Buscar

A Influência do profissionalismo nas desigualdades de gênero dentro das carreiras jurídicas

Prévia do material em texto

Universidade de Brasília
 Dara Aldeny Lima Alves
 Matrícula: 16/0117372
A Influência do profissionalismo nas desigualdades de gênero dentro das carreiras jurídicas
 2017
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata da influência da ideologia do profissionalismo nas desigualdades de gênero dentro das carreiras jurídicas no Brasil, no entanto, utilizando como parâmetro alguns órgãos públicos paulistas. No início da exposição será encontrada uma breve contextualização do surgimento dos cursos jurídicos brasileiros e o processo de entrada das mulheres nesses cursos e, posteriormente, nas profissões do Direito.
No decorrer do trabalho se perceberá como a consolidação do profissionalismo refletiu na organização e composição profissional de cada órgão estudado, assim como seus valores-base, neutralidade, dedicação exclusiva, expertise, mérito, tornaram-se obstáculos para as mulheres que optaram pela carreira jurídica, atrapalhando tanto sua contratação quanto sua ascensão na carreira, como, por exemplo, o alcance da magistratura.
Percebe-se uma falsa imagem de superação de desigualdades criada pela grande quantidade de advogadas que existe atualmente, porém, essa imagem é desconstruída pela percepção de que ainda existe uma dominação masculina dentro do direito, no sentido de que são os homens que ocupam a maioria dos cargos hierarquicamente superiores, as posições de maior prestígio e valor social.
A exposição evidencia a necessidade de apagamento do gênero, feminino especificamente, nas carreiras jurídicas que acaba sendo imposta às mulheres que desejam crescer profissionalmente sem mais dificuldades que o normal, sendo, quase que, exigido que elas internalizem sua subjetividade, a ocultem, e adotem um perfil masculinizado que é considerado ideal para o melhor desempenho dos cargos.
A Influência do profissionalismo nas desigualdades de gênero dentro das carreiras jurídicas
Segundo Bonelli , os cursos de direito do Brasil começaram a ser criados na metade do século XIX, sendo que, durante um longo período, eram cursados somente por homens; foi durante esse momento que o profissionalismo foi constituído e a neutralidade se desenvolveu como base da expertise. A contar da década de 90, no entanto, houve um intenso surgimento de faculdades de direito, o que contribuiu para o aumento do ingresso de mulheres nesse campo, o que teve inicio nos anos 70. Contudo, no primeiro século em que já existiam cursos de direitos, a ordem criadora era articulada majoritariamente por homens, brancos, heterossexuais e da elite dominante, os efeitos desse fato tem hoje grande reflexo nas desigualdades de gênero (Bonelli, 2008). A autora afirma que no inicio da década de 90 já existia uma quantidade maior de cursos de direitos e havia aumentado também a entrada de mulheres na carreira jurídica, a partir disso, a banca dos concursos para juiz faziam um controle que visava impedir o ingresso de mulheres na magistratura (Bonelli, 2010). 
De acordo com Bonelli:
 “hoje se observa o acentuado crescimento da presença feminina na advocacia brasileira. Em 1996, havia 67% de homens registrados e 37% de mulheres registradas na OAB nacional. Dez anos depois esta proporção atingiu 56% a 44%. Em São Paulo, em 2006, havia 116.948 homens e 93.245 mulheres na OAB (SP). O número de novas inscritas chegava a 52% superando os 48% deles, confirmando o processo em curso de feminização da atividade.” (BONELLI, 2008, p.275-276).
Simultaneamente ao aumento das mulheres entre os jovens profissionais ocorreram diversas conquistas para as mulheres, esses fatores propiciaram a formação de uma crença na superação das desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres no meio jurídico. Isso fomentou uma concepção de que no século XXI, não haveria mais discriminação de gênero dentro do direito, e sim uma igualdade alicerçada no mérito, na dedicação e na competência (Bonelli, 2008).
Bonelli destaca a existência de uma ideologia do profissionalismo nos cursos jurídicos, concebida com significados simbólicos que determinam que certas práticas são femininas e outras são masculinas. Ela chama toda esse determinação do que é feminino e do que é masculino de “script sexuado”, esse script afeta diretamente a progressão nas carreiras jurídicas ao entender a competência profissional masculina como algo ´pressuposto, enquanto a competência feminina precisa ser testada e constantemente provada. A ideologia do profissionalismo constitui o processo de construção do gênero no trabalho profissional, desempenhado um papel de manutenção das diferenciações entre feminino e masculino, sendo que deveria promover o fim dessas distinções possibilitando a profissionalização das advogadas. Esse processo de construção envolve diferentes fatores como origem social, geração e dupla jornada (Bonelli, 2008).
