Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O papel da biodiversidade no manejo de Pragas Miguel A. Altieri Evandro N. Silva Clara I. Nicholls Holos Editora 1 AGRADECIMENTOS Nós agradecemos a centenas de agricultores da América Latina e Califórnia que nos mostraram propriedades agrícolas produtivas, ecologicamente saudáveis, as quais nos ajudaram a perceber a importância da diversificação na agricultura. Gostaríamos de agradecer a alunos e colegas de trabalho, que sempre nos encorajaram durante as muitas fases de nossas carreiras acadêmicas, pela colaboração direta ou indireta em muitas de nossas pesquisas. Agradecemos ainda à Holos Editora Ltda. por ter aceito a proposta de publicar este livro, e especialmente ao seu editor chefe, Dr. Dalton Amorim, o qual com muita dedicação tem proporcionado não só a nós mas a vários outros autores a oportunidade de publicar suas obras através de uma relação autor-editor-leitor inovadora e extremamente saudável para o mercado editorial brasileiro. Agradecemos à EMATER-RS, Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural, pela parceria que viabilizou financeiramente a publicação deste livro. Agradecemos a AgBa Publishing, Elsevier, Royal Tropical Institute, Harvard University Press, Cambridge University Press, The Annals of Applied Biology and Jonh Wiley and Sons, Inc. pela permissão para reproduzir materiais com copyright. Dedicamos este livro a todos os atuais e futuros agricultores brasileiros, e a todos os estudantes e profissionais que se dedicam ao manejo de pragas no Brasil, de modo que eles possam, através deste livro, sentir-se inspirados e motivados para estudar e aplicar os princípios da agroecologia para cuidar melhor da terra. Nós somos inteiramente responsáveis pela visão expressa neste livro. Esperamos que a informação aqui reunida forneça ferramentas úteis para que profissionais, estudantes e docentes das Ciências Agrárias e Biológicas, bem como praticantes da agricultura, compreendam e obtenham critérios sobre diversificação de sistemas de produção agrícola para melhorar o manejo de pragas. 2 PREFÁCIO A idéia de publicar este livro surgiu durante a realização do I Workshop sobre Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, realizado em novembro de 1999, na UNICAMP, em Campinas, SP. Na ocasião, avaliamos que, no Brasil, existe uma carência de informações mais sistematizadas sobre a relação entre a biodiversidade e o manejo de pragas. Nossas reflexões nos levaram à conclusão de que a publicação deste livro seria uma ótima oportunidade para preencher esta lacuna e para por os entomólogos brasileiros a par dos avanços que têm ocorrido neste campo de conhecimento. Para se ter uma idéia do avanço das pesquisas neste campo de conhecimento, basta observarmos a quantidade de pesquisas que tem surgido sobre os efeitos da diversidade da vegetação sobre insetos pragas e seus inimigos naturais em agroecossistemas. A maioria dos trabalhos publicados sobre o tema relatam pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa, e em alguns casos também na América Latina, Ásia e África. A três décadas atrás, em pleno auge das tecnologias da "revolução verde", a pesquisa sobre sistemas agrícolas diversificados era rara, e não era considerada como relevante pelos círculos científicos. Apesar disso, a prática persistente de policulturas por pequenos agricultores latino-americanos, e o trabalho pioneiro de pesquisadores como H. van Emden, R. van den Bosch, D. Pimentel e R. Root foram iluminando e inspirando o esforço de muitos entomólogos e ecólogos para investigar o papel da biodiversidade sobre o manejo de pragas, incluindo a nós mesmos. Muitos anos se passaram, e agora estudos sobre ecologia de insetos em sistemas agrícolas diversificados são bastante freqüentes na literatura, aparecendo mensalmente em uma variedade de periódicos científicos. Até mesmo em congressos e simpósios na área de Entomologia, já fazem parte da programação científica temas como manejo e diversificação de hábitats para o aumento da eficiência de agentes de controle biológico. Há ainda um considerável debate sobre os méritos da diversificação. Diversos estudiosos do assunto têm sugerido cautela sobre a universalidade dos efeitos da diversidade sobre populações de pragas e inimigos naturais, e argumentam que é necessário pesquisar mais sobre o tema. Embora esta seja uma recomendação a se considerar, trabalhos recentes têm mostrado que a diversidade na agricultura não somente é essencial para a supressão de pragas, como é também crucial para assegurar as bases biológicas para a sustentabilidade da produção. Nossos trabalhos no campo da pesquisa experimental, bem como a realidade mostrada pela prática da diversificação em centenas de propriedades agrícolas nos países em desenvolvimento e na Califórnia, têm nos mostrado claramente as vantagens de buscar a implementação de sistemas agrícolas mais complexos que reconstruam os processos ecológicos encontrados em ecossistemas naturais. Projetos conduzidos por muitas organizações não-governamentais na América Latina têm usado a biodiversidade como a base de um enfoque agroecológico orientado para satisfazer as necessidades de agricultores pobres através de colheitas mais estáveis 3 e da conservação de recursos locais. Essas ações têm resultado no aumento da segurança alimentar e redução do uso de pesticidas tóxicos e, consequentemente, uma alimentação melhor e mais saudável das famílias rurais. Vários trabalhos têm mostrado que o uso da biodiversidade no manejo de pragas também pode ser viável em sistemas agrícolas mais tecnificados, tanto ao nível da propriedade como em milhares de hectares, embora neste último caso os exemplos sejam mais restritos a países como China, Austrália e Cuba, e a umas poucas culturas agrícolas. Neste livro, expressamos um ponto de vista de pessoas que iniciaram suas atividades de pesquisa na entomologia e caminharam em direção ao paradigma agroecológico, e que incorporaram no seu trabalho cotidiano também um olhar das Ciências Sociais sobre seu objeto de estudo. Essa evolução foi natural, desde que ao longo de nossa vida acadêmica nossas pesquisas - bem como nossa convivência com agricultores e movimentos sociais - nos colocaram frente a frente com os desafios do desenvolvimento rural sustentável na América Latina. Foi uma evolução epistemilógica saudável para nós, visto que passamos a perceber que os problemas ambientais na agricultura não são apenas ecológicos, mas parte de um processo social, econômico e político. Portanto, as causas fundamentais de muitos problemas com pragas que afetam a agricultura são inerentes às características estruturais do sistema agroeconômico predominante, o qual incentiva monoculturas especializadas, de larga escala e dependentes do uso intensivo de energia. Nós temos a expectativa de que no futuro os entomólogos se tornarão mais sensíveis às questões sociais, econômicas e culturais. Isso acontecerá à medida que os mesmos adquiram a percepção de que não é possivel compreender os problemas causados por pragas agrícolas em sua total extensão analisando-se os fatores ecológicos dissociados dos socio-econômicos. Esperamos que no futuro os entomólogos vislumbrem no paradigma agroecológico o caminho para a promoção de métodos de manejo de pragas que incorporem as dimensões ecológicas, econômicas e valorativas que constituem o cernedas atuais aspirações por uma agricultura mais sustentável. Somente uma compreensão mais ampla do problema assegurará que os benefícios de uma agricultura diversificada possam expandir-se para além das óbvias vantagens entomológicas, ampliando a agenda de pesquisa das universidades, institutos de pesquisa e ONG’s para incluir os interesses pela conservação ambiental, equidade social, viabilidade econômica e compatibilidade com a cultura e os valores emergentes de uma sociedade sustentável. Os autores. 4 INTRODUÇÃO Quando analisamos a trajetória histórica da agricultura, percebemos que como toda atividade moderna ela está completamente inserida e é em grande parte dirigida por um sistema de valores da era industrial. Com isto, queremos dizer que a agricultura industrial moderna baseia-se em certas premissas do capitalismo industrial sobre o mundo natural. Em primeiro lugar, existe uma mentalidade triunfalista, que resulta na convicção de que podemos dominar completamente a natureza. De fato, muitos feitos e conquistas da era industrial propiciam a grande parte da humanidade a falsa impressão de que as possibilidades de superarmos as limitações que a natureza nos impõe, e de conquistá-la, são infinitas. Em segundo lugar, existe uma visão extremamente utilitarista sobre os recursos naturais. Os recursos naturais existem não para serem a base de uma produção equilibrada e duradoura (que inclusive os conserve a longo prazo), mas sim para serem transformados em “commodities” altamente lucrativas a curto prazo, mesmo que isso degrade os recursos naturais. A combinação dessas duas premissas – triunfalismo e utilitarismo – foi a força motriz que resultou na agricultura que busca dominar a natureza, eliminando seu papel nos processos produtivos, e substituindo-a por um pacote tecnológico hostil a todas as outras formas vivas no agroecossistema, à exceção das culturas agrícolas. Levins (1986) apresenta uma análise bastante lúcida sobre a necessidade de promover uma mudança de um modelo agrícola industrial, intervencionista, hostil ao meio-ambiente e reducionista, em direção a um sistema de produção mais gentil com o meio-ambiente, mais ecologica e humanamente racional (Tabela 1). Segundo ele, o desenvolvimento do MIP – Manejo Integrado de Pragas - foi um passo intermediário nessa mudança, tendo resultado, em primeiro lugar, da crítica aos rumos da tecnologia agrícola como um todo e, em segundo lugar, dos avanços de importantes disciplinas que tornaram novas abordagens possíveis. Levins (1986) ressalta ainda que a crítica ao modelo agrícola industrial de alta tecnologia não se restringe somente aos pesticidas, mas também ao pacote tecnológico do qual eles são parte. As consequências desse pacote tecnológico são as seguintes: 1. Os danos econômicos causados por pragas certamente não diminuíram desde os anos 40 e é mais provável que tenham dobrado (Pimentel, 1986). 