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DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRATICO D

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Cláudia Toledo 
C L Á U D I A T O L E D O 
D i r e i t o A d q u i r i d o 
e E s t a d o 
D e m o c r á t i c o 
d e D i r e i t o 
L A N D Y 
E D I T O R A 
DIREITO ADQUIRIDO 
E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
© da presente edição 
Cláudia Toledo e 
Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. 
Capa 
Camila Mesquita 
Imagem 
Camila Mesquita 
Editor 
Antonio Daniel Abreu 
Revisão e diagramação eletrônica 
Oficina das Letras Apoio Editorial SIC Ltda. 
internet: www.oficinadasletras.com.br 
• LAN[)\' 
Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. 
Alameda Jaú, 1791 - Tels. e Fax ( 1 1) 3081.4169 
3085.5235 / 3082.7909 / 3082.4772 
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e-mail: landy@landy.com.br 
internei: www.landy.com.br 
2003 
D e d i c o e s t e t r a b a l h o 
a d o i s g r a n d e s h o m e n s , 
c u j a m e m ó r i a s e f a z p r e s e n t e 
e m t o d o s o s d i a s d a m i n h a v i d a , 
J O S É M A R I A D A S I L V E I R A N E T T O , m e u p a i , e 
J O S É M A R I A D A S I L V E I R A , Z E C A , m e u i r m ã o . 
A G R A D E C I M E N T O S 
À m i n h a m ã e , S Y E N E M A R I A C O E L H O D E T O L E D O , p o r s e u a m o r 
i n c o n d i c i o n a l , p o r s e m p r e a c r e d i t a r e m m i m , m e s m o q u a n d o 
e u d u v i d a v a , p o r s e u p e r m a n e n t e i n c e n t i v o n o c u r s o d e m i -
n h a f o r m a ç ã o a c a d ê m i c a . 
A o L r n z , p o r s e u a m o r , c o m p a n h e i r i s m o e c o m p r e e n s ã o , p e l a 
a l e g r i a e m o t i v a ç ã o q u e s e m p r e m e p a s s o u , p e l a e n o r m e c o n -
t r i b u i ç ã o d e s u a s i n t e l i g e n t e s c r í t i c a s a e s t e t r a b a l h o . 
A o m e u m e s t r e , P r o f . D r . J o A Q U I M C A R L O S S A L G A D O , q u e m e p e -
g o u p e l a m ã o e c o n d u z i u a e s t e b o n i t o e c o m p l e x o m u n d o d a 
F i l o s o f i a e d a F i l o s o f i a d o D i r e i t o . 
A o m e s t r e P r o f . D r . H E N R I Q U E C L Á U D I O D E L r M A V A Z , P e . V A Z , 
c u j a n o b r e z a d e e s p í r i t o m e i l u m i n o u , p e l a o p o r t u n i d a d e ú n i -
c a q u e m e p r o p o r c i o n o u , e m s e u c u r s o , d e c o n h e c e r a e x c e -
l ê n c i a d o s e u p e n s a m e n t o . 
A o P r o f . D r . J o s É L u r z Q U A D R O S D E M A G A L H Ã E S , p o r s u a c o n t r i -
b u i ç ã o n a s m i n h a s p e s q u i s a s . 
A o C N P q , ó r g ã o c u j o a u x í l i o f i n a n c e i r o p r o p i c i o u a e l a b o r a ç ã o 
d e s t e t r a b a l h o . 
" D e t u d o f i c a r a m t r ê s c o i s a s : 
A c e r t e z a d e q u e e l e e s t a v a s e m p r e c o m e ç a n d o ; 
A c e r t e z a d e q u e e r a p r e c i s o c o n t i n u a r ; 
A c e r t e z a d e q u e s e r i a i n t e r r o m p i d o a n t e s d e t e r m i n a r ; 
F a z e r d a i n t e r r u p ç ã o u m c a m i n h o n o v o ; 
D a q u e d a u m p a s s o d e d a n ç a ; 
D o m e d o u m a e s c a d a ; 
D o s o n h o u m a p o n t e ; 
D a p r o c u r a u m e n c o n t r o . " 
F E R N A N D O S A B I N O 
A P R E S E N T A Ç Ã O 
E m s u a t r a j e t ó r i a i n t e l e c t u a l , C l á u d i a T o l e d o d e m o n s t r a s u a v o c a -
ç ã o p a r a a p e s q u i s a a c a d ê m i c a , p a r t i c i p a n d o d e p r o j e t o s d e p e s q u i s a s 
p a t r o c i n a d o s p e l o C N P q . N a p ó s - g r a d u a ç ã o , a c o m p a n h e i c o m o 
o r i e n t a d o r s u a f o r m a ç ã o , a l c a n ç a d a p e l o t a l e n t o e p e l a t o t a l d e d i c a ç ã o à 
p e s q u i s a p a r a a v i d a a c a d ê m i c a , a t é s u a t i t u l a ç ã o c o m o g r a u d e D o u t o r _ 
e m F i l o s o f i a d o D i r e i t o . 
O l i v r o D i r e i t o A d q u i r i d o e E s t a d o D e m o c r á t i c o d e D i r e i t o , q u e o r a 
é l a n ç a d o a o p ú b l i c o p e l a s é r i a E d i t o r a L a n d y e n f r e n t a u m d o s t e m a s 
m a i s p o l ê m i c o s d a T e o r i a d o D i r e i t o e a v a n ç a p a r a u m o u t r o d e c o m p l e -
x i d a d e a i n d a m a i o r , t a l v e z , o d a i n t a n g i b i l i d a d e d a c l á u s u l a q u e c o n s a -
g r a o p r i n c í p i o d o d i r e i t o a d q u i r i d o . 
A f i m d e e x p l i c i t a r s e u a r c a b o u ç o l ó g i c o e c o n c e i t u a i , D i r e i t o A d -
q u i r i d o e E s t a d o D e m o c r á t i c o d e D i r e i t o é c o n c e b i d o d e f o r m a t r i á d i c a . 
N o p r i m e i r o m o m e n t o , d e q u e t r a t a m o s c a p í t u l o s I e I I , s ã o a p r e s e n t a -
d o s o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s e s u a s i t u a ç ã o n o E s t a d o D e m o c r á t i c o d e 
D i r e i t o . N o s e g u n d o e s t á g i o , e x p r e s s o n o s c a p í t u l o s I I I e I V , é e x p o s t o · 
o c o n c e i t o d e d i r e i t o a d q u i r i d o , q u e u l t r a p a s s a a p o l ê m i c a i n i c i a l d e s u a 
c o n c e i t u a ç ã o c o m o d i r e i t o p r o t e g i d o p o r u m a a ç ã o ( H u c ) , f a c u l d a d e d e 
e x e r c í c i o d o d i r e i t o ( B a u d r y - L a c a n t i n e r i e ) , d i r e i t o i n c o r p o r a d o a o p a -
t r i m ô n i o ( L a s s a l e ) , f a t o c o n s u m a d o , p a r a a p r o f u n d a r a t é a m a i s a v a n ç a -
d a c o n c e p ç ã o d o u t r i n á r i a d e G a b b a e R o u b i e r , a t r a v é s d o e s t u d o c o m p a -
r a d o d o s e u t r a t a m e n t o j u r i s p r u d e n c i a l p e l o s p a í s e s d a E u r o p a O c i d e n t a l 
q u e m a i s i n f l u e n c i a r a m a f o r m u l a ç ã o d e s t e t e m a n o D i r e i t o n o B r a s i l , q u a i s 
s e j a m , F r a n ç a , I t á l i a , A l e m a n h a e P o r t u g a l . F i n a l m e n t e , e m s e u m o m e n t o 
d e c h e g a d a , e x p o s t o n o c a p í t u l o V , s ã o r e t o m a d o s o s c o n c e i t o s c e n t r a i s a t é 
e n t ã o d e s e n v o l v i d o s p a r a a e x p l i c i t a ç ã o d a i n t a n g i b i l i d a d e d o p r i n c í p i o d o 
d i r e i t o a d q u i r i d o . O s c o n c e i t o s p a u l a t i n a m e n t e a n a l i s a d o s s ã o , a s s i m , n a 
e t a p a f i n a l d o m o v i m e n t o d i a l é t i c o d e e x p o s i ç ã o d a t e s e d a i n t a n g i b i l i d a d e 
d e s s e p r i n c í p i o , r e a p r e s e n t a d o s n ã o d e m o d o s o m a t ó r i o , m a s e 
s u p r a s s u m i d o s n a c o n c l u s ã o d o p r o c e s s o d i a l é t i c o . 
~ 
D e s s a m a n e i r a , o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s , c o m o p o s i t i v a ç ã o p e l o s 
o r d e n a m e n t o s j u r í d i c o s n a c i o n a i s d o s d i r e i t o s h u m a n o s , r e p r e s e n t a m a 
14 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
forma jurídica de garantia da dignidade da pessoa, conceito que se de-
senvolve na cultura romano-cristã até sua expressão como sujeito de 
direito universal, como fim em si mesmo (Kant). A dignidade da pessoa 
apenas se dá mediante a vida em liberdade da pessoa humana 
dialeticamente integrada na
sociedade. 
Os direitos fundamentais são revelados no exercício da reta razão 
(orthós lógos de Aristóteles, recta ratio de Cícero), ou seja, da razão 
prática voltada para o conhecimento do Bem pelo intelecto, ao qual o 
sujeito adere por sua livre vontade. O momento de singularidade da 
universalidade da razão prática é efetivamente o ato moral, isto é, a 
reflexão judicativa de conformidade do ato à norma objetiva racional-
mente elaborada. Essa reflexão é denominada consciência moral, que 
Cláudia Toledo busca numa das mais vigorosas concepções éticas atuais, 
a de H.C. Lima Vaz. 