Para contextualizar a instituição do profissionalismo nas carreiras jurídicas, pode-se analisar o desenvolvimento dessa ideologia em alguns tribunais de São Paulo, assim como no Ministério Publico Paulista, órgãos onde esta ideologia firmou-se com grande força.
Bonelli afirma que em 1936 foi instituído o concurso publico como forma de ingresso na carreira do Ministério Público Paulista, o que foi o inicio de um maior fortalecimento da profissionalização desse ministério, apesar de o poder Executivo ainda ser o responsável pelas nomeações. No ano de 1977 foi posta em prática uma reforma do Poder Judiciário que, influenciada pelas lideranças institucionais e profissionais do Ministério Publico, possuía uma emenda em relação ao MP e instituiu a Lei Complementar N. 40/1981 responsável pelo estabelecimento do estatuto legal do Ministério Publico; essa LC resolveu diversas imperfeições organizativas do MP, assim como definiu quais seriam suas funções . Em meio a esse cenário, o profissionalismo ganhava ainda mais força, sendo que boa parte dessas novas funções do Ministério Publico destacavam o desenvolvimento predominante da ideologia do profissionalismo dentro do órgão público (Bonelli, 2003).
 Com o aumento das atribuições do Ministério Publico em 1980, a quantidade de profissionais do órgão também cresceu. No entanto, na Segunda Instância, essas mudanças só refletiram na diversidade de gênero dentro do órgão nos anos 90, período em que a Procuradoria de Justiça era composta por 17% de mulheres, sendo elas as que haviam integrado o corpo profissional do MPP nas duas décadas anteriores (Bonelli, 2003).
Weber, ao explicar o princípio de hierarquia de cargos, define essa sequancia de instancias como uma sistema permanentemente regulamentado de comando e obediência, onde cada instancia inferior é fiscalizada pela instancia que lhe é superior (Weber, 1922).
Segundo a mesma autora, a formação do caráter institucional do Ministério Público foi comandada pelos promotores e procuradores paulistas, que, através de reformas, tornaram o órgão mais autônomo e independente. A predominância do profissionalismo dentro do órgão foi evidenciada pela mudança de suas funções, sendo que foram estabelecidos também novos princípios profissionais como a meritocracia, ideal de serviço, autonomia, domínio do conhecimento especializado, monopólio do exercício profissional e dedicação à carreira (Bonelli, 2003).
O tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, desde o inicio tentou estabelecer um padrão de profissionalismo que se adequasse a uma estrutura publica elitizada. A magistratura firmou sua independência por meio de fatores como a padronização dos critérios de promoção, o meio de ingresso na carreira e todas as garantias que esta oferece, o controle que é feito em âmbito interno pela corregedoria, o fato de os indivíduos que constituirão a cúpula do tribunal serem escolhidos pelos membros da segunda instância e estabelecimento da delimitação entre politica e profissão. Os ideaisque permearam essa construção destacaram a independência judicial e a neutralidade da expertise, alcançando elevado prestígio social (Bonelli, 2010).
Bonelli destaca que o processo realizado para ingressar no Tribunal é composto por diversas etapas e formas de avaliação do candidato, como prova oral, prova escrita, avaliação psicologia, avaliação de estado de saúde, apresentação de cartas de referência, além de uma entrevista, tudo isso para garantir a manutenção de um padrão de postura entre os magistrados. A primeira instancia da carreira de magistrado (a) é dividia em quatro níveis de progressão, juiz(a) substituto (a), com 45% de mulheres; entrância inicial, com 41 % de mulheres; entrância intermediária, com 47% de mulheres; e entrância final, com apenas 26% de mulheres (Bonelli, 2010).
A magistratura paulista é uma carreira pública de elite, que viu na reforma do Judiciário de 1990, aprovada em 2004, uma ameaça a seu prestigio social; nesse contexto houve um aumento do ingresso de juízas no TJSP. A cúpula do tribunal possuía uma grande preocupação em preservar o alto posicionamento hierárquico do TJSP frente aos demais órgãos públicos, para isso, era necessário manter a grande seletividade no recrutamento e formar uma identificação dos membros com a magistratura. Muitos profissionais do tribunal paulista temiam que a entrada de mulheres no magistério causasse e perda do prestigio e queda de salários, ou seja, desvalorização da carreira (Bonelli, 2010).