2. Os pacotes tecnológicos degradam sua própria base produtiva através da evolução da resistência a inseticidas; perda de diversidade genética para melhoramento de plantas; perda de fertilidade do solo através de erosão, salinização, compactação, e perda de micronutrientes; uso inadequado de água e a crição de novos problemas com pragas. 3. Aumento da vulnerabilidade da produção agrícola a imprevistos de ordem natural e humana. 5 (a) Monoculturas, especialmente nos trópicos, criam um alvo ideal tanto para a invasão de espécias pragas já existentes como para a adaptação de populações naturais às culturas introduzidas. (b) O alongamento do período de cultivo de várias culturas através da irrigação permite a ocorrência de populações de pragas ao longo de todo o ano. (c) O melhoramento de plantas direcionado estritamente para o rendimento sob condições ótimas, requer uma maior quantidade de medidas de proteção intervencionistas. (d) Certas práticas culturais, como a adubação com altas doses de nitrogênio, torna as culturas mais atrativas para os insetos herbívoros. (e) A crescente dependência de insumos importados para a agricultura torna a produação vulnerável às flutuações nos preços internacionais. (f) A tendência mundial dos preços de insumos comparada com a dos preços das culturas torna a balança de pagamentos menos favorável para a agricultura do Terceiro Mundo. 4. A eficiência energética da produção tende a diminuir à medida que aumenta o uso de insumos. 5. O controle químico de pragas tem efeitos nocivos à saúde do trabalhador rural, e à população em geral. A regra geral parece ser a de que quanto mais os governos são favoráveis às oligarquias ou ao setor do agronegócio, menor é a proteção da população contra a contaminação por agrotóxicos, a qual afeta mais de meio milhão de pessoas anualmente. 6. Danos a outras espécies e ao meio ambiente através da eutrofização de lagos, assoreamento de rios e represas, agrotóxicos e desmatamento. 7. Os pacotes tecnológicos geralmente aumentam as desiguldades sociais. As diferenças no acesso aos insumos, crédito, informação e transporte aumentam as desigualdades entre agricultores, e muitas veses resultam na concentração de terras, êxodo rural e aumento da população desempregada nas áreas urbanas. 8. O modelo industrial de alta tecnologia funciona a partir de uma base de conhecimento muito estreita que o deixa despreparado para responder a eventos imprevistos. Fica claro então que precisamos buscar novas abordagens para solucionar os diversos problemas enfrentados pela agricultura industrial moderna. Necessitamos de abordagens mais holísticas, menos intervencionistas e mais preventivas, que busquem a coexistência de diversas espécies no agroecossistema para otimizar os processos produtivos através dos ciclos biológicos, e que proporcionem maior igualdade de acesso ao conhecimento e aos serviços de assistência técnica. Entre essas novas abordagens está a agroecologia e a importância que esta disciplina atribui ao papel da biodiversidade para os processos de regulação biológica nos sistemas de produção agrícola, inclusive para a regulação de populações de pragas. 6 Nenhum outro aspecto dos sistemas agrícolas proporciona tantos serviços ecológicos chaves para assegurar a proteção das plantas contra insetos pragas quanto a diversidade de vegetação (Altieri e Letourneau, 1982). Desta forma, qualquer tentativa de implementar métodos de manejo de pragas em agroecossistemas com base em princípios ecológicos tem que levar em consideração a incorporação de espécies vegetais com múltiplas funções, destacando-se entre elas a manutenção de recursos vitais para populações de inimigos naturais e a criação de barreiras físicas e químicas que dificultem a localização da planta hospedeira pelos insetos pragas. Embora este livro focalize principalmente aspectos entomológicos, aqui analisamos também as bases ecológicas para a manutenção da biodiversidade na agricultura, e o papel que ela pode desempenhar na restauração do equilíbrio ecológico dos agroecossistemas de modo que uma produção sustentável possa ser alcançada. A biodiversidade promove uma série de processos de renovação e serviços ecológicos nos agroecossistemas. Quando estes processos e serviços desaparecem, os custos ambientais e sócio-econômicos podem ser significativos (Altieri, 1991a). O livro se concentra particularmente nos modos pelos quais a biodiversidade pode contribuir para o planejamento de sistemas agrícolas estáveis quanto aos problemas causados por insetos pragas. Para isso, estudos sobre os efeitos da consorciação, doscultivos de cobertura, do manejo de plantas invasoras e da manipulação da vegetação no entorno dos cultivos são discutidos. Uma atenção especial é dedicada à compreensão dos efeitos desses sistemas agrícolas diversificados sobre a densidade de populações de pragas e aos mecanismos que determinam a redução de pragas em sistemas agrícolas diversificados. Tal compreensão é fundamental para que o manejo da vegetação possa ser usado de forma efetiva como uma tática primária do Manejo Integrado de Pragas (MIP) na agricultura sob a perspectiva da sustentabilidade, tanto nos aspectos ecológicos como nos econômicos e sociais. Embora as comunidades de insetos em agroecossistemas possam ser estabilizadas através da construção de uma arquitetura da vegetação que suporte inimigos naturais e/ou iniba diretamente o ataque de pragas, o livro enfatiza que os efeitos da diversificação não são universais, cada situação deve ser avaliada separadamente, e que estratégias de manejo da vegetação a longo prazo também precisam ser desenvolvidas levando em consideração os fatores sócio-econômicos e culturais. Dessa maneira, as diferentes formas de diversificação de cultivos podem servir para satisfazer as necessidades locais e preferências dos agricultores, e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do meio-ambiente. 7 Tabela 1- Abordagens para o manejo de pragas (Levins, 1986). Industrial MIP Atual Agricultura Ecológica Objetivo Eliminar ou reduzir as espécies pragas Maximizar o lucro Múltiplos objetivos econômicos, ecológicos e sociais Alvo Uma única praga Várias pragas de uma cultura e seus predadores Fauna e flora de uma área cultivada Critérios para intervenção Calendário de aplicações ou a presença da praga Nível de dano econômico Múltiplos critérios Principal método Inseticida Prevenção através do melhoramento de plantas, época de plantio, monitoramento e várias intervenções Arranjo espacial dos cultivos e estratégias mistas Diversidade Baixa Baixa a média Alta Escala espacial Propriedade agrícola Propriedade agrícola ou uma região definida para uma praga específica Regiões agrogeográficas Escala temporal Imediata Período de produção Equilíbrio a longo prazo ou dinâmica oscilante Condições do entorno Culturas, sistemas de cultivo, posse da terra, microeconomia, critérios de decisão, organização social Culturas principais, posse da terra, e critérios de decisão Metas sociais Metas de pesquisa Melhoria dos inseticidas Mais tipos de intervenção Minimizar a necessidade de intervenção 8 CAPÍTULO 1 A biodiversidade e seu papel ecológico na agricultura Biodiversidade refere-se a todas as espécies de plantas, animais, e microorganismos existentes e interagindo dentro de um ecossistema (McNeely et al., 1990). A biodiversidade abrange desde a variação dentro de cada espécie até o número e a abundância relativa das diferentes espécies no espaço e no tempo em um sistema definido. Cada vez mais, cientistas de todo o mundo estão começando a reconhecer o papel e o significado da biodiversidade no funcionamento de sistemas agrícolas (Swift et al., 1996). Nesse sentido, as ameaças globais à biodiversidade não são estranhas aos especialistas em agricultura, visto que a agricultura, que cobre cerca de 25 a 30% da superfície terrestre, é talvez uma das principais atividades que afetam a diversidade biológica. É inegável o fato de que a agricultura implica na simplificação da estrutura do ambiente sobre extensas áreas, substituindo a diversidade natural por um