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CAP˝TULO 1 1
Caso 1Caso 1
RELATO DO CASO
K.S.F., 47 anos, feminina, branca, foi solicitada avaliação pelo
serviço de endocrinologia devido à hiponatremia grave e refratária.
Quinze dias antes da internação, aparecimento de lesão erite-
matosa na face direita que evoluiu para pústulas, acompanhada
de ardor em conjuntiva direita, com posterior surgimento de ede-
ma periorbitário. Nega pródromos e refere episódio de febre isola-
do não aferido. Foi avaliada pelo Serviço de Dermatologia do
HUCFF, sendo imediatamente internada para triagem diagnósti-
ca, com suspeita de herpes zoster com infecção secundária, esporo-
tricose, linfoma, tularemia ou doença da arranhadura do gato.
Durante a internação foi notada anemia, sendo solicitados
exames de screening, com aumento da ferritina e T4L diminuído
(0,4ng/dL). Foi iniciada levotiroxina 50µg/d no oitavo dia de inter-
nação (04 de outubro). Níveis de TSH colhidos após dois dias foram
normais (2,56ng/dL). Iniciada também eritromicina (500mg 6/6h)
devido à suspeita de doença da arranhadura do gato.
Evoluiu com tonteira ao levantar, astenia, dor epigástrica,
náuseas e vômitos. A endoscopia digestiva alta mostrou apenas
gastrite inespecífica. Suspensa a eritromicina devido a vômitos.
Dez dias após a internação evoluiu com hiponatremia grave e pro-
gressiva, apesar da reposição generosa de sódio parenteral, com
queda do estado geral e torpor. Solicitada avaliação para serviço
de endocrinologia.
A paciente é natural e residente do Rio de Janeiro, doméstica,
viúva. Nega diabete melito, hipertensão arterial sistêmica, alergia
medicamentosa, internações anteriores. Gesta 3 para 3, dois últi-
mos partos com parteira, segundo parto com sangramento abun-
dante (sic), amenorréia desde último parto (há 22 anos). Nega
amamentação apenas do último filho. Refere queda de pêlos axila-
res e pubianos. Nega etilismo. Ex-tabagista (aproximadamente três
maços/ano). Mora em boas condições de saneamento básico. Pos-
sui um gato, mas nega contato.
Neuro-Hipófise
2 CAP˝TULO 1
Ao exame físico, encontrou-se uma paciente obnubilada, com
dificuldade de se manter acordada. Hipocorada 3+/4, normo-hi-
dratada, pele ressecada, fácies mixedematosa, madarose 1/3 dis-
tal, hipopigmentação (apenas extremidades dos quirodáctilos
mantidos) (Fig. 1.2).
Lesão eritematosa, com pápulas e pústulas em região perior-
bitária até ângulo da mandíbula direita (Fig. 1.1). Massa de con-
tornos irregulares, amolecida no centro, aderida e eritematosa,
dolorosa à compressão em ângulo da mandíbula direita, compatí-
vel com linfonodomegalia. Tireóide impalpável.
PA (deitada): 112 · 78mmHg, PA (sentada): 82 · 56mmHg,
FC: 72bpm, FR: 18irpm.
Aparelho cardiovascular, respiratório, abdômen e membros
inferiores sem alterações.
Reflexo aquileu com retorno lentificado.
Fig. 1.1 – Lesªo eritematosa, com pÆpu-
las, pœstulas e algumas Æreas infiltradas em
regiªo periorbitÆria atØ ângulo da mandí-
bula direita. Notar madarose de 1/3 distal
e fÆcies mixedematosa.
Fig. 1.2 – Hipopigmentaçªo (apenas extre-
midades dos quirodÆctilos mantidos).
Meu diagnóstico
CAP˝TULO 1 3
IMPRESSÃO
Anamnese compatível com síndrome de Sheehan. No momento com
sinais de insuficiência tireoidiana, gonadal e adrenal – esta última provavel-
mente exacerbada pela infecção e pelo uso de levotiroxina.
CONDUTA
1 – Colhida imediatamente amostra sérica para dosagens de hormônios hi-
pofisários basais (Tabela 1.1).
2 – Reposição de hidrocortisona: 300mg em bolus mais 100mg de 6/6h.
3 – Transferência para enfermaria de endocrinologia.
Tabela 1.1
Exames Basais HipofisÆrios do Dia 12 de Outubro
Exame Resultado V.R.
FSH 0,31 2,8 a 11,3mUI/mL
Estradiol 26,20 < 160pg/mL
Prolactina 2,90 1,9 a 25ng/mL
Cortisol < 0,1 0,5 a 25m g/ml
T4L 0,37 0,8 a 1,9ng/dL
TSH 1,55 0,4 a 4,0m UI/mL
EVOLUÇÃO
Melhora imediata do estado geral. Controle dos níveis séricos de sódio
(normais após dois dias) (Tabela 1.2). Evoluiu após 3 dias de início da hidro-
cortisona com quadro de psicose. Prescreveu-se Haldol® (haloperidol) e o qua-
dro manteve-se por mais dois dias, evoluindo posteriormente com melhora.
Meu diagnóstico
4 CAP˝TULO 1
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CAP˝TULO 1 5
Recebeu alta com melhora da lesão da face e assintomática do ponto de
vista endocrinológico, em uso de:
– Prednisona 10mg/d
– Levotiroxina 125µg/d
– Premarin® (estrogênios conjugados) 0,625mg/d
– Provera® (acetato de medroxiprogesterona) 10mg/d por 12 dias
– Eritromicina
No primeiro retorno ao ambulatório, melhora de 50% da lesão facial.
Tomografia Computadorizada: devido ao estado de desorientação da
paciente, não pôde ser feito exame com hiperextensão da cabeça, e assim
os cortes foram sagitais com reconstrução: visualizada sela vazia.
DISCUSSÃO
Síndrome de Sheehan
A síndrome de Sheehan é a necrose da pituitária (ou apoplexia) pós-
parto, complicação rara descrita inicialmente em 1937.
Durante a gravidez a pituitária está fisiologicamente aumentada, com
acréscimo da demanda metabólica, e torna-se muito sensível à diminuição
do fluxo sangüíneo, causada por sangramento excessivo e choque hipovo-
lêmico, levando ao vasoespasmo das artérias hipofisárias. A causa mais
comum é o descolamento prematuro da placenta.
Tabela 1.3
Exames para Diagnóstico da Lesªo na Face
BAAR (pele) Negativo
VDRL Negativo
Aspirado de linfonodo (Gram) Sem coloraçªo
Cultura germes comuns Negativo
Biópsia (pele e linfonodo) Doença da arranhadura do gato
Alguns sintomas persistiram, como sonolência, intolerância ao frio, alen-
tecimento do reflexo aquileu e constipação, e por isto aumentou-se a dose
de levotiroxina.
Melhora da lesão facial. A lesão foi estudada com sorologias e biópsia
de pele e do linfonodo acometido (Tabela 1.3).
6 CAP˝TULO 1
A pituitária anterior é mais suscetível que a pituitária posterior.
Pode causar hipopituitarismo de grau variado, desde pan-hipopituita-
rismo até a deficiência seletiva de apenas um hormônio. Algum grau de
hipopituitarismo é visto em 32% das mulheres após hemorragia pós-par-
to grave. Alguns autoresacreditam que o grau de hipopituitarismo não
está relacionado à gravidade do sangramento mas à gravidade do distúr-
bio de coagulação.
O quadro clínico apresenta-se com deficiência de:
• Prolactina: dificuldades em amamentar ou não ter lactação – sinais ini-
ciais comuns.
• Glucocorticóide: fraqueza, fadiga, hipoglicemia, tonteira, queda de pêlos
pubianos e axilares, hipopigmentação.
• Gonadotropinas: amenorréia, oligomenorréia, “calores”, diminuição
da libido.
• GH: sintomas vagos – fadiga, diminuição da qualidade de vida, diminui-
ção de massa muscular, dislipidemia.
• TSH: sintomas de hipotireoidismo – sonolência, intolerância ao frio,
lentidão, apatia, constipação, pele e cabelos ressecados, dislipidemia,
hipertensão arterial.
Em alguns casos, o diagnóstico não é feito em anos (no estudo da
referência 2 o intervalo entre o parto e o diagnóstico é de 3 a 32 anos),
quando características de hipopituitarismo, como hipotireoidismo ou insu-
ficiência adrenal secundários, ficam evidentes numa mulher que teve he-
morragia pós-parto. Isto ocorre porque é necessária uma destruição maior
que 75% da glândula para ocorrer evidências clínicas. Ela pode ficar relati-
vamente assintomática durante anos até sofrer estresse físico como uma
infecção grave ou cirurgia, entrando em crise adrenal.
Quanto ao quadro laboratorial, a hiponatremia é uma apresentação
aguda incomum da síndrome de Sheehan. Há vários mecanismos pelos
quais ocorre a hiponatremia:
• Hipotireoidismo pode diminuir o clearance de água livre e conseqüente-
mente causar uma hiponatremia dilucional.
• A deficiência de glucocorticóide também pode diminuir o clearance de
água livre independentemente da vasopressina.
• O próprio hipopituitarismo pode estimular a secreção de vasopressina e
causar SIADH grave.
CAP˝TULO 1 7
O nível de potássio nestas situações é normal, porque a produção de
aldosterona não é dependente da pituitária. Neste caso, a paciente responde
de modo leve à restrição hídrica, mas seus níveis de sódio permanecerão
alterados até receber reposição de glucocorticóide.
A hipoglicemia ocorre devido à deficiência de GH e cortisol, hormônios
anti-hiperglicemiantes, ocorrendo mais no jejum.
Anemia de doença crônica ocorre devido à deficiência de androgênios e
hormônios tireoidianos.
A dislipidemia ocorre devido à deficiência de GH.
Clinicamente o hipotireoidismo secundário é indistinguível do primário
(apenas sem bócio e mais leve), mas laboratorialmente possuem T3 e T4
baixos com TSH inapropriadamente baixo para estes níveis (pode estar na
faixa normal).
O diagnóstico pode ser difícil. É baseado na evidência clínica de hipo-
pituitarismo em uma mulher com história de hemorragia pós-parto. O diag-
nóstico de hipopituitarismo quando a deficiência é parcial pode ser difícil,
necessitando dos testes estimulatórios na fase aguda ou quando a deficiên-
cia é parcial. A TC ou a RM não são úteis na fase aguda, mas na fase
crônica geralmente mostram sela vazia, que é um achado característico na
forma clássica da síndrome de Sheehan.
O tratamento é feito com reposição de:
• Corticóide (antes da reposição do hormônio tireoidiano)
• Levotiroxina
• Estrogênio (associado a progesterona se não tiver retirado o útero)
• GH
BIBLIOGRAFIA
1. Otsuka F, Kageyama J, Ogura T, Hattori T, Makino H. Sheehan’s syndrome of more
than 30 years’ duration: an endocrine and MRI study of 6 cases. Endocr J. 45:451-
8, 1998.
