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Política Nacionalismo

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TEXTO 6
Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Título original: General History of Africa, VII: Africa under colonial domination, 1880-1935. Paris: UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann Educational Publishers Ltd., 1985. (Primeira edição publicada em inglês). © UNESCO 2010 (versão em português com revisão ortográfica e revisão técnica) Coordenação geral da edição e atualização: Valter Roberto Silvério Revisão técnica: Kabengele Munanga Preparação de texto: Eduardo Roque dos Reis Falcão Revisão e atualização ortográfica: M. Corina Rocha Projeto gráfico e diagramação: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaça e Paulo Selveira / UNESCO no Brasil
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) Representação no Brasil SAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar 70070-912 – Brasília – DF – Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 3322-4261 Site: www.unesco.org/brasilia E-mail: grupoeditorial@unesco.org.br Ministério da Educação (MEC) Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC) Esplanada dos Ministérios, Bl. L, 2º andar 70047-900 – Brasília – DF – Brasil Tel.: (55 61) 2022-9217 Fax: (55 61) 2022-9020 Site: http://portal.mec.gov.br/index.html Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Rodovia Washington Luis, Km 233 – SP 310 Bairro Monjolinho 13565-905 – São Carlos – SP – Brasil Tel.: (55 16) 3351-8111 (PABX) Fax: (55 16) 3361-2081 Site: http://www2.ufscar.br/home/index.php Impresso no Brasil
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935 B. 
Olatunji Oloruntimehin
(pp. 657-674)
Há que apreender claramente a natureza do nacionalismo na África para apreciar de modo correto os acontecimentos examinados neste capítulo. Cumpre, inicialmente, distinguir o nacionalismo europeu do século XIX e aquele que a África colonizada experimentou entre as duas guerras mundiais. Na Europa, o nacionalismo representou, para as comunidades que aceitavam a realidade de identidades culturais e de um passado histórico comuns, a aspiração a uma existência soberana dentro de organizações políticas (Estados) próprias. A luta tinha como objetivo garantir a coincidência entre a nação cultural e a organização de sua vida política como Estado. Conforme demonstram os exemplos grego, italiano e alemão, o resultado definitivo dos movimentos nacionalistas foi a criação de Estados Nacionais. Na África, as aspirações dos Estados e dos grupos que, até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, combateram contra as potências imperialistas europeias e se esforçaram para impedir o estabelecimento do sistema colonial eram essencialmente as mesmas que animavam os movimentos nacionalistas europeus. No entanto, um dos efeitos da guerra foi consolidar as posições das potências imperialistas frente aos defensores da independência e da soberania africanas. Apesar da fermentação das ideias que contribuíram para minar o sistema imperialista, a dominação colonial tornou -se uma situação de fato, a ponto de certos autores considerarem o período entre as duas guerras como a “idade de ouro” do colonialismo na África. 
A maior parte das colônias criadas abrigava grupos nacionais cultural e historicamente diferentes, cuja unidade derivava principalmente do fato de estarem igualmente submetidas a um senhor estrangeiro. A situação colonial representava para todos um quadro novo, onde havia que forjar identidades novas que os sustentassem na luta contra as atrocidades da dominação estrangeira. As fronteiras coloniais que, no mais das vezes, englobavam diversas nações culturais sob uma administração imperial comum foram aceitas tais como eram. A constituição da nova identidade consistia, de início, em aceitar a africanidade essencial das diversas nações culturais. Os territórios das administrações coloniais passaram a constituir, em praticamente todos os casos, a definição territorial daquilo que os africanos começaram a considerar como proto -Estados, em torno dos quais procuravam desenvolver na população um sentimento de pertença com um. No contexto colonial, a evolução política e social foi o resultado das interações entre colonizador e colonizado. Em certa medida, as orientações das elites dirigentes africanas foram determinadas pela forma da administração colonial. Onde – como nas federações coloniais francesas – a estrutura e a política das administrações eram regionais, os dirigentes tendiam a adotar uma visão regional. Os campeões do nacionalismo africano entre as duas guerras (wanasiasa, como são chamados em swahili) eram essencialmente considerados como pan-africanistas, e não nacionalistas no sentido europeu. Efetivamente, o movimento nacionalista seguia curso inverso ao da evolução registrada na Europa. Ao contrário do que se passara naquele continente, o Estado havia sido criado antes que as nações culturais que lhe emprestassem significado de comunidade política tivessem cimentado sua unidade. É o que se infere da observação de James Coleman: [...] em muitos casos, o nacionalismo africano não se deve ao sentimento de pertencer a uma unidade político -cultural que procura defender -se ou afirmar -se; representa, antes, o esforço desenvolvido por modernistas conscientes de uma realidade racial para criar novas nacionalidades políticas e culturais, a partir das heterogêneas populações englobadas dentro das fronteiras artificiais impostas pelo senhor europeu [...]1. Convém reconhecer que, enquanto sistema de relações, o colonialismo apresenta certa base racista. Se a evolução, em um contexto colonial, resulta das interações entre colonizador e colonizado, a consciência racial é a base do desenvolvimento do nacionalismo enquanto busca da soberania e da independência. 
