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RESUMO DO CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DE GILMAR MENDES O Direito Constitucional é o ramo do estudo jurídico dedicado à estrutura básica do ordenamento normativo. I O VALOR DA CONSTITUIÇÃO – PERSPECTIVA HISTÓRICA A ideia de Constituição, como a vemos hoje, tem origem mais próxima no tempo e é tributária de postulados liberais que inspiraram as Revoluções Francesa e Americana do século XVIII. É daí que surgem os atributos da Constituição como instrumento orientado para conter o poder, em favor das liberdades, num contexto de sentida necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana. Entende-se, então, que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, proclamasse, no seu art. 16, que não teria constituição a sociedade em que os direitos não estivessem assegurados, nem a organização estatal em que não se definisse a separação de poderes. A compreensão da Constituição como técnica de proteção das liberdades é atributo do constitucionalismo moderno, que importa conhecer para que se possa discernir o próprio momento atual, a que muitos denominam neoconstitucionalismo. 1. NA EUROPA O reconhecimento do valor jurídico das constituições na Europa continental tardou mais do que na América. Na Europa, os movimentos liberais, a partir do século XVIII, enfatizaram o princípio da supremacia da lei e do parlamento, o que terminou por deixar ensombrecido o prestígio da Constituição como norma vinculante. 1.1 A SUPREMACIA DO PARLAMENTO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE A supremacia do Parlamento não se concilia com a ideia de supremacia da Constituição, o que decerto concorre para explicar o desinteresse dos revolucionários na Europa por instrumentos destinados a resguardar a incolumidade da ordem constitucional. Essa concepção de supremacia incontrastável do Parlamento debilita o valor efetivo da Constituição, que não se encontra, nesse contexto, protegida contra o Legislativo. A prática revolucionária concordava com Montesquieu, que reduzia o poder de julgar à condição de “instrumento que pronuncia as palavras da lei”. Dominava a concepção de que “nenhum juiz tem o direito de interpretar a lei segundo a sua própria vontade”. O princípio da separação dos Poderes atuava para constranger o poder de julgar a uma posição de menor influência. Era impensável que se postulasse perante uma corte de justiça a efetividade de um cânone constitucional; ao juiz não cabia censurar um ato do parlamento. 2. NOS ESTADOS UNIDOS Nos Estados Unidos, ao contrário do que acontecia na Europa na mesma época, não havia preocupação maior com o poder do Executivo. O Presidente da República era eleito pelo voto popular. Não era o adversário temido, como foram os monarcas do final do absolutismo. O perigo que assustava era justamente o da extensão desmesurada do Poder Legislativo. O caminho que os norte-americanos arquitetaram para si foi o do equilíbrio dos poderes, precavendo-se contra as ambições hegemônicas do Congresso. A concepção da Constituição como norma jurídica suprema criou as condições necessárias para que se admitisse aos juízes a função de controlar a legitimidade constitucional das leis. Somente há supremacia da Constituição quando se extraem consequências concretas para as normas com pretensão de validez opostas à Carta – isto é, quando se pode expulsar do ordenamento jurídico a norma editada em contradição com a Lei Maior. O controle jurisdicional de constitucionalidade foi o instrumento adotado para sancionar uma plena e efetiva supremacia da Constituição. O reconhecimento de que a Constituição é norma jurídica aplicável à solução de pendências foi decisivo para que se formasse a doutrina do judicial review, pela qual o Judiciário se habilita a declarar não aplicáveis normas contraditórias com a Constituição. A doutrina do judicial review, contudo, não fez o seu ingresso na História de modo assepticamente cerebrino. Conquanto os “pais fundadores” já considerassem correta a recusa pelos juízes em aplicar leis contrárias à Constituição, o judicial review não chegou a ser instituído expressamente na Constituição norte-americana. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis nos EUA resulta de uma construção pretoriana, armada num tempo de extrema tensão política, no contexto de disputa de poder, logo no início da vida republicana, entre o partido Federalista, que dominava o Congresso Nacional e o Executivo até as eleições de 1800, e o Republicano (ou Antifederalista) – aquele, não se abstendo de se valer de meios radicais para manter a posição hegemônica. 3. NEOCONSTITUCIONALISMO Hoje, é possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento. O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. O atual estádio do constitucionalismo se peculiariza também pela mais aguda tensão entre constitucionalismo e democracia. É intuitivo que o giro de materialização da Constituição limita o âmbito de deliberação política aberto às maiorias democráticas. Como cabe à jurisdição constitucional a última palavra na interpretação da Constituição, que se apresenta agora repleta de valores impositivos para todos os órgãos estatais, não surpreende que o juiz constitucional assuma parcela de mais considerável poder sobre as deliberações políticas de órgãos de cunho representativo. II CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO A Constituição emerge como um sistema assegurador das liberdades, daí a expectativa que proclame direitos fundamentais. As liberdades, igualmente, são preservadas mediante a solução institucional da separação de poderes. Tudo isso, afinal, há de estar contido em um documento escrito. Quando esses traços são levados em conta, está sendo estabelecido um sentido substancial de Constituição. 1. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO SUBSTANCIAL (OU MATERIAL) Fala-se em Constituição no sentido substancial quando o critério definidor se atém ao conteúdo das normas examinadas. A Constituição será, assim, o conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de disciplinar as interações e controles recíprocos entre tais órgãos. Compõem a Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera de autodeterminação dos indivíduos e grupos que se encontram sob a regência desse Estatuto Político. Essas normas garantem às pessoas uma posição fundamental ante o poder público (direitos fundamentais). Dessa forma, a Constituição tem por meta não apenas erigir a arquitetura normativa básica do Estado, ordenando-lhe o essencial das suas atribuições e escudando os indivíduos contra eventuais abusos, como, e numa mesma medida de importância, tem por alvo criar bases para a convivência livre e digna de todas as pessoas, em um ambiente de respeito e consideração recíprocos. Isso reconfigura o Estado, somando-lhe às funções tradicionais as de agente intervencionista e de prestador de serviços. Por outras palavras, a Constituição passa a ser o local para delinear normativamente também aspectos essenciais do contato das pessoas e grupos sociais entre si, e não apenas as suas conexões com os poderes públicos. A Constituição é o plano estrutural básico, orientado por determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade. 2. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO FORMAL A Constituição,em sentido formal, é o documento escrito e solene que positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte específico. São constitucionais, assim, as normas que aparecem no Texto Magno, que resultam das fontes do direito constitucional, independentemente do seu conteúdo. Em suma, participam do conceito da Constituição formal todas as normas que forem tidas pelo poder constituinte originário ou de reforma como normas constitucionais, situadas no ápice da hierarquia das normas jurídicas. III FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL Fontes do direito são os modos de criação ou de revelação das normas jurídicas. A Constituição brasileira, como de resto a da mais vasta maioria dos sistemas, tem fontes primárias escritas. Ela resulta da aprovação e inclusão em um documento escrito e solene, aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte, de um conjunto de disposições normativas. As dezenas de emendas à Constituição, advindas do poder constituinte de reforma, como as seis emendas de revisão, todas são fontes formais do Direito Constitucional brasileiro. A jurisprudência, em especial a do Supremo Tribunal Federal, também é fonte, embora complementar, do Direito Constitucional, na medida em que a atividade jurisdicional da Corte manifesta os sentidos das normas e princípios inseridos na Lei Fundamental. IV CLASSIFICAÇÕES 1 NORMAS MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS E NORMAS FORMALMENTE CONSTITUCIONAIS. Normas que dispõem sobre matéria que se reputa de natureza constitucional, mas estão vertidas em diplomas diferentes da Constituição, não ostentam o mesmo status jurídico das normas que estão dispostas no Texto Magno. Se estão contidas em uma lei ordinária, podem ser revogadas ou modificadas por outro diploma dessa mesma natureza, sem as solenidades inerentes à elaboração de uma Emenda à Carta. Em suma, é cabível, em face de combinação de circunstâncias normativas, que tenhamos uma norma com assunto tipicamente constitucional, que esteja fora da Constituição. Essa norma será apenas materialmente constitucional. Da mesma forma, pode-se encontrar uma norma que dispõe sobre assunto tipicamente constitucional e que está acolhida no Texto constitucional. Essas são as normas que têm conteúdo de norma constitucional e que apresentam, igualmente, a forma própria das normas constitucionais – são as normas formal e materialmente constitucionais. A Constituição de 1988 possui varias normas de feitio apenas formalmente constitucional. Elas ostentam a mesma hierarquia de todas as demais normas contidas na Carta. Muitas vezes, essas normas foram dispostas no Texto Magno justamente para se beneficiarem da maior estabilidade que o status constitucional, em um sistema de Constituição rígida, lhes confere. 