Nessa concepção ética, a existência isolada dos indivíduos é mera 
abstração, pois concretamente se situam na sua vivência em sociedade, 
pelo que seu mundo normativo é sempre criado a partir de suas relações 
intersubjetivas. É, destarte, no exercício da consciência moral indivi-
dual no encontro com o outro que se elaboram as normas do agir social, 
mediante seu reconhecimento e consentimento como um igual em li-
berdade. As normas então produzidas pela consciência moral 
intersubjetiva decorrem da inter-relação dos membros da sociedade, 
que, ao decidirem quais normas devem ser dotadas de juridicidade para 
sua melhor proteção, em virtude da relevância dos valores que consa-
gram, efetivam sua consciência jurídica, revestindo tais normas das 
quatro categorias próprias do fenômeno jurídico: bilateralidade-
atributiva, exigibilidade, irresistibilidade e universalidade formal e 
material, com o que Cláudia Toledo me homenageia neste excelente 
livro. 
Os direitos fundamentais, dentro do universo jurídico, representam 
a positivação dos valores socialmente entendidos como máximos de 
uma cultura, essenciais, vale dizer, expressão do direito como um 
maximum ethicum, motivo por que se colocam como a finalidade do 
Estado contemporâneo, o Estado Democrático de Direito. Possuem como 
características a superioridade axiológica no ordenamento jurídico, a 
historicidade de sua contextualização, dialeticamente articulada com 
sua apresentação como invariantes axiológicos na produção cultural 
normativa; daí sua indivisibilidade, irrenunciabilidade, inalienabilida-
de, intransferibilidade, imprescritibilidade e não patrimonialidade. Têm 
como conteúdo os valores encimantes da cultura ocidental, que a cons-
ciência jurídica capta e, como forma, a declaração universal, de todo o 
povo e para todos do povo, na Constituição do Estado Democrático de 
Direito, a que cabe empreender o terceiro momento do processo: sua 
efetivação. 
A P R E S E N T A Ç Ã O • 1 5 
N ã o s e p r o c e d e u a o d e s e n v o l v i m e n t o h i s t ó r i c o d o s d i r e i t o s f u n d a -
m e n t a i s n e s t e l i v r o , t e n d o e l e s s i d o d i r e t a m e n t e a n a l i s a d o s n o a t u a l c o n -
t e x t o q u e i n t e g r a m , i s t o é , n o E s t a d o D e m o c r á t i c o d e D i r e i t o , c o n c e b i -
d o c o m o a q u e l e q u e t e m c o m o f i n a l i d a d e a i n s t i t u c i o n a l i z a ç ã o e g a r a n -
t i a d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s , r e v e s t i d o d o a s p e c t o f o r m a l d a l e g a l i d a -
d e , f u n d a d o e m d o i s p r i n c í p i o s e l e m e n t a r e s : p r i n c í p i o d a l e g i t i m i d a d e 
( o r i g e m p o p u l a r d o p o d e r ) e p r i n c í p i o d a d i v i s ã o d a c o m p e t ê n c i a p a r a 
o e x e r c í c i o d o p o d e r , p r i n c í p i o s s e m o s q u a i s n ã o s e i m p l e m e n t a s u a 
f i n a l i d a d e . 
E s t a n d o e s s e s d i r e i t o s p o s i t i v a d o s n a C o n s t i t u i ç ã o , p a r a s u a i n t e r -
p r e t a ç ã o é n e c e s s á r i o q u e s e e f e t u e a h e r m e n ê u t i c a c o n s t i t u c i o n a l , q u e 
a p e n a s a p ó s a I I G u e r r a m u n d i a l p a s s o u a a s s u m i r r e l e v o n o m u n d o 
j u r í d i c o . F o i a p a r t i r d o s e u d e s e n v o l v i m e n t o q u e o s p r i n c í p i o s j u r í d i -
c o s t i v e r a m a s u a n o r m a t i v i d a d e r e c o n h e c i d a , d e v e n d o o t e x t o c o n s t i t u -
c i o n a l r e c e b e r t r a t a m e n t o d i f e r e n c i a d o d o s d e m a i s t e x t o s l e g a i s e m v i r -
t u d e d a e l e v a d a a b s t r a ç ã o d o s e u o b j e t o , d o t a d o n ã o a p e n a s d o e l e m e n t o 
l ó g i c o , j á b a s t a n t e d e s e n v o l v i d o p e l a C i ê n c i a d o D i r e i t o , m a s t a m b é m e 
c o m i g u a l r e l e v â n c i a , d o e l e m e n t o a x i o l ó g i c o . É c o m o i n c r e m e n t o d a 
h e r m e n ê u t i c a c o n s t i t u c i o n a l q u e s e e l a b o r o u o p r i n c í p i o d a p r o p o r c i o -
n a l i d a d e , o q u a l s e p õ e c o m o i n d i s p e n s á v e l p a r a a i n t e r p r e t a ç ã o d a 
C o n s t i t u i ç ã o , i n t e r p r e t a ç ã o e s s a q u e t e m c o m o p r i n c í p i o r e t o r a e f e t i v a -
ç ã o d a l i b e r d a d e , m e d i a n t e , e x a t a m e n t e , a i m p l e m e n t a ç ã o d o s d i r e i t o s 
f u n d a m e n t a i s , c u j a h e r m e n ê u t i c a e s t á c e n t r a d a e m t r ê s p r i n c í p i o s : p r i n -
c í p i o d a p o n d e r a b i l i d a d e , p e l o q u a l o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s s ã o d o t a -
d o s d e s u p e r i o r i d a d e a x i o l ó g i c a p e r a n t e o s d e m a i s d i r e i t o s e p o s t o s e m 
r e l a ç ã o n o m o m e n t o d a a p l i c a ç ã o , e a s n o r m a s q u e o s d e c l a r a m , d o t a -
d a s d e s u p e r i o r i d a d e s o b r e a s d e m a i s n o r m a s c o n s t i t u c i o n a i s ( s u p e r i o -
r i d a d e m a t e r i a l ) e i n f r a c o n s t i t u c i o n a i s ( s u p e r i o r i d a d e f o r m a l e m a t e -
r i a l ) ; p r i n c í p i o d a m a i o r e x t e n s a b i l i d a d e , q u e o r d e n a a i n t e r p r e t a ç ã o 
a m p l a d o a l c a n c e l ó g i c o e a x i o l ó g i c o d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s ; e o 
p r i n c í p i o d a i m e d i a t i d a d e , q u e d e t e r m i n a a a u t o - a p l i c a b i l i d a d e d e s s e s 
d i r e i t o s , a o s q u a i s m e r e f e r i e m o u t r o t e x t o , m a s a q u i d i m e n c i o n a d o s n o 
p r o p ó s i t o q u e o r i e n t a s e u l i v r o . 
A p ó s a a b o r d a g e m d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s n o E s t a d o D e m o c r á t i -
c o d e D i r e i t o , f o i e l a b o r a d a u m a c u i d a d o s a p e s q u i s a s o b r e o c o n c e i t o 
d i r e i t o a d q u i r i d o a t é a s u a c o n c e p ç ã o a t u a l e m q u e s e c o n j u g a o p r i n c í -
p i o d o d i r e i t o a d q u i r i d o c o m o p r i n c í p i o d o e f e i t o i m e d i a t o d a s l e i s , e m 
c u j a h a r m o n i z a ç ã o r e s i d e a g r a n d e d i f i c u l d a d e . A d e s p e i t o d e s e r e m 
a m b o s p o s i t i v a d o s n o o r d e n a m e n t o j u r í d i c o b r a s i l e i r o , a d o u t r i n a e a 
j u r i s p r u d ê n c i a p á t r i a s a i n d a n ã o a l c a n ç a r a m o d e v i d o n í v e l d e 
c i e n t í f i c i d a d e n o s e u t r a t a m e n t o d e m o d o q u e s e j a e l e i n e q u í v o c o , o b j e -
t i v o , r a c i o n a l m e n t e c o n t r o l á v e l e n ã o p a u t a d o e m s o l u ç õ e s d e c i s i o n i s t a s 
e m a n a d a s d a a l e a t o r i
e d a d e d a o c o r r ê n c i a d e f a t o s c o n c r e t o s g e r a d o r e s 
d e d e m a n d a s e q u e s t i o n a m e n t o s a r e s p e i t o . 
16 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
O princípio do direito adquirido é, dentre os países ocidentais, cons-
titucionalmente expresso no Brasil desde a Constituição de 1934, e 
positivado em lei ordinária em Portugal e Áustria. Em outros países, é 
afirmado em decorrência do princípio da irretroatividade das leis. 
Atinge-se uma explicitação do direito adquirido, concebendo-se esse 
direito na perspectiva da distinção entre gozo (titularidade) e exercício 
do direito; o direito adquirido refere-se ao título, pois, uma vez exerci-
do, qualquer interferência do poder público seria esbulho ou confisco. 
Essa distinção torna prescindível o recurso à denominada regra de com-
petência e regra de conduta, visto que, se a regra de conduta atua no 
modo de exercício do direito, poderá limitar seu exercício de tal forma 
que equivaleria a não mais exercer o direito. Direito que não se exerce, 
é direito inexistente. 
Finalmente se atinge o ponto decisivo do trabalho, em que as cate-
gorias expostas nos dois momentos anteriores são suprassumidas na 
afirmação da intangibilidade do princípio do direito adquirido, alcan-
çando o trabalho da Profa. Dra. Cláudia Toledo a finalidade paciente do 
conceito. 
O Direito apresenta-se como resultado da tensüo dialética existente 
na conjugação de sua historicidade com sua invariabilidade axiológica. 
Os valores assumidos como essenciais pelos indivíduos no exercício da 
soberania popular no Estado Democrático de Direito são positivados na 
forma de direitos fundamentais declarados universalmente. Por se tra-
tar de invariantes axiológicos historicamente revelados, são irreversí-
veis. O Direito, ao instituir e proteger aqueles invariantes, representa e 
efetiva o ideal de justiça daquele momento histórico, cumprido, na tra-
dição da cultura ocidental, como realização do valor igualdade, no pe-
ríodo clássico, da igualdade e liberdade, no período moderno, e dos 
valores igualdade, liberdade e trabalho, no período contemporâneo, 
como justiça social a expressar o traço de inteligibilidade ( ou idealidade) 
do direito no mundo atual. 