2. Schrager MDS, Sabo MDL. Department of Family Medicine, University of Wiscon-
sin, Madison. Sheehan syndrome: a rare complication of postpartum hemorrhage. J
Am Board Fam Pract. 14(5):389-391, 2001.
8 CAP˝TULO 1
Caso 2Caso 2
RELATO DO CASO
E.B.N., 42 anos, parda, encaminhada para avaliação de acro-
megalia.
Desde 1979, após nascimento do primeiro filho, refere aumen-
to de mãos e pés, não cabendo mais a aliança e troca do número de
sapato de 39 para 42. Notou mudanças faciais, como protrusão de
mandíbula, diastema e macroglossia. Refere também dor poliarti-
cular de características mecânicas, diminuição da visão periféri-
ca, e cefaléia holocraniana contínua de leve intensidade. Nega
alterações do sono, disfonia, alterações menstruais.
Em 1983, ao acompanhar marido diabético em consulta na endo-
crinologia, foi solicitada radiografia de crânio que evidenciou au-
mento de sela túrcica, sendo encaminhada a outro hospital onde foi
diagnosticada acromegalia. Neste período apresentava-se hiperten-
sa e com glicemias elevadas. Neste momento a paciente ficou grávida,
fazendo uso de Parlodel® durante a gestação. No puerpério, suspen-
deu o tratamento e descontinuou o acompanhamento hospitalar.
Evoluiu sem medicação com regressão da sintomatologia, apre-
sentando melhora do quadro visual, da cefaléia e da artralgia.
Houve normalização da pressão arterial e dos níveis glicêmicos,
porém alterações faciais permaneceram.
Em 1999, procurou atendimento médico devido à massa localiza-
da em cotovelo esquerdo. Novamente foi diagnosticada acromegalia e
foram solicitados exames laboratoriais e tomografia computadorizada
de sela túrcica. Foi encaminhada para o serviço de endocrinologia,
mas a paciente novamente descontinuou o acompanhamento.
Em março de 2001, ao acompanhar seu marido no ambulató-
rio de nutrologia do HUCFF, foi encaminhada para o serviço de
endocrinologia.
A paciente é casada, doméstica, natural do RJ. Nega tubercu-
lose, neoplasias, alergias, transfusões, cirurgias, acidentes e san-
gramento fácil. Gesta 2 para 2, partos naturais. Menarca aos 14
anos. Ciclos regulares de 19 dias.
Ambos pais falecidos, portadores de diabete melito tipo 2. Irmã
com retardo mental desde a infância, com alteração neurológica ana-
tômica (massa hipofisária? — sic). Filhas hígidas. Nega tabagismo,
etilismo, uso de drogas ilícitas e uso de medicamentos regulares.
Ao exame físico, apresentava fácies acromegálica (cristas su-
pra-orbitárias, protuberâncias dos arcos zigomáticos, prognatis-
mo, aumento de lábios, orelhas e nariz); diastema, macroglossia e
“dedos em salsicha”. Hipertensão sistólica leve (152 · 80mmHg).
Restante do exame físico sem alterações.
CAP˝TULO 1 9
EXAMES LABORATORIAIS (TABELAS 1.4 E 1.5)
Tabela 1.4
Exames Laboratoriais HipofisÆrios Basais, Realizados em Junho de 1999
Exames Resultado V. R.
GH 0,40 < 4,4ng/ml
FSH 4,30 2,4 a 9,3U/L
LH 1,87 1,9 a 12,5U/L
TSH 1,34 0,35 a 5,50m U/mL
Prolactina 54,82 2,8 a 29,20ng/mL
Cortisol 9,96 4,30 a 22,40m g/mL
Tabela 1.5
Megateste, Realizado em Junho de 1999
GH FSH LH TSH Cortisol
Basal 0,40 4,30 1,87 1,34 9,96
30 minutos 1,30 5,24 8,42 11,57 10,2
60 minutos 1,95 6,93 10,15 9,11 12,5
90 minutos 5,45 5,96 4,58 7,9
Tomografia Computadorizada de Sela Túrcica (6/99): sela parcial-
mente vazia (Fig. 1.3).
Fig. 1.3 – Tomografia computadorizada de sela tœrcica, corte coronal, mostrando sela com
densidade igual à do liquor, configurando sela vazia.
10 CAP˝TULO 1
Meu diagnóstico
CAP˝TULO 1 11
RESUMO DO CASO
Paciente de 42 anos, com acromegalia diagnosticada anteriormente atra-
vés de quadro clínico típico e radiografia de crânio, nunca conseguiu ser
efetivamente tratada devido ao abandono de tratamento. Evoluiu com regres-
são dos sintomas (hipertensão, diabete, cefaléia, artralgias), inclusive do qua-
dro visual, embora mantenha os estigmas da acromegalia. Os exames labora-
toriais comprovam a cura da acromegalia, e a tomografia computadorizada
não deixa dúvidas quanto à ocorrência de apoplexia pituitária, que ocorreu
de forma silenciosa, sem apresentar sintomatologia. O megateste mostra de-
ficiência de GH e deficiência parcial de glicocorticóide.
DISCUSSÃO
Apoplexia Pituitária
Apoplexia pituitária é o infarto agudo da glândula pituitária, condição
potencialmente mortal. O infarto de mais de 25% da pituitária ocorre em
apenas 1-3% das autópsiasnão-selecionadas. Estima-se que infarto e he-
morragia ocorram em 10-18% dos adenomas pituitários. Desses, 30% so-
frem apoplexia pituitária. Dos pacientes submetidos à neurocirurgia, a fre-
qüência de apoplexia pituitária em pacientes com tumor de hipófise
conhecidos é de 17%. Destes, 8% não tiveram clínica de apoplexia. Num
estudo, de 12 pacientes com hemorragia de tumores pituitários comprova-
dos, apenas três tiveram clínica de apoplexia.
Causas
A apoplexia pós-parto é causada pela isquemia durante o parto, com
revascularização posterior causando congestão vascular, provocando trom-
bose vascular e do lobo anterior. A paciente fica incapaz de realizar a lacta-
ção e voltar a menstruar, ocorre perda de pêlos pubianos e axilares, além de
hipotireoidismo e insuficiência adrenal centrais (Tabela 1.6).
Outras causas foram relatadas após administração de:
• Hipoglicemia, GnRH, TRH (isolados ou associados): na realização de
megateste
• Goserelin (zoladex), análogo de LHRH
• Clomifeno
• Gd-DTPA (contraste usado para RNM)
• Dopamina
• Buformim (medicamento hipoglicemiante)
12 CAP˝TULO 1
O mecanismo pelo qual ocorre apoplexia se deve provavelmente à distri-
buição do fluxo sangüíneo para outra região que não a tumoral (exemplo, o
clomifeno leva a maior fluxo nos gonadotrofos), associada a vasoespasmo,
levando à isquemia e infarto do tumor, principalmente os somatotrofos.
Outra hipótese é a rápida expansão tumoral induzida pelas drogas (tes-
tes provocativos), levando à necrose isquêmica.
Os níveis de GH séricos durante a apoplexia sofrem um marcado
aumento agudo e depois caem rapidamente. Este aumento provavelmente
deve ser resultado da liberação do hormônio estocado durante a destrui-
ção do tumor.
Os níveis de cortisol ficam extremamente baixos durante a apoplexia,
necessitando de reposição imediata.
O quadro clínico resulta da expansão e dissolução tumoral.
• Hipertensão intracraniana
– Cefaléia violenta retrorbitária.
– Náuseas e vômitos.
• Expansão superior
A – acometimento do quiasma óptico: alteração visual – hemianopsia.
• Expansão lateral
A – acometimento do nervo óptico: diminuição da acuidade visual.
B – expansão para o seio cavernoso causa acometimento de nervos
cranianos III, IV, VI – oftalmoplegia. O mais comum é o acometimento
isolado do NCIII, com paralisia da mirada medial e inferior, ptose, di-
plopia e midríase.
Tabela 1.6
Causas de Apoplexia PituitÆria
• Infarto hemorrÆgico de tumor pituitÆrio
• Síndrome de Sheehan (pós-parto, geralmente após hemorragia obstØtrica)
• Tratamento com anticoagulante
• Outros fatores predisponentes
– DM (devido à vasculopatia)
– Distœrbios de coagulaçªo
– Hipertensªo intracraniana
– Trauma
– Irradiaçªo da pituitÆria
– Angiografia carotídea, pneumoencefalografia
– Ventilaçªo mecânica
– Tto com bromoergocriptina
– Infecçªo de trato respiratório superior
CAP˝TULO 1 13
Nervo craniano V (primeira porção) – dor facial.
C – Compressão do sifão carotídeo × clinóide anterior ou o vasoespas-
mo provocado pela hemorragia subaracnóidea, causando disfunção he-
misférica – convulsões e hemiplegia.
• Expansão para espaço subaracnóideo
Irritação meníngea – extravasamento de sangue ou tecido necrótico no
espaço subaracnóideo, causando rigidez de nuca, febre, confusão mental
e coma (diagnóstico diferencial com meningite, hemorragia subarca-
nóide e tumor cerebral).
• Insuficiência adrenal grave
Náuseas e vômitos, hipotensão e choque.
Para o diagnóstico devem ser feitos os exames de imagem, tomografia
computadorizada ou ressonância magnética, que mostram aumento da pi-
tuitária com hemorragia. Devem ser realizados cortes finos (1,5mm) sem
contraste inicialmente para visualizar a hemorragia. A tomografia computa-
dorizada é superior a ressonância magnética para identificar hemorragia no
evento agudo, mas no seguimento (subagudo) deve-se preferir a ressonân-
cia magnética devido a maior sensibilidade.
O exame oftalmoscópico serve para avaliar a extensão e natureza do
quadro; estudos hormonais são de interesse acadêmico, pois sempre serão
tratados com corticóide, mas se pode dosar cortisol e T4L basais para com-
paração posterior. Realizar estudo hormonal após o quadro, para avaliar hipo-
pituitarismo. Reavaliar meses após, para avaliar se deficiência é transitória.
Deficiência de Hormônios (Tabela 1.7)
O tratamento é feito com dexametasona 2mg IV 6/6h (4mg bid) – a
perda repentina da secreção de ACTH pode resultar em hipotensão e cho-
que devido à perda do tônus adrenérgico periférico vascular. A escolha da
dexametasona também é importante por diminuir o edema e assim minimi-
zar o efeito de massa provocado pela apoplexia.
Se tiver déficit visual ou alteração do sensório está indicada cirurgia
transfenoidal de emergência para recuperar o déficit visual e o alívio da
pressão intracraniana.
Se for optado por tratamento conservador, devem ser feitos exames
oftalmológicos e de imagem seriados.