2 CONSTITUIÇÕES ESCRITAS E NÃO ESCRITAS As constituições escritas se dão a conhecimento em um documento único, que sistematiza o direito constitucional da comunidade política. Provêm do poder constituinte originário e são integradas por deliberações posteriores do poder constituinte de reforma. Configuram, pois, ato intencional proveniente de um ente encarregado da tarefa de elabora-las. As constituições não escritas, por oposição, não se encontram em um documento único e solene; são compostas por costumes, pela jurisprudência e também por instrumentos escritos, mas dispersos, inclusive no tempo. Não são o resultado de uma deliberação sistemática intencional de organizar o poder e limitá-lo em todos os seus variados ramos. Compreende-se que a exemplificação desse tipo de Constituição seja difícil, no constitucionalismo atual, que se empenha justamente em definir, em um documento racionalizador das relações básicas da comunidade, os contornos indispensáveis à sua identidade jurídica. O exemplo característico que se dá de Constituição não escrita é o da Constituição inglesa. 3 CONSTITUIÇÕES RIGIDAS E FLEXIVEIS A rigidez ou flexibilidade da Constituição é apurada segundo o critério do grau de formalidade do procedimento requerido para a mudança da Lei Maior. A estabilidade das normas constitucionais, em uma Constituição rígida, é garantida pela exigência de procedimento especial, solene, dificultoso, exigente de maiorias parlamentares elevadas, para que se vejam alteradas pelo poder constituinte de reforma. Em oposição, as constituições flexíveis permitem a sua reconfiguração por meio de um procedimento indiferenciado do processo legislativo comum. Não se cobra, na Constituição flexível, uma supermaioria para que o Texto seja modificado. A rigidez é atributo que se liga muito proximamente ao princípio da supremacia da Constituição. A supremacia fixa o status hierárquico máximo da Constituição no conjunto das normas do ordenamento jurídico. Essa superioridade se expressa na impossibilidade de o legislador ordinário modificar a Constituição, dispondo em sentido divergente do que o constituinte estatuiu. Se a Constituição pode sofrer transformações pela mesma maneira como se elaboram as demais leis, não se assegura a supremacia da Carta sobre o legislador ordinário. A rigidez distingue o poder constituinte dos poderes constituídos e positiva uma hierarquia entre as normas jurídicas, em que a Constituição aparece como o conjunto de normas matrizes do ordenamento jurídico, em posição de prevalência sobre todos os atos normativos que hão de nela encontrar fundamento último. A rigidez, expressando a supremacia da Constituição, demanda, também, a instituição de um sistema de controle de validade dos atos praticados pelos poderes constituídos, em face das normas do Texto constitucional. A rigidez, para ser efetiva, requer um sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, como garantia eficaz da supralegalidade das normas constitucionais. A Constituição brasileira de 1988 é do tipo rígido, e a sua rigidez se eleva à condição de princípio constitucional, parâmetro para a solução de problemas práticos. O princípio da rigidez inspirou a recusa pelo STF em equiparar hierarquicamente com a Constituição o tratado de direitos humanos, aprovado pelo processo ordinário de votação no Congresso Nacional 4 CONSTITUIÇÃO GARANTIA E CONSTITUIÇÃO PROGRAMÁTICA As primeiras, as constituições-garantia, tendem a concentrar a sua atenção normativa nos aspectos de estrutura do poder, cercando as atividades políticas das condições necessárias para o seu correto desempenho. Aparentemente, não fazem opções de política social ou econômica. As segundas, as constituições dirigentes, não se bastam com dispor sobre o estatuto do poder. Elas também traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico. 5 CONSTITUIÇÃO OUTORGADA E CONSTITUIÇÃO PROMULGADA Conforme a sua origem, distinguem-se as constituições em outorgadas e promulgadas, conforme tenha havido, ou não, participação do povo no seu processo de elaboração – mais frequentemente por meio de representantes populares eleitos para a tarefa. Chama-se Constituição promulgada aquela em que ocorre essa participação, que, por isso, também é chamada de Constituição democrática. V AS NORMAS CONSTITUCIONAIS 1 PARTE ORGÂNICA E PARTE DOGMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO Na parte orgânica, o constituinte se dedica a normatizar aspectos de estrutura do Estado. Aqui estão as regras que definem a organização do Estado, determinando as competências dos órgãos essenciais para a sua existência. Aqui também se encontram as normas que disciplinam as formas de aquisição do poder e os processos do seu exercício. Esses preceitos racionalizam o exercício das funçõesdo Estado e estabelecem limites recíprocos aos seus órgãos principais. Na parte dogmática, o constituinte proclama direitos fundamentais, declarando e instituindo direitos e garantias individuais, como também direitos econômicos, sociais e culturais. O constituinte marca, então, o tom que deve nortear a ação do Estado e expressa os valores que tem como indispensáveis para uma reta ordem da comunidade. 