1 COLEMAN, 1965. p. 177.
O fato de os nacionalistas africanos serem considerados “modernistas” reflete a necessidade que tinham de agir dentro de condições definidas do exterior, condições que impunham um sistema estrangeiro de valores, de nomes e de definições da evolução política e social e que foram obrigados a subscrever para terem possibilidade de êxito. Que o nacionalismo africano fosse um fenômeno dinâmico e permanente, eis o que se deduz claramente da abundante literatura consagrada a temas como a construção nacional e o irredentismo. O termo mais exato para designar esse fenômeno – como o demonstra E. S. Atieno Odhiambo no capítulo 26 deste volume – é, incontestavelmente, o vocábulo swahili siasa. Em geral, o colonialismo necessita de uma base social para sobreviver; base habitualmente assegurada pela difusão da cultura do colonizador por meio da educação. Os resultados obtidos pelo sistema educativo criado para esse efeito determinam as normas que permitem constituir um novo grupo de elites no interior da sociedade colonizada. A difusão da cultura importada do colonizador é, entretanto, acompanhada, quase invariavelmente, de contatos culturais harmoniosos e de conflitos culturais que podem redundar em reações violentas da população submetida. Dessa forma, há sempre um conflito de interesses entre o colonizador e o colonizado, o primeiro desenvolvendo esforços para perpetuar a sua dominação, o segundo lutando para se afirmar através do restabelecimento da sua independência e soberania. Como M. Crowder já demonstrou, no capítulo 12, com a Primeira Guerra Mundial os membros das novas elites de toda a África esperavam identificar - se mais com o processo de desenvolvimento de suas respectivas comunidades. Pensavam que seriam absorvidos e aceitos como colegas pelos colonizadores, mas a situação colonial tornou -se mais opressiva e as esperanças da elite foram frustradas. Mesmo quando a mobilização do pessoal europeu durante a guerra abriu possibilidades de emprego aos africanos instruídos, as realidades dopós-guerra não tardaram a trazer desilusões e descontentamentos. Não só os africanos instruídos eram colocados em posições inferiores às do pessoal europeu de formação e experiência equivalentes, com o qual serviam nas mesmas administrações coloniais, como se viam socialmente relegados a segundo plano. Formados à margem de seu meio de origem, na esperança de que a educação lhes permitisse elevar -se ao nível dos europeus, acabavam em grande parte alienados, em relação a seus irmãos de raça, no referente a orientação, modo de vida, ambições e aspirações materiais e sociais2. As barreiras que o autoritarismo inerente 
2 Ver o prefácio de Jean -Paul Sartre à obra de FANON, 1967.
ao colonialismo erguia contra eles eram fonte de rancor, amargura e agitação contra os regimes coloniais. Os regimes coloniais não eram exceção a essa verdade evidente de que toda administração utiliza estruturas intermediárias, principalmente devido a razões de economia e eficácia. Os governos coloniais – como R. F. Betts mostrou no capítulo 13 – faziam uso variado das instituições e das elites tradicionais para mais facilmente controlar as populações submetidas. Na busca dessas estruturas e desse pessoal de autoridade, os funcionários coloniais criaram muitas vezes outras, novas, que podiam compreender e utilizar. Foi o caso dos warrant chiefs do sudeste da Nigéria, das native authorities entre os Massai de Tanganica (atual Tanzânia) e de certas partes de Uganda, fora de Buganda, e da maior parte dos pretensos chefes chefs de paille) criados por franceses, belgas e portugueses. Mesmo neste caso, entretanto, as elites assim recrutadas para sustentar a dominação colonial dificilmente recebiam melhor tratamento do que os africanos educados pelo sistema colonial. Tal como as novas elites educadas, os chefes “tradicionais” estavam em posição ambígua. Aos olhos do povo, tinham perdido o caráter tradicional de suas funções e de seu papel e, no mais das vezes, os colonizadores os consideravam instrumentos de controle e não autênticos parceiros. A perda de seu poder real, posição e prestígio social era, para muitos, causa de descontentamento. Somente alguns administradores coloniais pareciam ter compreendido como manejar as difíceis relações existentes entre as elites africanas “tradicionais” e as novas, de um lado, e entre estas duas e os regimes coloniais, de outro. Entre as exceções, citam -se o general (depois marechal) Lyautey no Marrocos, sir (depois lorde) Frederick Lugard na Nigéria setentrional e sir Gordon Guggisberg na Costa do Ouro (atual Gana). Mesmo estes empregavam geralmente a estratégia de frear as aspirações dos representantes das novas elites, normalmente descritos como arrivistas ambiciosos. Era cômodo cultivar uma situação de conflito nas relações entre as duas elites africanas, desempenhando a potência Imperialista o papel protetor das autoridades e do sistema de governo tradicional. Nessa situação, nenhuma das elites ficava satisfeita com os regimes coloniais. Em 1917, o governador -geral Joost van Vollenhoven atentava para o caráter explosivo do problema, no tocante em particular ao futuro do colonialismo, nestas observações atiladas: Os chefes indígenas, os de ontem que preservamos ou os de hoje que instituímos, queixam -se de ser humilhados; os intérpretes, os múltiplos auxiliares da administração e do comércio, queixam -se de ser usados como instrumentos e de não ter a categoria de colaboradores. Há em toda esta elite mal paga e bastante infeliz, tão afastada da sociedade indígena, da qual foi expulsa, como da sociedade europeia, onde ela não é admitida, uma desilusão, um descontentamento, uma amargura que seria perigoso ignorar3. Van Vollenhoven fazia a seguinte recomendação, que naturalmente não podia ser recebida favoravelmente, na época, pelos dirigentes coloniais: “ ... é necessário que esta elite seja reconhecida e melhor acolhida por nós. A reforma a operar reside menos nos textos do que nos costumes”4. Semelhante atitude seria contrária à ética do imperialismo, e a recomendação não foi