14 CAP˝TULO 1
Tabela 1.7
PrevalŒncia da DeficiŒncia de Hormônios HipofisÆrios na Apoplexia PituitÆria
GH 88%
Hipoprolactinemia 67-100%
Gonadotrofinas 58-76%
ACTH 66%
Hipotireoidismo secundÆrio 42-53%
Diabetes insípido Raro
A mortalidade durante a crise é de 45%, e 15% se recuperam espon-
taneamente. A alta mortalidade ocorre por falência em diagnosticar rapida-
mente a apoplexia, status geral pobre dos pacientes e demora desnecessária
na intervenção cirúrgica.
O primeiro caso descrito de apoplexia pituitária foi em 1905, sendo
descrito na literatura uma predominância de acromegálicos dentre os ade-
nomas que sofrem apoplexia, por motivos ainda desconhecidos.
Após a apoplexia geralmente ocorre a melhora total do quadro de acro-
megalia, com melhora das alterações em partes moles, desaparecimento do
diabete e da hipertensão, com níveis indetectáveis de GH e negativo ao
teste de supressão a glicose. No entanto, há relato de casos nos quais não
houve melhora. Há relato também de casos de recorrência da acromegalia,
após ter sido confirmada a cura, alguns até 10 anos após.
BIBLIOGRAFIA
1. Aron DC, Findling JW, Tyreell B. Hypothalamus and Pituitary. In: Basic and Clinical
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6. Werner PL, Shah JH, Kukreja SC, Miller SM, Williams GA. Recurrence of acrome-
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tration. Acta Neurochir (Wien). 139(10):992-4, 1997.
CAP˝TULO 1 15
Caso 3Caso 3
RELATO DO CASO
A.O.B., 45 anos, branco, sexo masculino, encaminhado por
meio de parecer pelo serviço de clínica da dor para avaliação da
função tireoidiana devido à alteração de exame laboratorial (T3
elevado e TSH e T4 baixos) e com provas de função hepática croni-
camente elevadas de maneira não progressiva.
Era acompanhado no ambulatório de saúde mental, clínica
da dor e clínica médica desde 6 de outubro de 1997 devido à
cefaléia. Relatava calor intenso generalizado, acompanhado de
sudorese principalmenteno verão. Relatava impotência sexual,
queda de pêlos, cefaléia que melhorava com analgésico comum,
poliúria, polidipsia, nictúria (5 a 6 ×), preferência por água
gelada. Pai de três filhos. Negava alterações visuais ou do olfato.
Havia o relato de uma tomografia computadorizada de crânio de
1997 normal (sic). Negava alterações do trato gastrointestinal.
Relatava que houve melhora da função sexual após uso de De-
posteron® (Cipionato de testosterona, prescrito pela clínica da
dor). Estava em uso de Rivotril® (clonazepam) e Doxal® (vitami-
nas B1 e B6).
Ao exame físico, lúcido, reagindo às solicitações com coerên-
cia, normocorado, normo-hidratado, eupnéico e afebril.
PA: 120 · 80mmHg (sentado), 140 · 90mmHg (ortostática),
FC: 76bpm.
Tireóide impalpável. Ausência de ginecomastia. Ausência de
pêlos axilares.
Campimetria por confrontação normal.
Testículos palpáveis, presentes na bolsa escrotal, consistência
algo diminuída, sem outras alterações.
EXAMES LABORATORIAIS (TABELA 1.8)
Tabela 1.8
Exames Hormonais
Exame Resultado V.R.
TSH 0,945 0,4-4,0µU/mL
T3 183 82-179ng/dL
T4 2,8 4,5-12,5µg/dL
Testosterona total <20 270-1.734ng/dL
16 CAP˝TULO 1
Foram solicitados então tomografia computadorizada de crânio e sela
túrcica, hemograma, EAS, bioquímica, prolactina, LH, FSH, testosterona,
T4 livre, TSH, cortisol (Tabela 1.9).
A tomografia computadorizada de sela sugere adenoma hipofisário com
extensão supra-selar (Fig. 1.4).
Tabela 1.9
Exames Laboratoriais
Cortisol 4,0µg/dL Glicose 105mg/dL
FSH 0,36mU/mL TGO 62 (5-40)
LH < 0,7mU/mL TGP 36 (8-40)
Testosterona < 20ng/dL Albumina 4,8
Prolactina 2,1ng/mL Hemograma normal
T4 livre 0,31ng/dL Densidade urinÆria 1019
TSH 1,28µU/mL
Fig. 1.4 – Tomografia computadorizada de sela tœrcica,
apresentando tumor em regiªo hipofisÆria captante de
contraste, com expansªo supra-selar.
Iniciados prednisona 7,5mg/dia, Durateston® (propionato de testoste-
rona) 250mg 3/3 semanas e, após 1 semana de uso do glicocorticóide,
levotiroxina 50µg/dia; fornecido cartão de identificação de insuficiência
adrenal; solicitado parecer à neurocirurgia.
CAP˝TULO 1 17
Meu diagnóstico
18 CAP˝TULO 1
RESUMO DO CASO
Paciente de 45 anos acompanhado por três anos com queixas de cefa-
léia, queda de pêlos e impotência sexual sem diagnóstico. O quadro clínico
motivou a investigação laboratorial que demonstrou tratar-se de pan-hipo-
pituitarismo com exame de imagem sugestivo de adenoma hipofisário.
DISCUSSÃO
Hipopituitarismo
O hipopituitarismo é a redução da produção de um ou mais hormônios
hipofisários. O tumor hipofisário ou a conseqüência do seu tratamento são
as causas mais comuns (76%).
As causas são: deficiências de fatores de transcrição (PROP-1, Pit-1,
Ptx-1 e Ptx-2, Lhx-3 e Lhx-4), doenças invasivas (tumores hipofisários e
hipotalâmicos), malformações congênitas, síndrome da sela vazia, doenças
vasculares (apoplexia hipofisária, síndrome de Sheehan, anemia falcifor-
me), doenças infiltrativas (sarcoidose, hemocromatose, histiocitose X),
infecções (tuberculose, lues, fungos, neurocisticercose), iatrogenia (cirur-
gia ou radioterapia), auto-imune (hipofisite linfocítica), trauma e idiopática.
O quadro clínico vai depender da causa, do tipo e da gravidade da defi-
ciência hormonal. Geralmente, as deficiências manifestam-se na seguinte or-
dem: GH, LH e FSH, TSH e ACTH. Apesar da deficiência de GH ser a
primeira a se manifestar, seus sintomas são inespecíficos e só é diagnostica-
da com teste de estímulo; por isto, inicialmente é notado o hipogonadismo.
A deficiência de GH pode provocar atraso na velocidade de crescimen-
to, baixa estatura, implantação anômala de dentes, hipoglicemia, acúmulo
de gordura visceral, hipotrofia muscular, depressão, diminuição da densi-
dade mineral óssea e maior risco de eventos cardiovasculares.
O hipocortisolismo secundário pode causar fraqueza, perda ponderal,
hipotensão postural, náuseas e vômitos, diarréia, mialgia.
O hipotireoidismo secundário pode-se manifestar por astenia, consti-
pação intestinal, depressão.
O hipogonadismo secundário pode cursar com atraso puberal, ame-
norréia, diminuição da libido, queda de pêlos, impotência sexual, hipotrofia
testicular, infertilidade.
Pacientes com doenças invasivas podem apresentar sintomas compres-
sivos como cefaléia, distúrbios visuais, comprometimento de pares de ner-
vos cranianos (III, IV, VI, V) além dos sintomas relacionados às deficiên-
cias hormonais.
CAP˝TULO 1 19
O diagnóstico do hipopituitarismo pode ser feito através de dosagens
hormonais basais ou teste de estímulo. A causa pode ser definida utilizan-
do-se exames de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância
magnética). As alterações visuais serão investigadas pela campimetria vi-
sual. O teste de estímulo combinado ou megateste vem sendo menos utili-
zado devido à boa confiabilidade nas dosagens basais de TSH, T4 livre, LH,
FSH, testosterona livre e IGF-1.
A avaliação do eixo corticotrófico inicialmente é feita com a dosagem
do cortisol basal. Se for menor que 5µg/dL há insuficiência adrenal, e o
próximo passo seria definir sua origem (primária ou secundária) dosando o
ACTH (estará aumentada no primeiro). Se a dosagem de cortisol for maior
que 18µg/dL está praticamente descartada insuficiência adrenal, não ne-
cessitando de mais nenhuma avaliação. Se estiver entre 5 e 18µg/dL, está
indicada a realização de teste com estímulo da hipoglicemia induzida por
insulina. Neste caso, valores menores que 18µg/dL confirmam a insufi-
ciência adrenal e valores maiores afastam.
Em adultos para se diagnosticar deficiência de GH é mandatório que se
faça um teste de estímulo, visto que IGF-1 é normal na maioria dos casos.
O padrão-ouro é a hipoglicemia induzida pela insulina, sendo confirmada
com valores inferiores a 3ng/mL.
O tratamento é feito através da reposição dos hormônios deficientes e
da correção da causa. O paciente deve receber e portar um cartão de alerta
sobre a necessidade de aumento da dose do corticóide em situações de
estresse. O glicocorticóide deve ser iniciado dias antes da levotiroxina para
que não haja sobrecarga adrenal com o risco de uma crise. Na insuficiência
adrenal secundária são utilizadas doses menores de glicocorticóide, na for-
ma de hidrocortisona (10 a 20mg/dia) ou a prednisona (2,5 a 5mg/dia). A
dose de levotiroxina varia de 1 a 1,5mg/kg/dia. O GH pode ser administra-
do em injeções subcutâneas diárias 0,1UI/kg/dia em crianças. Nos adultos
a dose é menor devendo-se iniciar com 0,15 a 0,3mg/dia, e dose máxima
de 3mg/dia. O hipogonadismo pode ser corrigido nas mulheres com estradiol
(1 a 2mg/dia) ou estrogênios conjugados (0,3 a 1,25mg/dia) ou estrogênios
transdérmicos (0,05 a 0,1mg/dia) e associado a medroxiprogesterona (5 a
10mg/dia) ou progesterona natural micronizada (200mg/dia). No homem,
utilizam-se ésteres ou enantato ou cipionato de testosterona.
BIBLIOGRAFIA
1. Consensus guidelines for the diagnosis and treatment of adults with growth hormone
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on adult growth hormone deficiency. J Clin Endocrinol Metab 83(2):379-81, 1998.
2. Vilar L et al. Endocrinologia Clínica, 2a edição, Editora Médica e Científica Ltda., 2001.
3. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR. Williams Textbook of Endocri-
nology, WB Saunders Company 9th edition, 1998.
20 CAP˝TULO 1
Caso 4Caso 4
RELATO DE CASO
A.S.A., sexo feminino, 15 anos, com queixa de amenorréia.
Refere início de quadro há três meses com amenorréia secun-
dária (ciclos menstruais prévios regulares). Nega galactorréia.