2 CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS O predicado da primazia de que se revestem “é pressuposto da função como ordem jurídica fundamental da comunidade”. Elas não têm a sua validade aferida pela sua compatibilidade com uma outra norma jurídica que lhe esteja acima em uma escala hierárquica, como acontece com o restante das normas dos demais ramos do Direito. A superioridade das normas constitucionais também se expressa na imposição de que todos os atos do poder político estejam em conformidade com elas, de tal sorte que, se uma lei ou outro ato do poder público contrariá-las, será inconstitucional, atributo negativo que corresponde a uma recusa de validade jurídica. Porque as normas constitucionais são superiores às demais; elas somente podem ser alteradas pelo procedimento previsto no próprio texto constitucional. O legislador, no entanto, na tarefa de concretizar o que está disposto na norma constitucional, não perde a liberdade de conformação, a autonomia de determinação. Mas essa liberdade não é plena, não pode prescindir dos limites decorrentes das normas constitucionais. A compreensão de que as normas infraconstitucionais são condicionadas, mas não são integralmente determinadas, pelas normas constitucionais, apresenta importância prática. Uma vez que o direito constitucional convive com boa margem de autonomia dos demais ramos do Direito, não há como deduzir uma solução legislativa necessária para cada assunto que o constituinte deixa ao descortino da lei. Deve-se reconhecer que o legislador é o intérprete e concretizador primeiro da Constituição, e as suas deliberações, sempre que condizentes com o sistema constitucional e com os postulados da proporcionalidade, devem ser acolhidas e prestigiadas, não podendo ser substituídas por outras que acaso agentes públicos – do Executivo ou do Judiciário – estimem preferíveis. 3. DENSIDADE E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS É traço que se repete nas normas constitucionais modernas serem elas abertas à mediação do legislador, apresentando uma regulamentação deliberadamente lacunosa, a fim de ensejar liberdade para a composição de forças políticas no momento da sua concretização. Com isso, também, viabiliza-se a adequação das normas às novas necessidades de cada tempo. Há, no conjunto das normas constitucionais, variações de grau de abertura às mediações do legislador. Há normas densas, em que a disciplina disposta pelo constituinte é extensa e abrangente, dispensando ou pouco deixando para a interferência do legislador no processo de concretização da norma. A liberdade de conformação é ampla, porém, nas normas que se valem de conceitos de significação aberta, vazadas, por vezes, com termos de múltiplas denotações, ou naquelas formuladas de modo genérico. A maior abertura da norma tende a ser uma opção do constituinte para atender a um juízo sobre a conveniência de se confiar a concretização da norma à composição posterior de forças políticas relevantes. Há, contudo, escolhas fundamentais que devem sobrepairar ao debate dos poderes constituídos e se impor a interesses circunstanciais. A necessidade de uma clara e imediata definição de aspectos institucionais do Estado leva a que algumas normas sejam concebidas com maior minúcia e menor abertura; vale dizer, com maior densidade. Essa diferença de abertura e densidade das normas constitucionais afeta o grau da sua exequibilidade por si mesmas e dá ensejo a uma classificação que toma como critério o grau de autoaplicabilidade das normas. Nota-se que as normas de alta densidade são completas, estão prontas para a aplicação plena, não necessitam de complementação legislativa para produzir todos os efeitos a que estão vocacionadas. Para o constitucionalismo atual, todas as normas constitucionais são executáveis por si mesmas, até onde possam sê -lo. As normas de eficácia plena são as idôneas para produzir todos os efeitos previstos, isto é, podem disciplinar de pronto as relações jurídicas, uma vez que contêm todos os elementos necessários. Correspondem aos casos de norma autoexecutável. A essa categoria são muitas vezes assimilados os preceitos que contêm proibições, que conferem isenções e os que estipulam prerrogativas [9]. É de eficácia plena o art. 12, I, que qualifica como brasileiros “os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país”. Da mesma forma, o art. 14, § 1º, I, que torna obrigatório o voto para os maiores de 18 anos. As normas de eficácia contida são também autoexecutáveis e estão aptas para produzir plenos efeitos no mundo das relações. São destacadas da classe das normas de eficácia plena pela só circunstância de poderem ser restringidas, na sua abrangência, por deliberação do legislador infraconstitucional. O terceiro grupo de normas constitucionais compõe a classe das normas constitucionais de eficácia limitada (ou reduzida). Estas somente produzem os seus efeitos essenciais após um desenvolvimento normativo, a cargo dos poderes constituídos. A sua vocação de ordenação depende, para ser satisfeita nos seus efeitos básicos, da interpolação do legislador infraconstitucional. São normas, pois, incompletas, apresentando baixa densidade normativa. As normas programáticas, igualmente, são subespécie das normas constitucionais de eficácia limitada. Essas normas impõem uma tarefa para os poderes públicos, dirigem-lhes uma dada atividade, prescrevem uma ação futura. As normas programáticas, como informa Canotilho, não são “simples programas, exortações morais, programas futuros, juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição”. 