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Sobre a dificuldade de ler
Os vários casos da ilegibilidade de um livro, ou do “livro da vida”
Giorgio Agamben
Gostaria de lhes falar não da leitura e dos riscos que ela comporta, mas de um risco 
ainda maior, ou seja, da dificuldade ou da impossibilidade de ler; gostaria de tentar lhes 
falar não da leitura, mas da ilegibilidade.
Cada um de vocês terá feito a experiência daqueles momentos nos quais gostaríamos de 
ler, mas não conseguimos, nos quais nos obstinamos a folhear as páginas de um livro, 
mas ele nos cai literalmente das mãos.
Nos tratados sobre a vida dos monges, este era, aliás, o risco por excelência ao qual o 
monge sucumbia: a acédia, o demônio do meio-dia, a tentação mais terrível que ameaça 
os homines religiosi se manifesta, antes de mais nada, com a impossibilidade de ler. Eis 
a descrição que S. Nilo lhe dá:
“Quando o monge acedioso tenta ler, interrompe-se inquieto e, um minuto depois, cai 
no sono; esfrega o rosto com as mãos, estende os dedos e continua a ler por algumas 
linhas, balbuciando o fim de cada palavra que lê; e, entretanto, se enche a cabeça com 
cálculos ociosos, conta o número das páginas que ainda restam a ler e as folhas dos 
cadernos e se lhe tornam odiosas as letras e as belas miniaturas que tem diante dos olhos 
até que, por último, torna a fechar o livro e o usa como um travesseiro para a sua 
cabeça, caindo em um sono breve e profundo…”.
A saúde da alma coincide aqui com a legibilidade do livro (que é também, para o 
medievo, o livro do mundo), o pecado com a impossibilidade de ler, com o tornar-se 
ilegível do mundo.
Simone Weil falava, nesse sentido, de uma leitura do mundo e de uma não-leitura, de 
uma opacidade que resiste a toda interpretação e a toda hermenêutica. Gostaria de lhes 
sugerir que prestassem atenção aos seus momentos de não leitura e de opacidade, 
quando o livro do mundo cai das suas mãos, porque a impossibilidade de ler lhes diz 
respeito tanto quanto a leitura e é, talvez, tanto ou mais instrutiva do que esta.
Há também uma outra e mais radical impossibilidade de ler, que até poucos anos atrás 
era, antes de tudo, comum. Refiro-me aos analfabetos, esses homens muito 
apressadamente esquecidos, que, há apenas um século, eram, ao menos na Itália, a 
maioria. Um grande poeta espanhol do século 20 dedicou um livro de poesia seu ao 
analfabeto para/por quem eu escrevo. É importante compreender o sentido desse 
“para/por”: não tanto ou não somente “para que o analfabeto me leia”, visto que por 
definição não poderá fazê-lo, quanto “no seu lugar”, como Primo Levi dizia 
testemunhar por/para aqueles que no jargão de Auschwitz se chamavam de 
muçulmanos, isto é, aqueles que não podiam nem poderiam ter testemunhado, porque, 
pouco depois do seu ingresso no campo, tinham perdido toda consciência e toda 
sensibilidade.
Gostaria que vocês refletissem sobre o estatuto especial desse livro que, na sua essência, 
é destinado a olhos que não podem lê-lo e foi escrito com uma mão que, em um certo 
sentido, não sabe escrever. O poeta ou o escritor que escreve pelo/para o analfabeto 
tenta escrever o que não pode ser lido, põe no papel o ilegível. Mas precisamente isso 
torna a sua escrita mais interessante do que a que foi escrita apenas por/para quem sabe 
ler.
Há, finalmente, um outro caso de não leitura do qual gostaria de lhes falar. Refiro-me 
aos livros que não encontraram aquela que Benjamin chamava de a hora da sua 
inteligibilidade, que foram escritos e publicados, mas estão – talvez para sempre – à 
espera de serem lidos. Eu conheço – e cada um de vocês, eu acredito, poderia citar – 
livros que mereciam ser lidos e não foram lidos, ou foram lidos por pouquíssimos 
leitores. Qual é o estatuto desses livros? Eu penso que, se esses livros eram 
verdadeiramente bons, não se deveria falar de uma espera, mas de uma exigência. Esses 
livros não esperam, mas exigem ser lidos, mesmo que não o tenham sido ou não o serão 
jamais. A exigência é um conceito muito interessante, que não se refere à esfera dos 
fatos, mas a uma esfera superior e mais decisiva, cuja natureza deixo a cada um de 
vocês precisar.