pequeno número de plantas cultivadas e de animais domesticados. Na realidade, as paisagens agrícolas em todo o mundo são plantadas com cerca de apenas 12 espécies de culturas de grãos, 23 espécies de oleráceas, e cerca de 35 espécies de fruteiras (Fowler & Mooney, 1990); isto é, não mais que 70 espécies de plantas distribuídas sobre aproximadamente 1,44 milhões de hectares de terra atualmente cultivados no mundo (Brown & Young, 1990), um contraste marcante com a diversidade de plantas encontradas em um hectare de floresta tropical que contém tipicamente mais de 100 espécies de árvores (Mayers, 1984). O resultado final da simplificação da biodiversidade para fins agrícolas é um ecossistema artificial que requer constante intervenção humana. A preparação comercial de sementeiras e o plantio mecanizado substituem os métodos naturais de dispersão de sementes; substâncias químicas substituem os controles naturais de ervas daninhas, insetos e patógenos; e a manipulação genética substitui o processo natural de seleção e evolução das plantas. Até mesmo a decomposição é alterada, uma vez que o crescimento das plantas que são colhidas e a fertilidade do solo é mantida não através da reciclagem de nutrientes, mas com fertilizantes. Uma outra maneira pela qual a agricultura afeta a biodiversidade é através das externalidades associadas ao uso intensivo de agroquímicos e tecnologias mecânicas utilizadas para aumentar a produção agrícola. Nos EUA, cerca de 17,8 milhões de toneladas de fertilizantes são utilizadas nos sistemas de produção de grãos, e cerca de 227.000 toneladas de pesticidas são aplicados anualmente nas terras agrícolas. Embora esses insumos tenham aumentado as colheitas dos cultivos, seus efeitos indesejáveis sobre o meio ambiente estão minando a sustentabilidade da agricultura. Os custos ambientais e sociais associados ao uso de pesticidas nos EUA foram grosseiramente 9 estimados por Pimentel et al. (1980) em cerca de US$ 850 milhões por ano. Cerca de 27% das terras irrigadas nos EUA são afetadas pela salinização devido ao uso excessivo ou impróprio de irrigação, e por causa da perda de rotação e cobertura vegetal insuficiente, os níveis de erosão do solo atingem em média 185tons/ha/ano nas áreas agrícolas americanas, bem acima dos níveis mínimos aceitáveis (Brown & Young, 1990). Em nenhum lugar as conseqüências da redução da biodiversidade são tão evidentes quanto na esfera do manejo de pragas agrícolas. A instabilidade dos agroecossistemas se manifesta à medida que o agravamento de muitos problemas com insetos pragas está cada vez mais ligado à expansão das monoculturas às custas da perda da vegetação natural, reduzindo assim a diversidade de hábitat ao nível local (Altieri & Letourneau, 1982; Flint & Roberts, 1988). Os efeitos da redução da diversidade de plantas sobre surtos de herbívoros pragas e microorganismos patogênicos estão bem documentados na literatura agronômica (Andow, 1991; Altieri, 1994). Essas reduções drásticas na biodiversidade de plantas e os resultantes efeitos em cadeia, ou em cascata, podem afetar adversamente as funções do ecossistema com conseqüências posteriores sobre a produtividade agrícola e a sustentabilidade dos agroecossistemas. Todavia, resultados de experimentos delineados para evitar ou reverter tais conseqüências em agroecossistemas modernos indicam que a biodiversidade pode ser usada para melhorar o manejo de pragas (National Research Council, 1989). Entretanto, para usar efetivamente a biodiversidade no MIP - Manejo Integrado de Pragas - é importante entender que o tipo e a abundância da biodiversidade desejáveis na agricultura diferem de um agroecossistema para outro. Comunidades de plantas que são modificadas para satisfazer as necessidades humanas tornam-se sujeitas a sérios danos causados por pragas e, geralmente, quanto mais intensa for a modificação dessas comunidades,mais abundantes e sérias serão as pragas. As características intrínsecas de auto-regulação das comunidades naturais são perdidas quando o homem as modifica através do rompimento da frágil teia de interações da comunidade (Turnbull, 1969). Esse rompimento pode ser reparado pela restauração dos elementos rompidos da homeostase da comunidade, através da adição ou aumento da biodiversidade. Um dos motivos mais importantes para manter a biodiversidade natural é que ela é a fonte de todas as plantas e animais utilizadas atualmente na agricultura. Toda a gama de nossas plantas domesticadas é derivada de espécies silvestres que têm sido modificadas através da domesticação, cruzamento seletivo, e hibridização. A maioria dos atuais centros mundiais de diversidade contém populações de linhagens de plantas cultivadas variáveis e adaptáveis, bem como plantas silvestres e ervas daninhas parentes das espécies de plantas cultivadas (Harlan, 1975). Muitos sistemas agrícolas manejados tradicionalmente no Terceiro Mundo constituem-se em reservatórios in situ da diversidade das plantas cultivadas nativas (Altieri & Hecht, 1991). Existe uma grande preocupação hoje sobre a erosão genética das plantas cultivadas em áreas onde pequenos agricultores são forçados pela modernização agrícola a adotar variedades comercias ao invés das tradicionais. 10 Além de produzir valiosos animais e plantas, a biodiversidade oferece muitos serviços ecológicos. Em ecossistemas naturais, a cobertura vegetal de uma floresta ou de uma savana previne a erosão do solo e controla enchentes pelo aumento da infiltração e redução da escorrentia da água. Em sistemas agrícolas, a biodiversidade proporciona serviços ecológicos que vão além da produção de alimentos, fibras, energia e renda. Exemplos incluem a reciclagem de nutrientes, controle do microclima local, regulação dos processos hídricos locais, regulação da abundância de organismos indesejáveis, e detoxificação de químicos nocivos. Esses processos de renovação e os serviços para o ecossistema são em grande parte biológicos, portanto, sua persistência depende da manutenção da diversidade biológica. Quando se perde esses serviços naturais devido à simplificação biológica, os custos ambientais e econômicos podem ser bastante significativos. Economicamente, na agricultura, os custos incluem a necessidade de suprir os cultivos com onerosos insumos externos, visto que agroecossistemas desprovidos dos componentes básicos de regulação funcional perdem a capacidade de manter sua própria fertilidade do solo e a regulação de pragas. Muitos dos custos envolvem a redução da qualidade de vida devido à diminuição na qualidade do solo, da água e dos alimentos quando ocorre contaminação por pesticidas e/ou nitrato. A biodiversidade em agroecossistemas pode ser tão variada quanto as várias culturas, plantas invasoras, artrópodes, ou microorganismos envolvidos, de acordo com a localização geográfica, e fatores climáticos, edáficos, humanos e sócio-econômicos (Figura 1). As interações complementares entre os vários componentes bióticos também podem ser de natureza múltipla. Algumas dessas interações podem ser usadas para induzir efeitos positivos e diretos sobre o controle biológico de pragas de culturas específicas, regeneração e/ou aumento da fertilidade e conservação do solo. A exploração dessas interações em situações reais envolve o desenho e manejo dos agroecossistemas e requer uma compreensão das numerosas relações entre solos, microorganismos, plantas, insetos herbívoros e inimigos naturais. Os componentes da biodiversidade dos agroecossistemas podem ser classificados em relação ao papel que jogam no funcionamento dos sistemas de cultivo. Desta forma, a biodiversidade agrícola pode ser agrupada da seguinte maneira (Swift & Anderson, 1993): Biota Produtiva: culturas, árvores e animais selecionados pelos agricultores que jogam um determinado papel na diversidade e complexidade do agroecossistema. Biota de Recursos: organismos que contribuem para a produtividade através da polinização, controle biológico, decomposição, etc. Biota Destrutiva: plantas invasoras, insetos pragas, microorganismos patogênicos, etc. para os quais o agricultor busca reduzir através do manejo cultural. Dois componentes distintos da biodiversidade podem ser reconhecidos em agroecossistemas (Vandermeer & Perfecto, 1995). O primeiro componente, a biodiversidade planejada, inclui culturas e rebanhos propositadamente incluídos no agroecossistema pelo agricultor e que variará dependendo do manejo de insumos e dos arranjos dos cultivos no espaço e no tempo. O segundo componente, a biodiversidade associada, inclui toda a fauna e flora do solo, herbívoros, carnívoros, decompositores, 11 polinizadores, etc. que colonizam o agroecossistema vindos dos ambientes circundantes e que terão sucesso em estabelecer-se no agroecossistema dependendo do seu manejo e estrutura. A relação entre os dois tipos de componentes da biodiversidade é ilustrada na Figura 2. A biodiversidade planejada tem uma função direta, como ilustrado pela seta que liga a caixa biodiversidade planejada à caixa de funções do agroecossistema. A biodiversidade associada também tem uma função, mas ela é mediada pela biodiversidade planejada. Assim, a biodiversidade planejada também tem uma função