4 A CARACTERÍSTICA DA SANÇÃO IMPERFEITA São, nesse sentido, chamadas de normas imperfeitas, porque a sua violação não se acompanha de sanção jurídica suficiente para repor a sua força normativa, até porque não há nenhuma outra instância superior que lhe assegure a observância pelos órgãos da soberania. 5 MODALIDADES DE NORMAS CONSTITUCIONAIS – REGRAS E PRINCIPIOS Ambos se valem de categorias deontológicas comuns às normas – o mandado (determina -se algo), a permissão (faculta -se algo) e a proibição (veda -se algo). Os princípios seriam aquelas normas com teor mais aberto do que as regras. Próximo a esse critério, por vezes se fala também que a distinção se assentaria no grau de determinabilidade dos casos de aplicação da norma. Os princípios teriam, ainda, virtudes multifuncionais, diferentemente das regras. Os princípios, nessa linha, desempenhariam uma função argumentativa. 6 NORMAS CONSTITUCIONAIS CLASSIFICADAS SEGUNDO SUA FUNÇÃO Há normas que estabelecem um dever para os poderes públicos, prescrevem uma tarefa para o Estado. São as normas constitucionais impositivas. Assim, por exemplo, a que dispõe ser objetivo do Estado a erradicação da pobreza e o fim das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Há normas que instituem garantias para os cidadãos, como a que repele a imposição de sanção penal sem lei que defina previamente a conduta como crime. Há normas que reconhecem e conformamdireitos fundamentais. Outras normas entronizam garantias institucionais. Elas criam ou reforçam instituições necessárias para a proteção dos direitos dos indivíduos. Assim, a norma que garante a proteção do Estado à Família (art. 226), a que assegura a autonomia universitária (art. 227) e a que proclama a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público (art. 127, § 2º). Há as normas chamadas orgânicas, que criam órgãos. Por vezes são normas orgânicas e de competência, porque também fixam as atribuições dos órgãos. Há, ainda, normas ditas de procedimento, que estabelecem um modo de agir para os seus destinatários, por exemplo, as que fixam o procedimento básico para a reforma da Constituição. VI PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO E ADCT 1. HÁ NORMA CONSTITUCIONAL NO PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO? No preâmbulo da Constituição são inseridas informações relevantes sobre a origem da Constituição e os valores que guiaram a feitura do Texto. É da tradição brasileira que os diplomas constitucionais sejam antecedidos de um preâmbulo, em linha com o que acontece também em vários outros países. Esta última indagação foi respondida pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão que revela qual o status jurídico a ser atribuído ao Preâmbulo entre nós. Afirmou o STF que o Preâmbulo “não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o Preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta. (...) Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas de reprodução obrigatória”. Não é incomum que os valores e objetivos expressos no Preâmbulo da Carta sejam invocados como reforço argumentativo em decisões de adjudicação de direitos. 2. ADCT Cumpre ter presente que, por vezes, o dispositivo do ADCT é estatuído pelo constituinte originário para excepcionar hipóteses concretas da incidência de uma norma geral, integrante do corpo principal da Constituição, ou, então, volta-se especificamente para atribuir um regime vantajoso a um grupo concreto de destinatários. Nesses casos, o constituinte originário quis investir beneficiários certos em direitos determinados, de tal sorte que, se o constituinte de reforma lhes subtraísse ou diminuísse a vantagem, estaria perpetrando, senão um ataque à cláusula pétrea da segurança jurídica ou do direito adquirido, certamente que uma fraude ao constituinte originário. Assim, não seria válida uma emenda que restringisse os contemplados pela anistia concedida pelo constituinte originário no art. 8º do ADCT. Tampouco seria válida a emenda que tivesse por efeito anular a estabilidade no serviço público concedida pelo constituinte originário, no art. 19 do ADCT, aos servidores que, quando da promulgação da Carta, estavam há pelo menos cinco anos no serviço público, embora não houvessem ingressado nos quadros da Administração por meio de concurso público. VIII CONSTITUIÇÕES NO BRASIL – DE 1824 A 1988 A Constituição de 1891 criou a Justiça Federal, ao lado da Estadual, situando o Supremo Tribunal Federal no ápice do Poder Judiciário. Ao STF cabia, além de competências originárias, julgar recursos de decisões de juízes e tribunais federais e recursos contra decisões da Justiça estadual que questionassem a validade ou a aplicação de lei federal. Também lhe foi atribuída competência recursal para os processos em que atos estaduais fossem confrontados com a Constituição Federal. Os juízes não mais poderiam ser suspensos Capital. As antigas Províncias passaram a ser chamadas de Estados-membros, e a elas se reconheceu competência para se regerem por constituições próprias, respeitados, sob pena de intervenção federal, os princípios constitucionais da União. A Constituição de 1934 buscou resolver o problema da falta de efeitos erga omnes das decisões declaratórias de inconstitucionalidade do STF, instituindo o mecanismo da