Mas agora gostaria de dar um conselho aos editores e àqueles que se ocupam de livros: 
parem de olhar para as infames, sim, infames classificações de livros mais vendidos e – 
presume-se – mais lidos e tentem construir em vez disso na mente de vocês uma 
classificação dos livros que exigem ser lidos.
Só uma editora fundada nessa classificação mental poderia fazer o livro sair da crise que 
– pelo que ouço ser dito e repetido – está atravessando.
Um poeta compendiou uma vez a sua poética com a fórmula: “ler o que não foi jamais 
escrito”. Trata-se, como vocês veem, de uma experiência de algum modo simétrica 
àquela do poeta que escrevia por/para o analfabeto que não pode lê-lo: à escrita sem 
leitura, corresponde aqui uma leitura sem escrita. Com a condição de precisar que 
também os tempos estão invertidos: lá uma escrita que não é seguida por nenhuma 
leitura, aqui uma leitura que não é precedida por nenhuma escrita.
Mas talvez em ambas essas formulações está em questão algo de similar, ou seja, uma 
experiência da escrita e da leitura que põe em questão a representação que nos fazemos 
habitualmente dessas duas práticas tão estreitamente ligadas, que se opõem e ao mesmo 
tempo remetem a algo de ilegível e de inescrevível que as precedeu e não cessa de 
acompanhá-las.
Vocês terão compreendido que me refiro à oralidade. A nossa literatura nasce em íntima 
relação com a oralidade. Porque o que faz Dante quando decide escrever na língua 
vulgar, senão justamente “escrever o que não foi jamais lido e ler o que não foi jamais 
escrito”, isto é, aquele “falar materno” analfabeto, que existia somente na dimensão 
oral? E tentar colocar por escrito o falar materno o obriga não simplesmente 
a transcrevê-lo, mas, como vocês sabem, a inventar aquela língua da poesia, aquela 
língua vulgar ilustre, que não existe em nenhuma parte, mas, como a pantera dos 
bestiários medievais, “espalha em toda parte o seu perfume, mas reside em lugar 
nenhum”.
Eu creio que não se possa compreender corretamente o grande florescimento da poesia 
italiana no século 20, se não se percebe nela algo como a reconvocação daquela ilegível 
oralidade que, diz Dante, “uma e única é primeira na mente”. Isto é, se não se entende 
que ela é acompanhada pelo igualmente extraordinário florescimento da poesia em 
dialeto.
Talvez a literatura italiana do século 20 seja toda ela atravessada por uma memória 
inconsciente, quase por uma afanosa comemoração do analfabetismo. Quem teve entre 
as mãos um desses livros, nos quais a página escrita – ou, melhor, transcrita – em 
dialeto está ao lado da tradução em vernáculo, não pode não se perguntar, enquanto os 
seus olhos atravessavam inquietos de uma página à outra, se o lugar verdadeiro da 
poesia não estaria, por acaso, nem em uma página nem na outra, mas no espaço vazio 
entre ambas.
E gostaria de concluir esta breve reflexão sobre a dificuldade da leitura, perguntando a 
vocês se o que nós chamamos de poesia não seria, na verdade, algo que incessantemente 
habita, trabalha e sustém a língua escrita para restituí-la àquele ilegível do qual provém 
e para o qual se mantém em viagem.
O presente texto foi apresentado em uma intervenção na Feira da Pequena Editora, em 
Roma, em outubro de 2012. 
