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1 EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL: DA GARANTIA AO JUÍZO À AFRONTA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA Taniamara Dinah Terra Dias Leivas 1 RESUMO: A Lei de Execuções Fiscais, no seu artigo 16, §1º, trouxe como exigência a garantia ao juízo para a apresentação de defesa em ações executórias promovidas pelo Estado, disposição que provocou a presente pesquisa com o objetivo de questionar se a exigência da garantia ao juízo, como requisito indispensável para apresentar defesa às ações que versem sobre execução fiscal de dívida ativa da Fazenda Pública, é de fato válida. O estudo discorre sobre a Lei de Execuções Fiscais, em especial a disposição do seu artigo 16, a inserção de direitos e garantias fundamentais trazidos pela Constituição Federal de 1988, no que tange ao contraditório e a ampla, e confronta a lei infraconstitucional com as disposições da Carta Magna. Busca-se no discorrer do artigo verificar, através de orientações doutrinárias, jurisprudência e artigos similares ao estudo, se a referida exigência ultraja o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa previsto na Constituição Federal, vinculando a requisição da garantia ao juízo também ao Princípio do Devido Processo Legal. Concluiu-se que a norma infraconstitucional, por limitar o direito de defesa do contribuinte/devedor, infringe as disposições constitucionais vigentes, merecendo ser suprimida do ordenamento jurídico. Palavras-chave: execução fiscal; direito tributário; garantia ao juízo; contraditório e ampla defesa; direito constitucional. ABSTRACT: The Tax Enforcement Act, Article 16, Paragraph 1, brought as a requirement to guarantee to the court for filing defense in enforcement actions filed by the state, a provision which caused the present study with the aim of questioning the requirement of the collateral judgment, as necessary, to defend the actions that deal with tax enforcement of outstanding debt of the Treasury requirement is valid fact. The study discusses the Law of Tax Enforcement, in particular the provision of article 16, the inclusion of fundamental rights and guarantees brought by the Federal Constitution of 1988, in regard to the contradictory and wide, and confronts the infra law with the provisions the Magna Carta. Search in the discourse Article verify by doctrinal, jurisprudence and similar articles to the study guidelines, if that requirement reviles the Adversarial Principle and Wide Defense for in the Federal Constitution, linking the request of the judgment also guarantee the Principle of due Process of Law. It was concluded that the infra standard by limiting the right of defense of the taxpayer / debtor violates existing constitutional provisions, deserving to be deleted from the law. Keywords: tax lien; tax law; assurance of judgment; and contradictory legal defense; constitutional law. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A EXIGÊNCIA DA GARANTIA AO JUÍZO NA LEI INFRACONSTITUCIONAL 3 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA 1 Acadêmica do 10º semestre do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Campus Gravataí/RS. Endereço Eletrônico: taileivas@hotmail.com 2 AMPLA DEFESA. 4 GARANTIA VERSUS CONTRADITÓRIO E DEFESA 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. 1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 trouxe direitos e garantias que outrora foram olvidados pelo legislador nas constituintes que lhe antecederam, em especial no que tange ao rol de direitos fundamentais elencados em seu tão aclamado artigo 5º, onde encontram-se cláusulas pétreas e, assim, irrevogáveis. Ocorre que, mesmo com a vigência da nova constituinte, ainda podem-se encontrar na legislação normas infraconstitucionais que afrontam princípios na Constituição esculpidos, embasando decisões na área judicial que atingem diretamente àqueles que estão protegidos por direitos e garantias fundamentais, advindos da nova Constituição. Referidas normas deixaram de amoldar-se aos novos preceitos constitucionais e mantêm engessados os novos paradigmas trazidos pela Constituição vigente que, em tese, deveriam ser o escopo progressista da sociedade contemporânea. Dentro dos novos regulamentos constitucionais está previsto a soberania do Estado, que deve agir com proporcionalidade para com a sociedade, independentemente da natureza do ato ser administrativa, judicial ou legislativa. Assim, o