suspensão, pelo Senado, das leis invalidadas na mais alta Corte. No campo do controle de constitucionalidade, ainda, a intervenção federal em Estados-membros por descumprimento de princípio constitucional sensível foi subordinada ao juízo de procedência, pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República. A Constituição previu expressamente o mandado de segurança. As casas legislativas foram dissolvidas e o parlamento não funcionou no regime ditatorial, desempenhando o Presidente da República, por si só, todas as atribuições do Legislativo, inclusive a de desautorizar a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo STF. Com isso, tornaram-se irrisórios os juízos de inconstitucionalidade que o Tribunal se animasse a formular sobre atos normativos do Presidente da República. CAPÍTULO 2 – PODER CONSTITUINTE I PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Sieyès enfatiza que a Constituição é produto do poder constituinte originário, que gera e organiza os poderes do Estado (os poderes constituídos), sendo, até por isso, superior a eles. Sieyès se propunha a superar o modo de legitimação do poder que vigia, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não vinculada ao direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da sociedade. O povo, titular do poder constituinte originário, apresenta-se não apenas como o conjunto de pessoas vinculadas por sua origem étnica ou pela cultura comum, mas, além disso, como “um grupo de homens que se delimita e se reúne politicamente, que é consciente de si mesmo como magnitude política e que entra na história atuando como tal”. Em suma, podemos apontar três características básicas que se reconhecem ao poder constituinte originário. Ele é inicial, ilimitado (ou autônomo) e incondicionado. É inicial, porque está na origem do ordenamento jurídico. É o ponto de começo do Direito. Por isso mesmo, o poder constituinte não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela. Decorre daí a outra característica do poder constituinte originário É ilimitado. Se ele não se inclui em nenhuma ordem jurídica, não será objeto de nenhuma ordem jurídica. O Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade. Pode decidir o que quiser. De igual sorte, não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente, daí se dizer incondicionado. O caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos. Diz respeito à liberdade do poder originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente. Mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte. Se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações. Por isso, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder constituinte originário, se se dispuser a redigir uma Constituição que hostilize esses valores dominantes, não haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu empreendimento revolucionário e não será reconhecido como poder constituinte originário. Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e não obtém a adesão dos cidadãos não exerce poder constituinte originário, mas age como rebelde criminoso. Sem a força legitimadora do êxito do empreendimento constituinte não há falar em poder constituinte originário, daí não se prescindir de uma concordância da Constituição com as ideias de justiça do povo. 1. MOMENTOS DE EXPRESSÃO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO O poder constituinte originário não se esgota quando edita umaConstituição. Ele subsiste fora da Constituição e está apto para se manifestar a qualquer momento. Trata-se, por isso mesmo, de um poder permanente, e, como também é incondicionado, não se sujeita a formas prefixadas para operar. O poder constituinte originário, entretanto, não costuma fazer-se ouvir a todo o momento, até porque não haveria segurança das relações se assim fosse. 2. CONSTITUIÇÃO DE 1988: RESULTADO DE EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Note-se, contudo, que, apesar de a Assembleia Constituinte ter sido, realmente, convocada por emenda à Constituição de 1967/1969, isso não reponta como obstáculo a que se veja atuante o poder constituinte originário. Afinal, esse poder não se expressa apenas em seguida a graves tumultos sociais, mas se exprime sempre que entende de mudar a estrutura constitucional do Estado nos seus aspectos mais elementares. E foi o que aconteceu com a Constituição de 1988, que se inspirou em ideais e objetivos evidentemente distintos daqueles que levaram à elaboração da Constituição de 1967 e da sua Emenda n. 1/69. Além disso, sendo um poder incondicionado, nada obsta a que o poder constituinte originário se valha da autodissolução da ordem anterior para realizar os seus intentos. 