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Carta a Karl Korsch 
Amadeu Bordiga 
1926 
 
Fonte: The Marxists Internet Archive
Tradução: Nildo Viana. 
 
Caro companheiro Korsch, 
As questões estão hoje tão graves que, na verdade, seria necessário poder discuti-las 
pessoalmente e com bastante tempo, mas esta possibilidade no momento, infelizmente, 
não a temos. Nem ao menos posso escrever-lhe detalhadamente sobre todos os pontos 
de sua plataforma, alguns dos quais poderiam dar lugar a uma útil discussão entre nós. 
Por exemplo, o seu "modo de se exprimir" sobre a Rússia parece-me incorreto. Não se 
pode dizer que "a revolução russa é uma revolução burguesa". A revolução de 17 foi 
uma revolução proletária, se bem que seja um erro generalizar suas lições "táticas". 
Agora, coloca-se o problema: que acontecerá com a ditadura do proletariado num país 
se não houver a sequência da revolução nos outros países? Pode acontecer uma 
intervenção externa, pode acontecer uma continuidade degenerada cujos sintomas e 
reflexos dentro dos partidos comunistas precisamos descobrir e definir. 
Não se pode dizer simplesmente que a Rússia é um país onde se expande o capitalismo. 
A coisa é muito mais complexa, trata-se de novas formas da luta de classes que não têm 
precedentes históricos; trata-se de demonstrar como qualquer concepção das relações 
com a classe média sustentada pelos stalinistas é uma renúncia ao programa comunista. 
Parece-me que você exclui a possibilidade de uma política do Partido Comunista russo 
que não equivalha à restauração do capitalismo. Isto equivaleria a dar uma justificativa a 
Stálin ou a sustentar a política inadmissível de "demitir-se do poder". É necessário, ao 
contrário, dizer que uma política correta e classista na Rússia teria sido possível sem a 
série de graves erros de política internacional cometidos por toda a "velha guarda 
leninista" junta. 
Tenho, pois, a impressão - e me limito a vagas impressões - de que nas suas 
formulações táticas, ainda quando são aceitáveis, você concede um valor 
demasiadamente preponderante às sugestões da situação objetiva, que pode hoje parecer 
uma volta à esquerda radical. Saiba que, hoje, nós, esquerdistas italianos, somos 
acusados de negar o exame das situações; e isto não é verdade. Todavia, almejamos a 
construção de uma linha de esquerda verdadeiramente geral e não ocasional, que se 
ligue a si mesma através de fases e desenvolvimentos de situações distintas no tempo e 
diversas, encarando-as todas num bom terreno revolucionário, não certamente 
ignorando seus caracteres específicos e objetivos. 
Vamos, sem mais delonga, à sua tática. Para me exprimir com fórmulas abertas e não 
oficiais..., direi que esta me parece ainda, nas relações internacionais do partido, 
demasiado elástica e demasiado... bolchevique. Todo raciocínio com o qual você 
justifica a atitude favorável ao grupo Fischer, isto é, que você contava levar para a 
esquerda, ou se recusava a desvalorizá-lo diante dos olhos dos operários, não me 
convence e me parece que, pelos fatos, não tenha dado bons resultados. Em geral, penso 
que num primeiro plano hoje, mais que a organização e a manobra, se deve colocar um 
trabalho prejudicial de elaboração de uma ideologia política da esquerda internacional, 
baseada nas experiências eloqüentes atravessadas pelo Comintern. Estando muito 
atrasada neste ponto, qualquer iniciativa internacional fica difícil. 
Alinharei poucos apontamentos sobre a nossa posição com respeito às questões da 
esquerda russa. É sugestivo que tenhamos visto as coisas diversamente: você, que era 
muito desconfiado com relação a Trótski, chegou rapidamente ao programa de 
solidarização incondicional com a oposição russa, apoiando mais Trótski que Zinoviev 
(compartilho com esta preferência). 
Hoje, quando a oposição russa teve que "se submeter", você fala de uma declaração em 
que se deveria atacá-la por ter deixado cair a bandeira, coisa que eu não poderei estar de 
acordo em fazer enquanto prioritariamente nós não tivermos a crença de "fundirmo-nos" 
sob esta bandeira internacional defendida pela oposição russa 
. 
Zinoviev e Trótski são, acima de tudo, homens que têm muito senso de realidade, e 
compreenderam que é preciso ainda promover golpes sem passar à ofensiva aberta. Não 
estamos no momento da classificação definitiva, nem na situação externa, nem na 
interna. 
1. As posições da esquerda russa a respeito das diretrizes da política estatal do Partido 
Comunista russo são compartilhadas por nos. A orientação sustentada pela maioria do 
Comitê Central é por nós combatida como um encaminhamento à degeneração do 
partido russo e da ditadura proletária que conduz para fora do programa do marxismo 
revolucionário e do leninismo. No passado, não combatemos a política de Estado do 
Partido Comunista russo até quando esta permaneceu no terreno correspondente aos 