Tradução de Cláudio Oliveira
Inoperosidade e atividade humana
Agamben propõe um novo paradigma ético e político ao construir o conceito de 
inoperosidade
Andrea Cavalletti
1. Na seção final do VIII capítulo, ou seja, no verdadeiro coração teorético de O reino e 
a glória, Giorgio Agamben conclui asua ampla indagação arqueológica sobre a glória e 
a glorificação avançando até o lugar onde Reino e Governo, teologia e economia – ou, 
na verdade, teologia política e teologia econômica, direito estatal e dispositivos 
sicuritários – revelam seus ocultos parentescos, para aparecer, por fim, como “as faces 
de uma mesma máquina do poder”. Nas últimas, densas frases de um tratado que, dos 
estudos sobre as aclamações de Alföldi, de Kantorowicz e de Peterson se move ora 
entre Durkheim, Mauss e Mopsik de um lado e Hölderlin, Rilke e Mallarmé do outro, 
todas as linhas da grande obra, as mais ricas de erudição e as menos evidentes e mais 
impenetráveis, convergem de fato em torno de uma única imagem, aquela do trono 
vazio, a heitomasia tou thronou, que Agamben lê como símbolo não da realeza, mas, 
em âmbito tanto profano quanto religioso, da “vacuidade central da glória”, da essência 
mesma da glória ou da inoperosidade feliz. Le trône n’est qu’un fauteuil vide [O trono 
não passa de uma poltrona vazia], poder-se-ia, aqui, glosar, invertendo a frase famosa 
de Guizot. Ocorre, porém, acrescentar que este vazio corresponde a uma condição de 
todo particular: trata-se do estádio, posterior ao Juízo, do “sabatismo elevado à 
potência”, que, na sua “tentativa balbuciante de pensar o impensável”, Agostinho define 
diversamente como uma paz sem necessidades ou acédia, como tempo do _m e ao 
mesmo tempo do “vacabimus in aeterno”.
Trata-se, porém, ao mesmo tempo, daquilo que segundo Agamben define a vida humana 
como tal, de uma feliz falta de objetivo que a máquina do poder ou da Glória, nas suas 
diferentes articulações, não faria senão isolar e ao mesmo tempo deter, como uma presa 
ou um seu alimento essencial, no interior do seu aparato litúrgico.
Na majestade do trono vazio o dispositivo da glória encontra sua cifra perfeita. O seu 
objetivo é capturar, no interior da máquina governamental – para fazer dela o motor 
secreto desta –, aquela impensável inoperosidade que constitui o mistério último da 
divinidade. […] A oikonomia do poder põe solidamente no seu centro […] aquilo que 
aparece aos seus olhos como a inoperosidade do homem e de Deus impossível de se 
olhar.
Em uma breve nota cursiva, Agamben, então, introduz o tema aristotélico do homem 
como ser que é, na sua essência, argos [do grego aérgos, “que não faz”], da humanidade 
do homem como específica ausência de obra, delineando sumariamente as declinações 
averroísta do intelecto possível e dantesca da multitude como plena atuação da potência. 
É somente uma indicação, a menção lacônica a uma ideia (e aos desenvolvimentos de 
uma ideia) que é “logo deixada de lado” pelo próprio Aristóteles. Mas essas poucas 
linhas têm a explícita função de recapitulação, remetem à memória do leitor de 
Agamben uma inteira constelação de escritos, compostos do início ao fim dos anos 
1980: as páginas de A comunidade que vem, de Bartleby ou da contingência, aquelas de 
Homo Sacer I, os ensaios recolhidos em A potência do pensamento (por exemplo, 
“Heidegger e o nazismo” e “A obra do homem”) adquirem assim uma nova legibilidade. 
É como se Agamben tivesse há muito tempo se confrontado com a teoria aristotélica 
justamente para arrancar da máquina a sua presa; e é como se agora, nessa breve 
passagem de O reino e a glória, ele definisse assim seu pensamento: como uma 
potência que se subtrai à máquina, tornando-a inativa.
2. Em Homo Sacer I, a relação estabelecida por Aristóteles entre ação e potência parecia 
totalmente homóloga àquela forma limite da relação que é o banimento soberano: … à 
estrutura da potência, que se mantém em relação com o ato precisamente através de seu 
poder não ser, corresponde aquela do banimento soberano, que se aplica à exceção 
desaplicando-se. Diferentemente, como já foi dito, no VIII capítulo de O reino e a 
glória é citada a passagem 1097b da Ética a Nicômaco, em que Aristóteles evoca a ideia 
“de uma possível inoperosidade da espécie humana”, da ausência de obra ou de atitude 
determinada como traço específico do homem. Ora, como poderia jamais esta 
inoperosidade subtrair-se ao banimento que ainda antes divide e restringe potência e 
ato? Não será inútil observar que com a entrada em cena do novo modelo cognitivo é 
introduzida também uma diferença essencial na própria definição de “inoperosidade”.