A ideologia do profissionalismo é o que diferencia a composição de gênero no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), sendo que ambos exercem influência sobre a composição percebida no Ministério Publico estadual e federal, sendo notável uma maior quantidade de mulheres onde a profissionalização não foi completamente solidificado. Inclusive, o fato de o profissionalismo ter sido consolidado em período anterior ao inicio do ingresso de mulheres na carreira é o motivo dos obstáculos imposto pelo do TJSP à feminização (Bonelli, 2011).
Bonelli afirma que com o passar do tempo, houve uma mudança na percepção de profissão por parte dos magistrados, sendo desenvolvida uma moderna visão da profissão como unidade. Essa visão está atrelada a um sentido de profissionalismo que destaca sua condição de criar sentimentos compartilhados derivados da valorização do mérito, da expertise e da autonomia. O direito exerce um poder socialmente legitimo por meio da conversão da moral em expertise, tendo como base valores do formalismo legal, do procedimentalismo e do conhecimento técnico-jurídico. O profissionalismo ressalta a neutralidade técnico-jurídica e esta está relacionada à construção coesa da profissão. A autora concorda que fazer parte de uma carreira implica em lidar com fronteiras simbólicas que delimitam áreas e identificações comuns, tornando os grupos profissionais coesos com práticas e normas padronizadas orientando a todos. No entanto, isso não define uma mesma concepção, para todos os indivíduos do grupo profissional, de como deve ser a significação e simbolização das atividades profissionais (Bonelli, 2005).
A neutralidade da expertise assume a forma de uma postura imparcial, de vestimentas neutras, da conduta nas relações profissionais tanto no trabalho quanto na vida pessoal; a adesão a esses padrões cria a sensação de integração ao grupo. A coesão da carreira de juiz (a) pode ser identificada no ocultamento das diferenças, compensando a emotividade com o reconhecimento e o prestígio. Com isso, alcança-se realização profissional, transformando os magistrados e magistradas em impulsionadores da interiorização da subjetividade e do apagamento da diferença como identidade do eu para construir uma identidade coletiva e coesa. Esse apagamento de gênero é um processo realizado por mulheres que escolhem profissões tradicionalmente masculinas (Bonelli, 2010).
A precedência da masculinidade na estruturação do campo profissional jurídico passa pelo profissionalismo , estando alicerçada na neutralidade afetiva, na dedicação integral e na competência para prestar um serviço especializado de qualidade. Assim, projeta a definição do masculino e do feminino no dia-a-dia profissional, determinando posições distintas para quem se encaixa completamente no modelo ideal e para quem não corresponde, em completude, a esse modelo (Bonelli, 2008)
Segundo Bonelli: 
“Os que são suspeitos de não virem a se dedicar totalmente à carreira (cuidados com a família), ou aqueles que corporificam uma imagem de si percebida como a antítese do neutro (a sexualidade visível, a emotividade, a politização, o trajar diferente do ‘terno-terninho’) perdem a pressuposição de sua competência.” (BONELLI, 2008, p.276).
Além disso, ressalta Bonelli, a dedicação feminina ao trabalho é posta em dúvida, pois pensa-se que elas não teriam total disponibilidade para tal, esse pensamento indica uma visão de que as obrigações familiares são responsabilidade das mulheres, tendo elas que associar essas atribuições com a vida profissional, enquanto os homens, não tendo obrigações com a vida familiar, teriam condições de se dedicar integralmente ao trabalho e, por isso, seriam o perfil preferido pelas firmas e escritórios (Bonelli, 2008).
Segundo Bonelli (2008), além da mudança na composição de gênero na carreira jurídica com o ingresso e aumento da entrada de mulheres na área, ocorreram mudanças também na forma de organização do trabalho profissional, ampliando-se as sociedades de advogados que, logo, tornaram-se dominantes. Essa nova forma foi impulsionada pelo aumento de mulheres na carreira e sua respectiva associação a esses escritórios. A autora afirma que o que caracteriza a diferença entre o profissionalismo e outras formas de organização do trabalho é o caráter ideológico formado numa ideia de neutralidade, ou seja, a ideia de que na profissão não existem diferenciações influenciadas por quaisquer fatores, contudo, a realidade não confirma essa neutralidade. Considerando-se as sociedades de advogados, pode-se constatar que na maioria dos escritórios as mulheres sócias ou associadas são minoria.