3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Da característica da incondicionalidade do poder constituinte deduz-se que não se exige, para a legitimidade formal da nova Constituição, que o poder constituinte siga um procedimento padrão predeterminado. Isso não impede, todavia, que o poder constituinte fixe algumas regras para si mesmo, para ordenar os seus trabalhos. Essas disposições não têm sanção, podem ser superadas ou desrespeitadas pelo constituinte, sem que se invalide o seu trabalho final. Assim, se o ato constituinte compete a uma única pessoa, ou a um grupo restrito, em que não intervém um órgão de representação popular, fala-se em ato constituinte unilateral, e a Constituição é dita outorgada. No Brasil, a Constituição de 1824 e a de 1937 foram outorgadas por ato do Chefe do Executivo. Em outros casos, a Constituição é promulgada por uma Assembleia de representantes do povo. Este é o sistema clássico de elaboração de constituições democráticas. O método dá origem à chamada Constituição votada. Desta classe fazem exemplos as nossas Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967[17] e a de 1988. Fala-se, também, em se tratando de Constituição votada, em procedimento constituinte direto, quando o projeto elaborado pela Assembleia obtém validade jurídica por meio da aprovação direta do povo, que se manifesta por meio de plebiscito ou referendo. Ao lado do procedimento constituinte direto, há a técnica do procedimento constituinte indireto ou representativo. Aqui, a participação do povo esgota-se na eleição de representantes para uma assembleia, que deverá elaborar e promulgar o texto magno. 4. QUESTÕES PRÁTICAS RELACIONADAS COM O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 4.1 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável. De acordo com a doutrina clássica, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta. 4.2 RECEPÇÃO Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição. Às vezes, a recepção é expressa, como se determinou na Constituição de 1937. O mais frequente, porém, é a recepção implícita, como acontece no sistema brasileiro atual. Kelsen sustenta que as leis anteriores, no seu conteúdo afinadas com a nova Carta, persistem vigentes, só que por fundamento novo. A força atual desses diplomas não advém da Constituição passada, mas da coerência que os seus dispositivos guardam com o novo diploma constitucional. Daí Kelsen dizer que “apenas o conteúdo dessas normas permanece o mesmo, não o fundamento de sua validade”. 4.3 REVOGAÇÃO OU INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE? Se a norma anterior à Constituição não guarda compatibilidade de conteúdo com esta, não continuará a vigorar, havendo, aqui, quem considere ocorrer caso de revogação e quem veja na hipótese uma inconstitucionalidade superveniente. Se a lei foi corretamente editada quando da Constituição anterior, ela não pode ser considerada nula, desde sempre, tão só porque a nova Constituição é com ela incompatível. A lei apenas deixa de operar com o advento da nova Carta. O fenômeno só poderia ser tido, por isso, como hipótese de revogação. 4.4. NORMAS DA ANTIGA CONSTITUIÇÃO COMPATIVEIS COM A NOVA CONSTITUIÇÃO Prevalece a tese, sustentada pela jurisprudência do STF e doutrina, de que a antiga Constituição fica globalmente revogada, evitando-se que convivam, num mesmo momento, a atual e a anterior expressão do poder constituinte originário empregada para elaborar toda a Constituição. 4.5 REPRISTINAÇÃO A restauração da eficácia é considerada inviável. Não se admite a repristinação, em nome do princípio da segurança das relações, o que não impede, no entanto, que a nova Constituição expressamente revigore aquela legislação. À mesma solução se chega considerando que só é recebido o que existe validamente no momento que a nova Constituição é editada. A lei revogada, já não mais existindo então, não tem como ser recebida. 4.7 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DIREITOS ADQUIRIDOS Quando a Constituição consagra a garantia do direito adquirido, está prestigiando situações e pretensões que não conflitam com a expressão da vontade do poder constituinte originário. O que é repudiado pelo novo sistema constitucional não há de receber status próprio de um direito, mesmo que na vigência da Constituição anterior o detivesse. Somente seria viável falar em direito adquirido como exceção à incidência de certo dispositivo da Constituição se ela mesma, em alguma de suas normas, o admitisse claramente. Mas, aí, já não seria mais caso de direito adquirido contra a Constituição, apenas de ressalva expressa de certa situação. Desde tempos antigos, a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de não admitir a invocação de direitos adquiridos contra a Constituição. Mesmo mais recentemente, o STF registra acórdão em que se tornou a afirmar a impossibilidade de se invocar garantias como a do direito adquirido ou a da coisa julgada contra determinação do poder constituinte originário. O constituinte – e apenas ele – pode excepcionar a incidência imediata de alguma de suas normas, por meio de cláusulas de transição, se entender que isso melhor consulta ao interesse da ordem constitucional. No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias são encontradas algumas normas com esse objetivo. Reconhece-se, assim, como típico das normas do poder constituinte originário serem elas dotadas de eficácia retroativa mínima, já que se entende como próprio dessas normas atingir efeitos futuros de fatos passados. As normas do poder constituinte originário podem, excepcionalmente, ter eficácia retroativa média (alcançar prestações vencidas anteriormente a essas normas e não pagas) ou máxima (alcançar fatos consumados no passado), mas para que opere com a retroatividade média ou máxima, o propósito do constituinte deve ser expresso. É nesse sentido que se diz, hoje, que não há direito adquirido contra a Constituição. 