Dessa maneira, o direito mostra-se como resultante do processo 
dialético em que se obtém uma permanência na mudança e uma unida-
de na pluralidade, denotando a evolução da humanidade no sentido do 
mais ético, na medida em que sua idealidade se efetiva na concretização 
progressiva da liberdade no curso da história. 
Especificamente, o princípio do direito adquirido evidencia-se como 
condiçüo de possibilidade do Estado Democrático de Direito em decor-
rência de dois fatores em especial: por ser garantia dos invariantes 
axiológicos e por ser viabilizador dos princípios da certeza e da segu-
rança jurídica, ambos integrantes do elenco dos direitos fundamentais. 
É o princípio do direito adquirido, afirma a autora, condiçüo de valida-
de desse tipo de Estado porque configura idealidade exigida pela sobe-
rania popular para a proteção dos invariantes axiológicos expressos nos 
A P R E S E N T A Ç Ã O . - 1 7 
p r i n c í p i o s d a c e r t e z a e s e g u r a n ç a j u r í d i c a . S e n d o c o n d i ç ã o d e p o s s i b i l i -
d a d e e v a l i d a d e d o E s t a d o D e m o c r á t i c o d e D i r e i t o , i n t e g r a o p r i n c í p i o 
d o d i r e i t o a d q u i r i d o s u a e s s ê n c i a e s e m o s t r a c o m o g a r a n t i a 
j u s f u n d a m e n t a / c o m p o n e n t e d o r o l d e d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s , p o r i s s o 
i n t a n g í v e i s . 
T e n d o c u m p r i d o e s t e i t i n e r á r i o , s ó m e r e s t a d e s e j a r q u e a f i n a l i d a d e 
d o l i v r o a l c a n c e c o n c r e ç ã o : q u e o E s t a d o D e m o c r á t i c o d e D i r e i t o s e 
e x p l i c i t e n a i d é i a d e j u s t i ç a c o m o e f e t i v a ç ã o d o s v a l o r e s i g u a l d a d e , 
l i b e r d a d e e t r a b a l h o . 
B e l o H o r i z o n t e , f e v e r e i r o d e 2 0 0 3 . 
J o A Q U I M C A R L O S S A L G A D O 
P r o f e s s o r T i t u l a r d e T e o r i a G e r a l e F i l o s o f i a 
d o D i r e i t o d a F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U F M G . 
P r o f e s s o r V i s i t a n t e d e F i l o s o f i a P o l í t i c a e 
F i l o s o f i a d o D i r e i t o d a F a c u l d a d e d e F i l o s o f i a 
d a U n i v e r s i d a d e d e T ü b i n g e n , A l e m a n h a . 
SUMÁRIO 
APRESENTAÇÃO - JoAQUIM CARLOS SALGADO..................................... 13 
INTRODUÇÃO ........ .•... ...••. ..•.... ... ... .. ..•.................•...•... ...••. .. ... ... ........... 21 
I DIREITOS FUNDAMENTAIS .. ... .................. ... .. ..•.•. •.• . .• . .•............. ... .. 23 
I . I Ética: Moral e Direito ................................................ . 
I. I . I Ética, ethos e razão prática ....................... . 
23 
26 
I . I . II Consciência moral .. ..... ... .... ..... ... ...... .. .... ..... 31 
I . I . III Consciência moral intersubjetiva ............... 34 
I . I . IV Consciência jurídica ....... ....... ........ ..... .. .. ... .. 41 
I . II Direitos fundamentais: conceito, conteúdo, caracterís-
ticas............................................................................... 55 
I . II . I Normas de direitos fundamentais: princí-
pios e regras ... . .. . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . .. ... . .. . 61 
I . II . II Princípio da proporcionalidade .................. 64 
I . II . III Princípios prima facie e princípios defini-
tivos.............................................................. 71 
I . II . IV Direitos fundamentais como direitos subje-
tivos: direitos individuais, políticos e sociais 
fundamentais ... ... ... ..... ... ... .. ..... ... ..... ... ... ....... 79 
I . II . V Garantia dos direitos fundamentais............ 104 
II DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 109 
II . I Estado Democrático de Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 
II . II Democracia................................................................... 120 
II . III Direitos fundamentais no Estado Democrático de Di-
reito............................................................................... 129 
III DIREITO ADQUIRIDO . . . . . . . . • . . . • .. • .. • .. •. .. . . • • . . • . . . . . . . . . . .• . . . . . • . . . . . . . . . . •. . . • . . • . 140 
III . I Direitos subjetivos, direitos adquiridos e situações ju-
rídicas . .... ... . .. ... ... ... ... ... ... ... ... . .. ... ... ... .. ..... ... . .. ...... .. . ... ... 140 
20 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
III . II Desenvolvimento do conceito de direito adquirido... 146 
III . II . I Teoria do direito adquirido antes de sua 
contestação pelas teorias objetivistas...... 146 
III . II . II Teoria das situações juódicas ............... 151 
III . II . III Atual teoria do direito adquirido.......... 165 
III . II . III . I Conceito de "direito adquirido" 165 
III . II . III . II Teoria do direito adquirido .... 176 
III . III Princípio da irretroatividade das leis ...................... 192 
III . IV Leis de interpretação ............. ................................... 199 
III . V Direito adquirido versus expectativa de direito...... 201 
III . VI Direito adquirido versus ordem pública ................. 209 
IV O DIREITO ADQUIRIDO NO DIREITO COMPARADO . .............. .......... 220 
Seu atual tratamento jurisprudencial ........................ ... ........... 220 
IV . I França ........................................................................
220 
IV . II Itália........................................................................... 225 
IV . III Alemanha ........... ...... ... .............................................. 230 
IV . IV Portugal ................. ........ ..... .. ...... ............... ........... ..... 234 
IV . V Brasil ...... ...... ....... ........... ................... .... ........... ......... 245 
V INTANGIBILIDADE DO PRINCÍPIO DO DIREl10 ADQUIRIDO ......... •.•... 250 
V . I Invariantes axiológicos, poder constituinte originá-
rio e intangibilidade dos direitos fundamentais...... 250 
V . II Intangibilidade do princípio do direito adquirido .... 257 
CONCLUSÃO .••.•.....•.•..•.••.•.....••..•..••••. ···••·····•··•··••·••····•·······••·····••······ .• 269 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 273 
INTRODUÇÃO 
Se o tratamento científico da categoria jurídica direito adquirido 
pelo direito civil é feito desde o século XIX, sua compreensão como 
conteúdo de princípio constitucional integrante dos direitos fundamen-
tais na forma de uma de suas garantias apenas se pôde dar com a cons-
trução do Estado de Direito pós II Guerra mundial, quando verdadeira 
revolução constitucional foi empreendida no Ocidente para a instaura-
ção do regime democrático como momento de superação da experiên-
cia da negação bélica da liberdade. 
Para a análise do princípio do direito adquirido, tema da Teoria 
Geral do Direito, foram buscados conceitos desenvolvidos pela Ciência 
do Direito, tendo-se recorrido à Filosofia e especialmente à Filosofia do 
Direito para a fundamentação da intangibilidade desse princípio no Es-
tado Democrático de Direito. O livro apresenta-se então desenvolvido 
em cinco capítulos. 
No capítulo I, são expostos os direitos fundamentais como direitos 
públicos subjetivos na forma de direitos individuais, políticos e sociais, 
para a proteção dos quais são criadas garantias fundamentais. A decla-
ração desses direitos como parte central da Constituição, em função da 
qual se estrutura o Estado é fundamentada na filosofia de Lima Vaz e no 
pensamento jusfilosófico de Salgado e Alexy. 
No capítulo II, é apresentada a situação dos direitos fundamentais 
no atual Estado Democrático de Direito, em que o poder tem origem 
popular, é exercido conforme o princípio da legalidade, proporcionan-
do segurança jurídica aos sujeitos de direito, e tem como finalidade a 
efetividade dos direitos fundamentais. Nesse Estado então, o povo, com 
sua soberania legiferante, elabora a normatividade que lhe rege as rela-
ções sociais, criando mecanismos de controle de atos atentatórios ao 
regime político democrático. 
No capítulo III, discorre-se sobre o desenvolvimento do conceito de 
direito adquirido, expondo-se a teoria clássica, as objeções a ela feitas, 
principalmente pela teoria das situações jurídicas de Roubier, e a teoria 
adotada na atualidade, que retoma a noção de direito adquirido aperfei-
22 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
çoada pelas críticas recebidas. Visando à elucidação de tema jurídico 
ainda tão controverso, propõe-se o conceito de direito adquirido que se 
entende como mais preciso e adequado à evolução que obteve. São en-
tão abordadas questões afins ao direito adquirido que, em virtude de sua 
relação intrínseca à matéria, mostram-se pertinentes e de esclarecimen-
to necessário, quais sejam, sua ligação com o princípio da irretroativi-
dade das leis, sua situação perante leis de interpretação, sua distinção 
da expectativa de direito e sua posição diante do argumento de ordem 
pública. 
No capítulo IV, é analisado o tratamento jurisprudencial do direito 
adquirido nos países cujo Direito, em sua legislação, doutrina e/ou ju-
risprudência, mais influência exerce no ordenamento jurídico nacional 
no que diz respeito a esse tema. São eles França, Itália, Alemanha e 
Portugal. Após a exposição de casos ilustrativos no direito comparado, 
são estudadas decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro, consta-
tando-se a proteção, em todos esses países, do direito adquirido, ainda 
que não se refiram exatamente a , expressão em todos os seus julga-
dos. 
Finalmente, no capítulo V, é demonstrada a intangibilidade do prin-
cípio do direito adquirido, mediante a explicação da relação dialética, 
complementar e não antagônica da historicidade do Direito e da mani-
festação por excelência de soberania popular que é o poder constituinte 
originário com os invariantes axiológicos e a intangibilidade dos direi-
tos fundamentais que deles decorre. A partir da intangibilidade dos di-
reitos fundamentais, afirma-se a intangibilidade do princípio do direito 
adquirido, uma das garantias fundamentais que viabilizam, juntamente 
com o princípio da irretroatividade das leis, a efetividade dos princí-
pios da certeza jurídica e da segurança jurídica, ambos essenciais ao 
Estado Democrático de Direito e, portanto, condição de sua possibili-
dade e de sua validade. 