Há dois meses iniciou quadro de piora progressiva da acuidade
visual, evoluindo há duas semanas com estrabismo divergente e
febre diária. Realizou tomografia computadorizada de crânio que
evidenciou lesão expansiva em topografia supra-selar,hiperden-
sa, sendo internada na enfermaria de endocrinologia. Queixan-
do-se de poliúria e polidipsia, ganho de peso progressivo há um
ano (aproximadamente 14kg), sem outras queixas sugestivas de
disfunção tireoidiana ou adrenal.
Ao exame físico, apresentava-se com PA: 110 · 70mmHg, FC:
116bpm, sem alterações posturais. Sem alterações de pele e fâne-
ros. Desenvolvimento puberal normal.
Estrabismo divergente, redução da acuidade visual, atrofia
óptica à fundoscopia.
Ausência de galactorréia.
Restante do exame normal.
EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 1.10)
Tabela 1.10
Megateste1,2,3
Basal 30min 60min 90min 120min
Cortisol (ng/mL) 1,50 4,10 2,20 2,20 2,90
GH (ng/mL) < 0,05 0,05 < 0,05 < 0,05 < 0,05
LH (mUI/mL) <0,7 2,60 2,00 1,70 1,00
FSH (mUI/mL) 0,34 1,90 2,40 2,90 2,70
Prolactina (ng/mL) 72,00 118,00 93,00 81,90 72,40
TSH (mcUI/mL) 4,95 27,00 25,50 22,10 18,40
T4L (ng/dL) 0,42
Estradiol (pg/mL) <20
Glicemia (mg/dL) 94 71 60 47 52
1 Insulina 0,15U/kg (a dose foi aumentada atØ o total de 62U IV).
2 LH-RH 100mcg.
3 TRH 200mcg.
CAP˝TULO 1 21
Meu diagnóstico
22 CAP˝TULO 1
RESUMO DO CASO
Paciente jovem, com quadro de amenorréia secundária. O diagnóstico
foi direcionado para causas neurológicas quando apresentou acometimento
ocular, sendo solicitada tomografia computadorizada do crânio e descober-
ta massa em região supra-selar.
A paciente já possuía, nos exames basais, cortisol, FSH, LH, estradiol,
T4L diminuídos com TSH normal, já indicando pan-hipopituitarismo, mes-
mo com exame físico normal. A realização do megateste não é necessária,
apenas sendo realizado por motivos acadêmicos. Este teste foi válido, uma
vez que ocorreu hipoglicemia. Foi identificada deficiência na produção do
cortisol, já que seu pico foi inferior a 18ng/mL e deficiência de GH, pois o
pico foi menor que 3ng/mL. Quanto ao setor gonadotrófico, o pico de LH
foi inferior a 12mUI/mL e o do FSH menor que 3mUI/mL, caracterizando
deficiência também deste setor. Houve resposta do setor tireotrófico: a
diferença entre basal foi maior que 2mcUI/mL; na avaliação da dosagem
basal, há leve aumento do TSH, desproporcional à diminuição do T4L, e
não houve resposta exagerada (delta maior que 32mcUI/mL) – típica de
hipotireoidismo terciário. A prolactina basal já estava aumentada e respon-
deu de modo adequado, mostrando que a doença tem origem hipotalâmica
e não hipofisária.
DISCUSSÃO
Doenças Hipotalâmicas
As doenças hipotalâmicas podem causar disfunções hipofisárias, alte-
rações mentais, distúrbios de comportamento e distúrbios de regulação
visceral.
As doenças hipotalâmicas destrutivas podem causar hipopituitarismo
por dano aos neurônios túbero-hipofisários ou aos vasos sangüíneos da
eminência mediana.
As manifestações endócrinas são:
• Hipopituitarismo.
• Hipersecreção de hormônios hipofisários, como a hiperprolactinemia,
por ocorrer a perda do controle inibitório.
• Anormalidades no sistema de controle hipotalâmico-hipofisário.
Tumores de células germinativas em nervos ópticos e quiasma sem
expansão supra-selar são incomuns. São similares aos gliomas quiasmáti-
CAP˝TULO 1 23
cos, tanto na tomografia computadorizada quanto na ressonância magnéti-
ca. No entanto, diferenciam-se por apresentarem tríade clínica de diabete
insípido, anormalidades endócrinas e queixas visuais.
O uso de octreoscan, através da injeção de 111 In-octreotídeo, visua-
liza tumores que possuem receptores para somatostatina, como os adeno-
mas hipofisários, meningiomas e alguns gliomas. Este exame pode auxiliar
no diagnóstico diferencial destas massas sem necessidade de biópsia, uma
vez que os neurinomas, craniofaringiomas e ependimomas não possuem
estes receptores.
O tratamento de gliomas do trato óptico é controverso. Os diversos
estudos retrospectivos são difíceis de analisar por várias razões. Primeiro,
a história natural destes tumores é errática, podendo ter curso indolente ou
com taxa de sobrevida em 10 anos de 60%. Segundo, alguns estudos não
diferenciam se o paciente é portador de neurofibromatose tipo 1 e evidên-
cias recentes demonstram que a história natural deste tumor é mais favorá-
vel nestes pacientes. Terceiro, os métodos e a acurácia do diagnóstico
mudaram dramaticamente após o uso de tomografia computadorizada e da
ressonância magnética.
A ressecção cirúrgica como tratamento definitivo geralmente não
é viável pelo risco de lesão nos nervos ópticos do paciente. Alguns
mostram resultados favoráveis após ressecção subtotal. A eficácia da
radioterapia não foi comprovada e a morbidade relacionada a este tra-
tamento é preocupante, principalmente na cognição e no crescimento.
A quimioterapia tem avançado como tratamento alternativo para evi-
tar estes efeitos colaterais, mas os benefícios e desvantagens no longo
prazo ainda não estão definidos. O uso de análogos da somatostatina
está sendo testado, uma vez que os gliomas podem ser suscetíveis aos
efeitos antiproliferativos destes medicamentos. Os trabalhos iniciais não
têm demonstrado este efeito in vitro, talvez pela diminuída expressão
de receptores de somatostatina que os tumores apresentam após ocor-
rer desdiferenciação.
Solberg e cols. realizaram estudo em 68 crianças com gliomas hipo-
talâmicos, que foram tratadas com cirurgia (24 casos) e radioterapia
(38 casos), e 17 receberam os dois tipos de tratamento. A disfunção
endócrina ocorreu em 42% dos casos, sendo a deficiência mais comum
a de GH. Onze crianças desenvolveram puberdade precoce, e todas as
que foram irradiadas desenvolveram hipogonadismo hipogonadotrófi-
co. O estudo conclui que a causa da puberdade precoce foi a própria
tumoração, mas o tratamento foi o principal responsável pelas deficiên-
cias hormonais.
24 CAP˝TULO 1
BIBLIOGRAFIA
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CAP˝TULO 1 25
Caso 5Caso 5
RELATO DO CASO
D.L.D., sexo feminino, branca, 33 anos, com queixa principal
de “dor na barriga”.
Procurou serviço médico por apresentar dor na região epi-
gástrica em queimação e pirose retroesternal associada a cefaléia
intensa que não cessava com uso de analgésicos. Refere que nos
últimos quatro anos houve ganho progressivo de peso, alteração
das feições, aumento dos dedos das mãos e aumento do número dos
sapatos. Refere ainda aumento de pêlos e irregularidade menstru-
al (períodos de três meses de amenorréia). Foram solicitadas radi-
ografias de sela túrcica, que mostrou aumento da sela, e de calcâ-
neo, que apresentava aumento de partes moles.
A paciente é solteira, natural do Rio de Janeiro, auxiliar de
padaria. Nega hipertensão arteria, diabete melito, dislipidemia,
cirurgias, alergia medicamentosa. Refere bronquite na infância.
Nega história familiar de acromegalia, tireopatias. Irmão com 18
anos com déficit de crescimento. Tia com hipertensão arterial. Nega
diabete melito na família. Nega etilismo e tabagismo.
Ao exame físico, fácies acromegálica, macroglossia, mãos gran-
des com sudorese, pés grandes, dedos em salsicha.
PA: 120 · 80 mmHg, peso: 81kg, altura: 164cm.
Restante do exame físico semalterações.
EXAMES LABORATORIAIS (TABELAS 1.11, 1.12 E 1.13)
Tabela 1.11
Exames Laboratoriais Iniciais
Glicose 152
Colesterol 238
EAS Cristais de oxalato de cÆlcio
Tabela 1.12
TOTG/GH (Março de 1999)
Tempo Glicose GH
(minutos) (mg/dL) (ng/mL)
0 111 73,5
30 184 64,6
60 290 62,4
90 210 58,3
120 220 38,2
26 CAP˝TULO 1
Tabela 1.14
Exames Laboratoriais após a Cirurgia
11/10/99 11/01/00 V.R.
LH 6,9 3,9 2,1-10,8mUI/mL
FSH 5,3 6,5 3,9-10,0mUI/mL
Prolactina 16,8 23,5 2,0-25,0ng/mL
Estradiol 34,1 10-200pg/mL
TSH 0,46 1,74 0,4-4,0µUI/mL
T4l 1,1 1,1 0,8-1,9ng/dL
GH 17,7 <5ng/mL
Cortisol 12,3 5-25µg/dL
Glicose 100 113 70-110mg/dL
Sódio 138 141 136-146mEq/L
PotÆssio 4,9 3,9 3,5-5,3mEq/L
Tabela 1.13
Exames Laboratoriais de Bioquímica e
Hormônios HipofisÆrios Basais (Abril de 1999)
Exame Resultado V.R.
Glicose 100 70-110mg/dL
Sódio 144 136-146mEq/L
PotÆssio 4,7 3,5-5,3mEq/L
Creatinina 0,8 0,5-1,4mg/dL
LH 0,7 2,1-10,8mUI/mL
FSH 3,6 3,9-10,0mUI/mL
Prolactina 40,1 2,0-25,0ng/mL
Estradiol 29,5 10-200pg/mL
TSH 1,93 0,4-4,0µUI/mL
T4l 0,56 0,8-1,9ng/dL
• Tomografia computadorizada de sela túrcica: hipófise aumentada difu-
samente com abaulamento do assoalho da sela.
Encaminhada à equipe de neurocirurgia. Em 14 de novembro de 1999
foi realizada cirurgia por via transesfenoidal. A histopatologia mostrou “neo-
plasia epitelial benigna com proliferação difusa de células uniformes, com
núcleos redondos e citoplasma bem definido. Acham-se entremeados por
finos vasos sanguíneos”. A imuno-histoquímica mostrou positividade para
prolactina e subunidade a e menos intensa para GH.
RESULTADOS PÓS-CIRÚRGICOS (TABELAS 1.14 E 1.15)
CAP˝TULO 1 27
Tabela 1.15
TOTG/GH (Janeiro de 2002)
Tempo Glicose GH
(minutos) (mg/dL) (ng/mL)
0 117 27
30 85 37,2
60 200 36,5
90 110 21,7
120 17,3
A paciente menstruou em 29 de dezembro de 1999.