considerada. Ao contrário, as autoridades coloniais concentraram-se na consolidação de seu domínio e na exploração dos recursos humanos e materiais de suas colônias. Prioritariamente figurava a solução dos problemas do pós -guerra na Europa e a retomada da marcha da economia e dos serviços. No entanto, o ambiente internacional e o juízo colorido de liberalismo que ele fazia sobre o colonialismo e os assuntos coloniais5 tornavam inevitável, a longo prazo, uma mudança de atitude. Mas o colonialismo não afetava apenas a elite educada e os dirigentes tradicionais. É erro considerar, como se fez até agora, o nacionalismo africano como um fenômeno elitista e puramente urbano. Trabalhos recentes mostram, cada vez mais claramente, a importância do descontentamento e dos sentimentos anti colonialistas nas zonas rurais, sendo a sua causa principal as novas medidas financeiras e econômicas, o novo sistema judiciário e, sobretudo, a depressão econômica dos anos 1930. Fatos como a migração de descontentes do Alto Volta ou da Costa do Marfim para a Costa do Ouro nos anos 1920, as ondas de destituições de chefes – símbolos do colonialismo em inúmeras regiões da África – pelos súditos e, evidentemente, a recusa em vender cacau pelos produtores da África ocidental6 (estes últimos amplamente estudados pelos pesquisadores) mostram que a resistência ao colonialismo no período entre as duas guerras não se limitava às elites dos centros urbanos, mas encontrava eco também nas zonas rurais, entre os camponeses e os operários analfabetos. É verdade que as pesquisas ainda se acham em estado embrionário no que concerne à amplitude dos sentimentos 
3 Archives du Sénégal, Fonds Afrique Occidentale Française (ASAOF), 17G61/2, 1917, p. 10. 4 ASAOF, 17G61/2, 1917, p. 20. 5 Ver SARRAUT, 1923; LUGARD, 1929. 6 JENKINS (org.), 1975; OLORUNTIMEHIN, 1973a, p. 17 -8. 
e das atividades anticoloniais no meio rural e, sobretudo, à ligação – se ligação houve – entre as atividades das elites urbanas e dos camponeses analfabetos. Por conseguinte, é impossível propor uma síntese neste capítulo. Chamamos a atenção dos futuros historiadores para este novo e apaixonante tema. Outro aspecto da política e do nacionalismo africanos entre as duas guerras foi a preocupação com o renascimento cultural, reação inevitável à realidade brutal que era a negação, pelo colonizador, da cultura dos colonizados. O despertar cultural foi um dos elementos da luta pela reafirmação e preservação da identidade pessoal, de início enquanto africanos e, depois, enquanto membros de determinadas nações culturais. O pan -arabismo e o pan -africanismo são, talvez, os exemplos mais notáveis, mas os movimentos ditos “nativistas” e os movimentos religiosos, assim como o “etiopianismo”, atendiam à mesma preocupação. Além disso, o colonialismo é um fenômeno global que afeta ou representa ameaça potencial a todos os aspectos da existência; portanto, os movimentos que se opuseram a ele tiveram de combatê -lo sob todos os seus aspectos. Como sistema orientado para a defesa de sua própria segurança, o colonialismo é naturalmente ameaçado por quaisquer reivindicações de equidade e de igualdade nas relações entre colonizador e colonizado, quer emanem de grupos de trabalhadores, de igrejas ou da burocracia colonial, quer se traduzam por manifestações destinadas a obter, por exemplo, escolas ou serviços de saúde. O ponto essencial é que o colonialismo encarna a desigualdade fundada na discriminação racial, e toda reivindicação de igualdade em qualquer domínio das relações humanas acaba por exigir o fim do colonialismo. Da mesma forma, as reações africanas sofreram o contragolpe das variações de intensidade da influência europeia no que se refere a ideias e instituições. Os africanos das regiões há mais tempo submetidas à dominação europeia tinham tendência a ser mais receptivos à cultura política europeia e a esperar que seria possível progredir por essa via até a autodeterminação. Tendo permanecidomais expostos à educação europeia, estavam mais afeitos ao modelo europeu de desenvolvimento econômico e social. A agitação em favor da mudança nessas regiões tendia, portanto, a tomar uma forma constitucional, facilitada pela existência das assembleias legislativas coloniais. Em lugares como o Egito e o Sudão anglo -egípcio, a Argélia (principalmente os três departamentos, Argel, Constantine e Orã), os protetorados franceses do Marrocos e da Tunísia e as regiões costeiras da África Ocidental Francesa e da África britânica, a ação dos africanos era caracterizada pelo constitucionalismo e pelo emprego de técnicas de pressão política correspondentes aos processos políticos da Europa Ocidental: os nacionalistas africanos dirigiam -se ao mesmo tempo às autoridades coloniais imediatas, aos grupos políticos e à opinião liberal da metrópole. A base social deste enfoque constitucional não cessou de se ampliar, à medida que aumentava o número de africanos educados e surgiam novos grupos econômicos e sociais, no contexto da dinâmica da economia colonial e das medidas tomadas, particularmente quanto à educação, para preparar a mão de obra africana necessária às atividades econômicas e sociais. Em numerosas colônias essa nova mão de obra sindicalizou -se progressivamente, reforçando a expressão política anticolonialista do nacionalismo africano. Como o meio operáno nas colônias apresentava todos os sintomas da situação colonial, principalmente uma exploração severa que repousava na discriminação racial e na injustiça social, as relações de trabalho logo apresentaram antagonismo político idêntico àquele que existia entre os cidadãos do país colonizador e os africanos colonizados. Os trabalhadores viriam a desempenhar papel primordial na ação política do nacionalismo africano, a partir da Segunda Guerra Mundial7. O peso das diferentes ideologias oficiais veiculadas pelas potências coloniais foi igualmente determinante. Como diz John Peel, “uma ideologia, os ideais das grandes religiões, por exemplo, é um fator que modela os comportamentos mesmo que ela seja imperfeitamente compreendida” e “o desenvolvimento não