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O cérebro e a atenção(2)

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O cérebro e a atenção
Por que os homens nem sempre notam quando a mulher muda o corte de cabelo, por exemplo? Há uma explicação científica para essa falta de atenção masculina! 
Elas ficam magoadas. Eles não conseguem explicar-se! Por que será que os homens têm tanta dificuldade para perceber pequenas mudanças em uma mulher? O simples ato de prestar atenção na pessoa amada não depende exclusivamente da nossa vontade. Mais uma vez, ficamos à mercê do nosso cérebro. 
Imagine uma cena típica do dia-a-dia, como uma feira. Quantas cores, pessoas, objetos e situações estariam dentro do nosso campo de visão. Se quiséssemos observar em detalhes tudo o que está acontecendo ao redor, ficaríamos alucinados. Por questão de sobrevivência, o cérebro nem tenta fazer isso. Ele decide, por conta própria, qual vai ser o foco de nossa atenção. O restante fica em segundo plano. 
"A atenção é um ótimo exemplo de como o sistema nervoso, de como o cérebro funciona em rede", comenta o neurologista da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Caramelli. 
Quando alguma coisa chama nossa atenção, três áreas do cérebro ficam especialmente ativas. Primeiro, a região parietal direita aciona nossa percepção. Logo depois, é a vez da região pré-frontal direcionar nosso olhar para o alvo da atenção. Então, uma outra área, conhecida como o giro do cíngulo, avalia: vale a pena ou não continuar olhando para aquilo? Aquele alvo interessa de alguma forma pra nós? 
É esse sistema que permite que as pessoas se concentrem nas mais variadas tarefas do dia-a-dia. Às vezes, em até mais de uma. 
No entanto, nem sempre o cérebro acerta o alvo da atenção. É contando com isso que os mágicos vivem nos surpreendendo. O cérebro presta atenção num foco e perde os detalhes do truque, bem diante dos nossos olhos!  
Psicólogos da Universidade de Harvard, uma das mais importantes do mundo, bolaram um teste que mostra claramente como o cérebro escolhe em que vai prestar atenção. Para isso, selecionaram dois rapazes diferentes um do outro. Cabelo, rosto e até a cor da camisa eram diferentes. 
"Montamos um balcão para atender pessoas interessadas em participar de um experimento. Um dos rapazes entregava ao voluntário um formulário, um termo de consentimento para ser assinado. O documento era preenchido e devolvido ao rapaz atrás do balcão. Só que na hora de entregar o pacote com informações, era o outro rapaz que aparecia no lugar do primeiro", explica o psicólogo Daniel Simons, da Universidade de Harvard. 
Esse teste tão simples revela uma falha no sistema de atenção do cérebro. A essa falha, natural na maioria dos seres humanos, damos o nome de "cegueira da desatenção". 
"A cegueira da desatenção acontece quando não percebemos mudanças que seriam óbvias para alguém que tivesse sido informado sobre elas", diz Simons. 
O resultado do teste é muito curioso. Para nós, que já sabíamos de tudo, a mudança era gritante. Mas 75% das pessoas testadas não notaram absolutamente nada. Estavam preocupadas demais com a papelada. Os voluntários ficaram espantados quando descobriram o "pequeno detalhe" que deixaram passar! 
"Ainda não sabemos bem por que algumas pessoas percebem essas mudanças e outras não. Talvez sejam mais atentas. Mas é possível que, por coincidência, elas tivessem reparado em algum detalhe específico do primeiro rapaz. Por exemplo, a cor da camisa", afirma Simons. 
A equipe do Fantástico fez um teste parecido, numa padaria em São Paulo. Os fregueses faziam o pedido para um funcionário, só que eram atendidos por outro. A grande maioria não percebeu a troca de pessoas! 
Talvez isso ajude a explicar por que os homens não reparam quando, por exemplo, a mulher muda alguma coisa no cabelo. 
Embora a pessoa esteja a sua frente, ela não é seu foco de atenção naquele momento. Você de alguma forma está disperso, focalizando sua atenção em algum outro estímulo no próprio ambiente ou em algum estímulo interno. Isso é uma coisa que ocorre em pessoas normais", comenta Caramelli. 
O sistema de atenção fica no lado direito do cérebro. Lesões nessa área podem causar um tipo bem específico de desatenção, que os especialistas chamam de "negligência". A pessoa passa a ignorar tudo o que está no lado esquerdo do seu campo de visão, o lado oposto à lesão cerebral. 
"Essas pessoas não são cegas nem surdas para o lado esquerdo. Elas simplesmente não voltam sua atenção pra esse lado", explica Caramelli. 
Aconteceu com o italiano Federico Fellini, um dos diretores de cinema mais geniais de todos os tempos. Ele teve um derrame que afetou exatamente essa parte direita do cérebro. Alguns desenhos, feitos por Fellini, mostram como ele passou a ver o mundo. Registrava apenas os detalhes do que percebia do lado que não havia sido afetado pela doença. 
Depois de um derrame, há dez anos, uma senhora também passou a sofrer de negligência. Quando o médico pediu pra repetir com a maior precisão possível o desenho de um gato, ela não reparou que o gato tinha dois rabos e achou que tinha desenhado o gato inteiro. Todos os detalhes do lado esquerdo que seu sistema de atenção deixou passar foram preenchidos pela imaginação.
Pesquisas recentes mostram que a visão não é apenas um apanhado do que está ao alcance dos nossos olhos. O cérebro também usa informações de experiências passadas, da nossa memória, para construir na mente o que estamos vendo. 
Esta é uma teoria que revolucionou as pesquisas no campo da visão. Não podemos mais pensar que a visão é uma rua de mão única, que apenas recolhe as imagens do ambiente e joga tudo para dentro do cérebro. Na verdade, o ato de ver está mais para uma rua de mão dupla, que não só recebe as informações visuais vindas de fora, como complementa essas informações com um enorme arquivo de imagens já existente no cérebro. 
Não perca, na próxima reportagem: imaginação ou assombração? Como explicar o que acontece com o iatista Lars Grael, que sente até hoje a perna que foi amputada? Não, não é alucinação. A resposta está dentro da supermáquina, do nosso cérebro.

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