Em Homo Sacer I, com efeito, este conceito já aparecia, em lugar não de certo marginal, 
e na sua formulação francesa: Bataille, embora permaneça um pensador da soberania, 
pensou, na negatividade sem emprego e no desoeuvrement, uma dimensão limite na 
qual a “potência de não” não parece mais subsumível na estrutura do banimento 
soberano. Ora, ao contrário, em O reino e a glória (Homo Sacer II, 2), quando fica claro 
que precisamente a inoperosidade pode ser isolada como tal e guardada pela máquina, 
tratar-se-á de concebê-la em um sentido completamente novo. Afrontar a máquina, 
arrancar-lhe o mais preciso alimento, o que significará manter unidas, na própria 
inoperosidade, a atividade e a passividade: Também não se trata – declara Agamben em 
uma entrevista recente em francês – segundo uma bela tradição que vai do shabbat do 
homem do último Kojève ao malandro inoperante [desoeuvré] em Queneau, até 
Blanchot e Nancy, de entender por isso a ausência de obra. Trata-se, antes, de uma 
práxis, de uma operação que consiste em tornar inoperantes todas as obras humanas.
É preciso entender o termo como se existisse um verbo ativo inoperar [désoeuvrer (ou 
désouvrer)] que nomearia o gesto inverso em relação a operar [oeuvrer (ou à ouvrer)]. 
E, nesse sentido, o termo nomeia a atividade mais própria do homem, tanto no sentido 
ético quanto político.
Tornar inoperantes todas as obras humanas quer dizer tornar inoperante a máquina do 
poder, fazer com que esta não capture a inoperosidade desassociando-a da práxis, fazer 
com que, ao contrário, a inoperosidade capture a própria ação.
3. Inoperosidade… Termo que, como declarou Agamben, a proprósito da edição 
francesa de O reino e a glória, “de acordo com os tradutores, se decidiu traduzir por 
désoeuvrement”. A decisão, apesar de substancialmente óbvia, não deve ter sido 
simples. A tradução corria o risco de ocultar o essencial, de reconduzir a inoperosidade 
a um cânone filosófico do qual Agamben procurava subtraí-la.
Por outro lado, o termo “inoperosidade”, há tempos tinha ingressado no jargão 
filosófico italiano, e precisamente como tradução de désouvrement, pelo menos desde a 
versão datada de 1967, de L’espace littéraire de Maurice Blanchot (1955). E a palavra 
ressoava certamente na mesma tonalidade, quando em 1992, três anos antes de Homo 
Sacer I viesse à luz, La communauté désoeuvrée (1986) de Jean-Luc Nancy era 
traduzido, para o italiano, como La comunità inoperosa [A comunidade inoperosa]. Não 
é certamente o caso de recapitular as teses célebres deste livro, senão, pelo menos, 
aquelas que, definindo o não pertencimento da comunidade a qualquer obra (e a 
qualquer sujeito), traçam ao mesmo tempo uma primeira genealogia da noção de 
désouvrement: [a comunidade] – escreve Nancy – está condenada à morte como aquilo 
do qual é impossível fazer obra (a não ser uma obra de morte, logo que se queira fazer 
dela uma obra).
e mais além:
a comunidade tem lugar necessariamente naquilo que Blanchot chama de inoperosidade 
[désouvrement]. Aquém e além da obra, o que se retira da obra, o que não tem mais a 
ver nem com a produção nem com a realização, mas encontra a interrupção, a 
fragmentação, a suspensão.
Assim, portanto, Nancy. Notável é aqui que inoperosidade e obra sejam distinguidas na 
comum referência à morte.A inoperosidade ligada à morte deixa apenas uma obra 
separada e possível: a obra de morte. Primária, aqui, não é verdadeiramente a 
inoperosidade, mas a sua de_nição sob o signo da morte. E essa inoperosidade fechada, 
limitada à morte, deixa também o possível nas mãos da morte. Assim a comunidade 
inoperosa se liberta da obra, renuncia a ela, para deixar possível somente (tornar no 
fundo irrenunciável) uma obra de morte.