A autora assevera que, classificando-se os escritórios por faixas de acordo com a quantidade de advogados, se percebe uma barreira em todas as faixas para a entrada de mulheres como sócias, ou seja, existem muitas mulheres na carreira jurídica atualmente, mas os cargos mais altos ainda são ocupados, predominantemente, por homens, o auge da profissão é mais alcançado por homens (Bonelli, 2008).
Bonelli diz que essa barreira de gênero é o que se chama de “teto de vidro” (glass ceiling), ou seja, uma barreira invisível que faz parecer que existe igualdade. Neutralidade, que as oportunidades são as mesmas para homens e mulheres, mas impede as ultimas de chegarem às posições mais altas, fazendo-as permanecer nos cargos menores, ou seja, a barreira não é vista, mas seus efeitos são fortemente sentidos pelas advogadas. Porém, esse empecilho não é exclusivo das carreiras jurídicas, estando presente em todas as outras que contam com profissionais femininas, assim como também não é algo especifico de São Paulo ou do Brasil. Esse obstáculo só pode ser eliminado com a distribuição igualitária de poder profissional e com mudanças nas relações entre os gêneros na vida familiar (Bonelli, 2008).
A forma de construção do gênero na advocacia está atrelada ao profissionalismo, tendo como fatores de distinção a posição ocupada na carreira, a origem social, a geração, os cuidados com a família. Normalmente, quando se considera a diferença de gênero, as mulheres acabam sendo mantidas em cargos inferiores, por outro lado, se o gênero é invisibilizado por meio da ideia de neutralidade da competência e suposta igualdade de oportunidades, pode-se superar os empecilhos do mercado profissional reproduzindo, porém, uma concepção masculina nele (Bonelli, 2008).
De acordo com Bonelli (2008), no mercado liberal da advocacia no Brasil, as mulheres são maioria nos escritóriosde médio porte sendo grande parte, no entanto, terceirizadas, realizando atividades de rotina e mais estáveis e previsíveis; já na posição de sócias elas ainda são minoria, constituindo apenas 25% dos escritórios. A predominante ocupação de cargos inferiores pelas advogadas pode ser explicada pela visão estereotipada, por parte das firmas e escritórios, de que as mulheres não se dedicarão suficientemente ao trabalho devido às ocupações de casa, e então precisam provar sua capacidade; aos homens, por sua vez, não é infligida essa cobrança em decorrência do script sexuado, segundo o qual, os homens não possuem obrigações de casa e podem se dedicar completamente ao trabalho, sendo sua competência presumida.
As desigualdades entre homens e mulheres em relação a profissionalização são influenciadas por diversos fatores, dentre eles o capital social; segundo Schultz e shaw (2003 apud Bonelli, 2008), homens e mulheres possuem conhecimento acadêmico, porém, o ingresso e crescimento na profissão jurídica dependem do pertencimento a grupos hegemônicos de poder. Como a maioria das mulheres ocupam posições inferiores, elas possuem mais dificuldade em formar redes sociais, além disso, para conseguir ser sócio (a) é necessário deter capital social para encontrar mais clientes e prestar mais horas de serviço. Para se construir o capital social é preciso participar frequentemente de atividades que são, culturalmente, voltadas ao gênero masculino, não sendo acessíveis às advogadas.
As diferenças de gênero promovem uma forte estratificação das carreiras jurídicas, as mulheres que conseguem chegar à posição de sócias, superando todas as barreiras, só o fazem ao invisibilizar seu gênero, o que é possibilitando pela ideia de que a igualdade de oportunidades já foi conquistada. Assim é, as mulheres que obtém sucesso na ascensão profissional são as que conseguem realizar o trabalho ideológico e de administração das emoções para, desta forma, estarem dentro do padrão masculino da profissão jurídica, portanto, só existem oportunidades iguais quando ocorre a masculinização dos ideais e da prática profissional (Bonelli, 2008).