pode ocorrer independentemente da interpretação que os homens fazem de sua situação e de suas perspectivas”8. As diferenças de estilo e de orientação dos nacionalistas africanos derivavam, em parte, do fato de os diversos grupos referirem -se a ideologias diferentes para orientar a sua ação. Assim, os nacionalistas africanos que viviam sob domínio francês na Argélia e no Senegal, onde surgira a possibilidade de pôr fim ao colonialismo mediante uma política de “assimilação” que conduzia à cidadania francesa, com todos os direitos e responsabilidades correspondentes, tendiam a exercer constante pressão para que tal política fosse ampliada e generalizada. Em contrapartida, os africanos dos territórios britânicos abrigavam a esperança de chegar à independência como países soberanos, ainda que membros da Commonwealth, e mostravam -se claramente mais preocupados, durante o período considerado, com reformas e participação que finalmente desembocassem na independência. O objetivo era o mesmo – a liberdade –, o método é que 
7 BALANDIER e DADIE (org.), s.d., p. 202 -406; DAVIES, I., 1966. 8 PEEL, 1968.
era diferente. Este era ditado pelo contexto da ação, tal como o determinavam as relações dialéticas entre as ideologias e as práticas coloniais9. O fator representado pelo colono está relacionado com o fator ideológico. Manifestou -se na relativa intensidade da colonização enquanto processo, da frustração das esperanças do colonizado ou da não satisfação das reivindicações dos africanos. Esse fator explica as diferenças de tonalidade e de intensidade na expressão do nacionalismo africano entre a Argélia, repleta de colonos, e os outros territórios franceses que não sofriam esse problema. A mesma situação verificava -se no Quênia, Rodésia e África do Sul, dominados pelos colonos, e os demais territórios britânicos. A declaração de preeminência dos interesses africanos (ou Declaração Devonshire) de 1923, relativa aos africanos do Quênia, refletia uma ideologia essencialmente idêntica àquela que orientava a administração colonial britânica nas outras regiões. A evolução divergente desses territórios resultou da determinação absoluta dos colonos, decididos a perpetuar a sujeição da população autóctone pondo em prática o chamado’ ‘ultracolonialismo”10. 
O nacionalismo africano e a evolução internacional Entre as duas guerras, os nacionalistas africanos passaram praticamente pela mesma situação: privação das liberdades políticas e sociais; exploração dos recursos humanos e materiais em benefício de senhores estrangeiros; negação dos meios e serviços suscetíveis de contribuir para o avanço político e social das sociedades colonizadas ou, quando as mudanças pareciam inevitáveis, manobras destinadas a limitar e contornar o curso dos acontecimentos, no sentido favorável à manutenção do domínio colonial. Contra essas situações impostas pelos colonialistas, erguiam -se as aspirações dos nacionalistas, que, no norte da África, tentavam recuperar a soberania e a independência perdidas, embora sem pôr em causa as novas estruturas territoriais das colônias e, no resto do continente, reivindicavam a melhoria da situação social e econômica de suas comunidades, para dar sentido ao exercício das liberdades civis. Certos desenvolvimentos da situação internacional favoreciam as aspirações dos nacionalistas africanos. Por exemplo, as repercussões da Primeira Guerra Mundial, já evocadas e examinadas no capítulo 12 deste volume, 
9 LORUNTIMEHIN, 1971, p. 33 -50. 10 DUFFY, 1962; MINTER, 1972; ver, igualmente, OLORUNTIMEHIN, 1972b, p. 289 -312.
 
e a posição assumida pela Sociedade das Nações, que considerava desejável fazer do desenvolvimento das populações colonizadas um dos objetivos primordiais do sistema colonial e um critério de ação para as potências coloniais, sobretudo nos territórios sob mandato. A introdução da noção de responsabilidade, perante a comunidade internacional, para com os territórios sob mandato foi um estimulante para certos nacionalistas. No plano político, os nacionalistas africanos foram encorajados por movimentos ideológicos internacionais, como a Internacional Comunista (Komintern), leninista e antiimperialista, e outros movimentos socialistas, pela marcha para a independência em outros continentes, pelo pan -africanismo anti-imperialista inspirado por Sylvester Williarns, Marcus Garvey e Williarn Du Bois e por outras influências negras americanas e caribenhas, que serão discutidas no capítulo 29. Um congresso internacional reunido em Bruxelas em fevereiro de 1927, sob os auspícios do Komintern, esteve na origem da formação da Liga contra o Imperialismo e pela Independência Nacional (conhecida simplesmente como Liga contra o Imperialismo). Aproximadamente 180 delegados vindos da Europa Ocidental, da América do Norte, da América Central e do Sul, do Caribe, da Ásia e da África assistiram a esse congresso, que reuniu comunistas, grupos socialistas de esquerda, como o Independent Labour Party, representado por seu secretário -geral, Fenner Brockway (mais tarde, lorde Brockway), intelectuais socialistas e representantes de movimentos nacionalistas dos territórios coloniais. Entre os representantes da África figuravam Messali Hadj e Hadjali Abdel -Kader (Maghreb); Mohamed Hafiz Bey Ramadan e Ibrahim Youssef (Egito); Lamine Senghor (África Ocidental Francesa), Jorno Kenyatta (Quênia), assim como J. T. Gumede de I. A. La Guma (África do Sul). Estavam também presentes membros da Inter -Colonial Union, como Max Bloncoux, além de Carlos Deambrosis Martins, vindo do Haiti11. Movimentos de defesa dos direitos do homem e do cidadão e organismos de luta contra a escravidão funcionavam na Europa e em várias colônias da Africa. Movimentos de origem americana, como a Universal Negro Improvement Association, de Marcus Garvey, fundada em 1917, exerceram influência em diversas colônias africanas. Em oposiçãoa estas forças, que trabalhavam pela elevação das condições sociais e políticas dos grupos colonizados ou oprimidos, propagavam -se doutrinas políticas autoritárias e retrógradas do ponto de vista racial, as quais foram 