Capítulo I 
DIREITOS FUNDAMENTAIS 
1 .1 ÉTICA: MORAL E DIREITO 
Para a compreensão do que são os direitos fundamentais em sua 
essência, necessária se faz a sua fundamentação filosófica, pois, como 
ensina Lima Vaz, sendo o abstrato a essência e o concreto, a existência, 
para compreender aquela abstração, imprescindível se mostra o uso re-
flexivo da razão, que é o modo como procede a Filosofia. 1 
A referência aos direitos fundamentais, por vezes chamados "hu-
manos" ou "humanos fundamentais", disseminou-se para além dos 
debates científicos, ocupando lugar de destaque na vida cotidiana. 
Essa situação tem o aspecto positivo de propiciar a discussão cada 
vez mais ampla acerca do tema, de crucial relevância para todos, 
esclarecendo questões e incentivando o engajamento dos indivíduos 
nos assuntos de ordem político-social que os cercam. Entretanto, o 
lado negativo reside na tendência a um discurso meramente retórico, 
que avança pouco além do senso comum, desprovido de maior pro-
fundidade e rigor científico. 
A expressão direitos humanos refere-se ao grupo de valores básicos 
para a vida e dignidade humanas, elevados a direitos dos homens uni-
versalmente, ainda que não positivados; direitos fundamentais, ao con-
trário, representam o grupo desses valores expressamente consagrados 
nos ordenamentos jurídicos nacionais. 
Em verdade, direitos subjetivos propriamente apenas podem ser 
estipulados, atribuídos, dentro de um ordenamento jurídico, em vir-
tude mesmo de sua definição como "prerrogativa vantajosa estipu-
<1> A essência é algo pontual, que se distingue e analisa, e a existência, algo 
progressivo, histórico. Ambas são objeto da Filosofia, que as conhece reflexi-
vamente. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Ética II - Ética Sistemática. Belo 
Horizonte, Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus. 
Santo Inácio de Loyola, 31 out. 1997, notas de aula. 
24 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
lada pelo direito objetivo em benefício dos particulares e munida de 
proteção judicial".2 Como, até o presente momento, não existe um or-
denamento jurídico universal que possa assumir o papel de direito ob-
jetivo, nem um poder judiciário com jurisdição mundial, que garanta 
aquela proteção judicial ao direito subjetivo, somente há que se falar, 
com propriedade técnico-jurídica, em direitos subjetivos em relação 
aos direitos fundamentais. 
Essa conclusão não significa dizer que inexistem os direitos huma-
nos ou que a referência a eles seja indevida. Compõem eles o núcleo 
axiológico que, em virtude de sua essencialidade,fundamenta o mais com-
plexo e avançado tipo de Estado da atualidade: o Estado Democrático de 
Direito. Sua proteção e realização são a finalidade desse Estado e, embora 
oriundos da cultura ocidental, é notória sua tendência à universalização 
e ampliação tanto quantitativa
quanto qualitativamente.3 
Do ponto de vista quantitativo, a observação empírica do cotidiano 
mundial evidencia a gradual inscrição dos direitos humanos nas várias 
convenções internacionais, acordos, pactos e declarações firmados,4 a 
<2l ROUBIER, Paul. Droits subjec et situationsjuridiques. Paris: Dalloz, 1963, 
p. 1-2; 19; 22; 36; 38; 129. Melhor se discorrerá sobre o tema direito subjetivo 
no capítulo III deste livro. 
<3i Como assevera Lima Vaz, os direitos humanos são hoje o único ponto de 
referência ética relativamente estável na presente sociedade globalizada, de-
sempenhando atualmente o papel uma vez já assumido pela Religião. LIMA 
VAZ. Ética II - Ética Sistemática, Belo Horizonte, Centro de Estudos Supe-
riores da Companhia de Jesus, Instituto Santo Inácio de Loyola, 31 out. 1997, 
notas de aula. 
<
4
> Desses documentos, o de maior relevância é a Declaração Universal dos Di-
reitos do Homem, de 1948, elaborada pela Organização das Nações Unidas 
(ONU, organização que, inclusive, na sua resolução 32/130 de 1977, esta-
beleceu a indivisibilidade dos direitos humanos para cuja defesa foi cria-
da), a partir do sentimento de repulsa às atrocidades cometidas na II Guerra 
mundial e dos laços internacionais então criados. Há outras várias inicia-
tivas regionais e de temas especializados a serem citados, como o da 
mulher, das crianças, do trabalho etc. - assim, são exemplos dessa inter-
nacionalização a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a 
Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1952), a Convenção 
para a Prevenção e Repressão do Genocídio (1958), a Declaração dos 
Direitos da Criança (1959), a Declaração sobre a Concessão da Indepen-
dência aos Países e Povos Coloniais (1960), a Declaração sobre a elimi-
nação de todas as formas de discriminação racial, particularmente o 
apartheid (1963), a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971), 
a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos (1975), dentre outras. 
Criaram-se, também, Organizações Não Governamentais (ONGs), den-
tre as quais se destacam a Anistia Internacional, a Comissão Internacio-
nal dos Juristas, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Cf. 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 25 
que adere um número crescente de países, inclusive Estados não demo-
cráticos (ainda que, nesses, a disparidade entre a realidade formal da 
letra dos textos jurídicos e a realidade material dos fatos concretos 
seja ainda mais elevada do que nos Estados Democráticos de Direi-
to). A vivência histórica do homem aparenta caminhar para um con-
senso acerca desses valores básicos que devem ser, em um primeiro 
momento, declarados como direitos humanos, e, posteriormente, 
positivados como direitos fundamentais. Também dentro do orde-
namento jurídico nacional percebe-se a implementação quantitativa 
desses direitos, sendo seu elenco constantemente ampliado. Todo 
Estado Democrático de Direito costuma dispor que os direitos e 
garantias fundamentais expressos na Constituição não excluem ou-
tros decorrentes do regime ou dos princípios por ela adotados ou, 
ainda, dos tratados de que seja parte o Estado. 
Qualitativamente também se estendem os direitos humanos, pois, 
sendo valores considerados essenciais, busca-se incessantemente o en-
riquecimento do seu conteúdo, dotando-se cada direito de progressivo 
grau de especificidade e aprofundamento. 
A grande dificuldade que se coloca hoje, porém, não é nem tanto a 
adesão formal dos Estados aos documentos internacionais, nem mesmo 
a positivação dos direitos fundamentais por eles ( que gradualmente se 
têm transformado em Estados Democráticos de Direito) - embora exis-
tam ordenamentos jurídicos que, infelizmente, nem no estágio de sua 
declaração formal ainda chegaram -, mas reside na efetivação de tais 
direitos no âmbito nacional e, conseqüentemente, mundial. A esse pon-
to se retornará adiante neste capítulo. 
Por ora, importa entender como se dá a construção de valores in-
dividuais e sociais, como alguns deles passam, em virtude de sua im-
portância, a ser dotados dejuridicidaáe, chegando então a compor, explí-
cita ou implicitamente, o ordenamento jurídico regente de determinada 
sociedade. Para tanto, será utilizada a grandiosa obra do insigne filósofo 
Henrique Cláudio de Lima Vaz, o qual elaborou o melhor e mais siste-
mático discurso da atualidade sobre Ética Filosófica no Brasil. 
É somente com essa compreensão ético-filosófica dos direitos fun-
damentais, com a percepção global e reflexiva da totalidade do mundo 
normativo social, que se torna possível a afirmação da intangibilidade 
de qualquer princípio no Estado Democrático de Direito. 
TOLEDO, Cláudia. Direito econômico e cidadania. Belo Horizonte: Fa-
culdade de Direito da UFMG, 1996, p. 33-34. ROBERT, Cinthia et MA-
GALHÃES, José Luiz Quadros de. Teoria do Estado, democracia e po-
der local. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2000, p. 159-161; 232. BRANDÃO, 
Adelino. Os direitos humanos -Antologia de textos históricos. São Paulo: 
Landy, 2001. 
26 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
1 • 1 • 1 Ética, ethos e razão prática 
Direito e Moral, conjuntamente, integram o que se denomina Ética. 
Ambos não se contrapõem, mas se inter-relacionam dialeticamente, con-
forme se verá. Sendo o Direito, portanto, não apenas ligado à Ética, 
mas, de fato, parte dela integrante, apresenta-se, inevitavelmente, como 
manifestação ética. 
A Ética, como ciência, procederá ao estudo do ethos, que é precisa-
mente "a forma ordenadora da cultura enquanto espaço simbólico onde 
vigoram os costumes do grupo social e se exerce a conduta dos indiví-
duos" .5 O ethos é formado pela sedimentação secular, no curso da ex-
periência histórica de um povo, das crenças, valores,6 sabedoria de vida, 
costumes e normas7 tomados como diretivas tanto da ação singular 
(práxis) quanto da conduta humana permanente (hexis ou hábito), isto 
é, todas as representações simbólicas reconhecidas socialmente como 
boas, como prescritivas ao ser humano de um padrão de bondade para 
suas ações e de um sentido para sua vida. Enquanto normatividade 
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. rit, de Filosofia IV - Introdução à 
Ética Filosófica 1. São Paulo: Loyola, 1999, p. 365. Não há registro na Histó-
ria de formação cultural sem ethos, que é sua face voltada para o dever-ser. 
Tal estrutura normativa lhe é inerente, ou seja, "toda vida ética é uma expres-
são cultural e toda vida cultural tem uma significação ética". Cf. LIMA VAZ, 
Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica 
li, p. 221 ; 226. 