dois documentos do discurso de Lenine sobre o Imposto em Espécie e da relação de 
Trótski no IV Congresso mundial. Aceitamos as teses de Lenine no II Congresso. 
2. As posições da esquerda russa sobre a tática e a política do Comintern, exceto a 
questão das responsabilidades passadas de muitos de seus membros, são insuficientes. 
Elas não se aproximam do que havíamos dito desde o início da Internacional Comunista 
sobre as relações entre partidos e massas, entre tática e situação, entre partidos 
comunistas e outros partidos ditos operários sobre a avaliação da alternativa da política 
burguesa. Aproximam-se mais, mas não completamente da questão do método de 
trabalho da Internacional e da interpretação e funcionamento da disciplina interna e do 
fracionismo. São satisfatórias as posições de Trótski sobre a questão alemã de 23, como 
são satisfatórias suas ponderações sobre a presente situação mundial. Não se pode, no 
entanto, dizer o mesmo das retificações de Zinoviev sobre as questões de frente única e 
da Internacional sindical vermelha, e sobre outros pontos que têm valor ocasional e 
contingente e não dão garantia de uma tática que evite os erros passados. 
3. Dada a política de compressão e provocação dos dirigentes da Internacional e de suas 
seções, qualquer organização de grupos nacionais e internacionais contra o desvio para 
a direita apresenta perigos divisionistas. Não é o caso de se desejar a cisão dos partidos 
e da Internacional. Precisamos, sim, deixar que se realize a experiência da disciplina 
artificiosa e mecânica seguindo-a nos seus absurdos de procedimentos até quando for 
possível, sem nunca renunciar às posições de crítica ideológica e política e sem nunca 
solidarizar-se com a orientação que prevalece. Os grupos ideológicos que tem uma 
posição de esquerda tradicional e completa não podiam solidarizar-se 
incondicionalmente com a oposição russa, mas não podiam condenar sua recente 
submissão, com a qual ela não entrou em conciliação, mas só sofreu as condições cuja 
única alternativa era a cisão. A situação objetiva e externa ainda é tal, que não é só na 
Rússia que ser expulso dos quadros do Comintern significa ter possibilidades de 
modificar o curso da luta da classe operária ainda menores das que há no interior dos 
partidos. 
4. Seria em todo caso inadmissível uma solidariedade e um consenso de declarações 
políticas com elementos como Fischer e C., que, ainda que em outros partidos como o 
alemão, tenham recentes responsabilidades de direção do partido segundo orientação de 
direita e centrista e cuja passagem à oposição tenha coincidido com a impossibilidade 
de conservar a direção de um partido de acordo com o centro internacional, e com 
críticas feitas pela Internacional à sua ação. Isto seria incompatível com a defesa do 
novo método e novo rumo do trabalho internacional comunista, que deve suceder ao da 
manobra do tipo parlamentar-burocrático. 
5. Com qualquer método que não exclua o direito de viver no partido, deve ser 
denunciada a orientaçãoque está prevalecendo como tendente ao oportunismo e como 
contrastante com a fidelidade aos princípios programáticos da Internacional, e que 
também grupos diversos do nosso possam ter o direito de defender, com a condição que 
se proponham. o quesito de detectar as deficiências iniciais - não teóricas, mas táticas, 
organizativas, disciplinares, que fizeram com que a III Internacional ainda esteja 
suscetível de perigos de degeneneração. (...) 
Procurarei mandar-lhe elementos sobre acontecimentos italianos. Nós não aceitamos a 
declaração de guerra constituída pelas medidas de suspensão de alguns elementos 
diretivos da esquerda, e a coisa não se configurou de caráter fracionista. As baterias da 
disciplina até agora dispararam contra o acolchoado. Não é uma linha muito bela e que 
contente a todos nós, mas é a menos pior possível. Mandar-lhe-ei a cópia do nosso 
recurso na Internacional. 
Em conclusão, não creio ser o caso de fazer uma declaração internacional como você 
propõe e não julgo tampouco praticamente atuante a coisa. Creio ser igualmente útil 
promover nos diversos países manifestações e declarações ideológica e politicamente 
paralelas com respeito ao conteúdo sobre os problemas da Rússia e do Cominterm, sem 
por isso propor os extremos de um "complô" fracionista e cada qual elaborar livremente 
seu pensamento e suas experiências. 
Nesta questão interna, aceito que frequentemente seja boa a tática de deixar-se seguir de 
acordo com os acontecimentos, o que certamente em se tratando de questões externas é 
muito prejudicial e oportunista. Tanto mais que, pelo jogo especial do mecanismo do 
poder interno e da disciplina mecânica, continuo a crer destinada a infringir-se a si 
própria. Sei que estou sendo insuficiente e pouco claro. Queria desculpar-me e receba, 
por ora, cordiais saudações. 
 
	Carta a Karl Korsch
	Amadeu Bordiga
	1926

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