11 GEISS, 1974; PADMORE, 1956 .
institucionalizadas nos regimes fascista e nazista da Europa e nas autocracias repressivas das colônias, particularmente nas italianas. Mesmo nos países europeus onde prevaleciam as doutrinas políticas liberais, como a França, o fascismo e o nazismo encontraram adeptos, e os pontos de vista relativos à situação das colônias foram afetados por isso. Em geral, os meios capitalistas da indústria e do comércio europeus continuaram a considerar as colônias como domínios a preservar a todo custo. 
A expressão da política e do nacionalismo africanos Se o ambiente colonial e internacional era em grande parte uniforme, a expressão concreta do nacionalismo e da política africana – fenômeno bem resumido pela palavra swahili siasa – variava segundo o local, mesmo em territórios submetidos à mesma autoridade colonial. Isso deriva principalmente do fato de os territórios coloniais haverem sido obtidos em modalidades e épocas diferentes, de modo que sua experiência do colonialismo não tinha a mesma duração, nem a mesma natureza. A forma e a intensidade da ação dos nacionalistas (wanasiasa) nas colônias dependiam de vários fatores: qualidade dos dirigentes, grau de difusão e de intensidade das influências europeias no domínio das ideias e das instituições, número e importância dos colonos (brancos) e, finalmente, ideologias e práticas coloniais. Em quase todos os casos, os movimentos nacionalistas e a política colonial correspondente foram conduzidos e dominados pelas novas elites educadas, que estavam em melhor situação para compreender a cultura política europeia e, portanto, para reagir de maneira competente aos regimes coloniais, de acordo com os termos desses mesmos regimes. Essas elites por vezes cooperaram com membros das elites representativas da autoridade “tradicional”, malgrado certas tensões. Foi o caso, na Costa do Ouro, da Aborigines Rights Protection Seciety, bem como na Nigéria meridional, no Marrocos e entre os Gikuyu do Quênia. Em certos casos, as elites “tradicionais” conservaram a liderança, como na Líbia e no Marrocos. Muitas vezes, entretanto, como os representantes das autoridades tradicionais ou as pessoas recrutadas para esse fim eram promovidos pelos regimes coloniais a instrumentos de controle, o movimento nacionalista mostrava tendência para acusar as elites tradicionais de cumplicidade e para atacá -las por isso. Os partidos políticos e as organizações da juventude eram correias de transmissão para as aspirações do nacionalismo africano. Os partidos políticos tiveram papel importante nos poucos países onde havia assembleias legislativas coloniais. No Egito, a outorga de um parlamento pelos britânicos, que tinham decretado unilateralmente uma independência de fachada em 1922, permitiu a organização e o funcionamento de partidos políticos. A situação constitucional possibilitou que o Partido Wafd, de Sa’d Zaghlul, bem como o Partido Nacionalista contribuíssem poderosamente para a luta pelo restabelecimento total da independência e da soberania do Egito (ver o capítulo 23). Modificações de ordem constitucional, embora menos importantes, nas colônias britânicas da Costa do Ouro favoreceram o aparecimento e o funcionamento efetivo de partidos políticos. Até então, os esforços do National Congress of British West Africa haviam sido facilmente frustrados (ver o capítulo 26). Depois disso, o National Democratic Party, da Nigéria, por exemplo, conseguiu exercer influência mais perdurável sobre as autoridades coloniais e as populações autóctones. Da mesma forma, os partidos políticos desempenharam papel importante no Senegal, onde o General Council, convertido em Colonial Council depois de 1920, proporcionou a eles uma tribuna. As organizações da juventude, os grupos étnicos, as associações de ex -alunos e outros movimentos dedicados à conquista das liberdades civis e dos direitos do homem cumpriram papel insubstituível em todas as colônias, independentemente de sua situação constitucional. Essas organizações constituíam uma força política e social incalculável, em particular nas regiões onde as atividades políticas declaradas eram proibidas, dada a natureza repressiva da dominação colonial. Entre as organizações da juventude que serviram como catalisadores do movimento nacionalista anticolonial, cujas atividades serão estudadas no capítulo 25 deste volume, incluem -se a Gold Coast Youth Conference, fundada em 1929, a Lagos (mais tarde, Nigéria) Youth Movement, a Young Egypt, a Harry Thuku’s Young Kikuyu Association, fundada no Quênia em 1921, o Sudan Graduates’ Congress, os movimentos Jeune Gabonais e Jeunes Tunisiens. Alguns desses movimentos eram transterritoriais e outros inter -regionais, Estes últimos compreendiam a North African Star, dirigida por Messali Hadj; o National Congress of British West Africa, o South Africa Congress e a West African Students’ Union, dirigida pelo nigeriano Ladipo Solanke, que recrutava seus membros em toda a África Ocidental Inglesa. As organizações sociais que contribuíram para exprimir o nacionalismo africano e a política anticolonial compreendiam os diversos ramos existentes na África da Universal Negro Improvement Association, de Marcus Garvey, fundada na América em 1917, assim como a Nigerian Improvement Association (1920). São de citar, igualmente, organizações como a Líga dos Direitos do