<6> Valor é o fundamento da ação humana, que, reconhecido em um determinado 
momento como seu motivo, positivo ou negativo, condiciona seus fins -
logo, procede-se à apreciação do conhecimento (juízo de valor) e à opção 
da liberdade. A finalidade torna-se a realização daquele valor, isto é, 
eleva-se à categoria de fim o que se estima valioso. Os fins resultam, 
portanto, do reconhecimento de valores objetivos que são a razão de ser 
da conduta. Quando se reputa algo como valioso e se orienta em seu 
sentido, o valioso apresenta-se como fim que determina como deve ser o 
comportamento humano (as atividades instintivas repetem-se, o agir éti-
co, ao contrário, transmite-se pela cultura, sendo ainda que apenas o va-
lioso - no sentido da perfeição do homem - historiciza-se, na medida em 
que o que é despido de conteúdo valorativo positivo representa somente 
momento a ser negado pelo seguinte, em que se afirmam valores escolhi-
dos como regentes da vida social). Cf. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 
16.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 71; 378. 
<
7
> São a expressão lógica do sentido da conduta humana para a realização de 
determinado valor tomado fim. 
csi LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 
200-201. Para Lima Vaz, a constituição
do ser humano como criador e 
destinatário do ethos "atesta inequivocamente sua condição singular e 
sua situação metafísica que lhe não permitem estar simplesmente no 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 27 
social, o ethos apresenta-se como costumes ou normas; enquanto indi-
vidual, como hábito.9 Ele é a expressão da normatividade e da teleologia 
imanentes na cultura - cultura como propriamente o mundo humano 
(ou a "morada do homem"), isto é, construído pelo homem, em 
contraposição ao mundo natural, que lhe é dado. 
A Ética submete, então, o saber ético (o conhecimento do ethos 
mediante sua experiência direta, espontânea, como realidade histórico-
social), as "opiniões comuns ratificadas pelo senso moral das gerações" 
(endoxa), os costumes, em suma, toda a ordenação normativa social, 
que é mais vivida do que pensada e existente em toda e qualquer comu-
nidade, à razão, mediante um discurso articulado sistematicamente, 
respeitando as peculiaridades da natureza histórico-social (e, portanto, 
mutante) do ethos.10 Em outras palavras, a Ética tem por objeto o ethos 
enquanto realidade normativa histórico-social, que se manifesta na práxis 
social e individual, sempre orientada pelos valores nele presentes; e tem 
porfinalidade,justamente, explicitar a racionalidade imanente no ethos 
mundo e nem mesmo na história" pelo que "o ser humano é, propriamen-
te, um ser para-a-transcendência", sendo esse estatuto ontológico que 
"fundamenta a vida ética como vida-para-o-Bem tanto na sua dimensão 
subjetiva (vida na virtude) quanto na dimensão intersubjetiva (vida na 
justiça)". Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética 
Filosófica II, p. 200-201; 203-205. 
9> Ao passo que a Moral centra seu estudo no agir individual, na medida em 
que coloca a pessoa como a "última fronteira ontológica" do homem, a 
categoria totalizante de todo o discurso ético, o Direito e a Política têm 
por objeto, segundo Lima Vaz, o agir social. Salgado complementa 
aduzindo que, entretanto, a Política é um meio, elemento de transição, 
um estágio necessário para que seja produzido o direito positivo, deven-
do ela própria, no seu desenvolver, obedecer às normas jurídicas vigen-
tes, pelo que o verdadeiro responsável pelo agir social é, em última ins-
tância, o Direito, esse sim, fim, meta, momento final da objetivação do 
ethos de uma sociedade. Cf. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropo-
logia Filosófica I, p. 17. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia 
Filosófica li, p. 190. SALGADO, Joaquim Carlos. Ancilla iuris. Revista 
da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 34, p. 77-85, 1994, 
p. 84-85. 
10> LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V -Introdução à Ética Filosófica li, p. 12. 
Quando· se afirma o discurso ético como articulado sistematicamente, faz-se 
referência ao sistema aberto, cujos elementos mantêm simultaneamente esta-
bilidade e coerência internas e interação permanente com o mundo circundante, 
pelo que se constituem como síntese em contínua evolução, mantendo a iden-
tidade na diferença ou a permanência na mudança ao longo do tempo (o siste-
ma fechado admite apenas a inter-relação e interação internas entre seus ele-
mentos). Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V- Introdução à Ética Filosó-
fica li, p. 14. 
28 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
e na praxis, em meio à contingência histórica do ethos e aos 
determinismos da natureza, da situação em que se dá o agir ético. 11 
A Ética, como conhecimento prático, é conhecimento reflexivo e 
judicativo cujo objeto, sendo o ethos, a práxis, como apontado acima, 
é o próprio sujeito agente enquanto voltado intencionalmente para a 
ação a ser realizada. A reflexividade aqui é, destarte, imediata, já que 
esse conhecimento não necessita da mediação de um "objeto exterior" 
como no conhecimento teórico e no poiético. Trata-se de conhecimen-
to judicativo "pois passa imediatamente da apreensão do fim do agir e 
da avaliação das suas condições para o juízo prático que prescreve a 
realização ( ou não) da ação"12 - daí ser o conhecimento prático o co-
nhecimento do dever-ser (necessariamente) imanente à práxis. As con-
seqüências desse conhecimento são de vital relevância para o homem, 
porquanto é ele normativo com relação ao conhecimento poiético, à 
técnica, à produção (cujo objeto é eticamente neutro, sendo então regu-
lado pela normatividade ética inerente ao sujeito) e, por outro lado, 
regido pelo logos, cuja forma suprema é, segundo Lima Vaz, a theoria 
ou a contemplação da Verdade-Bem.13 
A auto-realização ou a realização plena da própria vida é orientada 
pela razão prática, constituída pela inteligência e pela vontade, razão 
que guia a práxis humana ao Bem (Fim do agir) e a especifica como 
práxis racional e sensata. 14 A razão no seu uso prático é então 
O ll LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 
15-16; 42; 125; 229. Todo agir humano é passível de qualificaçãQ do 
ponto de vista ético, na medida em que todo ato humano é fundado em 
algo estimável valorativamente, sendo, portanto, voltado para a finalida-
de de realizá-lo (ou evitar sua realização). O agir humano é, desse modo, 
sempre teleológico e nunca pode ser axiologicamente neutro, ao contrá-
rio dos atos do homem, que são biológicos e que não estão no domínio da 
sua vontade. 
<12l LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, 
p. 32. 
<
13l LIMA VAZ. Antropologia Filosófica II, p. 160. Como ressalta Lima Vaz, a 
presente inversão de posições entre conhecimento prático e poiético, com a 
primazia do produzir sobre o agir , ou seja, da razão instrumental sobre a 
teleológica como "forma de vida" é uma das profundas causas da atual crise 
ética. Cf. LIMA VAZ. Antropologia Filosófica II, p. 160-161. 
0 4l Como destaca Salgado, a razão deve sempre incidir sobre a experiência, 
sob pena de se tornar o homem mero animal adestrado. Mediante a razão 
prática, o homem é capaz de praticar atos planejados, ponderados, pen-
sando nos meios e nos fins, utilizando-se da phronesis, da prudência, que 
é, justamente, a capacidade de avaliar, mediante a reta razão, os meios 
conforme os fins que se pretendem alcançar. Essa ponderação toma os 
meios também éticos, não se tratando de um processo poiético nem me-
cânico (como fazem os animais), mas ético, em que se busca o equilí-
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 29 
imanentemente teleológica, impondo ao agir o finalismo do Bem, 15 
seja o agir do sujeito isolada e abstratamente considerado seja de 
toda a comunidade ou sociedade ética. Negar tal finalismo, como 
lembra Lima Vaz, equivale a negar a própria liberdade do homem, 
enquanto ser dotado de inteligência para descobrir o sentido a dar 
para seu agir e vontade de alcançar o fim conhecido, ser, portanto, 
capaz de receber, questionar, criticar a tradição ética que lhe é pas-
sada e decidir se a aceita ou rejeita.16 
Como o homem, no seu agir, não é direcionado apenas por seu inte-
lecto, por sua inteligência, que conhece a norma, mas também pela 
vontade, que opta por sua realização ou não, a identidade entre a práxis 
e seu fim último, o Bem ( caracterizado pela infinítude em contraposição 
à finítude humana) nunca é plena, mas sempre intencional. Como ex-
põe Lima Vaz, o fim conhecido pela razão é o bem do sujeito e o bem ao 
qual a vontade deve consentir é o fim tal como a razão o conhece, 
brio, a harmonia das coisas, o medium aristotélico. SALGADO, Joaquim 
Carlos. Filosofia do Direito I. Belo Horizonte, Programa de Pós-Gradua-
ção em Direito, Faculdade de Direito da UFMG, 24 jun. 1998, notas de 
aula. Ademais, como atenta Reale, sendo o homem o único ente que só se 
realiza enquanto ser no sentido de seu dever-ser, apenas o consegue uti-
lizando a razão prática como determinante do processo histórico. REALE. 
Filosofia do Direito, p. 209. 
15> Esse finalismo ao
Bem explica-se, na Antropologia Filosófica de Lima 
Vaz, pela elevação do homem ao nível do espírito (a última das três cate-
gorias fundamentais do ser humano: corpo próprio - psiquismo - espíri-
to). A noção de espírito é coextensiva à noção de Ser entendida segundo 
as suas propriedades transcendentais de unidade, verdade e bondade. O 
espírito passa, então, "além das fronteiras do homem e obedece ao movi-
mento lógico da analogia de atribuição que aponta para o Espírito abso-
luto e infinito". A categoria do espírito constitui, portanto, "o elo 
conceptual entre a Antropologia Filosófica e a Metafísica", abrindo-se o 
homem, enquanto inteligência, à amplitude transcendental da Verdade, e 
enquanto liberdade, à amplitude transcendental do Bem. Em suma, o es-
pírito, sendo no homem o lugar do acolhimento e manifestação do Ser e 
do consentimento ao Ser, é a categoria pela qual "o homem participa do 
Infinito ou tem indelevelmente gravada no seu ser a marca do Infinito". 
Cf. LIMA VAZ . Antropologia Filosófica/, p. 202; 208-209. 
