (△ρ)v
2vs = ρvv
2
s = ρvω
2s2msen
2(kx− ωt).
O valor médio desta intensidade ao longo de um comprimento de onda λ deve coincidir com a definição
acima, isto é,
λI =
∫
λ
0
Idx =
λ
2
ρvs2mω
2
∴ I =
1
2
ρvω2s2m.
Para mais de uma fonte sonora, a superposição das intensidades ocorrerá no espaço tridimensional de
propagação. Assim, a definição de intensidade sonora deve ser estendida para
I = (△p)vs,
de modo que a cada instante t as intensidades de diferentes fontes sonoras se compõem vetorialmente
em um determinado ponto no espaço. No tubo unidimensional considerado até aqui, a intensidade média
resultante de uma superposição de ondas será a soma das intensidades médias de cada uma das ondas.
4
2.3 Superposição de ondas e modulação de amplitude
Para a onda plana senoidal até aqui analisada, a obtenção da onda resultante de uma superposição de
ondas é mais simples usando a representação complexa da onda pela fórmula de Euler, segundo a qual
eia = cos(a) + isen(a),
cujo módulo ou quadrado absoluto é definido como |eia| =
√
cos2(a) + sen2(a) = 1. Assim, considerando
apenas a parte real da representação complexa de uma onda, obtém-se, sucessivamente,
s = sm cos(kx− ωt) = sme
i(kx−ωt)
∴ vs =
∂s
∂t
= −ismωe
i(kx−ωt) = −ismωe
iωt′
△p = △pmsen(kx− ωt) = −i△pme
i(kx−ωt) = −ivρωsme
iωt
′
,
onde t′ = (x/v − t). Segue-se que a representação complexa da intensidade seria
I = (△p)vs = ρvω
2s2msen
2(ωt′) = −iρvω2s2msen(ωt
′)eiωt
′
.
Em um dado instante e em um dado ponto no tubo, a amplitude sm resultante da superposição de
duas ondas com amplitudes s1 e s2 e respectivas frequências ω1 e ω2 será obtida no plano complexode
z = x + iy pela regra do paralelogramo, conforme indica a figura 3, isto é,
sm = |s1e
iω1t
′
+ s2e
iω2t
′
| =
√
s21 + s
2
2 + 2s1s2 cos[(ω1 − ω2)t
′].
Vê-se que a diferença das frequências (ω1 − ω2) modula a amplitude da superposição, que varia entre o
máximo (s1 + s2)
2 e o mínimo (s1 − s2)
2. Se as ondas forem iguais, então ω1 = ω2 e s1 = s2, o que
resulta em uma amplitude resultante sm = 2s1 = 2s2.
Figura 3: A amplitude sm resultante da superposição
de duas ondas de amplitudes s1 e s2.
(ω1 − ω2)t’
s2
sm
iy
x
s1
A modulação de amplitude pode ser observada com clareza na superposição de duas ondas de frequências
ligeiramente diferentes, que resulta no fenômeno da batida sonora. Na figura 4, duas ondas de mesma
amplitude sm = 0, 25µm e de frequências 10 kHz e 10,5 kHz quando superpostas resultam na onda de
frequência mais alta de (10+10, 5)/2 kHz modulada pela onda de frequência mais baixa (10, 5−10)/2 kHz.
5
Figura 4: A batida sonora resultante da superposição de
duas ondas de frequências ligeiramente dife-
rentes.
– 0.4
– 0.2
0
0.2
0.4
− 0.001 0 0.001 0.002
t
– 0.5
0.5
− 0.002
2.4 Nível sonoro
Define-se como nível sonoro β uma medida adimensional da intensidade relativa a uma intensidade de
referência Io = 10
−12 W/m2:
β = 10 log10
(
I
Io
)
,
onde log10 é o logaritmo na base 10, ou decimal. Em homenagem a Graham Bell, o inventor do telefone,
β é referenciado em decibéis, ou dB(a unidade Bell é muito grande, razão pela qual se utiliza o decibel,
isto é, 1 B = 10 dB). A escala logarítmica para a medida da intensidade do som é adequada à percepção
subjetiva da intensidade do som pelo ouvido humano, que em uma dada frequência sente diferenças iguais
nas alturas de um som para diferenças iguais nos logaritmos das intensidades do mesmo som. A intensidade
Io é o limite inferior da sensibilidade do ouvido humano.
3 Fontes sonoras
Como modelo de propagação unidimensional do som, um tubo de som possui duas geometrias possíveis:
tubo aberto ou tubo fechado. Para visualizar a onda compressiva no tubo, as figuras representam o exato
correspondente de uma onda estacionária em uma corda elástica que tivesse uma extremidade sujeita à
oscilação que inicia a onda. Esta extremidade corresponde em ambas as geometrias à máxima amplitude(a
vibração de uma palheta de um instrumento de sopro, por exemplo), ou um anti-nó. A extremidade fechada
do tubo corresponde à extremidade fixa da corda, onde a amplitude é zero, ou nó, e no tubo aberto a
extremidade livre é onde novamente ocorre a amplitude máxima, ou anti-nó. Estas configurações de ondas
estacionárias são a forma pela qual a propagação da onda sonora ajusta-se à geometria do tubo, resultando
para cada um uma regra simples de ocorrência das frequências possíveis.
Como se depreende diretamente de cada figura, no tubo fechado a frequência mínima de oscilação
corresponde a λ = 4L, e as configurações estacionárias sucessivas que cabem no comprimento L serão
6
N
 =
 1
 