Em 4 de fevereiro de 2000 foi iniciado octreotide na dose de 100mg
3 · /dia, subcutâneo (Tabela 1.16).
• Tomografia computadorizada de sela túrcica (23/2/00): invaginação da
cisterna supra-selar para o interior da sela aplanando a hipófise, sela de
dimensões normais, espessamento mucoso do seio esfenoidal.
Tabela 1.16
Exames Laboratoriais em Uso de Octreotide
4/4/00 20/7/00 25/8/00 3/1/01
Prolactina 10 10,1 13,7 2,0-25,0ng/mL
Estradiol 22,4 10-200pg/mL
TSH 0,989 0,989 0,4-4,0µUI/mL
T4l 0,84 0,84 0,8-1,9ng/dL
GH 2,7 1,9 0,95 < 5ng/mL
IGF-1 900 510 ng/mL
(96-521) (147-361)
Glicose 80 80 99 70-110mg/dL
Sódio 142 136-146mEq/L
PotÆssio 4,0 4,0 3,5-5,3mEq/L
Colesterol 130 < 200mg/dL
Triglicerídeos 60 < 150mg/dL
• Videocolonoscopia total (31/8/00): normal
Em 5 de janeiro de 2001 a paciente interrompeu octreotide ao descobrir
gestação, com data da última menstruação (DUM) em 9 de novembro de
2000. Na consulta médica, relatava cefaléia leve e negava alterações vi-
suais. Ao exame físico:
PA: 110 · 80mmHg, sem variação postural; FC: 80bpm.
28 CAP˝TULO 1
Tabela 1.17
Exames Físicos Realizados no PrØ-natal
Data 23/02/01 16/03/01 23/04/01
Tempo de amenorrØia (semanas) –15 –18 –22
Peso (g) 78.100 76.800 78.300
PA (mmHg) 110 · 70 90 · 60 110 · 70
Edema x x x
Proteinœria x x x
Altura uterina (cm) 15 17 23
Batimento fetal x x +
Movimentos fetais x x +
x = ausente, + = presente.
Tabela 1.18
Curva GlicŒmica Realizada em 23/2/01: Nenhum Ponto Alterado
Tempos Glicose
(minutos) (mg/dL)
 0 86
 30 115
 60 135
120 119
Campimetria por confrontação normal.
Foram solicitadas campimetria visual, dosagens hormonais e pesquisa
de diabete melito gestacional (glicemia em jejum e 2h após 75g de glicose)
(Tabela 1.17).
• Glicose: 81mg/dL, sorologia para lues negativa, HIV negativo, grupo
sangüíneo B+.
• Citologia de esfregaço vaginal: inflamatório, metaplasia escamosa.
• Curva glicêmica (Tabela 1.18).
• Ultra-sonografia pélvica com 15/16 e 21 semanas, com líquido amni-
ótico normal, placenta posterior, pólo cefálico à direita.
Meu diagnóstico
CAP˝TULO 1 29
Meu diagnóstico
RESUMO DO CASO
Paciente de 33 anos, portadora de acromegalia tratada com cirurgia
(via transesfenoidal) e octreotide 300µg/dia, sem preencher critérios de
cura, com exame de imagem mostrando sela parcialmente vazia. Evoluiu
com gestação durante uso do octreotide, tendo sido suspenso no segundo
mês. Não houve complicações para a mãe ou o feto. O parto foi normal
com recém-nato saudável.
DISCUSSÃO
Acromegalia e Gestação
A gestação é um evento raro nas acromegálicas, pois geralmente sua
fertilidade é reduzida. Há poucos casos relatados na literatura.
Colao e cols. acompanharam 10 gestações em seis pacientes com acro-
megalia ativa.
• Um aborto espontâneo aos três meses.
• Quatro com acromegalia diagnosticada na gestação – todas com re-
cém-natos saudáveis, com aleitamento materno.
• Três gestações 1-3 anos após cirurgia (duas delas com GH e IGF-1
ainda levemente elevados).
• Duas gestações durante tratamento crônico com octreotide – foi reco-
mendada descontinuação do octreotide quando a gestação foi confir-
mada, porém uma paciente se recusou devido à cefaléia persistente
resistente a analgésicos (continuou com 900 a 1.200µg/dia divididos
em várias doses durante o dia por toda a gestação).
• Em 4 pacientes GH e IGF-1 foram dosados mensalmente e só ficaram
suprimidos na paciente em uso de octreotide.
30 CAP˝TULO 1
• O recém-nato da paciente que suspendeu o octreotide apresentou-se
acima do peso (4,5kg).
• O recém-nato da paciente que continuou o octreotide apresentou-se
com peso normal (3,2kg) e recebeu aleitamento materno por quatro
meses sem problema aparentemente.
• Não houve crescimento tumoral na tomografia computadorizada ou
ressonância magnética pós-parto nas seis pacientes.
• Campimetrias visuais durante a gestação não mostraram alterações.
Melmed e colaboradores analisaram quatro pacientes com acromegalia
e gestação:
• Primeira paciente: gestação sete meses após cirurgia com bom resulta-
do – recém-nato normal; 10 meses após parto houve recorrência da
hipersecreção de GH.
• Segunda paciente: sete gestações durante acromegalia ativa.
– cinco antes do diagnóstico – três recém-natos normais e dois abortos;
– uma gestação 14 meses após cirurgia e abandono do octreotide (com
níveis altos de GH) – morte fetal aos 5 meses;
– uma gestação um mês após dilatação e curetagem.
• Terceira paciente: gestação três anos após cirurgia, radioterapia e octreo-
tide (suspenso após confirmação da gestação) com níveis de GH e IGF-1
normais – recém-nato normal.
• Quarto paciente: gestação após duas cirurgias, radiocirurgia (gama knife)
e octreotide (suspenso após confirmação da gestação) com GH normal.
Acromegalia e Fertilidade
Irregularidade menstrual e infertilidade são achados freqüentes e pre-
coces pelos seguintes mecanismos:
• hipopituitarismo e diminuição da reserva de gonadotropinas podem ser
causados pela expansão tumoral;
• hiperprolactinemia (30-40% acromegálicos) levando à disfunção do eixo
hipotálamo-hipófise-ovário em diferentes níveis (redução da pulsatili-
dade da secreção de GnRH, hipoestrogenismo).
Em quatro casos com tratamento com octreotide, foi descontinuado
após confirmação da gestação – a exposição intra-uterina fetal ao octreoti-
de no primeiro mês não causou malformações.
Fisiologia do GH durante Gestação Normal e na Acromegalia
O GH materno deriva de fontes diferentes dependendo do trimestre.
Em mulheres normais, no primeiro trimestre a origem é a hipófise e o
CAP˝TULO 1 31
padrão secretor é pulsátil. Depois o maior componente do GH circulante tem
como fonte a placenta e o padrão secretor é contínuo. Existem radioimuno-
ensaios que usam anticorpos que reconhecem diferentes epítopos do GH
hipofisário eplacentário. Os ensaios normais (RIA e IRMA) não dosam
GH hipofisário e o placentário também não é dosado nos ensaios mais
comuns. Então para diagnosticar acromegalia na gestação é necessário di-
ferenciar os níveis altos de GH de fonte hipofisária ou placentária. Os ní-
veis de IGF-1 são menos úteis para diagnosticar acromegalia na gestação
porque estão elevados na gestação normal.
A Gestação Agrava a Acromegalia?
A hipófise aumenta de volume na gestação normal (até 45% no pri-
meiro trimestre) em razão da hiperplasia dos lactotrofos. Teoricamente, o
efeito estimulador hormonal da gestação poderia causar aumento do ade-
noma devido a crescimento tumoral, hemorragia ou infarto tumoral em
adenomas secretores de GH. O aumento no volume hipofisário também
contribui para um efeito de massa pressionando o nervo óptico. Os estu-
dos iniciais não confirmam que os macroadenomas oferecem maior risco
de perda visual que os microadenomas durante a gestação, mas foram
feitos na década de 70, portanto menos sensíveis e incapazes de diferen-
ciar se eram micro ou macroadenomas. Os estudos mais recentes, feitos
com tomografia computadorizada de sela túrcica, afirmam que nenhum
dos pacientes com microadenoma apresentou aumento tumoral. Um ou-
tro estudo mostrou que adenomas maiores que 1,2cm implicam maior
risco de perda visual durante a gestação. Na revisão de casos da literatura
a gestação agravou a acromegalia em 4 de 24 (17%) das pacientes, ne-
cessitando de aborto terapêutico em uma na 10a semana por doença ativa.
Houve piora dos sinais e sintomas em outra. E outra paciente apresentou
sinais e sintomas de hipertensão intracraniana na 39a semana, tendo sido
feito parto cesáreo e cirurgia transesfenoidal.
Como a Acromegalia Influencia a Gestação?
Complicações metabólicas e cardiovasculares da acromegalia podem
causar complicações maternas e fetais. O GH antagoniza a ação insulínica
resultando em intolerância aos carboidratos em 60% e diabete melito em 13
a 32% das pacientes. A gestação por si só é um estado de insulinorresistên-
cia, portanto a gestante acromegálica tem aumento de risco de hiperglice-
mia. Também há aumento de incidência de hipertensão e doença coronaria-
na na acromegálica com risco potencial para o feto. Entretanto, nenhuma
32 CAP˝TULO 1
dessas complicações potenciais tem aparecido como efeitos deletérios em
gestantes acromegálicas.
Conseqüências do Tratamento na Gestação
• Bromocriptina: não tem sido associada com aumento de risco de
complicação durante a gestação ou malformações congênitas quan-
do administrada desde as primeiras semanas de gestação em mulhe-
res hiperprolactinêmicas.
• Octreotide: somente dois casos relatados de uso durante o início da
gestação que ocorreu sem complicações e recém-natos normais; po-
rém, deve ser descontinuado durante a gestação até que dados mais
seguros sejam obtidos.
• Cirurgia: não há dados específicos sobre o impacto de cirurgia transes-
fenoidal durante a gestação; não há relato de aumento de anormalidades
congênitas, mas há aumento de incidência de aborto espontâneo prova-
velmente pelos efeitos dos anestésicos com cirurgia durante o início da
gestação; outros investigadores relataram não haver diferença signifi-
cativa em aborto e mortalidade perinatal mas uma diferença significati-
va na prematuridade (8 · 37%) em gestantes tratadas cirurgicamente
para tumores hipofisários.
Manejo da Acromegalia em Mulheres na Idade Fértil
Os objetivos da terapia de acromegálicas que desejam conceber são:
normalização da prolactina e GH (para promover fertilidade e concepção),
prevenção de expansão tumoral durante a gestação e nascimento de um
recém-nato normal.
Gestantes com microadenomas responsivos bioquimicamente e tole-
rantes ao tratamento medicamentoso (octreotide ou bromocriptina) devem
ser orientadas a descontinuar as drogas quando a gestação for confirmada.