poder de tributar, garantido pela Constituição Federal de 1988, nada mais é do que uma relação jurídica que se forma entre o Estado e o contribuinte, tendo como fundamento o referido princípio da soberania. O objetivo específico do estudo é analisar se o Estado agiu de forma proporcional ao ter editado, legislativamente, a disposição do artigo 16, §1º, da Lei nº 6.830/80, Lei de Execuções Fiscais (LEF), e se essa lei afronta a mudança ocorrida no Código de Processo Civil, que ocorreu através o advento da Lei nº 11.382/06, alterando o processo de execução com a revogação do artigo 737 do referido diploma legal, bem como, e principalmente, se insulta o princípio constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa. Para o levante das arguições fez-se necessário conhecer os dispositivos legais, arrazoar sobre eles e fundamentar o posicionamento da pesquisa quanto a (in)constitucionalidade da exigência da garantia ao juízo que há na Lei de Execuções 3 Fiscais, através de conceitos doutrinários e jurisprudenciais, o que pode ser concretizado através de buscas e estudos científicos. 2 A EXIGÊNCIA DA GARANTIA AO JUÍZO NA LEI INFRACONSTITUCIONAL Ao Estado, entendendo-se como União, Estado, Município e Distrito Federal, incumbe cobrar dívidas ativas dos contribuintes inadimplentes, tendo como meio para tal a previsão do artigo 4º da Lei nº 6.830/80, onde se impõe, posteriormente ao devido processo administrativo, a propositura de Ação de Execução Fiscal. Nessa senda, vale citar a lição de Hugo Brito Machado (2007, p.59): No exercício de sua soberania, o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta. (...) é relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto Quanto ao poder de tributar e a distribuição das competências, esculpido pela Constituição Federal, do artigo 153 a 156, temos o posicionamento de Daniel Westphal Taylor (2007), sobre o assunto: A premissa de que todo ato que emana do Estado deve ser dotado de proporcionalidade é aceita hoje, sem maiores discussões, como princípio constitucional. Sinal disso é que, ao contrário do que ocorre com outros assuntos polêmicos, onde a doutrina habitualmente caminha solitária, o consenso em relação ao princípio é, há décadas, compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal. De fato, a Corte, que inicialmente admitia apenas a sindicabilidade dos atos administrativos e judiciais, paulatinamente passou a acolher também a tese de que mesmo os atos legislativos são passíveis de ter sua constitucionalidade analisada sob o viés da proporcionalidade Em contrapartida, ao contribuinte/devedor que é executado por dívida ativa, a Lei de Execuções Fiscais, em seu artigo 16, garante como meio de defesa a propositura de Embargos à Execução, mas, com a ressalva que o processamento e julgamento dessa 4 ação ocorrerá apenas com a garantia ao juízo, conforme exigência do §1º do referido dispositivo legal. Art.16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I - do depósito; II - da juntada da prova da fiança bancária; III - da intimação da penhora. § 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução. A garantia ao juízo trata-se de depositar integralmente o valor que é obrigado o contribuinte/devedor, caso contrário não serão recebidos os Embargos à Execução e o executado não terá sua defesa apreciada e julgada quanto à forma e mérito. Referida exigência tem como fundamento a presunção de certeza, liquidez e efeito de prova pré-constituída que confere o artigo 204 do Código Tributário Nacional às certidões de dívida ativa. Nesse sentido, há muito tempo, já esclarece o festejado doutrinador Samuel Monteiro (1990): Existindo qualquer dúvida ou incerteza sobre o "an debeatur", a origem, causa e cabimento da dívida do contribuinte, ou sobre o "quantun debeatur", o valor legal exigível ou o próprio cabimento da exigibilidade em face do contribuinte, a liquidez e certeza do título fica abalada, e a certidão resta nula, já que tais requisitos representam a certeza da dívida e sua liquidez. Na visão de Machado (2007), a presunção de liquidez da dívida ativa é relativa, pois pode ser eliminada através de prova inequívoca que fica à cargo do devedor ou de terceiro que a aproveite, trazendo-se como exemplo os casos de prescrição da dívida. Não raras vezes a Fazenda propõe ações executórias em que ela, como titular de direito, já não pode mais ter a pretensão de ver a reparação do direito violado, pois o crédito está prescrito. É o que se pode extrair do artigo 174 do Código Tributário Nacional: Art. 174 A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. 