Essa negação da liberdade foi exatamente o resultado dos dois paradigmas 
teóricos que surgiram em contraposição à teleologia da razão prática no 
sentido do Bem: a submissão da práxis individual ao aleatório das con-
venções sociais, ao simples arbítrio (relativismo) ou a sua integração no 
determinismo da natureza, em que vigora o domínio sobre ela de fatores 
condicionantes intrínsecos, como as pulsões afetivas, e/ou extrínsecos, 
como pressões sociais, culturais e outras (naturalismo). Cf. LIMA VAZ. 
Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 143; 146-
147; 174. 
30 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
resultando, da inteligibilidade da estrutura dessa inter-relação entre o 
domínio objetivo e o subjetivo que, do ponto de vista subjetivo ou na 
imanência do sujeito, o fim é medido pelo ato (a inteligência que o avalia 
e a vontade que a ele tende), sendo fim-para-o-indivíduo e, do ponto de 
vista objetivo, o fim como termo real da ação é a medida do ato e, portan-
to, o transcende, sendo fim-em-si. Essa tensão, presente em todo ato ético 
e decorrente da imanência da sua perfeição como forma ou fim subjetivo 
do sujeito e a transcendência do objeto como fim objetivo, pelo qual o ato 
recebe seu conteúdo real de realização do Bem, é uma constante no sujei-
to ético, dado ser ele finito, ser-no-mundo, ser situado em meio a condi-
ções concretas da realidade empírica, ser, portanto, limitado, que não 
consegue realizar em si a plena identidade entre o espírito e o ser, mas 
apenas uma identidade relativa, em que sempre há a diferença entre o ato 
e o objeto.11 
O processo dialético de identidade da razão prática com o universal 
abstrato, particularizada pela situação empírica, e singularizada pelo 
ato humano praticado em conformidade àquela universalidade abstrata, 
mediante processo de deliberação, discernimento e escolha, é o que dá 
conteúdo ao universal, tomando-o concreto. Esse é o silogismo prático, 
cuja originalidade reside na elaboração de um imperativo para o agir e 
não simplesmente de uma proposição cognitiva, pelo que nele há a "cau-
salidade circular entre inteligência e vontade: a inteligência julga a reti-
dão da vontade e a vontade impera o assentimento da inteligência", sen-
do o agente ético, como racional e livre, causa sui, isto é, "se 
autodetermina a agir em razão de si mesmo, dando-se a si mesmo as 
razões de seu ato". 18 
<17i LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 
106-108. Explica o filósofo, a respeito do Bem, que, sendo experiência 
metafísica, Bem e Ser apresentam-se como conceitos originários 
topicamente conversíveis. Bem "é o Ser na medida em que se apresenta 
como uma perfeição, uma realização", acrescentando ainda que "se o 
Bem é o Ser, o Mal é o não ser", é apenas ausência do Bem. LIMA VAZ. 
Ética li - Ética Sistemática. Belo Horizonte, Centro de Estudos Superio-
res da Companhia de Jesus, Instituto Santo Inácio de Loyola, 1 O out. 
1997, notas de aula. 
risi LlMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 
35; 51. Como ensina o filósofo, o universal, sendo o momento da atribui-
ção dos predicados mais gerais ao objeto, é o primeiro nível de 
conscientização da realidade que se faz. Somente pelo universal pode-se 
iniciar o processo cognoscitivo, já que não se pode imediatamente, por 
intuição, conhecer a realidade concreta, a qual não se explica por si mes-
ma. LIMA VAZ. Ética li - Ética Sistemática. Belo Horizonte, Centro de 
Estudos Superiores da Companhia de Jesus, Instituto Santo Inácio de 
Loyola, 27 ago. 1997, notas de aula. 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 31 
1 • l . li Consciência moral 
Ao refletir sobre a ação singular, o ato moral, a razão prática fornm-
la, como judicativa que é, juízo sobre a conformidade do ato com a 
norma objetiva ou com a universalidade abstrata da Verdade, do Bem. 
Toda essa reflexão judicativa, constitutiva do agir ético, imanente ao 
ato moral, que julga a realização ( ou não) de sua destinação essencial 
ao Bem é que configura a consciência moral.19 
Desse modo, o sujeito, no uso de sua razão prática, participa do 
ethos no qual está necessariamente inserido desde seu nascimento, sen-
do que essa razão, universal nos seus princípios e normas consagradoras 
do Bem, no desenvolver do silogismo prático, particulariza-se em seu 
exercício na situação concreta, singularizando-se como consciência 
moral do sujeito que julga seu ato.20 
O critério estabelecido pela própria razão em seu conhecimento do 
bem objetivo e que servirá de parâmetro para avaliar essa conformidade 
é a "norma da retidão moral" ou reta razão. Por reta razão, entende-se 
a razão pura prática, que impõe ao agir o padrão, que dirige o agir 
humano e define o conjunto do instituído pelo agente como o que lhe é 
melhor (ethos) - segundo o conhecimento do Bem-, o qual passa a ser 
assumido como verdade obtida através do processo de razoabilidade e 
objetivada mediante consenso livre. Por isso, o dever não é algo arbitrá-
rio ou fundado no sentimento, mas racional, vez que razoável, sendo 
dessa razoabilidade que advém sua universalidade. Estipulando o que é 
melhor, a reta razão determina a liberdade de fazê-lo, criando a obriga-
:ão moral, advinda do consenso.formado pela educação. Conhecido o 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 52; 
59;61;63; 172. 
Sujeito ético, como ensina Lima Vaz, é o ser humano enquanto faz uso da 
razão como razão prática para guiar suas ações (ou para afastar-se do 
caminho por ela indicado), aquele então que busca, em processo contí-
nuo e qualitativamente diferenciado - o que exclui a repetição meramen-
te cumulativa - a realização existencial de sua essência como ser racio-
nal e livre no plano de seus fins e valores. A vida ética, como aquela 
vivida sob a regência contínua e progressiva da razão prática, é a própria 
vida do sujeito ético, que desenvolve, então, virtudes, traduzidas como a 
posse permanente do sujeito ético que opera de sorte a realizar sempre 
melhor a perfeição da sua orientação para o Bem. É na virtude (areté) 
como vida segundo o Bem, como forma mais elevada da vida humana 
portanto, que se resume a essência da resposta socrática à exortação de 
Píndaro: torna-te o que és - dessa resposta nasceu a Ética. Cf. LIMA 
VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica //, p. 33; 
141; 158-159. Sobre agir ético e vida ética, cf. LIMA VAZ, Henrique 
Cláudio de (org. e intr. TOLEDO. Cláudia et MOREIRA, Luiz). Ética e 
Direito. São Paulo: Loyola & Landy, 2002. 
32 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
Bem pela reta razão, o sujeito se submete à "imposição" que se coloca 
de praticá-lo. Trata-se aqui da necessidade Livre. Assim, o Bem, en-
quanto valor, é apreciado e desejado pelo sujeito
Livre como aquilo 
capaz de lhe conferir a perfeição, ou seja, é avaliado pelo sujeito ético 
como a forma efetiva de sua realização como ser livre, sendo pela reta 
razão, como "regra ordenadora dos meios e dos fins", que o sujeito 
consegue informar uma estrutura teleológica ao seu agir em meio a um 
universo de bens e valores diante dos quais é posto na sua experiência 
de vida.21 
Assim, no movimento dialético do silogismo prático, a consciência 
moral, na singularidade de seu ato, mostra-se como termo do processo 
e como suprassunção,22 de um lado, da universalidade dos princípios e 
da inclinação ao Bem como normas do seu julgamento, e de outro, da 
particularidade das condições que tomam possível o mesmo ato segun-
do aquelas normas. Por isso dizer-se que a consciência moral é o ato por 
excelência da razão prática e a primeira expressão do Eu sou como 
sujeito ético. É o ato momento terminal da totalidade dos atos da razão 
prática, momento do absolutamente singular, já que "ato do sujeito em 
sua inalienável identidade". 23 
A consciência moral, por sua intensidade reflexiva no ato moral, é a 
responsável por atestar o estágio de formação alcançado pela persona-
l21 LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 109-
11 O; 115. LIMA VAZ. Ética li-Ética Sistemática. Belo Horizonte, Centro de 
Estudos Superiores da Companhia de Jesus, Instituto Santo Inácio de 
Loyola, 17 e 22 out. 1997, notas de aula. O sujeito se depara com uma 
multiplicidade de bens a serem avaliados segundo sua maior ou menor 
capacidade de sua implementação enquanto ser ético e, dado ser essa 
capacidade medida em relação ao Bem, ela propicia então uma 
multiplicidade hierarquizada dos valores segundo o conteúdo objetivo 
dos bens que neles se exprimem - por isso a existência de valores funda-
mentais. O valor, portanto, não é arbitrário, mas baseado no Bem, é a 
própria apreciação do Bem. LIMA VAZ. Ética li - Ética Sistemática. Belo 
Horizonte, Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, Instituto 
Santo Inácio de Loyola, 15 e 17 out. 1997, notas de aula. 
l22l Suprassunção, tenno sugerido por Lima Vaz como tradução do vocábulo 
hegeliano Aujhebung, equivale à negação e à conservação do momento ante-
rior no momento posterior que se dá simultaneamente no movimento dialético. 
Por isso, o termo desse movimento se define como "restituição da singulari-
dade de cada momento na unidade de um todo logicamente organizado, no 
qual o princípio, inicialmente apenas dado, se reencontra como fim, pensado 
na sua estrutura inteligível". Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V-Intro-
dução à Ética Filosófica li, p. 209. 
l23l LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 52; 
59; 61; 63; 172. LIMA VAZ. Antropologia Filosófica li, p. 146. 