Homem e do Cidadão, no Gabão, a Liga Africana, de Luanda e Lourenço Marques (atual Maputo), em Angola e Moçambique, a Société Amicale des Originaires de l’ Afrique Equatoriale Française, de André Matswa, cujos membros eram de Libreville, Bangui e Brazzaville, a Ligue Universelle pour La Défense de La Race Negre (1925), dirigida por Tovalou Quenum (Daomé, atual Benin), o Comité, então Ligue de Défense de La Race Negre, dirigida por Kouyaté Garang (Sudão francês, atual Mali) e Lamine Senghor (Senegal)12. Havia ainda, em âmbito internacional, o Comité Mondial contre La Guerre et le Fascisme e os vários congressos pan -africanistas organizados por Sylvester Williams e William Du Bois. Os sindicatos e os outros movimentos operários também se converteram em importantes agentes da luta contra o sistema colonial, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. As armas forjadas entre as duas guerras para atacar o sistema colonial eram múltiplas. As revoltas e rebeliões, tão frequentes durante o período anterior, tornaram -se cada vez mais raras. Em lugar delas, os nacionalistas trataram de lançar mão de jornais, livros, panfletos, petições, emigração dos descontentes, greves, boicotes, boletins de voto, a cátedra e a mesquita. A imprensa contribuiu poderosamente para difundir as propostas dessas organizações políticas e sociais. O lento desenvolvimento de uma intelligentsia propiciava a audiência e a clientela que sustentavam um número cada vez maior de jornais e de revistas. Além dos periódicos editados na África, apreciável número de publicações estrangeiras servia de veículo à propaganda anticolonialista e anti-imperialista dos movimentos internacionais. As publicações eram diárias, semanais, quinzenais ou mensais, e outras apareciam quando possível. Muitos desses veículos surgiram antes da Primeira Guerra Mundial, como al -Liwa, diário de língua árabe fundado em 1900 para difundir as ideias do nacionalismo egípcio, Lá Démocratie du Sénégal e The Lagos Weekly Record, fundado em 1891. A maior parte, no entanto, data do período entre as duas guerras, como o Times of Nigeria (1921 -1930), o Daily Times (fundado em 1926), o Lagos Daity News (1925 -1938), Le Périscope Africain (Dacar, 1929), L‘Ouest Africain Français (Journal Républicain -Socialiste), Le Courrier de l’Ouest Africain (Dacar), o African Morning Post, The Gold Coast Times (Acra), L ‘Action Tunisienne (1932) e La Presse Porto -Novienne, com sutítulos e uma parteem yoruba. De entre os jornais publicados em línguas africanas, além do al -Liwa, egípcio, citamos o Akede Eko , em yoruba (Lagos, a partir de 
12 GEISS, 1974; LANGLEY, 1973.
1932). De fora da África vinham periódicos de inspiração comunista ou pan-africanista como Race Nègre, Negro World, La Voix des Nègres, Vox Populi, News Times and Ethiopia News, Cri des Nègres, African Times and Orient Review, The Crusader, New York Age e Coloured American. Além de jornais, revistas, peças de teatro, panfletos e folhetos, muitos livros escritos pelos líderes nacionalistas criticavam rudemente ou ridicularizavam o sistema colonial. A imprensa divulgou as atividades nacionalistas e anticolonialistas através das fronteiras. Nesse particular, ela constituiu uma fonte de constante preocupação para os administradores coloniais, como o provam as leis anti ssedição de meados dos anos 1930 e os esforços desenvolvidos para amordaçar legalmente certas publicações. A difusão do rádio tornaria, depois, mais difíceis e menos eficazes as medidas repressivas tomadas pelas potências coloniais para isolar suas colônias das influências externas. Conforme já salientamos, o constitucionalismo e o uso da imprensa e do rádio dependiam da existência de instituições legislativas nas colônias ou da esperança de poder dispor delas, assim como da existência de um número suficiente de africanos educados à moda ocidental para aproveitar essas instituições e meios de expressão. O esquema dos nacionalistas africanos educados à moda ocidental pressupunha, ainda, a aceitação dos modelos de desenvolvimento político da Europa Ocidental, os quais não podiam ser apreciados por quem não tivesse tal experiência. A desigualdade dos níveis de educação era, portanto, uma variável importante para a expressão do nacionalismo e do anticolonialismo. Como as potências europeias queriam que as despesas da administração e dos serviços coloniais fossem assumidas pelas próprias colônias, pouco esforço faziam para difundir a educação ocidental e criar a infra estrutura necessária ao desenvolvimento político e social. Em várias regiões da África colonizada, no período entre as duas guerras, as escolas primárias eram ainda poucas e o ensino secundário, uma raridade. Na África Central Britânica, na África Equatorial Francesa, no Sudão e nas colônias portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné, a educação secundária era praticamente inacessível antes da Segunda Guerra Mundial. Lá difícilmente os nacionalistas poderiam adotar o esquema constitucional para expressar seu anticolonialismo. É neste contexto que se deve tentar compreender o papel dos movimentos tradicionalistas (ou “nativistas”) e sócio -religiosos durante o período em estudo. Particularmente importantes – como já vimos em alguns capítulos anteriores – foram os movimentos messiânicos que expressavam, ao mesmo tempo, as ideologias autóctones e