indireta ilustrada pela seta pontilhada na figura, a qual é realizada através de sua influência sobre a biodiversidade associada. Por exemplo, as árvores em um sistema agroflorestal criam sombra, o que torna possível o crescimento apenas de cultivos com alta eficiência biológica sob condições de pouca luz. Assim, a função direta deste segundo grupo de espécies (as árvores) é criar sombra. Ainda com as árvores devem vir os himenópteros que forrageiam em busca de néctar nas flores das árvores. Estes insetos podem ser parasitóides naturais de pragas que normalmente atacam as culturas. Os himenópteros fazem parte da biodiversidade associada. As árvores então criam sombra (função direta) e atraem himenópteros (função indireta) (Vandermeer & Perfecto, 1995). FIGURA 1- Componentes, funções e estratégias de aumento da biodiversidade em agroecossistemas (Altieri, 1991a). COMPONENTES FUNÇÕES Polinizadores Predadores e parasitóides Herbívoros Plantas não- cultivadas Minhocas Mesofauna do solo Microfauna do solo BIODIVERSIDADE DO AGROECOSSISTEMA Polinização Cruzamento genético Regulação de populações Controle biológico Consumo de biomassa Ciclagem de nutrientes Competição Alelopatia Fontes de inim. naturais Parentes silvestres das plantas cultivadas Estrutura do solo Ciclagem de nutrientes Decomposição Predação Ciclagem de nutrientes Ciclagem de nutrientes Supressão de doenças AUMENTO DA BIODIVERSIDADE Policultivos Agroflorestas Rotações Cultivos de Cultivo sem Compostagem Adubos Adição de Quebra- Cobertura aração verdes matéria ventos orgânica 12 FIGURA 2- Relação entre a biodiversidade planejada (aquela que os agricultores determinam, baseada no manejo do agroecossistema) e a biodiversidade associada (aquela que coloniza o agroecossistema depois dele Ter sido estruturado pelo agricultor) e como as duas promovemo funcionamento do agroecossistema (modificado de Vandermeer & Perfecto, 1995). Em agroecossistemas modernos, as evidências experimentais sugerem que a biodiversidade pode ser usada para melhorar o manejo de pragas (Andow, 1991). Diversos estudos têm mostrado que é possível estabilizar as comunidades de insetos de agroecossistemas desenhando e construindo arquiteturas vegetais que suportam populações de inimigos naturais ou que tenham efeito deterrente direto sobre herbívoros pragas. Este livro analisa esse desenho do agroecossistema em detalhes. A chave é identificar o tipo de biodiversidade que é desejável manter e/ou aumentar de forma a gerar serviços ecológicos, e assim determinar as melhores práticas que estimularão os componentes desejados da biodiversidade. Existem muitas práticas agrícolas e desenhos de sistemas agrícolas que têm o potencial de aumentar a biodiversidade funcional, e outros tantos que a afetam negativamente. A idéia é aplicar as melhores práticas de manejo, de modo a aumentar ou regenerar o tipo de biodiversidade que pode subsidiar a sustentabilidade dos agroecossistemas através da geração de serviços ecológicos, tais como: controle biológico de pragas, ciclagem de nutrientes, conservação de solos e água, etc. O papel dos agroecólogos deve ser o de estimular aquelas práticas agrícolas que aumentam a diversidade de organismos acima e abaixo da superfície do solo, os quais, por sua vez, oferecem serviços ecológicos chaves para os agroecossistemas (Reijntjes et al., 1992). Assim, uma estratégia chave do MIP deve ser explorar a natureza complementar e sinergética que resulta das várias combinações de culturas, árvores e animais em agroecossistemas que apresentam arranjos espaciais e temporais tais como policulturas, sistemas agroflorestais e sistemas agro-silvo-pastoris. Manejo do agroecossistema Biodiversidade planejada Funcionamento do agroecossistema (p.ex.: regulação pragas, ciclagem de nutrientes, etc.) Promove Biodiversidade associada Biodiversidade dos ambientes do entorno Cria as condições que promovem 13 Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a biodiversidade pode ser usada para ajudar a grande massa de agricultores carentes de recursos, muitas vezes situados em terras marginais, encostas, e várzeas, a atingir a auto-suficiência alimentar durante o ano, reduzir sua dependência de insumos químicos de difícil acesso e caros, e desenvolver sistemas de produção que reconstruam as capacidades produtivas de suas pequenas propriedades. Segundo Altieri (1987) e Beets (1990), essa maneira de ver a biodiversidade na agricultura tem como objetivo assistir os agricultores no desenvolvimento de sistemas agrícolas sustentáveis que satisfaçam a auto-suficiência alimentar, bem como estabilizar a produção evitando a erosão do solo. Tecnicamente, o enfoque consiste no planejamento de sistemas agrícolas de usos múltiplos enfatizando a proteção dos solos e dos cultivos, e na obtenção da melhoria da fertilidade dos solos cultivados e proteção dos cultivos através da integração de árvores, animais e cultivos (Figura 3). Exemplos de programas de desenvolvimento rural de base na América Latina analisados por Altieri (1991b), sugerem que a manutenção e/ou aumento da biodiversidade em agroecossistemas tradicionais representa uma estratégia que assegura dietas diversificadas e fontes de renda, produção estável, risco mínimo, produção intensiva com recursos limitados, e retorno máximo sob baixos níveis de tecnologia. Nestes sistemas, a complementaridade das operações agrícolas reduz a necessidade de insumos de fora da propriedade. A correta associação espacial e temporal de plantas cultivadas, árvores, animais, solo e assim por diante, potencializa as interações que sustentam a produção com base nos recursos internos e na reciclagem de nutrientes e matéria orgânica, e nas relações tróficas entre plantas e insetos, ou patógenos, as quais aumentam o controle biológico de pragas. Como os agricultores tradicionais geralmente têm um profundo conhecimento da biodiversidade, seus conhecimentos e percepções ambientais devem ser integrados em esquemas de inovação agrícola que tentam relacionar a conservação de recursos e o desenvolvimento rural (Altieri & Hecht, 1991). Para uma estratégia de conservação de recursos compatível com uma estratégia de produção diversificada obter sucesso entre pequenos agricultores, o processo deve estar ligado aos esforços de desenvolvimento rural que dêem igual importância à conservação de recursos locais e auto-suficiência alimentar e/ou participação nos mercados locais. Qualquer tentativa de conservar o solo, florestas, ou diversidade genética das plantas cultivadas deve lutar para preservar a diversidade dos agroecossistemas nos quais esses recursos ocorrem. Por outro lado, é essencial manter a diversidade cultural, pois ela é tão crucial quanto a diversidade biológica. 14 FIGURA 3 -Conexões em um agroecossistema diversificado que resultam em maior proteção e fertilidade do solo e melhor proteção biológica dos cultivos (Altieri, 1987). Em essência, o desempenho ótimo de muitos sistemas agrícolas é dependente do número de interações entre os vários componentes agrícolas. As interações fundamentais do sistema são aquelas onde os produtos de um componente são usados na produção de um outro componente (p. ex., plantas invasoras usadas para alimentar o gado, esterco animal usado para fertilizar os cultivos, quebra-ventos impedindo a entrada de pragas nos cultivos, ou áreas de pousio deixadas para pastoreio animal). Além do mais, a biodiversidade pode também subsidiar o desempenho dos agroecossistemas oferecendo serviços ecológicos como a ciclagem de nutrientes, controle biológico de pragas, e conservação de água e do solo. Frutas, estacas, lenha, forragem, quebra-ventos Biomassa Mulch Adubo verde Integração de árvores ao agroecossistema Práticas de conservação de solo e água Proteção do solo Proteção de culturas Aumento da Fertilidade do solo Rotações, cultivos de cobertura, policulturas Compostagem de esterco Integração de animais ao agroecossistema Carne, ovos e leite Culturas alimentícias e industriais Forragem Uso de mulch Quebra-ventos Cultivo mínimo Plantio direto Curvas de níivel 15 CAPÍTULO 2 Agroecologia e Manejo de Pragas Agroecologia e formas de manejo da biodiversidade em sistemas agrícolas Cada região tem um conjunto único de agroecossistemas que resultam do clima local, topografia, solo, relações econômicas, estrutura social e história. Cada região contém uma hierarquia de sistemas (Figura 4) na qual o sistema regional é um complexo de unidades de uso do solo, com subsistemas agrícolas e subsistemas de culturas agrícolas, os quais produzem e transformam os produtos primários, envolvendo um grande setor de serviços, inclusive centros urbanos (Hart, 1980). Os agroecossistemas de uma região muitas vezes incluem sistemas agrícolas comerciais e para uso local que dependem de tecnologia para diferentes escalas, dependendo da disponibilidade de terra, capital e trabalho. Algumas tecnologias em sistemas modernos objetivam o uso eficiente da terra (dependência de insumos bioquímicos), enquanto outros reduzem trabalho(insumos mecânicos). Numa situação oposta, agricultores carentes de recursos usualmente adotam tecnologias de baixo uso de insumos e práticas de uso intensivo de mão-de-obra que otimizam a eficiência da produção e reciclam recursos escassos (Matteson et al., 1984). Embora cada propriedade rural numa certa região seja única, podemos classificá- las pelo tipo de agricultura ou agroecossistema. O agrupamento ou classificação funcional é essencial para desenvolver estratégias apropriadas de manejo. Cinco critérios podem ser usados para classificar os agroecossistemas de uma região: (1) os tipos de culturas e rebanhos; (2) os métodos utilizados para cultivar os plantios; (3) a intensidade relativa de uso de trabalho, capital, organização, e a saída de produtos resultantes da produção; (4) o destino dos produtos para consumo (se são usados para subsistência ou suprimentos na propriedade ou vendidos para obter dinheiro e outros bens); e (5) as estruturas usadas para facilitar as operações agrícolas (Norman, 1979). 