Outro fator que, em decorrência do profissionalismo, é visto como um empecilho e acaba tendo influencia nas desigualdades de gênero no mercado de trabalho é a maternidade. Lembrando que alguns dos valores fundamentais dessa ideologia são a dedicação exclusiva e a neutralidade emotiva, o fato de mulheres engravidarem é encarado pelas firmas e escritórios como um obstáculo, uma vez que, supostamente, as mulheres gravidas ou mães não conseguiriam fazer horas além da jornada estipulada e, devido ao comportamento tipicamente afetivo, iriam colocar os cuidados com a família acima do trabalho, mais uma vez o profissionalismo se mostra como uma barreira para as mulheres. Essa pressuposição gera pouco interesse por parte dos escritórios e firmas em investir nas advogadas, confirmando a teoria do teto de vidro ao fazê-las permanecer em cargos inferiores na carreira (Bonelli, 2008). 
 Desta forma: 
“Para ultrapassar a barreira e o estereótipo que se atribui às advogadas, recorre-se à masculinização do ideário e da prática, adotando o mesmo sentido de profissionalismo, associado às jornadas de trabalho superiores a 12 horas diárias, realizando o apagamento do gênero, com a ideologia da neutralidade que não distingue homem de mulher na competência profissional.” (BONELLI, 2008, p. 283). 
Como afirma Bourdieu (1989), as ideologias, que são um produto apropriado pelo coletivo, obedecem a interesses particulares de um grupo dominante e imposta falsamente por esse grupo como algo que corresponde ao interesse de todos, objetivo é legitimar a ordem estabelecida de dominação, de hierarquização social. Da mesma forma, a ideologia do profissionalismo serve aos interesses do patriarcado, colocando os homens no topo da hierarquia nas carreiras jurídicas e mantendo as mulheres na base dessa hierarquia.
Segundo Bonelli (2008), o profissionalismo é uma forma de organização do trabalho que promove a invisibilização de gênero defendendo um ideário de neutralidade. Esse fato ajuda a manter o domínio hierárquico de um grupo correspondente ao que instituiu o profissionalismo há mais de um século, ou seja, homens brancos, heterossexuais e da elite.
CONCLUSÃO
Desde o inicio do ingresso das mulheres nas carreiras jurídicas já eram impostos obstáculos a elas a fim de manter o Direito sob o domínio patriarcal, e atualmente isso ainda acontece. A visão de superação de desigualdades está equivocada, o aumento no numero de mulheres na advocacia não significa a inexistência de barreiras ou de discriminações em razão de gênero, pois mesmo que a existência de mulheres em profissões culturalmente masculinas seja uma grande conquista e indique um progresso, essas mulheres ainda enfrentam diversos obstáculos para se colocar como profissionais qualificadas e para ascender na carreira, ou seja, mesmo com uma composição profissional mista, os homens ainda estão exercendo domínio nessa profissão.
O profissionalismo foi alicerçado em diversos órgãos públicos, estabelecendo valores que, desde a instituição da ideologia até a atualidade, impõe barreiras às advogadas, dando um caráter de prejudicialidade, de defeito, a certas características atribuídas normalmente às mulheres, consequentemente, isso garante diversas vantagens aos homens em detrimento das mulheres juristas.
Não é difícil perceber as visões discriminatórias dentro dos órgãos analisados onde o profissionalismo se desenvolveu, a criteriosa seleção feita pelo TJSP, por exemplo, tinha como justificativa escolher os melhores profissionais, no entanto, independente da capacitação os homens eram favorecidos em detrimento das mulheres, ou seja, a rígida seletividade não visaria somente escolher os juristas mais qualificados, mas barrar o ingresso de mulheres. Na visão de muitos, os melhores profissionais estariam dentro do grupo masculino, sendo as mulheres colocadas quase que automaticamente atrás deles no recrutamento.
Os valores defendidos pelo profissionalismo apresentam-se como empecilhos para o crescimento profissional das mulheres nas carreiras jurídicas. O ideário de neutralidade corresponde a não distinção entre homens e mulheres quanto à sua competência, assim como exige uma conduta neutra por parte dos profissionais, sem diferenciações em razão de qualquer fator, incluindo o gênero, sem mostrar sua emotividade, ou seja, sem deixar transparecer suas subjetividades para, desta forma, estabelecer um perfil, um padrão coeso dentro do grupo profissional. No entanto, essa é uma ideia ilusória, pois é cobrada a neutralidade mas , na verdade, essa neutralidade não é esperada, a competência não é realmente vista de forma neutra, pois já se presume que as mulheres se deixarão influenciar por sua emotividade, prejudicando sua imparcialidade e sua dedicação.