Na “Apostila” acrescentada em 2001 à nova edição de A comunidade que vem (1990), 
Agamben, no entanto, escreve: Não o trabalho, mas inoperosidade e descriação são [...] 
o paradigma da política que vem [...]. A rendenção, o tiqqun que está em questão no 
livro não é uma obra, mas uma espécie particular de férias sabáticas [...]. Inoperosidade 
não significa inércia, mas katargesis – isto é, uma operação na qual o como substitui 
integralmente o que, na qual vida sem forma e forma sem vida coincidem em uma 
forma de vida. A exposição dessa inoperosidade era a obra do livro…
Aqui parece já realizado o passo essencial que separa nitidamente a perspectiva de 
Agamben daquela de Nancy, de Blanchot, de Bataille (e portanto de Kojève). 
Considere-se a fórmula “a exposição dessa inoperosidade era a obra do livro”. A 
inoperosidade, em Agamben, não deve, de fato, renunciar ou subtrair-se à obra. 
Consequentemente, a “comunidade que vem” deixa de ser orientada em direção à morte 
como ausência de obra, livrando-se ao mesmo tempo do risco da obra de morte. Se a 
inoperosidade não abdica da obra, a comunidade permanece completamente estranha à 
ideia de sacrifício com a qual Acéphale “teria renunciado à sua renúncia a fazer obra” 
(Blanchot). Certamente, Nancy falou de “puerilidade desastrosa da obra de morte da 
morte, considerada como obra da vida comum”. Mas somente se a obra e a 
inoperosidade não permanecerem separadas, a ideia de comunidade se emancipa do 
ideal ridículo e ruinoso “da vida à altura da morte” (Bataille). O coração de A 
comunidade que vem é a inoperosidade inseparável ou “a forma de vida”.
4. Se a comunidade, escrevia Nancy, se dá “necessariamente naquilo que Blanchot 
chama de désouvrement”, ou seja no “aquém onde, do ser, não se pode fazer nada, no 
qual nada se realiza”, ou no múrmurio da “pura ausência”, no seu “lugar de glória” 
(Blanchot), Agamben, ao contrário, arranca a inoperosidade da glória soberana e a 
concebe como cumprimento messiânico.
“Inoperosidade não significa inércia, mas katergesis”, temos no texto de 2001. No livro 
do ano anterior, O tempo que resta, Agamben tinha cumprido o passo decisivo para 
além do banimento soberano, fazendo de “inoperosidade” a tradução literal além do 
termo chave do messianismo paulino: “Katargeo – lê-se aí – é um composto de argos, 
que deriva, por sua vez, do adjetivo argos [...] ‘inoperante, não-em-obra (a-ergos), 
inativo’”. Nas páginas deste livro, especificamente no parágrafo dedicado ao estado de 
exceção (“Quinta jornada”), faz o seu potente aparecimento a nova ideia da 
inoperosidade, ligada à redenção, ao tiqqun.
Aqui a fórmula Homo Sacer I: à estrutura da potência, que se mantém em relação com o 
ato precisamente através do seu poder não ser, corresponde aquela do banimento 
soberano, que se aplica à exceção desaplicando-se… encontra a sua perfeita solução: À 
lei que se aplica desaplicando-se corresponde agora o gesto que a torna inoperosa e a 
leva ao cumprimento.
A estrutura da potência, ainda conectada ao banimento soberano, é substituída aqui, 
coerentemente, a inoperosidade como gesto ativo que o abole. O pensamento de 
Agamben jamais, com efeito, deixou de se voltar para Aristóteles: se “o pleroma 
messiânico [...] é uma Au_ebung do estado de exceção, uma absolutização da 
katargesis”, o fundamento filosófico destes conceitos “está na ontologia aristotélica da 
privação (steresis)” (O tempo que resta).
5. Não seria ilícito considerar a reflexão agambeniana sobre o ato e a potência como 
uma retomada admirável ou uma interpretação radical do curso de Heidegger sobre o 
Livro IX da Metafísica de Aristóteles (Aristoteles, Metaphisik 1-3. Vom Wesen und 
Wirklichkeit der Kra_) e marcadamente dos parágrafos 10-12, dedicados aos dois 
modos fundamentais da dynamis (Ertragsmkheit e Widerstand), portanto à unidade, na 
dynamis, do poiein e do paschein, e por fim à steresis enquanto traço interno da 
dynamis.