4.8 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SEUS ATOS. Sendoo poder constituinte originário ilimitado e sendo o controle de constitucionalidade exercício atribuído pelo constituinte originário a poder por ele criado e que a ele deve reverência, não há se cogitar de fiscalização de legitimidade por parte do Judiciário de preceito por aquele estatuído. II PODER CONSTITUINTE DE REFORMA Embora as constituições sejam concebidas para durar no tempo, a evolução dos fatos sociais pode reclamar ajustes na vontade expressa no documento do poder constituinte originário. Para prevenir os efeitos nefastos de um engessamento de todo o texto constitucional, o próprio poder constituinte originário prevê a possibilidade de um poder, por ele instituído, vir a alterar a Lei Maior. O poder de reforma – expressão que inclui tanto o poder de emenda como o poder de revisão do texto (art. 3º do ADCT) – é, portanto, criado pelo poder constituinte originário, que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e limitações a serem observadas. O poder constituinte de reforma, assim, não é inicial, nem incondicionado nem ilimitado. 1. CONSTITUIÇÕES RÍGIDAS E FLEXÍVEIS Rígidas são as constituições que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais, mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do Poder Legislativo. A Constituição flexível, de seu lado, equipara -se, no que tange ao rito de sua reforma, às leis ordinárias. Dois conjuntos de fatores influenciam a adoção desse tipo de Lei Maior. De um lado, a convicção de que as constituições não devem pretender ser imodificáveis – já que isso seria um convite ao recurso fatal das revoluções –; de outro, a impressão de que a vontade do constituinte originário não deve ficar ao alvedrio de caprichos momentâneos ou de maiorias ocasionais no poder. A técnica da Constituição rígida explica-se como uma solução intermediária entre duas opções tidas como inaceitáveis – a inalterabilidade da Constituição e a sua banalização, pela facilidade de sua reforma. Os admiradores da modalidade flexível da Constituição apontam a maleabilidade como mérito. Os diplomas estariam sempre predispostos a adaptarem-se às necessidades mutantes impostas pelos fatos sociais. As constituições rígidas, como a nossa, marcam a distinção entre o poder constituinte originário e os constituídos, inclusive o de reforma; reforçam a supremacia da Constituição, na medida em que repelem que o legislador ordinário disponha em sentido contrário do texto constitucional; e levam, afinal, à instituição de mecanismo de controle de constitucionalidade de leis, como garantia real da superlegalidade das normas constitucionais. 3. LIMITES DO PODER DE REFORMA – ESPÉCIES LIMITE FORMAL: Exige-se quórum especialmente qualificado para a aprovação de emenda à Constituição. É que a proposta de emenda reúna o voto favorável de 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação em cada uma. Ambas as Casas devem anuir ao texto da emenda, para que ela prospere; não basta, por isso, para que a proposta de emenda seja aprovada, que a Casa em que se iniciou o processo rejeite as alterações à sua proposta produzidas na outra Casa. A Constituição também aponta quem pode apresentar proposta de Emenda à Constituição (1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; o Presidente da República; mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros). Não se prevê a iniciativa popular de proposta de emenda. LIMITE CIRCUNSTANCIAL: Proíbe-se a mudança em certos contextos históricos adversos à livre deliberação dos órgãos constituintes, como na vigência de intervenção federal, estado de sítio ou estado de defesa (CF, art. 60, § 1º). LIMITE MATERIAL: PEC tendente a abolir o parágrafo quarto do artigo 60 da constituição federal. Como quer que seja, o que explica a consagração dessas cláusulas de perpetuidade é o argumento de que elas perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, que ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. E o poder constituinte pode estabelecer essas restrições justamente por ser superior juridicamente ao poder de reforma. O sentido básico do estabelecimento de limites materiais seria, assim, o de aumentar a estabilidade de certas opções do constituinte originário, assegurar-lhe maior sobrevida, por meio do agravamento do processo da sua substituição. As cláusulas pétreas, portanto, além de assegurarem a imutabilidade de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essência inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pétrea já é enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela. III MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL Ocorre que, por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional, fala-se em mutação constitucional. A nova interpretação há, porém, de encontrar apoio no teor das palavras empregadas pelo constituinte e não deve violentar os princípios estruturantes da Lei Maior; do contrário, haverá apenas uma interpretação inconstitucional.
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