5 A prescrição, consoante norteio legal, só pode ser pronunciada pelo juiz quando for alegada, ocorre que, aqueles que são economicamente hipossuficientes para garantir os Embargos à Execução, e, por conseguinte, não têm o processamento e julgamento da ação proposta, não terão o pronunciamento do juízo quanto à alegação de prescrição do débito tributário. Perceba-se, então, que o contribuinte/devedor torna-se refém da má edição da legislação vigente, por um lado, porque a prescrição, em se tratando de direitos materiais e diferentemente da decadência que é matéria de ordem pública, não pode ser reconhecida de ofício, e por outro, para provocar a manifestação do juízo precisa literalmente “pagar” (garantir) para ter a alegação de prescrição, ou qualquer outra matéria de defesa, apreciada. Nesse sentido têm-se as palavras de Luís Roberto Barroso (2006 p. 141): O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que ser conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Por certo que com advento da Lei nº 11.280/06, que deu nova redação ao artigo 295, §5º do Código de Processo Civil, houve progresso ao admitir que o juiz reconheça de ofício a prescrição intercorrente, que é aquela que ocorre quando determinado processo administrativo ou judicial fica paralisado por um longo tempo por desídia do titular de direito, bastando que esse constate a sua ocorrência. Verifica-se, assim, que a edição de leis novas vêm, à princípio, com a função de aperfeiçoar, melhorar ou até mesmo para revogar aquelas que já estão superadas ou que infringem disposições constitucionais vigentes, como é o caso da Lei de Execuções Fiscais, que foi editada sob a ótica da Constituição Federal de 1967 e dos atos institucionais do regime militar, não adequando-se assim, ao novo estado democrático 6 de direito em que se vive, ao exigir, monetariamente, a garantia da dívida como meio de defesa. 3 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA A Constituição Federal vigente, em seu artigo 5º, XXX, confere para todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de peticionar em juízo e fora dele. Em conseguinte, o inciso LV do mesmo diploma legal, assegura aos litigantes em processo administrativo ou judicial, o contraditório e a ampla defesa. O Princípio Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, pode ser esclarecido nas palavras da doutrinadora Maria Sylvia Zanela Di Pietro (2007, p. 367): O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige: 1- notificação dos atos processuais à parte interessada; 2- possibilidade de exame das provas constantes do processo; 3- direito de assistir à inquirição de testemunhas; 4- direito de apresentar defesa escrita O contraditório e a ampla defesa, conforme explica Mendes (2009), é uma pretensão à tutela jurídica e administrativa de direito à informação, manifestação e apreciação dos argumentos suscitados. Em comunhão com o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, não pode apartar-se o Princípio do Devido Processo Legal, que surgiu expressamente apenas quando da edição da Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LIV. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica, também consagraram o Princípio do Devido Processo Legal que, nas palavras de Alexandre de Moraes (2001, p. 121), é configurado como: O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa [...] 7 Segundo Sánchez (2001) o conceito material do devido processo legal é o conjunto entre a noção formal do devido processo mais o cumprimento dos fins e direitos fundamentais, das garantias constitucionais, limitando o poder ou função punitiva do Estado. Para o autor não há o devido processo do ponto de vista material se não são respeitados a liberdade, a justiça, a dignidade humana, a igualdade, a segurança jurídica e os direitos fundamentais, como a legalidade, o contraditório, defesa, celeridade, publicidade, proibição da reformatio in pejus e do duplo processo pelo mesmo fato. No novo Estado Democrático de Direito, no qual o indivíduo é elevado à categoria primária de proteção integral e amparo do Direito Processual Constitucional, haverá sempre direitos e deveres ao acusado, que devem ser observados e respeitados pelo Estado-persecutor. Para aclarar a supremacia do contraditório, o penalista Fernando da Costa Tourinho Filho (2005, pg.58), diz que: Com substância na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a idéia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o acusadorrequer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o defensor tem o direito de produzir provas, a acusação também o tem. O texto constitucional quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação. Nessa senda, qualquer ato ou normatização impositiva de restrição ao exercício do contraditório deve ser considerada nula, como o §1º do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais, por atingir direitos e garantias fundamentais do indivíduo, que abrangem, inclusive, interesse de ordem pública. O princípio do contraditório é, ainda, bem sintetizado por Vicente Greco Filho (2009, p.249), que em breves linhas ensina: O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e 8 se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável. Referidos princípios estão esculpidos como cláusulas pétreas, destarte, em tempo algum poderão ser alterados ou retirados da Constituição Federal, merecendo qualquer disposição legal que os afronte ser suprimida da legislação vigente. Assim, o Princípio Do Contraditório e da Ampla Defesa em conjunto com o Princípio do Devido Processo Legal não deixa espaço para que o Estado-persecutor isente-se de apreciar a defesa e as alegações do indivíduo que está sendo demandado, seja na esfera administrativa ou judicial, tampouco, corroboram com a exigência imposta pela lei infraconstitucional de pagamento de valores para o exercício do contraditório e da ampla defesa. 4 GARANTIA VERSUS CONTRADITÓRIO E DEFESA A garantia exigida pelo artigo 16, §1ª, da Lei de Execuções Fiscais restringe o direito de defesa do Executado uma vez que quando esse for parte economicamente hipossuficiente, não apresentará condições de garantir o juízo e, por conseguinte, não terá sua defesa apreciada, nem quanto ao mérito nem quanto à forma. Quanto ao cerceamento de defesa no processo de execução fiscal encontra-se artigo semelhante ao estudo do caso concreto, elaborado por SEIXAS e SOUZA (2014), que afirmam: Assim, é imperioso reconhecer a não recepção do artigo 16, §1º, da Lei nº 6.830/80 em face do direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa com previsão nos mandamentos constitucionais da Carta Cidadã de 1988 e na normas internacionais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem status de norma supralegal no ordenamento jurídico pátrio. Ante todo o arrazoado referente ao Princípio Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, bem como, do Devido Processo Legal, forçoso faz-se o enfrentamento com as disposições contidas na Lei de Execuções Fiscais que foi editada ainda quando da vigência da Constituição Federal 1967. 9 Na Constituição vigente à época da edição da Lei nº 6.830/80, em seu artigo 150, §15º, também estava prevista a ampla defesa, porém, diferentemente da Constituição Federal de 1988, aquela não isentava as partes de custas e despesas, processuais conforme atual disposição do artigo 5º, XXX, da Carta Magna. Dessa maneira, compreensível que quando da edição da Lei de Execuções Fiscais, no ano de 1980, o legislador impôs a necessidade de garantir o juízo para a apresentação de defesa pelo executado, o que não deveria permanecer quando da edição da nova constituinte. Adentra-se, aqui, na teoria da recepção constitucional, aonde Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Branco (2012, p. 123), baseando-se em Kelsen, assim definem o fenômeno: (...) se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis em seu conteúdo, continuam em vigor. Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova constituição. Deve-se a Kelsen a teorização do fenômeno da recepção, pelo qual se busca conciliar a ação do poder constituinte originário com a necessidade de se obviar vácuos legislativos. Portanto, se o ordenamento jurídico vigente aceita a teoria da recepção constitucional, o que de fato ocorre, o caminho inverso também deve ser percorrido, ou seja, deve haver a imediata supressão das normas que contrariam materialmente a Constituição conforme afirma Tavares (2007, p. 177): (...) há uma avaliação do ponto de vista da conformidade das normas anteriores com a constituição posterior, para fins de admitir aquelas que não sejam incompatíveis. Ou, em outros termos, há uma avaliação das normas anteriores de acordo com os requisitos de validade da nova Constituição. Se desconformes, simplesmente