As teses heideggerianas são conhecidas: onde a potência (ou força, Kraft) de agir e a de 
sofrer são entendidas como uma única dynamis, ou seja, onde “a essência da potência é 
nela mesma subdividida de maneira originária, a partir da própria essência e em relação 
(Bezug) com tal essência, em duas potências contrapostas”, aqui a potência em si, “o 
ser-potência como tal”, não é senão relação (Bezug) do poiein com o paschein.
Pensar tal co-pertença, ou a referência recíproca de potentia e im-potentia, significa 
assim para Heidegger não somente refutar uma leitura simplesmente negativa da 
steresis mas, interpretando-a como “relação de subtração” (entzughafter Bezug; 
esteremenon, privação, é no entanto traduzido como Entzug), reveindicar também o seu 
caráter especial e fundante: “a dynamis – ele afirma – está num sentido preeminente à 
mercê da steresis e por ela capturada”.
Ou seja, toda potência requer a relação e já está sempre em relação inclusiva (Einbezug) 
com a própria falta. E onde a steresis é uma “modificação interna” (innere Abwaldung) 
da dynamis, esta última será justamente, nos dois sentidos da privação, ao mesmo tempo 
um fazer e um sofrer: “o ser potência é todas as duas coisas como uma única coisa”, ou 
seja como a sua mais íntima e não cindível relação. É, pois, movendo-se a partir dessas 
premissas, que Heidegger ilustrará a noção aristotélica de dynamis katá kinesis: somente 
a partição essencial da dynamis (a relação inclusiva de potência e impotência), poderia 
explicar, com efeito, também o seu caráter cinético, para além do significado, ôntico, de 
movimento em relação a alguma coisa.
A postura hermenêutica de Agamben parece certamente semelhante. E assaz 
significativo, a propósito, é o modo como ele (na conferência de 1987, A potência do 
pensamento, em seguida incluída no volume homônimo) traduz a tese “decisiva” 
(Heidegger) desta seção da Metafísica (ou seja, as linhas 1046 a 30-31): “Toda potência 
é impotência do mesmo e com respeito ao mesmo [de que é potência]”. O acréscimo 
parentético ao dito aristotélico decalca aqui exatamente a versão de Heidegger, o qual 
de fato oferece primeiramente – se assim se pode dizer – uma versão literal (“A 
potência é impotência em relação ao mesmo e na medida do mesmo”) para na seqüência 
desenvolvê-la, no curso da exegese, na paráfrase seguinte: “a impotência é tal com 
respeito àquele único e mesmo com respeito ao qual potência é potência”. 
Reconhecemos o cunho da tradução agamberiana. Segundo um gesto filosófico 
totalmente característico, porém, é justamente na máxima proximidade com o modelo 
que um traço original poderá se liberar: Adynamia, ‘impotência’ – glosa Agamben – não 
significa aqui ausência de toda potência, mas potência de não (passar ao ato), dynamis 
me energein.
Aqui a recíproca referência da atividade à passividade não se desdobra, como em 
Heidegger, no aspecto cinético da dynamis, mas, por assim dizer, é mantido em 
suspenso, colhido no estado de suspensão no qual a potência coincide com a 
impotência, e revela a sua “ambivalência specífica”, o seu traço tipicamente “anfíbio”.
Coerentemente, com a exposição deste carácter essencial, poderánovamente ressoar, no 
lugar do heideggeriano Einbezug, o original grego, o verbo dechomai que Aristóteles 
emprega (in Met. 1050b 10-12) quando deve precisar que a potência de ser e de não ser 
pertencem ao mesmo: Dechomai – explica Agamben – significa “acolho, recebo, 
admito”. Potente é aquilo que acolhe e deixa acontecer o não ser e esta acolhida do não 
ser define a potência como passividade ou paixão fundamental.