16 FIGURA 4- A agricultura como uma hierarquia de sistemas (Hart, 1980). Com base nesses critérios, é possível reconhecer sete tipos principais de agroecossistemas no mundo (Grigg, 1974): 1. Sistemas de agricultura itinerante 2. Sistemas de Sequeiro Semi-permanentes 3. Sistemas de Sequeiro Permanentes 4. Sistemas Irrigados 5. Sistemas de Cultivos Perenes 6. Sistemas de Pastagens 7. Sistemas com Rotação entre Cultivos Agrícolas e Pastagem (SUPRA) SISTEMA NACIONAL Sistema regional Sistema regional SISTEMA REGIONAL Solos clima vegetação Setor agrícola Setor secundário Setor terciário SISTEMA DE USO DA TERRA Propriedades agrícolas SISTEMA DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA Construções Infra-estrutura Produção vegetal Produção animal PRODUÇÃO VEGETAL Culturas Insetos Patógenos Invasoras Solos PRODUÇÃO ANIMAL Rebanhos Pastagens Silagem CULTURAS REBANHOS 17 Os sistemas 4 e 5 têm evoluído para hábitats que são muito mais simples em forma e mais pobres em espécies que os outros, os quais podem ser considerados mais diversificados, permanentes e menos perturbados. Dentro da gama de sistemas agrícolas mundiais, as policulturas tradicionais requerem menos insumos que pomares modernos, cultivos anuais e hortaliças para alcançar um certo nível de estabilidade desejada (Figura 5). Esta estabilidade aparente resulta de certos atributos ecológicos e de manejo inerentes aos sistemas de policultura. Sistemas modernos requerem modificações mais radicais de suas estruturas para atingir um estado mais diversificado, menos perturbado. Através do mundo, os agroecossistemas diferem em idade, estrutura, diversidade, e manejo. FIGURA 5- Energia necessária para sustentar um nível desejável de estabilidade da produção em diversos sistemas agrícolas (Altieri, 1987). Na realidade, existe uma grande variabilidade nos padrões ecológicos e agronômicos básicos entre os vários agroecossistemas dominantes (Figura 6). Em geral, o grau de biodiversidade em agroecossistemas depende de quatro características principais do agroecossistema (Southwood & Way, 1970): 18 1. a diversidade de vegetação dentro e no entorno do agroecossistema, 2. a permanência de várias culturas dentro do agroecossistema, 3. a intensidade de manejo, e 4. a extensão do isolamento do agroecossistema da vegetação natural. Em geral, agroecossistemas que são mais diversos, mais permanentes, isolados e manejados com tecnologias de baixos insumos (p. ex., sistemas agroflorestais, policulturas tradicionais) tiram maior vantagem do trabalho usualmente feito pelos processos ecológicos associados à alta biodiversidade do que sistemas altamente simplificados, dependentes de insumos e perturbados (p. ex., monoculturas modernas de hortaliças e pomares). FIGURA 6- Padrões ecológicos de diferentes agroecossistemas (Altieri, 1987). As barras mais longas indicam um grau maior da respectiva característica. Todos os agroecossistemas são dinâmicos e estão sujeitos a diferentes níveis de manejo, de modo que os arranjos dos cultivos no espaço e no tempo estão mudando continuamente em função dos fatores biológicos, culturais, sócio-econômicos e ambientais. Essas variações da paisagem determinam o grau de heterogeneidade 19 espacial e temporal característico das regiões agrícolas, o qual pode ou não beneficiar a proteção contra as pragas em um dado agroecossistema. Assim, um dos principais desafios que estão diante dos agroecólogos hoje é a identificação dos tipos de heterogeneidade (ao nível de propriedade ou mesmo regional) que produzirão os resultados agronômicos desejáveis (isto é, regulação de pragas), dado que cada área tem seu ambiente e sua entomofauna que lhe são peculiares. Esse desafio só pode ser vencido analisando melhor a relação entre a diversificação da vegetação e a dinâmica populacional das espécies de herbívoros, à luz da diversidade e complexidade dos sistemas agrícolas. Um padrão hipotético na regulação de pragas de acordo com a diversidade espacial e temporal do agroecossistema é descrito na Figura 7. Não está claro se este padrão se mantém para a maioria das regiões e sistemas; entretanto, nosso conhecimento atual tem avançado significativamente nas últimas três décadas através de numerosos estudos que têm elucidado os mecanismos ecológicos que explicam os modos pelos quais a diversidade de plantas em agroecossistemas influencia a estabilidade e a diversidade da comunidade de herbívoros (Altieri & Letourneau, 1982, 1984). FIGURA 7- Um padrão hipotético de regulação de pragas ao longo de um gradiente de sistemas agrícolas que apresentam variados graus de complexidade da vegetação (Altieri, 1991c). Embora os herbívoros variem amplamente em sua resposta à distribuição, abundância e dispersão dos cultivos, a maioria dos estudos agroecológicos mostram que 20 os atributos estruturais (arranjo espacial e temporal das culturas) e de manejo dos agroecossistemas (diversidade de plantas cultivadas, níveis de uso de insumos, etc.) influenciam a dinâmica de herbívoros (Figura 8). Diversos desses atributos estão relacionados à biodiversidade e muitos são passíveis de manejo (seqüências e associações das culturas, diversidade de plantas invasoras, diversidade genética, etc.). O manejo dos componentes ambientais e da diversidade em agroecossistemas tem três dimensões: espacial, temporal e biológica (Figura 9). FIGURA 8- Práticas de manejo de culturas que afetam a dinâmica do complexo pragas-inimigos naturais em agroecossistemas (Altieri, 1994). Complexo pragas – inimigos naturais Intensidade de manejo Arranjo temporal Diversidade de culturas Ambiente do entorno Características das culturas Variedades resistentes adaptadas às condições locais Maturação precoce Diversidade de cercas vivas Distância das fontes de infestação Deriva de inseticidas Talhões de menor tamanho Densidade dos cultivos Agroflorestas Policulturas Rotação de culturas Antecipação do plantio Poucas aplicações de inseticidas Fertilização orgânica 21 FIGURA 9- Componentes ambientais e da diversidade em agroecossistemas e suas dimensões temporais espaciais e biológicas (Altieri, 1994).Controle biológico em sitemas agrícolas diversificados Cultivos em monoculturas são ambientes que apresentam maior dificuldade para a indução do controle biológico de pragas porque esses sistemas carecem de recursos adequados para o eficiente desempenho dos inimigos naturais, e por causa dos distúrbios das práticas culturais freqüentemente utilizadas nesses sistemas. Sistemas agrícolas mais diversificados já contêm certos recursos específicos para inimigos naturais, oferecidos pela diversidade de plantas, e, usualmente, não são perturbados pela aplicação indiscriminada de pesticidas (especialmente quando manejados por agricultores pobres que não podem custear tecnologias de alto uso de insumos). Eles são também mais passíveis de manipulação. Assim, pela reposição ou adição de diversidade aos sistemas existentes, pode ser possível exercer mudanças na diversidade de hábitat. Tais mudanças aumentam a abundância e a eficiência dos inimigos naturais, através de: Componentes da diversidade ambiental Dimensões temporais Dimensões biológicas Dimensões espaciais Variedades susceptíveis/tolerantes Linhagens puras resistentes vs. cultivos multigenéricos Uniformidade na idade da planta Pragas polífagas/monófagas + inimigos naturais Grandes/pequenos complexos de de pragas + inimigos naturais Pragas multi/univoltinas + in. nat. Planta aparente/não-aparente Planta com alta/baixa defesa química Cadeia trófica linear/complexa Pragas + in. nat. exóticos/nativos Cultivo com uma espécie Cultivos de muitas espécies Agrofloresta Campos pequenos/grandes Campos agregados/dispersos Hábitats adjacentes simples ou complexos (invasoras, cercas vivas, matas, pastagens, etc.) Densidade de plantio alta ou baixa Com/sem supressão de invasoras Variedades uniformes/misturadas Mosaicos locais/regionais de culturas Culturas armadilha Monocultura Cultivo sequencial Pousio Cultivos anuais/perenes Dentro/fora do campo Fenologia da vegetação Data de plantio (precoce/tardio) Plantio não-sincronizado Época de colheita Época de controle de invasoras Cultivos de maturação curta/longa Estação favorável/desfavorável 22 1. fornecimento de hospedeiros e presas alternativas em épocas de escassez de hospedeiros pragas, 2. fornecimento de alimento (pólen e néctar) para