se desconsidera sua existência. São reputadas, para todos os efeitos, como não normas. Vale, no caso, em toda a sua identidade, o princípio de que a Constituição inaugura uma nova ordem jurídica e a anterior simplesmente desaparece, como tal, ou seja, é desconstituída como fenômeno jurídico (remanescendo apenas como acontecimento histórico). Nessa senda histórica, vale citar que o Código de Processo Civil de 1939, inclusive em matéria de execuções, também não isentava as partes de custas e despesas 10 processuais, porém, com a edição do Código de 1973, e com a mini-reforma ocorrida no ano de 2006, no artigo 736 do aludido diploma legal, está expressamente previsto a oposição à execução por meio de embargos, independentemente de penhora, depósito ou caução, atribuindo-se efeito suspensivo à execução quando relevantes os fundamentos que possam trazer danos de grave ou difícil reparação para o executado. Demonstrado assim que a exigência da garantia ao juízo não só ofende a Constituição Federal como também disposição de lei federal que deve ser usada por analogia aos casos de Execução Fiscal promovida pela Fazenda Pública, isentando o contribuinte/devedor da garantia imposta. Ato falho do legislador em não revogar a exigência de garantia ao juízo, que poderia ser feita de forma tácita quando da vigência da Nova Constituição ou ainda quando do advento da Lei nº 11.382/06, cabendo, agora, ao Poder Judiciário utilizar-se do controle de constitucionalidade difuso e aplicar o Dogma da Nulidade da lei inconstitucional, vez que até o momento desconhece-se a tramitação de Ação Direta de Inconstitucionalidade que tenha por objeto o conteúdo da norma infraconstitucional. Acanhadamente, enquanto não há o uso do controle concentrado de constitucionalidade por aqueles que são legitimados pela Constituição Federal em seu artigo 103, alguns Tribunais já vêm proferindo decisões no sentido de afastar a garantia ao juízo para receber os Embargos à Execução, sem, contudo, suspender a ação executória, conforme julgados que ora se colacionam: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO PREVISTO NO ART. 557, § 1º, CPC EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO QUE RECEBEU OS EMBARGOS SEM GARANTIA E APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. POSSIBILIDADE. ARTIGO 739-A, CPC. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. INCIDÊNCIA IMEDIATA SOBRE OS PROCESSOS EM CURSO. AGRAVO LEGAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Lei nº 11.382/2006, a qual inseriu o artigo 739-A no CPC, sendo que as leis processuais aplicam-se imediatamente aos feitos em curso. 2. A Lei n.º 6.830/80 não é omissa quanto à penhora nem aos embargos. No entanto, nada dispõe acercados efeitos em que são recebidos os embargos. Assim, diante de tal lacuna, aplicam-se subsidiariamente as regras previstas no CPC, nos termos do artigo 1.º da LEF. 3. A ausência de garantia não impede que os embargos sejam recebidos, porém sem efeito suspensivo (§ 1.º, do artigo 739-A, CPC). 4. O STJ já se posicionou no sentido de que as alterações promovidas pela Lei 11.382/2006, notadamente o art. 739-A, § 1º, do CPC, são 11 plenamente aplicáveis aos processos regidos pela Lei 6.830/1980. 5. Agravo legal a que se nega provimento. (TRF-3 - AI: 21545 SP 2009.03.00.021545-5, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, Data de Julgamento: 03/11/2009, SEGUNDA TURMA) (Grifo nosso) TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INSUFICIÊNCIA DA PENHORA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Conforme entendimento do Eg. STJ, a insuficiência da penhora não pode obstar a admissibilidade dos embargos em tela, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório, devendo-se intimar o devedor para que se proceda ao reforço da mesma. Sendo assim, não há como condicionar o exame dos embargos questionados à garantia da totalidade da execução, conforme o disposto no art. 15, inciso II, da LEF, estabelecendo que o reforço da penhora poderá ser deferido em qualquer fase do processo. A extinção dos embargos em comento, sob o fundamento de insuficiência da penhora, não merece prosperar, vez que existe previsão legal autorizadora para tal reforço. Recurso parcialmente provido para que o juízo a quo determine diligências para penhorar tantos bens quantos forem suficientes para a garantia da execução, e em seguida, com penhora ou sem penhora, deve-se receber os presentes embargos para serem