Isto é seguro para o feto, e o risco de aumento tumoral é pequeno. Alterna-
tivamente, a cirurgia transesfenoidal antes da concepção não impede a fer-
tilidade. As gestantes com microadenomas devem ser acompanhadas a cada
trimestre à procura de sinais e sintomas de aumento tumoral. Elas podem
amamentar, pois não há dados sugerindo que a conseqüente hiperprolacti-
nemia cause expansão tumoral.
Macroadenomas sujeitos à cirurgia transesfenoidal antes da concepção
têm um risco aumentado de hipopituitarismo com comprometimento da
CAP˝TULO 1 33
fertilidade, porém se não removidos antes da gestação o risco de aumento
hipofisário com possível perda visual é maior. É recomendável que o uso
de octreotide ou bromocriptina seja suspenso precocemente na gestação
apesar do risco de reexpansão tumoral. Estas pacientes devem fazer cam-
pimetria visual à confirmação da gestação e posteriormente a cada seis
semanas. A ressonância magnética deve ser realizada antes da concepção e
repetida (após quatro meses de gestação), caso haja evidência de expansão
tumoral e após o parto. Se houver aumento tumoral com perda visual deve
ser recomendada a cirurgia transesfenoidal emergencial.
BIBLIOGRAFIA
1. Colao A, Merola B, Ferone D, Lombardi G. Extensive clinical experience – Acrome-
galy. J Clin Endocrinol Metab 82(9):2777-81, 1997.
2. Herman-Bonert V, Seliverstov M, Melmed S. Pregnancy in Acromegaly: successful
therapeutic outcome. J Clin Endocrinol Metab 83(3):727-31, 1998.
3. Vilar L et al. Endocrinologia Clínica. 2a edição, Editora Médico e Científica Ltda.,
2001.
4. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR. Williams Textbook of Endocri-
nology 9th edition, WB Saunders Company, 1998.
34 CAP˝TULO 1
Caso 6Caso 6
RELATO DO CASO
D.S.F.D., sexo masculino, 16 anos (data de nascimento: 25/6/83),
branco, encaminhado para tratamento de adenoma hipofisário.
Relata acompanhamento por déficit de crescimento há aproxi-
madamente um ano e meio em outra instituição. Foi solicitada
tomografia computadorizada que evidenciou adenoma hipofisá-
rio. Apresenta queixa de cefaléia predominantemente occipital há
três anos, associada à visão turva e perda da visão lateral à es-
querda. Bom aproveitamento escolar, nega sonolência, boa ativi-
dade física. Queixa-se de poliúria e polidipsia.
O paciente é estudante, morador de Coelho Neto, natural do
Rio de Janeiro. Nega cirurgias e alergias. Pneumonia há dois meses.
Avós paterno e materno diabéticos e hipertensos. Desconhece
sobre doença hipofisária na família. Nega tabagismo, etilismo, uso
de drogas ilícitas ou medicamentos regulares.
Ao exame físico, ausência de galactorréia, pêlos pubianos
estágio Tanner II, genitália estágio Tanner I-II, PA: 100 · 60mmHg,
FC: 88bpm, altura: 150cm, peso: 40kg.
Restante do exame físico sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES E DADOS ANTERIORES
(TABELAS 1.19, 1.20 E 1.21)
Tabela 1.19
Evoluçªo do Crescimento do Paciente, Anterior à Primeira Consulta
30/11/98 24/3/1999 6/12/1999
Idade cronológica 15a 5m 15a 9m 16a 6m
Altura (cm) 147,6 148,4
Peso (kg) 38,8 39
Idade óssea 10 anos 13,5 anos
Tabela 1.20
GH Pós-clonidina (ng/mL), Realizado em 26/8/1999
Basal 0,03
30 minutos 0,016
60 minutos 0,011
90 minutos 0,012
CAP˝TULO 1 35
• Tomografia computadorizada de sela túrcica (18/10/1999): lesão ex-
pansiva sólida, que se impregna pelo meio de contraste, acometendo a
hipófise, seio esfenoidal, invadindo ambos os seios cavernosos, princi-
palmente à esquerda. Haste desviada para a direita. Vias ópticas livres.
• Radiografia de sela túrcica (27/12/1999): aumento do volume, com
corrosão da sela túrcica.
• Campimetria visual (12/1/2000): contração de campo superior do olho
esquerdo com depressão do campo paracentral superior.
Iniciado cabergolina 0,5mg 2×/semana em 14 de janeiro de 2000.
EVOLUÇÃO (TABELA 1.22 E FIG. 1.5)
Tabela 1.21
Exames Laboratoriais Bioquímicos e HipofisÆrios Basais do Dia 23/12/1999
Exames Resultados V. R.Prolactina 7.092,16 2,1 a 17,7ng/mL
TSH 3,44 0,35 a 5,5µU/mL
T4 livre 1,1 0,8 a 1,5ng/dL
FSH 1,75 < 2,0mU/mL
LH 0,15 < 0,15mU/mL
Testosterona 34,8 241 a 827ng/dL
Cortisol 9,3 4,3 a 22,4g/dL
Glicose 81 70 a 110mg/dL
Sódio 140 136 a 146mEq/L
PotÆssio 4,2 3,5 a 5,3mEq/L
Tabela 1.22
Acompanhamento das Dosagens de Prolactina após o Início da Cabergolina
9/3/00 20/3/00 6/6/00 18/8/00 11/10/00 13/12/00
Prolactina1 143 69,9 23,5 63 40,3 48,7
Dose de 0,5mg 0,5mg 0,5mg 0,5mg 0,5mg 0,5mg
cabergolina 2· /sem 2· /sem 2· /sem 1 · /sem 2· /sem 5/5d
Tempo2 2m 2m 5m 7m 9m 11m
1 V.R. – 2,5 a 17ng/mL.
2 Tempo do início da cabergolina, em meses.
36 CAP˝TULO 1
• Idade óssea (9/11/01, 17a 4m) – 16 anos.
• Ressonância magnética de sela túrcica (8/3/02) – 2 anos e 2 meses após o
início da cabergolina: lesão expansiva, sólida, lobulada, ocupando a sela
túrcica e envolvendo a hipófise, ocasionando abaulamento e deformidade
do assoalho selar. Redução do antro dos seios esfenoidais. Haste hipofisá-
ria centrada. Sifões carotídeos envolvidos, porém não invadidos. Quiasma
e cisterna supra-selar preservados. Indefinição do diafragma e do clivus.
Tabela 1.22 (Cont.)
Acompanhamento das Dosagens de Prolactina após o Início da Cabergolina
6/3/01 9/4/01 1/6/01 19/7/01 1/2/02
Prolactina1 53,2 52 61,6 63 39,4
Dose de 0,5mg 0,5mg 0,5mg 0,5mg 0,5mg
cabergolina 5/5d 5/5d 5/5d 5/5d 5/5d
Tempo2 14m 15m 17m 18m 23m
1 V.R. – 2,5 a 17ng/ml.
2 Tempo do início da cabergolina, em meses.
Fig. 1.5 – Curva de crescimento, no grÆ-
fico altura · idade.
190
180
170
160
150
140
130
12 13 14 15 16 17 18 19
Início da
cabergolina
CAP˝TULO 1 37
Meu diagnóstico
38 CAP˝TULO 1
RESUMO DO CASO
Adolescente em investigação de baixa estatura, com déficit de GH e hipo-
gonadismo, com exame de imagem sugestivo de adenoma hipofisário. Após
o tratamento com cabergolina houve diminuição dos níveis de prolactina (pro-
lactina pré-tratamento de 7.092,16 e níveis médios de prolactina pós-trata-
mento de 61,81ng/dL, ou seja, queda de 114,72 vezes). Também ocorreu
diminuição do tamanho do tumor, uma vez que na tomografia computadori-
zada de outubro de 1999 havia desvio da haste hipofisária e na de fevereiro de
2000 a haste já estava centrada. O paciente apresentou aumento na sua velo-
cidade de crescimento e aproximou a idade óssea da idade cronológica, pela
diminuição do hipogonadismo imposto pela hiperprolactinemia.
DISCUSSÃO
Tratamento de Macroprolactinomas
1. Medicamentoso: agonistas de receptores dopaminérgicos D2 dos lacto-
trofos (Tabela 1.23).
a) Bromocriptina (Tabela 1.24)
• Início com 1,25mg com refeição ao deitar; aumentos progressi-
vos até 15mg/dia (3· /dia) para minimizar efeitos colaterais;
• Resposta correlacionada com número de receptores dopaminér-
gicos dos lactotrofos;
• Diminui a síntese de prolactina, de DNA, a multiplicação celular e
o tamanho do tumor;
• Melhora da campimetria visual e da função de outros hormônios
hipofisários, retomada do crescimento e desenvolvimento pube-
ral nos pré-púberes;
• Em macroadenomas: o tratamento com bromocriptina por mais
de 6 a 12 semanas pode provocar fibrose perivascular que pode
dificultar a remoção completa do tumor e aumentar o risco de
complicações cirúrgicas (controverso);
• Após a suspensão do medicamento: 10% a 20% dos pacientes
podem manter prolactina normal, 70% a 80% dos tumores po-
dem não voltar a crescer;
• Reduzir a dose gradualmente e descontinuar quando não houver
aumento nos níveis de prolactina ou no tamanho do tumor com
uma dose de 2,5mg ou menos por dia;
CAP˝TULO 1 39
• Efeitos colaterais: mais comuns são náuseas e vômitos (tran-
sitórios, mas podem retornar com aumento da dose), hipo-
tensão ortostática (ao iniciar), vasoespasmo digital, conges-
tão nasal, depressão, psicose. Altas doses utilizadas para
doença de Parkinson: derrame ou espessamento pleural e al-
terações do parênquima pulmonar; relatos de casos: leuco-
penia, trombocitopenia, hepatite, edema, piora da cefaléia,
infarto agudo do miocárdio, taquicardia supraventricular, ri-
norréia com liquor;
• Resistência a bromocriptina: 5 a 10% (resposta mínima ou ne-
nhuma) ocorrem por número pequeno de receptores dopaminér-
gicos nos lactotrofos;
• Via de administração: oral, intravaginal (dose única e menos efei-
tos gastrointestinais) e injetável (ação prolongada e menos efeitos
colaterais);
b) Pergolida
• Dose única de 50 a 150µg via oral;
• Eficácia e tolerância comparáveis à bromocriptina.
c) Quinagolida
• Dose única, em torno de 75 a 150µg/d;
• Eficácia e tolerância comparáveis à bromocriptina;
• Melhor indicação é na resistência à bromoergocriptina.
d) Cabergolina
• 0,5 a 3mg por semana em 1 a 3 tomadas por semana, via oral;
• Eficácia comparável à bromocriptina, mas alguns trabalhos mos-
tram eficácia maior;
• Menos efeitos colaterais.