adultos de parasitóides e predadores, 3. fornecimento de refúgios para hibernação, reprodução, etc., 4. manutenção de populações aceitáveis das pragas por períodos prolongados para assegurar a sobrevivência contínua de insetos benéficos (van den Bosch & Telford, 1964; Altieri & Letourneau, 1982; Powell, 1986). Os efeitos específicos resultantes ou as estratégias a serem usadas dependerão das espécies de herbívoros e inimigos naturais associados, bem como das propriedades da vegetação, das condições fisiológicas da cultura, ou da natureza dos efeitos diretos de determinadas espécies de plantas (Letourneau, 1987). Além do mais, o sucesso das medidas de aumento do controle biológico pode ser influenciado pela escala sobre a qual tais medidas são implementadas (isto é, escala do campo cultivado, unidade de produção, ou região) uma vez que fatores como o tamanho do campo, composição da vegetação dentro do campo e no seu entorno, e o nível de isolamento do campo (isto é, distância da fonte de insetos colonizadores) irão todos afetar as taxas de imigração, taxas de dispersão, e o tempo efetivo de permanência de um dado inimigo natural na cultura alvo. Talvez uma das melhores estratégias para aumentar a eficiência de predadores e parasitóides é a manipulação de recursos alimentares não-alvo (hospedeiros e presas alternativas, pólen e néctar) (Rabb et al., 1976). Neste caso, é importante não apenas que a densidade de recursos não-alvo seja alta o suficiente para influenciar as populações de inimigos naturais, mas que a distribuição espacial e a dispersão temporal dos recursos também sejam adequadas. A manipulação apropriada do recurso não-alvo deve resultar em inimigos naturais colonizando o hábitat mais cedo que a praga no ciclo de produção da cultura, e, freqüentemente, encontrando um recurso uniformemente distribuído no campo, aumentando assim a probabilidade de que o inimigo natural permaneça no hábitat e se reproduza (Andow & Risch, 1985). Certos arranjos de policulturas aumentam e outros reduzem a heterogeneidade espacial de recursos alimentares específicos; assim, determinadas espécies de inimigos naturais podem ter a abundância aumentada ou diminuída em uma dada policultura. Esses efeitos e respostas 23 só podem ser determinados experimentalmente, através de um conjunto inteiro de agroecossistemas. A tarefa é realmente assustadora, visto que as técnicas de melhoria dos agroecossistemas devem, necessariamente, ser específicas para cada local. Embora muitos experimentos tenham documentado tendências de populações de insetos em hábitats agrícolas simples versus complexos, alguns poucos têm se concentrado na elucidação da natureza e da dinâmica das relações tróficas entre plantas e herbívoros e entre herbívoros e seus inimigos naturais em agroecossistemas diversificados. Diversas linhas de estudo têm sido desenvolvidas. Estudos das interações cultura - plantas invasoras - insetos: Evidências indicam que as plantas invasoras influenciam a diversidade e a abundância de insetos herbívoros e de inimigos naturais em sistemas agrícolas. Certas plantas invasoras (principalmente das famílias Umbeliferae, Leguminosae e Compositae) jogam um importante papel ecológico por hospedar e suportar um complexo de artrópodes benéficos que ajudam na supressão de populações de pragas (Altieri et al., 1977; Altieri & Whitcomb, 1979b, 1980). Dinâmica de insetos em policulturas anuais: Evidências muito fortes sugerem que policulturas abrigam uma quantidade menor de herbívoros do que monoculturas. Um fator que explica essa tendência é que populações de inimigos naturais relativamente mais estáveis podem persistir em policulturas devido à disponibilidade mais contínua de fontes de alimentos e microhábitats (Altieri & Letourneau, 1983; Helenius, 1989). A outra possibilidade é que herbívoros mais especializados têm maior probabilidade de encontrar e permanecer em culturas de “stands” puros, que oferecem recursos concentrados e condições físicas uniformes (Tahvanainen & Root, 1972). Herbívoros em sistemas agrícolas perenes complexos: Muitos desses estudos têm explorado os efeitos da manipulação da vegetação de cobertura do solo sobre insetos pragas e insetos associados. Os dados indicam que pomares com uma vegetação de cobertura rica em flores exibem incidência de insetos pragas mais baixa que pomares cultivados no limpo, principalmente por causa de um aumento na abundância e eficiência de predadores e parasitóides (Altieri & Schmidt, 1985; Bugg & 24 Waddington, 1994). Em alguns casos, a cobertura do solo afeta diretamente espécies de herbívoros que distinguem entre árvores com e sem cobertura no solo. Efeitos da vegetação adjacente: Os estudos têm documentado a dinâmica de insetos pragas colonizadores que invadem campos de culturas a partir da vegetação de borda, especialmente quando a vegetação está botanicamente relacionada com a cultura. Um número considerável de estudos documenta a importância da vegetação adjacente, nativa ou manipulada, para o fornecimento de alimento alternativo e hábitat para inimigos naturais que podem em seguida migrar para as culturas vizinhas (van Emden, 1965; Wainhouse & Coaker, 1981; Altieri & Schmidt,1986b; Long et al., 1998; Varchola & Dunn, 2001). Outros mostraram ainda que em períodos de alta temperatura parasitóides em campos cultivados podem voltar para a vegetação adjacente buscando refúgio em hábitats com microclima mais favorável (Dyer & Landis, 1996, 1997a,b). A literatura disponível sugere que o delineamento de estratégias de manejo de vegetação deve incluir o conhecimento e a consideração de: (1) arranjo da cultura no tempo e no espaço, (2) a composição e abundância da vegetação não cultivada dentro e ao redor dos campos, (3) o tipo de solo, (4) o ambiente ao redor dos campos, e (5) o tipo e intensidade de manejo. A resposta das populações de insetos às manipulações do ambiente depende do grau de associação delas com um ou mais componentes da vegetação do sistema. A extensão do período de cultivo ou o planejamento das seqüências espaciais e temporais dos cultivos pode permitir a ocorrência de agentes de controle biológico naturalmente, para sustentar níveis de populações mais altos sobre hospedeiros ou presas alternativas e para persistir no ambiente agrícola ao longo do ano. Como os sistemas agrícolas em uma região são manejados com uma gama de entradas de energia, níveis de diversidade de cultivos, e estágios sucessionais, é provável que ocorram variações na dinâmica de insetos e pode ser difícil prevê-las. Entretanto, com base na atual teoria ecológica e agronômica, pode ser esperado um baixo potencial para ocorrência de pragas em agroecossistemas que exibam as seguintes características: 25 (1) Alta diversidade de culturas através de misturas de plantas no tempo e no espaço (Cromartie, 1981; Altieri & Letourneau, 1982; Risch et al., 1983; mas veja Andow & Risch, 1985; Nafus & Schreiner, 1986). (2) Descontinuidade das monoculturas no tempo através de rotações, variedades de maturação precoce, ou, por um certo período, não realizar o plantio da cultura ou de uma cultura preferida por uma determinada praga, etc., (Stern, 1981; Lashomb & Ng, 1984). (3) Utilizar campos de tamanho pequeno e dispersos, criando um mosaico estrutural de cultivos adjacentes e terras não cultivadas para evitar a concentração de recursos ou visando também a potencial oferta de abrigo e alimento alternativo para inimigos naturais (van Emden, 1965; Altieri & Letourneau, 1982). As pragas também podem se proliferar nesses ambientes dependendo da composição das espécies de plantas (Altieri & Letourneau, 1984; Slosser et al., 1984; Collins & Johnson, 1985; Levine, 1985; Lasack & Pedigo, 1986). Entretanto, a presença de baixos níveis de populações de pragas e/ou hospedeiros alternativos, pode ser necessária para manter os inimigos naturais na área. (4) Propriedades rurais com um componente predominante de cultivos perenes. Pomares são considerados ecossistemas semi-permanentes e mais estáveis que sistemas de cultivos anuais. Como os pomares sofrem menos distúrbios e são caracterizados por uma maior diversidade estrutural, as possibilidades para o estabelecimento de agentes de controle biológico são geralmente maiores, principalmente se a diversidade das plantas que cobrem o solo é estimulada (Huffaker & Messenger, 1976; Altieri & Schmidt, 1985; Gravena et al., 1993; Liang & Huang, 1994; Nicholls et al., 2000). (5) Altas densidades das culturas ou presença de níveis aceitáveis de plantas invasoras (Shahjahan & Streams, 1973; Altieri et al., 1977; Andow, 1983; Mayse, 1983; Buschman et al., 1984; Ali & Reagan, 1985). 