DIREITOS FUNDAMEr s - 3 
idade morafl-4 - moldada a partir da realização existencial da pessoa~ 
sob as condições favoráveis ou adversas (tradição, educação, situações 
oor que passa o sujeito - e a direção do seu crescimento. Como acentua 
Lima Vaz, o ato da consciência moral é o "índice infalível do progresso da 
personalidade moral no roteiro que a deve conduzir de uma vida oscilante 
na indeterminação do livre-arbítrio a uma vida firmada na liberdade do 
consentimento ao Bem", 26 pelo que é lícito concluir que a unidade existen-
cial do homem, embora tenha fundamento ontológico, possui necessaria-
mente coroamento ético. A unificação da própria vida não é para o homem 
um processo que se desenrola apenas "na ordem do ser, mas que se 
perfaz sob o signo do dever-ser, e nela tem lugar a passagem permanen-
te da necessidade ontológica para a necessidade moraf'. 27 
A formação da personalidade moral da pessoa é a sua própria realização 
existencial e esse é o desafio mais radical enfrentado pelo sujeito na sua 
vida. Ao mesmo tempo, tratando-se o homem de ser constitutivamente 
ético, a eticidade é o primeiro predicado do imperativo de sua auto-rea-
lização - processo orientado intrinsécamente pelo alvo da vida realizada 
ou da vida impelida pela exigência do melhor, processo esse que tem 
como base a liberdade, justamente o poder de atuação do homem no sen-
tido de sua realização pessoal. Cf. LIMA VAZ. Antropologia Filosófica 
II, p. 146; 154. 
Pessoa é o ser humano capaz de viver uma vida ética. tendo sempre como 
seus constitutivos essenciais à subsistência (a pessoa subsiste em sua 
absoluta e inviolável singularidade) e a manifestação (a pessoa se mani-
festa naquela que é a expressão propriamente humana da sua existência, 
a vida tecida pelos atos humanos, dentre os quais os atos morais como 
aqueles que mais radicalmente exprimem sua singularidade). O existir 
como pessoa, fundamento de todos os predicados que formam a singula-
ridade do ser humano, é, segundo Lima Vaz, o que o distingue de todos 
os demais seres vivos, sendo a pessoa um todo, mas paradoxalmente um 
todo aberto, porquanto "no ápice da sua constituição ontológica ela se 
abre, pela inteligência e pela liberdade, à universalidade do Ser e do 
Bem", pelo que se vai auto-realizando nas vicissitudes da sua história. 
Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica 
II, p. 234; 236-237. 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 172. 
Embora no momento da experiência concreta do agir ético a razão prática seja 
movida por um poderoso componente afetivo que condensa numa simples 
intuição do bem a ser feito tanto a complexa estrutura de racionalidade que 
sustenta o ato moral quanto o intricado entrelaçamento de condições naturais 
e históricas que configuram, na situação, o horizonte ético objetivo em virtu-
de do qual o sujeito deve agir, essa intuição absolutamente original está pro-
fundamente comprometida com a consciência moral individual e intersubjetiva, 
dela não se dissociando. Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução 
à Ética Filosófica II, p. 126; 171. 
LIMA VAZ. Antropologia Filosófica II. p. 146. 
34 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
É a consciência moral o liame interior da razão prática com o Bem, 
da razão prática que se autodeterrnina ao Bem, pelo que a obrigação 
moral que dessa consciência resulta nada mais é do que a "necessidade 
própria da liberdade", necessidade ao mesmo tempo subjetiva, como ato 
independente de qualquer coerção exterior, e objetiva, como forma, advinda 
da natureza vinculante do próprio Bem como fim do movimento da ra-
zão prática. Trata-se de uma "autonecessitação do sujeito em sua rela-
ção com o bem objetivo (necessidade mora[)" ou necessidade livre.28 
A consciência moral, a despeito da diversidade das tradições culturais, 
apresenta dois traços invariáveis: sua singularidade, em face da interioridade 
radical da sua experiência que leva a termo o movimento dialético do 
silogismo prático, realizando a passagem da universalidade abstrata para a 
concreta, e sua superioridade de julgamento, que se eleva acima das cama-
das da subjetividade (afetivas, volitivas e racionais) e resiste às tentativas 
de submetê-la às pulsões ou aos interesses privados do sujeito. A consciên-
cia moral possui, destarte, estrutura interior-superior.29 
1 . 1 . Ili Consciência moral intersubjetiva 
No entanto, como ser social, o homem não existe isoladamente, 
estando sempre em inter-relação com os demais indivíduos, pelo que o 
agir ético "não se encerra no interior da estrutura monádica do Eu, mas 
se autodeterrnina como relação essencial e constitutiva com o outro 
Eu".30 A relação de encontro com o outro é sempre uma relação de seu 
<
28> LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li , p. 
62-63. 
<29i LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 
53. Segundo o filósofo, "a consciência moral, sob as mais variadas for-
mas, aparece como um fato universal da
experiência humana, guardando, 
em todas as suas manifestações, certas características comuns que per-
mitem falar de uma unidade da consciência moral constitutiva do ser 
humano como tal", sendo a característica fundamental "a capacidade inata 
do homem de julgar suas próprias ações e o sentido de responsabilidade 
que daí decorre". Cf. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. A consciência 
moral, categoria fundamental da Ética. Belo Horizonte, Centro Loyola 
BH, Instituto Santo Inácio de Loyola, sinopse de palestra, p. 1-9, 25 set. 
1997, p. 3-4. Acrescenta ainda que, "com efeito, por mais longe que des-
çamos ao íntimo de nós mesmos, a consciência moral reluz mais fundo 
ainda dentro de nós e não podemos captá-la nem submetê-Ia aos nossos 
interesses e paixões; e por mais altos e abrangentes que estabeleçamos os 
critérios de nosso autojulgamento, acima deles paira a consciência moral 
como juiz incorruptível, diante do qual silenciam nossas razões pessoais". 
Cf. LIMA VAZ . Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica 
li , p. 53. 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica Il, p. 71. 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 35 
reconhecimento (razão prática cognoscente) no horizonte universal do 
Bem e seu consenso, consentimento (razão prática volitiva, inclinação 
da vontade) como alter ego, um igual, sujeito também dotado de 
racionalidade e liberdade, sendo, por conseguinte, relação pautada no 
pressuposto de reciprocidade entre as duas partes.31 Qualquer instru-
mentalização do outro - sua visão sob a perspectiva da utilidade, como 
ocorre na razão poiética da relação sujeito-objeto - é então desvirtuação 
da qualidade moral da relação inter-humana.32 
Conforme Lima Vaz, a relação de intersubjetividade desdobra-se 
em quatro níveis fundamentais em que se articulam as formas do exis-
r-em-comum dos homens. O primeiro é o nível do encontro pessoal 
u do existir interpessoal do Eu-Tu, em que se situa a realidade hu-
mana do amor na sua tri-unidade de pulsão, amizade e dom (de si ao 
outro). O segundo, nível do consenso espontâneo ou do existir 
ntracomunitário, em que tem lugar a relação Eu-Nós intragrupal, 
advindo a reciprocidade da convivialidade própria da vida comuni-
tária e de um colaborar espontâneo e cordial nas tarefas da comuni-
dade, relação especificada pela virtude da amizade. Em seguida, o 
vel do consenso reflexivo ou do existir-em-comum da relação Eu-
'ós extragrupal ou intra-societária, cuja reciprocidade é expressa 
_ los direitos e deveres dispostos juridicamente, dando-se a passa-
gem da comunidade para a sociedade política heterogênea, sendo 
essa relação especificada pela virtude da justiça. O quarto e mais 
amplo nível é o da comunicação intracultural ou do existir históri-
do homem na relação Eu-Humanidade, sendo a História, na sua 
onga dimensão do tempo e do espaço, o englobante último da socieda-
humana enquanto tal, estando ligada à história pessoal de cada sujei-
pelo universo cultural multifacetado.33 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 
71;75. 
Daí o imperativo categórico kantiano que determina a necessidade de 
tratar a humanidade, "em nós mesmos e nos outros", sempre como um 
fim, nunca como um meio. Sobre o imperativo categórico, cf. SALGA-
DO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant. 2.ª ed. Belo Horizonte: 
UFMG, 1995, p. 211-219. GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamen-
to de validade do Direito - Kant e Kelsen. Belo Horizonte: Mandamen-
tos, 2000, p. 63-64. 
LIMA VAZ. Antropologia Filosófica II, p. 77-79. O existir histórico do ho-
mem ( quarto nível da sua relação de intersubjetividade) tem como face subje-
tiva a consciência histórica do sujeito e, como objetiva, o sentido da História. 
Ambos aspectos, segundo Lima Vaz, ocuparam lugar privilegiado de reflexão 
sobre o homem no pensamento filosófico (ainda que com conclusões, por 
vezes, opostas), de Hegel até a atualidade. Cf. LIMA VAZ. Antropologia Fi-
losófica II, p. 79. 
36 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
O reconhecimento e o consenso podem, assim, ser obtidos tanto 
espontaneamente quanto reflexivamente. São espontâneos quando a tra-
dição dos valores e costumes, passados de geração para geração, é tão 
arraigada no seio da comunidade ética que sua força basta para manter 
coeso o ethos reinante, sentindo-se os indivíduos nela naturalmente in-
tegrados. São reflexivos quando as razões do ethos são demonstrativa-
mente explicitadas por meio de uma educação ética, que se dá pela 
disciplina intelectual da Ética. Seja espontânea seja reflexivamente, o 
reconhecimento e o consenso encontram como instrumento universal 
para assegurar sua permanência a norma, em várias sociedades codifi-
cada em lei. 34 A norma é justamente a dimensão objetiva da convicção 
subjetiva do sujeito (máxima kantiana35 ). Essa última, especialmente 
quando advinda daqueles considerados sábios - aqueles portadores do 
saber ético, que, por conhecerem a estrutura normativa regente da práxis 
social e pautarem sua conduta por ela são tomados como exemplo pela 
comunidade ética -, é capaz de garantir certa permanência do reconhe-
cimento e do consenso espontâneo. Todavia, nas sociedades em que o 
saber ético foi integrado na Ética como ciência do ethos, a efetividade 
da máxima perde sua força, tomando-se indispensável a proposição de 
normas universais - para tanto, de teor estritamente racional - que im-
ponham ao agente a necessidade ( fundada na razão) do reconhecimento 
e do consenso. A criação da norma é, destarte, a resposta, a solução para 
a própria duração no tempo da comunidade ética ou da sociedade. En-
tretanto, mesmo a norma não é efetiva, ou seja, observada, cumprida na 
prática, se não houver um grau de correspondência entre os atos de 
<
34
> A definição de norma aqui é a de toda regra prescritiva de conduta humana, 
seja ela moral, religiosa,jurídica, de convivência etc., sendo lei a norma jurí-
dica escrita, geral, abstrata, permanente, constitutiva, de modo obrigatório, 
de direitos e deveres, emanada de autoridade competente, dotada de sanção 
objetiva e determinada. Ensina Salgado que a lei objetiva e racionaliza, atra-
vés de processo reflexivo, os costumes, hábitos e valores sociais, cujo conteú-
do impreciso não será mais meramente repetido, mas querido, a partir de sua 
consciência, pelo que se introduz no ethos a recta ratio. Cf. SALGADO, 
Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996, p. 