Tabela 1.23
Comparaçªo da EficÆcia dos Agonistas DopaminØrgicos
em Reduzir o Tamanho do Tumor, segundo Estudos Publicados
No > 50% 25-50% < 25% 0
Bromocriptina 112 40,2% 28,6% 12,5% 18,7%
Pergolida 17 58,8% 11,8% 5,9% 23,5%
Quinagolida 104 48,1% 20,2% 17,3% 14,4%
Cabergolina 130 25,4% 46,9% 6,9% 21,5%
40 CAP˝TULO 1
Tabela 1.24
EficÆcia dos Diferentes Tipos de Tratamento dos Prolactinomas
Cirurgia transesfenoidal
Microadenomas
Normalizaçªo inicial da prolactina 71,2%
Taxa de recorrŒncia 17,4%
Normalizaçªo da prolactina no longo prazo 58,8%
Taxa de mortalidade 0,27%
Taxa de morbidade 0,4%
Macroadenomas
Normalizaçªo inicial da prolactina 31,8%
Taxa de recorrŒncia 18,6%
Normalizaçªo da prolactina no longo prazo 25,9%
Taxa de mortalidade 0,9%
Taxa de morbidade 6,5%
Radioterapia
Normalizaçªo da prolactina 20 a 30%
Tempo para normalizar prolactina 5 a 15 anos
Hipopituitarismo iatrogŒnico 5,5 a 93,3%
Bromocriptina
Resposta da prolactina
Normalizaçªo 80 a 90%
Sem resposta 5 a 10%
Reduçªo do tamanho do tumor (macroadenomas)
> 50% 40,2%
25 a 50% 28,6%
< 25% 12,5%
Sem reduçªo 18,7%
Intolerância por efeitos colaterais 5 a 10%
2. Cirurgia (Tabela 1.24):
• Acesso preferencial transesfenoidal;
• Resultados dependem da experiência e da técnica do cirurgião e do
tamanho do tumor.
3. Radioterapia:
• Não é indicada como tratamento primário;
• Radiocirurgia estereotáxica com gamma knife em pacientes com
insucesso cirúrgico ou com invasão de seio cavernoso: menor dose
de radiação no tecido extra-hipofisário, o que sugere menor desen-
volvimento de tumores cerebrais e complicações neurocognitivas.
CAP˝TULO 1 41
Prolactinomas em Crianças e Adolescentes (Apresentação
Clínica e Acompanhamento no Longo Prazo)
São raros nesta faixa etária.
Estudo com 26 pacientes (9 sexo masculino e 17 sexo feminino, 15
macro e 11 microadenoma), com diagnóstico dos 7 a 17 anos, 1980-96;
seis pacientes (5 macro e um microadenoma) já tinham sido submetidos à
cirurgia antes (dois com radioterapia após a cirurgia).
• Apresentação clínica, resposta ao tratamento e acompanhamento a longo
prazo;
• Inicialmente todos receberam bromocriptina 2,5-20mg/dia;
• Nos intolerantes ou resistentes: quinagolida 0,075-0,6mg/dia ou caber-
golina 0,5-3,5mg/semana;
Apresentação Clínica
a) Sete meninos e seis meninas com macro: primeiros sintomas foram
cefaléia e defeitos visuais;
b) Todas as meninas com amenorréia primária ou secundária;
c) Um menino com micro: retardo de crescimento e desenvolvimento (to-
dos os outros pacientes com alturas e desenvolvimento puberal nor-
mais para a idade);
d) Galactorréia espontânea ou provocada em 12 pacientes (três meninos e
nove meninas) e ginecomastia em quatro meninos;
e) Deficiência de hormônios hipofisários: sete pacientes (cinco deles fo-
ram à cirurgia);
f) Prolactina média: 1.080 ± 267µg/L nos macro e 155 ± 38µg/L nosmicroadenomas.
Resposta ao Tratamento
a) Dez pacientes: bromocriptina normalizou prolactina (6-12 meses) e re-
dução significativa (> 30%) do tumor, 5 destes 10 desenvolveram into-
lerância;
b) Cinco pacientes: quinagolida normalizou prolactina e redução significa-
tiva (> 30%) do tumor;
c) Sete pacientes: cabergolina normalizou prolactina.
42 CAP˝TULO 1
Acompanhamento no Longo Prazo
a) Quatro pacientes ainda com hiperprolactinemia moderada;
b) Quatro pacientes com deficiência de GH na vida adulta (todos com
deficiência de outros hormônios hipofisários, todos submetidos à ci-
rurgia, todos macro, 3 meninos e 1 menina).
Conclusões
a) A terapia com agonistas dopaminérgicos tem-se mostrado eficaz em
adolescentes com grandes tumores e sintomas de expansão tumoral;
b) Nenhum dos pacientes submetidos à cirurgia como primeiro tratamen-
to (com ou sem radioterapia) foi curado e muitos desenvolveram defi-
ciência de outros hormônios hipofisários;
c) Os agonistas devem ser a primeira escolha de tratamento dos jovens
com prolactinoma (efetivo, seguro e permite preservação da função
hipofisária);
d) Cirurgia: pacientes com grandes tumores não-responsivos aos agonistas;
e) Cabergolina com melhor tolerabilidade e adesão: sugerindo que seja
primeira linha de tratamento também em jovens com prolactinoma.
BIBLIOGRAFIA
1. Colao A. Prolactinomas in children and adolescents. Clinical presentation and long
term follow-up. J Clin Endocrinol Metab. 83(8):2777-80, 1998.
2. Molitch ME. Medical treatment of prolactinomas. Endocrinol Metab Clin North
Am. 28(1):143-169, 1999.
3. Vilar L et al. Endocrinologia Clínica, 2a edição, 2001.
4. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR. Williams Textbook of Endocri-
nology, 9th edition, WB Saunders Company, 1998.
CAP˝TULO 1 43
Caso 7Caso 7
RELATO DO CASO
Paciente masculino, branco, de 17 anos, com queixa de au-
mento de peso e hipertensão arterial.
Refere início de ganho ponderal sem alteração do apetite há
três anos. Procurou o médico e iniciou tratamento dietético, sem
apresentar diminuição do peso. Evoluiu com aparecimento de es-
trias grosseiras em abdômen, hipertensão arterial e fraqueza mus-
cular. Refere também cefaléia occipital e retroorbitária eventual-
mente. Foram iniciados propranolol 40mg 2· /d e hidroclorotiazida
25mg 1 · /d, embora mantenha níveis pressóricos aumentados, e
encaminhado para o HUCFF para investigação. Nega diabete me-
lito ou alteração visual.
O paciente é natural do Rio e Janeiro e mora com os pais.
Ingressou na faculdade de direito neste ano, mas postergou o iní-
cio do curso para proceder ao tratamento. Crescimento e desen-
volvimento normais. Nega outras doenças e uso de medicamentos
previamente. Nega etilismo, tabagismo e drogas ilícitas.
Ao exame físico, nota-se fácies de lua cheia com pletora facial.
Obesidade centrípeta e giba (Fig. 1.6). Estrias violáceas em abdô-
men, axila e membros inferiores (Figs. 1.8 e 1.10). PA: 150 · 90mmHg,
peso: 73,5kg, altura: 163cm, IMC: 27,66.
Restante do exame físico sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES (TABELAS 1.25 E 1.26)
Tabela 1.25
Exames Laboratoriais Iniciais
Exame Resultado V.R.
Glicose 60 70 a 110mg/dL
Sódio 140 135 a 148mEq/L
PotÆssio 5,3 3,5 a 5,3mEq/L
TSH 2,21 0,40 a 4,0mU/mL
T4L 1,07 0,8 a 1,90µg/dL
Prolactina 10,4 < 25,0ng/mL
Testosterona 216 270 a 1.734ng/dL
LH 0,96 0,80 a 7,60µg/L
FSH 2,97 0,70 a 11,10ng/mL
44 CAP˝TULO 1
Após a confirmação de hipercortisolismo, foram solicitados ACTH,
teste de Liddle II modificado, ressonância magnética e densitometria óssea
(Tabelas 1.27 e 1.28).
Tabela 1.26
Exames Laboratoriais para Avaliaçªo de Hipercortisolismo
Exame Resultado V.R.
Cortisol basal (8h) 34,2 5 a 25µg/dL
Cortisol basal (16h) 25,6
Cortisol noturno 22,3 < 1,8µg/dL
Cortisol pós-1mg de dexametasona 9,0 < 1,8µg/dL
Tabela 1.27
Exames Laboratoriais para Avaliaçªo da Origem do Hipercortisolismo
Exame Resultado V.R.
ACTH 162, 7 < 46pg/mL
Teste de Liddle II modificado1 3,7µg/dL
1 Teste de Liddle II modificado: feito com 8mg de dexametasona às 23h.
• Ressonância magnética de sela túrcica: microadenoma em região central
da hipófise.
O paciente foi submetido à cirurgia via transesfenoidal, com visualização e
ressecção do tumor hipofisário. Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório.
O exame histopatológico revelou concentração maior de células basófi-
las, que ao estudo imuno-histoquímico mostrou positividade para ACTH. As
reações imuno-histoquímicas para os demais hormônios foram negativas.
Tabela 1.28
Densitometria Óssea, MØtodo DEXA, Realizada pelo Aparelho Lunar Corporations
BMO1 T Escore Z Escore
Coluna lombar (L2 a L4) 0,649 –4,9 –4,7
Colo do fŒmur 0,669 –3,1 –3,2
1 BMO: densidade de massa óssea.
2 T escore: comparaçªo com pico de massa óssea. A osteopenia Ø definida como escore T
entre –1 a –2,5 DP, enquanto a osteoporose Ø menor que –2,5 DP.
3 Z escore: ajustada para idade.
CAP˝TULO 1 45
No acompanhamento ambulatorial observou-se perda ponderal e nor-
malização dos níveis tensionais, com retirada dos anti-hipertensivos. Man-
teve-se com prednisona 5,0mg/dia, carbonato de cálcio 1g/dia, aderogil D3
01 ampola 15/15 dias e alendronato sódico 70mg/semana (Tabelas 1.29 e
1.30) (Figs. 1.6 a 1.11).
Tabela 1.29
Exames Laboratoriais após um MŒs de Cirurgia de Adenomectomia HipofisÆria
Exame Resultado V.R.
Glicose 75 70 a 110mg/dL
Sódio 142 135 a 148mEq/L
PotÆssio 4,3 3,5 a 5,3mEq/L
Tabela 1.30
Cortisol Basal após a Cirurgia de Adenomectomia HipofisÆria
Exame D41 4 meses 6 meses V.R.
Cortisol basal 3,3 < 1,0 1,6 5 a 25µg/dL
1 D4: 4o dia de pós-operatório.
Figs. 1.6 e 1.7 – FÆcies de lua cheia, pletora facial, obesidade centrípeta – prØ e pós-operatório.