ideologias inspiradas no cristianismo e no islamismo. Esses movimentos tinham caráter emancipador, como acontece sempre que uma comunidade tem de manifestar descontentamento com relação a suas condições de vida e seus anseios de regeneração. Representavam uma ideologia antagônica ao colonialismo, na medida em que este constituía a negação da cultura autóctone e um rebaixamento econômico, social e psicológico da população colonizada. Como diz Lanternari, “Eles refletem as ansiedades e as esperanças dos grupos que deles participam com vistas à transformação, súbita e total, de seu ambiente físico, social e psicológico”13. Como exemplos notáveis no período que nos interessa, citemos (certas atividades desses movimentos foram igualmente examinadas no capítulo 20 deste volume) o etiopianismo na África meridional e oriental e os movimentos dirigidos por pregadores milenaristas na África meridional e central, sobretudo o Kitawala (African Watch Tower), que tinha numerosos adeptos nas duas Rodésias e se estendia aos dois Congos (atualmente, Zaire e R. D. do Congo) e à Niassalândia (atual Malaui), o movimento kimbanguista (fundado no Congo Belga por Simon Kimbangu, com seguidores no Congo Belga e no Congo francês, bem como a Mission des Noirs, neokimbanguista, fundada no baixo Congo por Simon Pierre Mpadi. Também conhecido como khakismo, este último movimento influenciou as populações do Congo francês e de Oubangui-Chari (mais tarde República Centro -Africana). Alguns desses movimentos eram inspirados pela aceitação do cristianismo, mas estavam decepcionados com a expressão de religião da igreja oficial das sociedades coloniais. Ansiosos por defender a África da opressão colonial, os nacionalistas africanos descobriram uma igreja no mínimo indiferente. Logo se afastaram dela, num espírito muito semelhante ao da Reforma, que caracterizou o crescimento e a propagação do cristianismo em numerosas sociedades. A exemplo dos movimentos reformadores da Europa e de outras regiões, as igrejas e os movimentos fundados pelos nacionalistas africanos tendiam a pôr em prática ideias cristãs, como a fraternidade humana e a unidade dos crentes sem distinção de raça nem de cor, a fim de fazer cessar a discriminação e a opressão. O estreito laço entre o espiritual e a situação social e material ressaltava dos métodos adotados por esses movimentos. Se a religião continuava a ser o meio de expressão das aspirações africanas, a ação concreta assumia a forma de recusa a pagar o imposto e agitação social. À imagem dos movimentos fundados por Kimbangu e Mpadi, Ruben Spartas Mukasa criou, em Uganda, a African Progressive Association e a Christian Army for the Salvation of Africa. Antigo 
13 LANTERNARI, 1974, p. 483.
soldado dos King’s African Rifles, Mukasa deu expressão ao objetivo unificador de todos esses movimentos ao prometer trabalhar a todo custo pela redenção da África. O objetivo político e social era claro quando, ao fundar uma filial da African Orthodox Church, em Uganda, declarou que essa igreja era “todos os africanos que pensam corretamente, para os homens que querem ser livres em sua própria pátria e não tratados sempre como crianças”. A igreja de Mukasa estendeu -se até o Quênia. Do mesmo gênero eram a Last Church of God and His Christ, de Jordan Msuma, na Niassalândia, bem como as diversas igrejas africanas de Aladura, na África ocidental. O islamismo representava um contrapeso para a ideologia colonial, assim como uma tribuna para a expressão do messianismo. O Mahdī é, para o muçulmano, o que o Messias é para o cristão. O mahdismo fustigou as autoridades coloniais da África setentrional e ocidental, no Sudão e na Somália. Conforme já vimos, o sanūsiyya, na Líbia dominada pela Itália, talvez represente o melhor exemplo da expressão do nacionalismo e do anticolonialismo através do islão. O pan -islamismo, aspecto religioso de um pan -arabismo de vocação cultural, assim como a ideia da Salafiya, também desempenhou papel predominante na política nacionalista e colonial no Egito, no Maghreb e no norte do Sudão anglo -egípcio. A influência sanusiyya como força anticolonialista estendia -se até certas partes da África ocidental. Os movimentos islâmicos como o hamalliyya, o tijaniyya e o mouridiyya constituíam para as autoridades uma ameaça constante à segurança do sistema colonial. Esses movimentos islâmicos permitiram estabelecer uma sólida ligação entre adeptos que viviam sob diferentes regimes coloniais. A partir da Primeira Guerra Mundial, conforme demonstrou Crowder (ver o capítulo 12), a ideologia pan -islâmica propagada desde a Turquia suscitou às autoridades coloniais de numerosas partes da África um problema preocupante, ao qual procuraram enfrentar mediante a troca de informações e a cooperação intercolonial. Fosse qual fosse o grau de exposição dos africanos colonizados às influências ocidentais, os diferentes movimentos culturais formavam uma base comum para a expressão do nacionalismo africano. Já falamos da capacidade de resistência das culturas e das instituições africanas, que mantiveram todo o seu significado para as populações colonizadas. Até mesmo os integrantesmais ocidentalizados das elites cultas tinham de enfrentar a realidade de sua africanidade essencial, qualquer que fosse seu grau de aculturação. Na sua maior parte, os já mencionados movimentos da juventude – e que