26 (6) Alta diversidade genética resultando do uso de misturas de variedades ou diversas linhagens da mesma cultura (Perrin, 1977; Gould, 1986; Altieri & Schmidt, 1987) Considerando várias características espaciais, temporais e varietais dos sistemas agrícolas, Litsinger & Moody (1976) sugeriram as implicações de vários esquemas de manejo de culturas para a supressão de pragas (Figura 10). Essas generalizações podem servir para o planejamento de estratégias de manejo de vegetação em agroecossistemas; entretanto, elas devem levar em conta variações locais no clima, geografia, cultivos, vegetação local, insumos, complexos de pragas, etc., que devem aumentar ou diminuir o potencial para o desenvolvimento das pragas sob algumas condições de manejo de vegetação. FIGURA 10- Tendências hipotéticas de aumento ou diminuição do potencial das pragas em agroecossistemas dependendo do arranjo dos cultivos no tempo e/ou no espaço (Litsinger & Moody, 1976). POTENCIAL DAS PRAGAS EM RELAÇÃO AO MANEJO DE CULTURAS Alto potencial para as pragas Baixo potencial para as pragas ARRANJO DAS CULTURAS NO TEMPO Monocultura Rotação de espécies cultivadas Cultura anual Cultura perene Cultura com maturação tardia Cultura com maturação precoce Plantio contínuo Plantio descontínuo Plantio não-sincronizado Plantio sincronizado Estação favorável para a praga Estação não-favorável para a praga ARRANJO DAS CULTURAS NO ESPAÇO Culturas solteiras Consorciação/Policultivos Plantio em baixa densidade Plantio em alta densidade Campos de grande tamanho Campos de pequeno tamanho Campos agregados Campos em mosaico A importância do conceito de seletividade no uso da biodiversidade Uma vasta literatura mostra que sistemas agrícolas diversificados podem reduzir a incidência de pragas e aumentar a atividade de inimigos naturais (Altieri, 1991d; Andow, 1991; Landis et al., 2000). Entretanto, algumas pesquisas têm mostrado que 27 para aumentar os inimigos naturais sem beneficiar também as espécies pragas, é mais importante identificar os elementos essenciais da diversidade e disponibilizá-los de forma criteriosa aos inimigos naturais do que introduzir qualquer tipo de diversidade (van Emden & Williams, 1974; van Emden, 1990; Gurr et al., 1998). Como exemplo, exploraremos aqui a oferta de pólen e néctar, recursos fundamentais para a sobrevivência e sucesso reprodutivo de inimigos naturais. O plantio de faixas de vegetação contendo plantas ricas em flores nas bordas dos cultivos tem sido estudado e utilizado como uma forma de oferecer pólen e néctar para inimigos naturais. Entretanto, alguns estudos têm mostrado que às vezes um determinado recurso pode favorecer tanto os inimigos naturais quanto as espécies pragas. Baggen & Gurr (1998) estudaram o efeito de diferentes plantas com flores como fonte de pólen e néctar sobre a fecundidade, longevidade de Copidosoma koehleri Blanchard (Hymenoptera: Encyrtidae) bem como sobre o seu parasitismo sobre a traça da batata Phtorimaea operculella (Zeller) (Lepidoptera: Gelechiidae). Foram testadas as plantas Coriandrum sativum L. (Apiaceae), Anethum graveolens L. (Apiaceae), Borago officinalis L. (Boraginaceae) e Vicia faba L. (Fabaceae). Embora essas plantas tenham contribuído para aumentar as taxas de parasitismo, elas também foram exploradas pela espécie praga aumentando sua fecundidade e longevidade. Posteriormente, os parasitóides e a traça da batata foram expostos a uma série de fontes potenciais de pólen e néctar em um experimento de laboratório, com as plantas C. sativum, B. officinalis, Fagopyrum esculentum Moench (Polygonaceae) e Tropaeleum majus L. (Tropeolaceae). Os resultados mostraram que B. officinalis seria a melhor planta a ser usada no campo, ou uma fonte de alimento seletiva, pois permitiu o acesso aos recursos para parasitóide mas não para a praga. Em um experimento semelhante ao anterior, Baggen et al. (1999) constataram que uma outra planta, Phacelia tanacetifolia Benth. (Hydrophyllaceae), também seria uma fonte de alimento seletivapara o sistema tri-trófico batata-traça-C. koehleri. Entre várias plantas testadas como fontes de pólen e néctar, P. tanacetifolia foi a única que beneficiou C. koehleri sem beneficiar a traça da batata (Figura 11). Esse resultado tem implicações práticas muito importantes pois P. tanacetifolia é uma planta de uso relativamente amplo no manejo de hábitat para sirfídeos (Hickman & Wratten, 1995; White et al., 1995) por ser de fácil manejo agronômico e bastante rica em pólen. 28 A identificação e seleção dos elementos chave da biodiversidade pode ser um processo difícil, mas esse processo pode ser norteado pela compreensão das interações entre os recursos e os inimigos naturais (Wratten & van Emden, 1995; Wratten et al. 1998). A compreensão das interações entre as características organísmicas das plantas (arquitetura floral e morfologia da planta) e dos insetos (morfologia da cabeça e aparelho bucal), por exemplo, podem ser fatores críticos no uso de plantas como fontes de pólen e néctar para inimigos naurais de pragas. Estudos de laboratório têm sido utilizados para identificar que plantas devem ser introduzidas ou eliminadas do campo. FIGURA 11- (a) Comparação da fecundidade no tempo de vida adulta de Phtorimea operculella em gaiolas com ramos de flores com nectários (barras sólidas), ou com ramos sem nectários (barra transparente), em diferentes espécies de plantas (Baggen et al., 1999). (b) Comparação da longevidade adulta de Copidosoma koehleri em gaiolas com ramos de flores con nectários (barras sólidas), ou com ramos sem nectários (barra transparente), em diferentes espécies de plantas (Baggen et al., 1997). Em Vicia faba utilizou-se nectário extra-floral. 29 Patt et al. (1997) exploraram várias plantas com diferentes tipos de arquitetura floral e diferentes níveis de acessibilidade a nectários florais para Edovum puttleri Grissel e Pediobius foveolatus Crawford (Hymenoptera: Eulophidae), parasitóides do besouro da batata do Colorado, Leptinotarsa decemlineata (Say) (Coleoptera: Chrysomelidae). Os resultados mostraram que a arquitetura floral influenciou a seleção das plantas com nectários florais. E. puttleri se alimentou efetivamente apenas nas plantas com nectários expostos, enquanto P. foveolatus se alimentou nas plantas com nectários florais expostos e parcialmente expostos (Figura 12a). Os autores concluiram que a capacidade de forrageamento dos parasitóides sobre as plantas estava relacionada com a morfologia dos mesmos, pois flores com nectários parcialmente expostos ou não-expostos tinham abertura entre os estames e pétalas mais estreita que a largura da cabeça e do tórax dos parasitóides (Figura 12b). Em um outro estudo, Patt et al. (1997) avaliaram plantas com nectários florais para determinar quais poderiam beneficiar predadores de L. decemlineata. As espécies A. graveolens e C. sativum tinham flores compatíveis com a morfologia da cabeça da joaninha Coleomegilla maculata (DeGeer) (Coleoptera: Coccinellidae) e do bicho-lixeiro Chysoperla carnea Stephens (Neuroptera: Chrysopidae). Observações de campo do comportamento de forrageamento dos predadores comprovaram a utilidade dessas plantas e seu subsequente uso em plantio de beringela, Solanum melongena L. (Solanaceae) resultou no aumento do número de predadores, aumentou a taxa de consumo de posturas de ovos e diminuiu a sobrevivência de larvas de L. decemlineata. Esses estudos são raros exemplos de uma seleção cuidadosa de plantas como fonte de néctar e pólen levando em consideração fatores como o uso do recurso pela praga e pelo parasitóide, e as interações entre características da planta e dos insetos que podem determinar a real funcionalidade dessa estratégia de controle biológico. Estudos sistemáticos sobre a “qualidade” da diversificação de plantas no que diz respeito à abundância e eficiência de inimigos naturais são necessários. Como foi pontuado por Southwood & Way (1970), o que parece importar é a diversidade “funcional” e não a diversidade por si só. Por isso, ainda são necessários estudos com enfoque de causalidade que venham a determinar os elementos essenciais das associações de plantas em agroecossistemas que interrompem a invasão de pragas e que favorecem a colonização e crescimento de populações de inimigos naturais. 30 Esses estudos permitirão o planejamento mais preciso de esquemas de cultivo que aumentem as chances de se obter um efeito benéfico superior aos níveis que obtemos atualmente. O propósito deste livro é sistematizar o conhecimento e fornecer as bases necessárias para alcançar esse objetivo, através de uma revisão do estado da arte no campo do manejo da biodiversidade para o controle de pragas em agroecossistemas. Figura 12 - (a) Vista lateral das arquiteturas florais sobre as quais E. puttleri e P. foveolatus foram avaliados, mostrando a posição dos nectários (em preto) em relação às outras partes das flores: 1) umbela com nectários expostos; 2) Cynthia com nectários expostos; 3) umbelas com nectários parcialmente escondidos; 4) cálice com nectários parciamente escondidos; (5) capítulo com nectários escondidos. Os parasitóides medem 3mm e os desenhos estão em escala. (b) Comparação da largura média da cabeça dos parasitótides com a largura das aberturas entre pétalas e estames em flores com nectários parcialmente expostos (C. sativum), parcialmente escondidos (M. spicata e L. maritima) e escondidos (A. milifolium). N = 50 E. puttleri e P. foveolatus e 25 flores de cada espécie (Patt et al., 1997) 31 CAPÍTULO 3 As Bases Ecológicas do Manejo de Pragas em Agroecossistemas Diversificados TEORIA ECOLÓGICA Durante anos, os ecólogos têm debatido a hipótese de que o aumento da diversidade promove estabilidade. Várias revisões críticas