46 CAP˝TULO 1
Meu diagnóstico
Figs. 1.8 e 1.9 – Estrias violÆceas em axila – prØ e pós-operatório.
Figs. 1.10 e 1.11 – Estrias violÆceas em abdômen – prØ e pós-operatório.
CAP˝TULO 1 47
RESUMO DO CASO
O quadro clínico apresentado por este adolescente, com obesidade
sem aumento do apetite, aumento da pressão arterial, fraqueza muscular,
importante perda de massa óssea e estrias violáceas, sugere fortemente o
diagnóstico de síndrome de Cushing. Os testes iniciais confirmaram o
hipercortisolismo, e o próximo passo foi definir a origem desta hiperse-
creção. A dosagem elevada de ACTH confirmou ser ACTH-dependente,
afastando a hipótese de tumor adrenal. O teste de Liddle II modificado
apresentou cortisol suprimido, sugerindo que o hipercortisolismo seja
causado por tumor hipofisário (e não ectópico). Houve discussão rele-
vante sobre a necessidade da realização de cateterismo de seio petroso, já
que os níveis de ACTH eram muito elevados e o quadro clínico muito
exacerbado, sugerindo produção ectópica. A ressonância magnética, po-
rém, não deixou dúvida para dois experientes radiologistas da existência
de microadenoma. A cirurgia foi curativa, evoluindo no pós-operatório
com níveis de cortisol suprimidos.
DISCUSSÃO
Diagnóstico Etiológico da Síndrome de Cushing
A síndrome de Cushing decorre da secreção excessiva e sustentada de
cortisol ou da terapia de longo prazo com glicocorticóides. Embora a tera-
pia oral com glicocorticóide seja a causa mais comum de síndrome de
Cushing exógena, estudos recentes têm mostrado que glicocorticóide in-
tra-articular, epidural e tópico (dérmico, inalatório ou nasal) pode causar
características de síndrome de Cushing e supressão do eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal (HHA).
As principais causas de síndrome de Cushing estão listadas a seguir:
• Síndrome de Cushing exógena
• Síndrome de Cushing endógena
– ACTH-dependente
Doença de Cushing (adenoma hipofisário)
ACTH ectópico
ACTH de origem indeterminada
– ACTH-independente
Adenoma adrenal
Carcinoma adrenal
Hiperplasia adrenal nodular48 CAP˝TULO 1
• Outras
– CRH ectópico
– Hiperplasia adrenal nodular pigmentada primária
– Hiperplasia adrenal macronodular
– Síndrome de Cushing associada à ação do GIP e catecolaminas
– Síndrome de McCune-Albright
– Complexo de Carney
Pseudo-Cushing é o estado em que o paciente tem apresentação clíni-
ca semelhante à síndrome de Cushing associada à evidência de hipercorti-
solismo, como pode ocorrer na depressão e no alcoolismo.
Investigação Diagnóstica
O primeiro passo diante de um paciente com suspeita de síndrome de
Cushing é a documentação do hipercortisolismo. Isso é de fundamental
importância para a aplicação dos testes subseqüentes, uma vez que sensibi-
lidade, especificidade e acurácia diagnóstica só são válidas em períodos de
hipercortisolismo ativo e sustentado.
As características cardinais no diagnóstico de síndrome de Cushing
são secreção aumentada de cortisol, perda do feedback do eixo HHA e
alteração do ritmo circadiano da secreção cortisol.
Diagnóstico de Hipercortisolismo
1. Cortisol Livre Urinário (CLU): nível elevado de cortisol livre sérico
leva a um aumento da filtração renal do cortisol, causando elevação em
seus níveis urinários. Os valores de referência dependem do tipo de
ensaio utilizado. A cromatografia líquida de alta performance fornece a
melhor especificidade para mensuração do CLU. Deve-se ter em mente
que 10% a 15% dos pacientes com síndrome de Cushing podem ter,
pelo menos, uma das quatro amostras de urina de 24h para determina-
ção de CLU dentro do limite da normalidade. Além disso, níveis aumen-
tados de CLU têm sido documentados em 40% de indivíduos deprimi-
dos e em 50% de pacientes com síndrome de ovário policístico (SOPC).
Distúrbios alimentares e depressão são outras condições que elevam o
CLU. Essa sobreposição para os valores do CLU na síndrome de Cushing
e pseudo-Cushing pode levar a confusão diagnóstica. Além disso, a
pseudo-hipercortisolúria (elevação espúria do CLU) tem sido relatada
em pacientes que usam certos medicamentos como fenofibrato e car-
CAP˝TULO 1 49
bamazepina. O CLU depende também da função renal: já que a maior
parte do cortisol filtrado é metabolizado (pela 11 b -hidroxiesteróide hi-
drogenase tipo 2) ou reabsorvido, a ingesta de fluido aumentada resul-
tando em volume urinário elevado pode reduzir a fração do cortisol
filtrado que é metabolizado ou reabsorvido, aumentando assim a excre-
ção de CLU. Contrariamente, paciente com disfunção renal pode filtrar
menos cortisol ou ter mais tempo para metabolizar o cortisol, diminuin-
do espuriamente a determinação do cortisol urinário.
A determinação dos níveis de CLU continua sendo o melhor meio de
documentar a secreção diária de cortisol.
2. Avaliação do ciclo circadiano & cortisol noturno: a porcentagem de
sobreposição de valores do cortisol diminui ao longo do dia entre indi-
víduos normais e com síndrome de Cushing: entre 16h e 21h, 17% dos
pacientes têm cortisol plasmático dentro da normalidade versus 3,4%
às 23h. Cortisol sérico > 1,8mcg/dL às 24h, durante o sono, fornece
boa especificidade para diagnóstico de síndrome de Cushing. Níveis
elevados de cortisol no final da noite parece ser o marcador mais pre-
coce e mais sensível. Para sua coleta é necessária internação por, pelo
menos, 48h e repouso no leito.
3. Cortisol salivar: representa a fração livre do cortisol e mostra boa cor-
relação com o cortisol sérico total e excelente correlação com o corti-
sol sérico livre. A concentração do cortisol salivar mostra o esperado
ritmo circadiano, com concentrações mais altas pela manhã e mais
baixas à noite. Idosos e indivíduos em uso de estrogênio podem apre-
sentar níveis elevados de cortisol salivar. A dosagem do cortisol salivar
tem sensibilidade e especificidade de 90% a 95%.
4. Teste com baixa dose de dexametasona: teste usado no diagnóstico de
síndrome de Cushing. O teste baseia-se no fato de a dexametasona supri-
mir o eixo HHA em indivíduos normais, com queda nos níveis de cortisol
plasmático e urinário. Dada a sua facilidade de realização, o teste com
1mg de dexametasona tem sido usado como screening. O ponto de corte
foi estipulado em 1,8mcg/dL para aumentar a sensibilidade do teste, uma
vez que alguns pacientes com síndrome de Cushing apresentam supres-
são não-usual a dexametasona, evitando os resultados falso-negativos.
O teste clássico é descrito com dexametasona 0,5mg a cada 6h por
48h com dosagem de 17OHCS (ponto de corte de 4mg/24h – sensibilidade:
69%, especificidade de 74% e acurácia de 71%). Entretanto, a dosagem do
cortisol sérico pós-dose por RIA tem sensibilidade de 97% a 100%, com-
parável a 1mg de dexametasona. O ponto de corte de 1,8mcg/dL para o
50 CAP˝TULO 1
teste com baixa dose de dexametasona por 48h gerou sensibilidade de 98%
e especificidade de 97% a 100%, enquanto o teste com 1mg na noite ante-
rior tem especificidade de 87,5%.
O resultado do teste depende da absorção e metabolização da dexame-
tasona. Situações de resultados falso-positivos incluem uso de drogas como
fenitoína, fenobarbital, carbamazepina e rifampicina; uso de estrogênio;
pseudo-Cushing por depressão, anorexia, alcoolismo, estresse crônico e
uremia.
5. Teste do CRH pós-Liddle I: os estados de pseudo-Cushing podem ser
semelhantes à síndrome de Cushing: quadro clínico e laboratorial (hi-
percortisolismo), com elevação do CLU, alteração do ciclo circadiano
de secreção do cortisol e falta de supressão no teste com baixa dose de
dexametasona. Nesses casos, a confirmação bioquímica pode ser difí-
cil e requerer repetidas dosagens. Uma forma de tentar contornar esse
problema é a realização do teste de supressão com baixa dose de dexa-
metasona seguido do teste com estimulação com CRH. Dexametasona
(0,5mg a cada 6h por 48h) é administrada, sendo a primeira dose às
00h e a última às 6h. CRH 1,0µg/kg é administrado às 8h e o nível de
cortisol plasmático é obtido a cada 15min na primeira hora pós-CRH.
Cortisol plasmático > 1,4µg/dL após 15min da infusão de CRH identi-
fica os pacientes com síndrome de Cushing, enquanto nível menor ou
igual a 1,4 é considerado normal. A principal limitação desse teste é a
sua dificuldade de ser realizado em nível ambulatorial, além da maioria
dos testes disponíveis para dosagem de cortisol não serem adequada-
mente sensíveis para interpretar esse teste. A sua utilidade seria nos
pacientes com resultados equívocos em outros testes diagnósticos e há
alta suspeição para síndrome de Cushing.
ACTH-dependente versus ACTH-independente
Dosagem do ACTH plasmático: após o diagnóstico de hipercortisolis-
mo, o próximo passo é a dosagem sérica do ACTH. O nível indetectável a
baixo (< 5,0 pg/mL) é diagnóstico de síndrome de Cushing ACTH-inde-
pendente, e a adrenal deve ser avaliada com exame de imagem. A dosagem
do ACTH por IRMA tem sensibilidade e especificidade maiores do que por
RIA. O ponto de corte para IRMA é de 5pg/mL. Entretanto, níveis normais
de ACTH podem ser encontrados em pacientes com síndrome de ACTH-
ectópico. Embora os níveis de ACTH tendam a ser mais elevados na sín-
drome de ACTH-ectópico, existe sobreposição para os valores de ACTH
na forma ectópica e hipofisária.
CAP˝TULO 1 51
Diferenciação entre Síndrome de Cushing
de Origem Hipofisária ou Ectópica
1. Teste com alta dose de dexametasona: usado no diagnóstico diferencial da
síndrome de Cushing ACTH-dependente. Baseia-se no fato de, na maioria
das vezes, o tumor hipofisário responder com supressão da secreção de
cortisol após dexametasona, enquanto os tumores que secretam ACTH-
ectópico perdem essa capacidade. Originalmente, supressão dos 17-OSCS
> 50% era consistente com doença de Cushing. Contudo, 20% a 30% dos
pacientes com neoplasia secretora de ACTH (principalmente os carcinói-
des) apresentam supressão > 50% dos níveis urinários e plasmáticos dos
hormônios esteróides durante Liddle II (falso-positivo). Ao mesmo tempo,
20%

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