318-319; 339. 
<
35
> Como explica Salgado, "a máxima é um princípio de ação do sujeito e não 
apenas o impulso da ação, que também possui o animal, um princípio de ação 
que media a lei moral abstrata e a ação concreta do indivíduo", sendo que 
somente quando a máxima é realização do princípio universal objetivo é que 
coincidirá com a lei, passando a ser lei. A lei, por seu turno, "é universal 
porque válida para todos indistintamente. E, para ser válida para todos, é 
formal, não pode levar em conta os aspectos contingentes da sua aplicação 
subjetiva" (isonomia como princípio formal da aplicação legal). Cf. SALGA-
DO. A idéia de justiça em Kant - seu fundamento na liberdade e na igualda-
de, p. 197-199. 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 37 
deliberação e escolha de cada sujeito e os fins, valores e normas do 
thos social, sendo que essa homologia só é assegurada na medida em 
yUe as condições (situações, oportunidades, opções) surgidas na 
concretude da vida social mantenham entre os sujeitos razoável propor-
·ão de igualdade na sua participação no ethos, na sua formação, modi-
ficação, evolução.36 
A gênese das normas éticas destinadas a reger o agir social dos 
indivíduos não é obra de uma consciência moral individual, já que o 
nomem tomado isoladamente não passa de um momento abstrato (em 
termos dialéticos), útil apenas para fins de uma abordagem
racional-
reflexiva da formação do ethos, mas resultado da consciência moral 
ntersubjetiva ou social, que é o momento do efetivo exercício da cons-
iência moral individual no encontro com o outro. No entanto, como 
ressalta Lima Vaz, a expressão consciência moral intersubjetiva recebe 
significação apenas analógica em relação à consciência moral indivi-
dual, que constitui o termo do movimento dialético do agir moral em 
sua estrutura subjetiva. Significação analógica porque a sociedade não 
um sujeito real subsistente como são os indivíduos que a integram -
esses, sim, portadores de consciência moral como reflexão final do agir 
ético sobre si mesmo -, mas um sujeito analogamente denominado, 
:::uja existência se funda no corpo simbólico e histórico da sociedade 
ormada pela trama das suas relações, a começar pelo reconhecimento 
pelo consenso. Trata-se de uma existência racional e fundada na rea-
idade. A consciência moral intersubjetiva é, portanto, obra da razão 
prática responsável pela unidade e identidade da sociedade, obra volta-
da, por extensão analógica, à primazia social da liberdade para o Bem. 
existência dessa consciência comum, partilhada pelos membros da 
sociedade, é atestada pela "aceitação de um mesmo sistema de normas, 
alores e fins interiorizado em maior ou menor profundidade na cons-
:::iência moral dos indivíduos".37 
O encontro com o outro, a partir do qual se forma a consciência 
moral intersubjetiva pode-se dar em três níveis: no nível do encontro 
ssoal, do "Eu" e do 'Tu" como outro "Eu", forma primeira de encon-
tro que serve de fundamento para os níveis mais amplos; o encontro 
omunitário, em que a consciência moral intersubjetiva se manifesta 
como integração (maior ou menor) das consciências individuais na uni-
dade de um Nós, com a relação "Eu-Tu" ampliando-se para acolher um 
terceiro termo "Ele" e assim sucessivamente, sendo este nível o media-
dor entre o primeiro e o último a seguir; e o encontro societário, em que 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V -Introdução à Ética Filosófica II, p. 76; 
198. 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica II, p. 77; 
85-86. 
38 • DIREITO ADQUIRIDO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
a reciprocidade da relação "Eu-Tu" é mediatizada por instâncias regu-
ladoras da existência em comum, como Leis codificadas e poderes legi-
timados, ambos destinados a assegurar a estabilidade e permanência do 
corpo social. A consciência moral intersubjetiva no nível societário é cha-
mada por Lima Vaz de consciência cívica, de caráter ético-político. Quan-
do as normas éticas, produzidas por ela, são assumidas como públicas, isto 
é, ao mesmo tempo de todos e de cada um, e não apenas particular, de um 
grupo destacado, perfaz-se identidade ética de toda a sociedade, fundada 
em uma consciência moral intersubjetiva universal, que, concêntrica e 
dialeticamente, conforma-se às consciências morais individuais, 
mediatizadas pelas consciências morais intersubjetivas, particulariza-
das nas condições reais surgidas das situações concretas.38 
A práxis ética é, assim, estrutural e dialeticamente tridimensional: é 
uma ação do indivíduo ou sujeito ético, conforme sua razão e liberdade 
(dimensão subjetiva); é cumprida no seio de uma sociedade, a partir do 
reconhecimento do outro como ser moral e de sua livre aceitação (di-
mensão intersubjetiva); e tem como norma o conteúdo histórico de cer-
to ethos que determina o agir social dos indivíduos (dimensão objetiva) 
- surgindo assim a institucionalização do consenso no caso do Direito. 
A inteligibilidade dessa realidade objetiva transcende as razões 
imanentes ao sujeito ético e às relações intersubjetivas, sendo dotada de 
invariantes conceptuais não explicáveis pela relatividade histórica do 
próprio ethos - invariantes esses que constituem a estrutura fundamen-
tal do universo ético e conferem especificação ética objetiva ao agir 
ético. O conteúdo objetivo, o sentido ético da práxis (agir, e da hexis, 
como hábito) é transmitido pelo ethos, enquanto esse recebe daquela 
seu existir concreto, a garantia de sua permanência. Pelo silogismo prá-
tico, esses três momentos se inter-relacionam mediante a negação da 
abstração da universalidade do ethos pela particularidade da práxis 
individual situada socialmente Uá que o agir é sempre social), do que 
resulta a singularidade do agir ético na sua situação empírica espaço-
temporal, sendo o agir ético assim elevado ao nível da universalidade 
definido pela ordenação normativa da razão prática e do ethos ao Bem. 39 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética Filosófica li, p. 87-
90. Como ressalta Lima Vaz, é no nível do encontro societário que "mais 
facilmente e quase estruturalmente se estabelece uma polaridade de atitudes 
positivas ou negativas em face do outro: é o campo onde se faz mais niti-
damente a aparição de fenômenos essencialmente antiéticos como a uti-
lização, a dominação, a instrumentalização do outro. Em suma, o campo 
no qual a sociedade pode desenhar a face desumana e mutilada da sua es-
sência ética". Cf. LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V - Introdução à Ética 
Filosófica li, p. 89. 
LIMA VAZ. Escritos de Filosofia V-Introdução à Ética Filosófica li, p. 93; 
95-96; 145-146. 
DIREITOS FUNDAMENTAIS • 39 
Como destaca Lima Vaz, desde as origens do pensamento ético, o 
problema de uma realidade objetiva a ser atribuída ao ethos mostrou-se 
como fundamental, tendo a consideração da existência dessa estrutura 
objetiva, da norma do agir ético, oscilado conforme o modelo de Ética 
adotado. O certo é que não há sociedade sem essa estrutura objetiva, 
não há sociedade sem normas. A tarefa do Direito foi, então, a partir de 
um certo estágio da evolução social, explicitar, num corpo de razões 
organizadas em forma de demonstração, a racionalidade implícita de-
positada lentamente ao longo dos séculos pela prática das comunida-
des, em seus costumes e instituições, passando as ações humanas a ser 
regidas não mais por normas morais de conduta, mas por leis codifica-
das. Assim, por mais longe que a ciência recue no tempo, sempre en-
contrará uma correspondência estrutural entre a cultura material e a 
cultura simbólica e, nessa, um sistema perfeitamente organizado de 
normas e interditos a reger os costumes do grupo e a conduta dos indi-
ríduos, ou seja, o ethos. Sob a forma de interditos, havia a primazia da 
comunidade sobre os indivíduos, como nos modelos cosmonômico ( as 
leis humanas fundamentadas nas leis da natureza - direito arcaico), 
ídeonômico (leis fundamentadas nas idéias humanas, como de Platão 
ou Aristóteles - Filosofia Grega) ou o teonômico (leis fundamentadas 
na vontade divina - Teologia). Ao contrário, pelo modelo autonômico, 
realiza-se a reviravolta antropocêntrica, passando o sujeito ao funda-
mento ontológico das razões filosóficas, a ser moral definido pela li-
berdade ("metafísica da liberdade", cujo início remonta ao séc. XIII, 
com F. Suárez, Pufendorf, pela Escola do Direito Natural; Rousseau; 
Kant, como expoente desse modelo ético; e Hegel). 40 
LIMA VAZ. Ética lI - Ética Sistemática. Belo Horizonte, Centro de Estudos 
Superiores da Companhia de Jesus, Instituto Santo Inácio de Loyola, 22 e 24 
out. 1997, notas de aulas. Platão, com seu modelo, pretendeu superar a 
dissimetria entre o histórico e o ideal a partir da profunda reformulação 
da concepção antropológica vigente na cultura grega mediante a exposi-
ção de uma nova idéia do homem na República. A objetividade foi 
conferida por Aristóteles ao ethos através da universalidade da idéia de 
eudaimonia como fim do agir ético e cujo objeto mais perfeito será o 
divino e a universalidade puramente inteligível, ambos descobertos pela 
contemplação. O modelo teonômico da tradição cristã, ao identificar a 
Idéia do Bem com a lei eterna na mente divina, lei essa que é a norma 
suprema

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