serão estudados mais adiante – compreendiam o quanto a cultura africana era importante para preservar sua identidade contra as invasões europeias pelo canal escolar. As diversas associações gikuyu são exemplos disso. O mesmo se pode dizer dos movimentos pan-africanistas e do conceito bastante fluido de “negritude”, surgido, como vimos no capítulo anterior, em começos dos anos de 1930, e dos movimentos ditos “nativistas” e “religiosos” já mencionados. Todas essas expressões de nacionalismo e anticolonialismo constituíam a antítese da relação dialética entre europeus colonizadores e africanos colonizados. A reação dos regimes coloniais, que, regra geral, procuravam reassegurar o seu domínio pela força e pela lei, era compreensível, uma vez que na Europa, por então, afirmavam -se as autocracias e as tendências autoritárias. Mas os regimes coloniais não eram ameaçados apenas pela oposição dos africanos. A difusão das ideias e das instituições europeias foi para eles um sério desafio. As tentativas feitas para limitar a qualidade e a extensão da educação estavam na razão direta do receio de que o sistema de relações colonial viesse a ser ameaçado pela educação e pelas ideias políticas e sociais europeias. Foi por isso que a cultura geral em todos os níveis foi condenada, dando -se preferência às escolas rurais e profissionalizantes e aos estabelecimentos pós -secundários destinados a formar técnicos de nível médio, mas não às universidades. Havia que seguir o exemplo da Índia, onde a difusão do ensino geral contribuiu poderosamente para o desenvolvimento do nacionalismo e do anticolonialismo. Essa era a justificativa para a orientação e os programas de estabelecimentos como a Escola William Ponty, na África Ocidental Francesa, o Yaba Higher College (Nigéria), o Achirnota College (Costa do Ouro), o Gordon’s College (Khartum) e o Makerere College, na África Oriental Britânica14. Mas o esforço desenvolvido para regulamentar a evolução social nas colônias foi outra fonte de queixas contra o colonialismo, as quais alimentaram os movimentos nacionalistas. A crise econômica mundial agravou duplamente a situação, ao limitar os recursos que permitiam aos regimes coloniais viver sem subvenções da metrópole. A tendência geral foi reduzir as despesas de serviços e de infra estruturas que beneficiassem os colonizados, congelando as oportunidades de trabalho sem considerações pelo impacto social do desemprego. Ao mesmo tempo, as exações que empobreciam as colônias tornaram -se mais pesadas com o aumento dos impostos e com o uso frequente de trabalho barato e forçado, numa situação em que os agricultores recebiam remuneração cada vez menor por suas matérias -primas e pagavam cada vez mais caro pelas manufaturas importadas da Europa. 
14 OLORUNTIMEHIN,1974, p. 337 -57; ABERNETHY, 1969, p. 79 -88.
Convém, finalmente, indicar que a guerra ítalo -etíope, desencadeada em 1935, com a subsequente ocupação da Etiópia, foi um acontecimento internacional de grande importância, a reforçar o sentimento de alienação dos colonizados, sobretudo os educados, em relação aos regimes coloniais. O estilo da invasão italiana – o do fascismo e do nazismo em geral – dava ênfase à natureza racial do colonialismo europeu na África. Quem alimentara esperanças na Liga das Nações sofreu tremendo desapontamento. O desejo de proteger o orgulho ferido do africano explica o ressurgimento das ideias pan -africanistas e de ideologias como a da negritude nessa época. Igualmente importantes foram as de organizações internacionais em prol da independência da Etiópia, país que simbolizava a esperança do africano educado na independência. Os jornais e revistas, tanto africanos quanto estrangeiros, serviam naturalmente como veículos para a transmissão de um nacionalismo anticolonialista e antieuropeu. Foi para bloquear este desenvolvimento que se tomaram várias medidas administrativas e legislativas de repressão contra os meios de comunicação de massa, inclusive do rádio, que se expandia devagar. Foram feitos esforços para impedir ou limitar a circulação de livros, jornais, revistas e aparelhos de rádio, mesmo importados das metrópoles coloniais. Em quase todos os casos, a imprensa local foi rigidamente controlada pela censura e pelas leis de segurança. Todas essas medidas foram tomadas para facilitar as operações da administração colonial, que passou a ser caracterizada pela maior intolerância para com as aspirações nacionalistas e pela supressão das liberdades humanas e dos direitos civis. No período entre as duas guerras, o colonialismo e o nacionalismo africano viveram uma relação dialética. O nacionalismo africano e as atividades anticoloniais não obtiveram muito êxito, mas causaram alguma preocupação aos funcionários coloniais. Todas as medidas de repressão tomadas no período refletem essa preocupação. As reações coloniais ao desafio posto pelo nacionalismo africano chegaram à tentativa de manter a África afastada das correntes gerais do desenvolvimento mundial. Isso não só era irrealista e autocontraditório, como também teve função catalisadora, ao fazer com que o nacionalismo e o anticolonialismo crescessem como bola de neve, rumo a formas mais profundas e amplas que, com o impacto da Segunda Guerra Mundial, conduziram ao movimento de derrocada do sistema colonial.

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