teóricas sobre este assunto estão disponíveis (Watt, 1973; van Emden & Williams, 1974; Goodman, 1975; Murdoch, 1975), bem como revisões que usam exemplos agrícolas para dar suporte à teoria (Pimentel, 1961; Root, 1973; Dempster & Coaker, 1974; Litsinger & Moody, 1976; Perrin, 1977). A literatura está cheia de exemplos de experimentos documentando que a diversificação de sistemas agrícolas muitas vezes resulta em baixos níveis populacionais de populações de herbívoros (Cromartie, 1981; van Emden, 1990). Esses estudos sugerem que quanto mais diversos forem os agroecossistemas, e quanto mais essa diversidade permanecer sem distúrbios, mais conexões internas se desenvolvem para promover uma maior estabilidade nas comunidades de insetos. Entretanto, é preciso que fique bem claro que a estabilidade da comunidade de insetos depende não apenas de sua diversidade trófica, mas da real natureza dependente da densidade dos níveis tróficos (Southwood & Way, 1970). Em outras palavras, a estabilidade dependerá da resposta de qualquer conexão trófica em particular a um aumento na população do nível trófico imediatamente inferior. Van Emden & Williams (1974) argumentaram que a diversidade existente (desenvolvida e estável) no agroecossistema seria de maior valor para a estabilidade que uma diversidade recém criada. Eles concordaram com Way (1966) que, em relação a problemas específicos com pragas, pequenas quantidades de alta diversidade em determinados sistemas de cultivo podem ser identificadas para o controle biológico e os agricultores poderiam incorporá-las prontamente aos agroecossistemas. Esse enfoque deve visar um “manejo equilibrado do hábitat”, tendo a diversidade de plantas como parte integral da estratégia. 32 Misturar certas espécies de plantas com o hospedeiro primário de um herbívoroespecializado dá um resultado bastante consistente (Figura 13): herbívoros especializados usualmente exibem abundância mais alta em monoculturas que em policulturas. Em uma revisão detalhada deste tema, Andow (1991) identificou 209 estudos publicados que tratam dos efeitos da diversidade de vegetação em agroecossistemas sobre espécies de artrópodes herbívoros. De um total de 287 espécies de herbívoros examinadas nesses estudos, 52% mostraram-se ser menos abundantes em sistemas diversificados que em monoculturas, enquanto apenas 15,3% (44 espécies) exibiram densidades mais altas em policulturas (Tabela 2). Em monoculturas, herbívoros exibem taxas de colonização mais altas, maior potencial reprodutivo, tempos de permanência mais longos, menos barreiras ao encontro do hospedeiro e taxas de mortalidade por inimigos naturais mais baixas. Tabela 2- Números de espécies de artrópodes com respostas específicas a policulturas aditivas e substitutivas a (Andow, 1991). Densidade populacional de espécies de artrópodes em policultura comparada com monocultura Variável b Mais alta Igual Mais baixa Herbívoros 58 (20,2) 44 (15,3) 36 (12,5) 149 (51,9) Monófagos 42 (19,1) 17 (7,7) 31 (14,1) 130 (59,1) Polífagos 16 (23,9) 27 (40,3) 5 (7,5) 19 (28,4) Inimigos Naturais 33 (25,6) 68 (52,7) 17 (13,2) 12 (9,3) Predadores 27 (30,3) 38 (42,7) 14 (15,7) 11 (12,4 Parasitoids 6 (15,0) 30 (75,0) 3 (7,5) 1 (2,5) a A porcentagem do número total de espécies está em parêntesis. b Uma resposta variável significa que uma espécie de artrópode não teve uma densidade populacional consistentemente mais alta ou mais baixa em policulturas que em monoculturas quando a resposta da espécie foi estudada várias vezes. Padrões de biodiversidade de plantas e o importante papel que ela tem em agroecossistemas têm sido extensivamente revisados (Risch et al., 1983; Andow, 1991). Essas e outras revisões citam vários estudos mostrando que é possível estabilizar a comunidade de insetos de agroecossistemas desenhando e construindo arquiteturas 33 vegetais que suportam populações de inimigos naturais ou que tenham efeito deterrente direto sobre herbívoros pragas. FIGURA 13- Tendências populacionais de herbívoros especialistas em monoculturas e em policulturas onde as plantas hospedeiras estão misturadas a plantas não-hospedeiras (Strong, et al., 1984). Quatro hipóteses ecológicas principais têm sido oferecidas para explicar os baixos níveis de populações de pragas em associações de várias espécies de plantas. Resistência Associativa Ecossistemas nos quais espécies de plantas estão misturadas possuem uma resistência de associação a herbívoros em adição à resistência de espécies de plantas individualmente (Root, 1975). Tahvanainen & Root (1972) sugerem que, além da sua diversidade taxonômica, as policulturas têm uma estrutura, ambiente químico e padrões 34 associados de microclimas relativamente complexos. Esses fatores da vegetação mesclada atuam sinergisticamente para produzir uma “resistência associativa” ao ataque de pragas. Na vegetação estratificada, os insetos podem experimentar dificuldade na localização e na permanência em pequenos pontos favoráveis à sua sobrevivência se as condições ideais de microclima são altamente fragmentadas. Existem vários fatores na consorciação de culturas que ajudam a restringir o ataque de pragas. Alguns deles estão associados com os efeitos diretos das plantas consorciadas sobre a capacidade dos insetos herbívoros de encontrar e utilizar a planta hospedeira. Por exemplo, uma planta hospedeira pode ser protegida do ataque de insetos pragas pela presença física de outras plantas que podem proporcionar uma camuflagem ou uma barreira física. Assim, a diversidade ameniza a pressão de herbívoros sobre o sistema de produção como um todo. O encontro da planta hospedeira por insetos pragas muitas vezes envolve mecanismos olfativos, e o cultivo de plantas hospedeiras em associação com plantas sem relação de parentesco filogenético pode ser um importante componente na defesa contra herbívoros, pois os odores das plantas não-hospedeiras levam à interrupção do comportamento dos insetos na busca do hospedeiro, tendo como base pistas de odor. Este tipo de proteção deriva do efeito de mascaramento que os odores das plantas não- hospedeiras causam sobre os odores emitidos pelas plantas hospedeiras. Este efeito tem sido demonstrado em couve consorciada com tomate ou fumo sobre o besouro-pulga, Phyllotreta cruciferae Goeze (Coleoptera: Chrysomelidae) (Root, 1973), a traça-das- crucíferas, Plutella xylostella (L.) (Lepidoptera: Plutellidae) (Litsinger & Moody, 1976), bem como sobre a mosca-da-cenoura Psila rosae (F.) (Diptera: Psilidae) em cenoura consorciada com cebola (Uvah & Coaker, 1984). No último exemplo, a redução na infestação ocorreu somente quando as folhas de cebola estavam se expandindo e não quando as plantas tinham começado a produzir bulbos, sugerindo que o odor de mascaramento emanava apenas das folhas jovens. Outras ervas aromáticas têm sido declaradas, principalmente por produtores orgânicos, como sendo repelentes a insetos pragas de hortaliças, mas pouco trabalho experimental tem sido feito para substanciar estas afirmações. A consorciação de repolho e tomate reduz a colonização por P. xylostella, enquanto consórcios de milho, feijão e abóbora têm os mesmos efeitos sobre besouros crisomelídeos. Os odores de algumas plantas podem também atrapalhar o 35 comportamento de busca das pragas. Bordaduras com gramíneas repelem cigarrinhas do feijão e os estímulos químicos de cebolas impedem os adultos de P. rosae de encontrar as plantas de cenoura. Alternativamente, uma determinada cultura inserida em um consórcio pode agir como uma armadilha ou isca (Dempster & Coaker, 1974). Na Califórnia, faixas de alfafa intercaladas com algodão atraem e retém o percevejo Lygus (Hemiptera: Lygaeidae). Há uma perda na produção de alfafa, mas isto representa menos que o custo de controle alternativo para o algodão (Stern, 1979). Da mesma forma, crucíferas consorciadas com feijão, cereais, trevo ou espinafre são menos danificadas pelas moscas do gênero Delia (Diptera: Anthomyiidae) e pelo pulgão Brevicoryne brassicae (L.) (Homoptera: Aphididae) (Ryan et al., 1980). Hipótese dos Inimigos Naturais Esta proposição prediz que haverá uma maior abundância e diversidade de inimigos naturais de insetos pragas em policulturas do que em monoculturas (Root, 1973). Os predadores tendem a ser polífagos e têm amplos requerimentos de hábitat. Desta forma, espera-se que eles encontrem maior disponibilidade de presas alternativas e microhábitats em um ambiente heterogêneo (Root, 1975). Monoculturas de cultivos anuais não oferecem fontes alternativas de alimento adequadas (pólen, néctar e presa), abrigo e locais de reprodução para um desempenho eficiente dos inimigos naturais (Rabb et al., 1976). As premissas da hipótese dos inimigos naturais tem sido expressas da seguinte maneira: 1. Uma diversidade maior de presas e microhábitats está disponível dentro de ambientes complexos. Como resultado, populações relativamente estáveis de predadores generalistas podem persistir nestes hábitats porque podem explorar a ampla variedade de herbívoros, os quais tornam-se disponíveis em diferentes épocas e em diferentes microhábitats (Root, 1973). 2. Predadores especializados devem flutuar menos drasticamente em
Compartilhar