julgados quanto ao mérito. (TRF-2 - AC: 141841 RJ 97.02.20390-2, Relator: Desembargador Federal ALBERTO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 15/08/2006, QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data: 26/09/2006 - Página: 247/248) (Grifo nosso) Mesmo que não haja a suspensão da Execução Fiscal, medida essa que também deveria ser adotada até trânsito em julgado de decisão final, pois há a discussão da legitimidade da dívida, pode-se constatar um pequeno progresso no judiciário brasileiro ao receber os Embargos à Execução sem que haja a garantia ao juízo. Adentrando no âmbito legal, a efetividade da norma deve ter como objeto a função social a qual se destina e observar sempre os preceitos da Carta Magna de 1988. Nessa acepção, conceitua Barroso (2006, p.29-30) que alude à Kelsen (1979): A noção de efetividade, ou seja, desta específica eficácia, corresponde ao que Kelsen – distinguindo-a do conceito de vigência da norma – retratou como sendo “o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos. A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, 12 o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Dessa maneira, verifica-se que a Lei de Execuções Fiscais esbarra em princípios constitucionais, inclusive no da Isonomia, que proíbe a edição de norma que estabeleça privilégios em razão de classe social, cor, sexo e religião, desonerando-se o Estado, como Fazenda Pública, desse princípio, ao ser privilegiado em não ver nas Execuções propostas o contraditório e a ampla defesa exercidos pelo executado, acarretando assim, infinitas chances de ter a total procedência da ação e deixando o contribuinte devedor à margem da lei constitucional. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o conjunto arrazoado, Lei de Execução Fiscal, princípios constitucionais, jurisprudência, doutrina e artigos, entende-se, no presente estudo, que a disposição do §1º, do artigo 16, da Lei nº 6.830/80, é manifestamente inconstitucional, merecendo ser suprimida. Abstrair a exigência de garantia ao juízo como meio de apresentar Embargos à Execução, devolverá ao contribuinte devedor o direito de ver exercido o contraditório e a ampla defesa nas ações executórias em que é demandado. O Poder Legislativo deve realinhar o Estado com o princípio constitucional da Isonomia, sem conferir-lhe privilégios em desfavor daqueles que é percussor, pois ao limitar a defesa do contribuinte, sem dúvida, que a Fazenda está em larga vantagem frente ao Poder Judiciário. Pode-se averiguar, ainda, certo autoritarismo na Lei de Execuções Fiscais, que teve como base uma constituição editada em tempos de militarismo no Brasil, ao cercear a defesa daquele que não tem condições econômicas para garantir o juízo. A pesquisa de jurisprudência mostrou que alguns Tribunais brasileiros já vêm deferindo o processamento e o julgamento do mérito e da forma dos Embargos à Execução independentemente da garantia ao juízo quando demonstrado que a parte é economicamente hipossuficiente, merecendo referidos posicionamentos tornarem-se uniformes em todos os graus de jurisdição. Em contrapartida, as mesmas decisões que recebem os Embargos propostos, 13 deixam de suspender a Execução Fiscal, o que também deveria ser abraçado até trânsito em julgado de decisão final como meio de garantir que não haja prejuízo ao contribuinte/devedor em caso de procedência dos Embargos à Execução. A suspensão da Execução Fiscal, até decisão final transitada em julgado, não acarreta prejuízos à Fazenda Pública, vez que essa tem diversos meios de arrecadar valores para os seus cofres, porém, ao contribuinte/devedor, ao ter seu patrimônio dilapidado pela execução de dívida, traz danos de grave e de difícil reparação. Por todo o exposto, conclui-se que a Lei de Execuções Fiscais ao exigir a garantia ao juízo para o processamento e julgamento de Embargos à Execução deve ser declarada inconstitucional na parte em que cerceia o contraditório e a defesa do contribuinte devedor, como melhor forma de direito e de justiça. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil Anotada. 5. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2006. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. __________. BRASIL. Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937- 1946/Del1608.htm> Acesso em: 11 set. 2014. __________. BRASIL. Lei n o 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. 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