N
 =
 2
 
N
 =
 3
 
Tubo fechado
L
n
 =
 1
 
n
 =
 2
 
n
 =
 3
 
Tubo aberto
L
Figura 5: Tubo fechado e tubo aberto visualizando sons de frequências progressivamente mais altas(de cima para
baixo).
portanto múltiplos inteiros de λ/4. No tubo aberto, a frequência mínima de oscilacão corresponde a
λ = 2L, e as configurações estacionárias sucessivas que cabem no comprimento L serão múltiplos inteiros
de λ/2. Isto é,
Tubo fechado ν =
v
λ
=
(2N + 1)v
4L
, N = 0, 1, 2, 3, ...
Tubo aberto ν =
v
λ
=
nv
2L
, n = 1, 2, 3, ...
4 Efeito Doppler
A frequência de ondas detectadas por um detector D dependem da velocidade de D relativa à fonte F.
Considerando apenas a frequência medida ao longo da linha de centros entre D e F, a figura representa duas
possibilidades, a saber, a fonte F estacionária e o detector com velocidade vD, e o detector estacionário e
a fonte com velocidade vF .
As novas frequências ν ′ detectadas em cada caso estão descritas na tabela abaixo em termos da frequência
ν da fonte.
Quando há movimento da fonte e do detector, os resultados mostrados na tabela podem ser combinados:
ν ′ = ν
v ± vD
v ∓ vF
.
Quando ocorrem baixas velocidades de deslocamento comparadas à velocidade do som, i.e, vD ≪ v e
vF ≪ v, uma nova expressão para o efeito Doppler pode ser obtida pela expansão binomial de V/(v∓vF ) ≈
7
v
D
vD
D
v
vF
λ
F F
λ’
Figura 6: O movimento relativo entre a fonte e o detector pode aumentar ou diminuir a frequência do som
recebida pelo detector.
Fonte estacionária Aproximação ν ′ =
vt/λ + vDt/λ
t
=
v + vD
λ
= ν
v + vD
v
Recuo ν ′ =
vt/λ− vDt/λ
t
=
v − vD
λ
= ν
v − vD
v
Detector estacionário Aproximação ν ′ =
v
v/ν − vF /ν
= ν
v
v − vF
Recuo ν ′ =
v
v/ν + vF /ν
= ν
v
v + vF
1± V/v, onde V = |vF ± vD| é o módulo da velocidade relativa:
ν ′ = ν
(
1±
V
v
)
.
Quando vF ≥ v, a velocidade da fonte é sônica ou supersônica. A figura abaixo explicita as zonas de
silêncio delimitadas pelo “cone de Mach”nestas duas situações.
vF = v
vF > v
F F
v 
t
vF t
D D
α
Figura 7: As zonas de silêncio são aquelas não atingidas pelas frentes de onda emitidas por F, assinaladas pelo
detector D.
A velocidade de F pode ser obtida diretamente do seno do ângulo do cone de Mach, pois
senα =
vt
vF t
∴ vF =
v
senα
.
A figura também mostra que a partir da velocidade sônica o deslocamento de F cria uma frente de onda,
mesmo que F não esteja ele mesmo a emitir nenhum tipo de som. Esta observação é de caráter geral, isto
8
é, o deslocamento de F a uma velocidade igual ou maior que a velocidade de propagação de uma onda no
meio dá origem a uma frente de onda, caracterizada neste caso pela diferença de pressões de dentro para
fora do cone de Mach. Uma verificação muito conhecida deste fenômeno está na ocorrência da explosão
sônica(sonic boom em inglês) ouvida por um observador por quem passa o cone de Mach produzido pelo
deslocamento supersônico de um avião. A velocidade de propagação desta que é uma onda de choque é
maior que a velocidade de propagação do som no ar.
Este efeito ocorre também no deslocamento de uma partícula a uma velocidade maior que a velocidade
da luz em um meio. A partícula em movimento será o vértice de uma onda cônica que se propaga no meio,
denominada radiação de C˘erenkov, e é observada como uma áurea azulada emitida do núcleo dos reatores
nucleares de água pressurizada. A velocidade da partícula é determinada medindo-se o ângulo subentendido
pela onda cônica.
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