Outro valor da ideologia do profissionalismo é a dedicação exclusiva, esse princípio também acaba sendo transformado em um empecilho para as mulheres devido à concepção de que, devido tanto à emotividade quanto a uma “obrigação natural”, as mulheres não tem disponibilidade para se dedicar exclusivamente ao trabalho, pois têm que conciliar o emprego com a vida familiar, ou seja, cuidar da casa e dos filhos. O pensamento é que, além de as atividades de cunho familiar serem atribuições femininas, as próprias mulheres acabariam optando por priorizar os cuidados com a família em detrimento do trabalho em decorrência de sua típica emotividade, de uma suposta fragilidade emocional.
Percebe-se uma manutenção de valores culturais retrógrados, típicos de uma sociedade patriarcal, onde o homem assume a posição de mantenedor do lar, ou seja, a parte da relação que provê o sustento, enquanto a mulher tem a função de realizar as atividades rotineiras da casa e cuidar dos filhos. Essa visão é reforçada pelo “costume” que se vê ainda na atualidade, no qual os homens abandonam a família para se dedicar à carreira,enquanto as mulheres abandonam a carreira para se dedicar a família, com isso, os homens possuem mais vantagem no processo de ascensão profissional, sendo maioria nos cargos mais altos.
Um terceiro princípio da ideologia do profissionalismo é a expertise, existe no direito uma valorização do saber técnico- jurídico, isso se torna uma barreira para as advogadas a partir do momento em que a expertise é usada como pretexto para escolher um homem em vez de uma mulher para determinado cargo, com o argumento de que esse jurista teria mais conhecimento técnico, que seria um expert e a jurista em questão não. Ou seja, muitas advogadas são discriminadas, sendo que o discriminador usa a expertise como uma justificativa para não contratá-la, afirmando que o outro candidato, um homem, seria mais competente, mas na verdade antes mesmo do processo seletivo as mulheres já estariam em desvantagem só por serem mulheres e acabariam perdendo para um homem em alguma etapa, como numa entrevista.
Percebe-se aqui o teto de vidro, pois o pretexto da competência, do mérito (outro principio do profissionalismo), oculta a discriminação, assim é, o preconceito se disfarça de critérios de competência, se camufla de requisitos. Desta forma, é uma discriminação invisível, uma barreira invisível, que, apesar de estar oculta, prejudica grandemente as advogadas/juristas.
Essa ideologia de profissionalismo carregada de valores patriarcais, masculinizados, é usada para alimentar a imagem de que as características femininas são defeitos para a profissão e comprometem a eficiência, isso cria uma necessidade de constante provação de capacidade por parte das mulheres, enquanto a competência masculina é por si só presumida.
Portanto, fica evidente a tentativa de negar a feminilidade, colocando as características ditas femininas como algo que impede ou prejudica o melhor desempenho possível das funções e, portanto, devem ser eliminadas ou apagadas. Por outro lado, as características que normalmente são atribuídas aos homens corresponderiam ao perfil ideal de profissional, promovendo uma grande valorização do profissional masculino em detrimento das profissionais femininas ou, quando as mulheres chegam aos cargos, levando-as a invisibilizar suas características e adotar essas características tidas como masculinas consideradas ideais à profissão.
REFERÊNCIAS
BONELLI, Maria da Gloria. As disputas em torno da fronteira entre profissão e política no Ministério Público Paulista. 2003. Disponível em: <file:///C:/Users/Intel/Downloads/5506-17503-1-PB.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.
BONELLI, Maria da Gloria. Ideologias do profissionalismo em disputa na magistratura paulista1. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222005000100005>. Acesso em: 10 jun. 2017.
BONELLI, Maria da Gloria. O profi ssionalismo e a construção do gênero na advocacia paulista. 2008. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/fchf/article/view/5287>. Acesso em: 10 jun. 2017.
BONELLI, Maria da Gloria. Profissionalismo e diferença de gênero na magistratura paulista. 2010. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/6491/5606>. Acesso em: 10 jun. 2017.
BONELLI, Maria da Gloria. Profissionalismo, gênero e significados da diferença entre juízes e juízas estaduais e federais1. 2011. Disponível em: <http://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/viewFile/22/7>. Acesso em: 10 jun. 2017.
 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 1989. Disponível em: <http://lpeqi.quimica.ufg.br/up/426/o/BOURDIEU__Pierre._O_poder_simbólico.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. 1922. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-pesquisa/socreligioes/pages/arquivos/impressorasuel.br_20130410_215439.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.

Continue navegando

Outros materiais