Assim, enquanto o papel (ou o estatuto) do Einbezug heideggeriano é devolvido ao 
dechomai, também o dito to dynaton endechetai me energein (Met. 1050 b 10) pode 
combinar perfeitamente com aquele de Met. 1046 a 31 (sobre o qual Heidegger 
plasmava justamente o seu conceito) e adynamia pode ser traduzido por: “potência de 
não (passar ao ato), dynamis me energein”. É este o lugar central da interpretação 
agambeniana: onde a potência – nos termos de Heidegger – é capturada da steresis, 
onde, na base de tal captura, ela “se mantém em relação ao próprio não ser” (até aqui as 
posições de Agamben e de Heidegger coincidem), justamente aqui ela se mantém em 
relação indissolúvel com a ação. Em outras palavras, onde a potência se mantém em 
relação a ela mesma, isto é, com sua própria subtração, aqui – segundo a lição de 
Heidegger – ela se desdobra na kinesis, ou – segundo a lição a essa altura bem diferente 
de Agamben – se mantém em relação steretica com a ação. A relação potência-ato não é 
assim, para Agamben, senão a própria relação interna da potência; e a plena passagem 
ao ato será para ele uma potência de não-não passar ao ato.
6. A originalidade do conceito propriamente agambeniano de potência de não reside 
precisamente nesse perfeito explicar-se da steresis da potência na steresis do ato. E se a 
retomada da leitura heideggeriana, assim como toda a distância desta leitura, entra em 
jogo aqui na restiuição do vocábulo grego, justamente aquele dechomai torna-se 
também o centro de aplicação de um violentíssimo choque interpretativo. A prova à 
qual é submetido o dito aristotélico aponta para uma verdadeira subversão do cânone: 
pondo em discussão o primado do ato sobre a potência – já que algo como um ato 
aparece aqui somente com a essência steretica da potência (como potência de não-não 
passar ao ato) – Agamben reivindica agora as razões e tende portanto à plena salvação 
daquilo que é efêmero e caduco (com respeito aos incorruptíveis em ato), inaugura 
assim, no coração mesmo da tradição metafísica, uma nova ontologia do contingente. E 
onde a co-pertença de potência e impotência se traduz em co-pertença de ato e potência 
(de não), de abre também uma nova esfera do ergon, um “novo paradigma da ação”: o 
ato – poder-se-ia dizer com uma paráfrase – fica agora, em sentido preeminente, à 
mercê da potência; e justamente aqui, onde a potência “é medida pelo abismo da sua 
impotência”, a obra é capturada pela inoperosidade: “Na potência, a sensação é 
constituivamente anestesia, o pensamento não-pensamento, a obra inoperosidade” (A 
potência do pensamento). Aqui a ideia que Aristóteles tinha deixado de lado” é 
finalmente salva, e o désoeuvrement pode doravante assumir um sentido ativo, tornar-se 
modelo da ação, definindo exatamente essa captura.
7. Le trône n’est qu’un fauteuil vide, ensina O reino e a glória. Somente se expõe este 
vazio, a filosofia subtrai à máquina governamental a sua presa. O sentido ativo de 
désoeuvrer (ou désouvrer) corresponde a propriamente esta exposição, e é um 
verdadeiro ato de sabotagem, de desativação do dispositivo governamental. A 
“inoperosidade” de O reino e a glória foi traduzida em francês por désouvrement. Mas 
Agamben conferiu a esta palavra um sentido diferente daquele que ressoa em Bataille, 
em Blanchot e em Nancy. Distinguindo-se do primeiro como dos seus epígonos, 
repensando a ideia de comunidade, reinterpretando de maneira original a lição de 
Heidegger, ele pôde expor a potência no ato mesmo para retomar e salvar a ideia 
aristotélica do homem como ser que é essencialmente argos. E pôde fazê-lo reatingindo 
ao mesmo tempo a língua do filósofo (dechomai) e a do hebraico helenizado: 
désouvrement pode aqui realmente traduzir “inoperosidade” porque não é, no fundo, 
senão a versão literal do katargesis paolino.
Assim, o homem é essencialmente argos, mas somente se a sua atividade for, em si 
mesma, um tornar inoperante. O verdadeiro paradigma da ação humana, ao mesmo 
tempo ético e político, não pode ser senão messiânico, isto é, destrutivo.
Andrea Cavalletti é professor na Università IUAV de Veneza
Forma-de-vida e uso em Homo Sacer
A pesquisa de Giorgio Agamben mostra como os monges franciscanos relacionavam a 
liturgia ao modo concreto do seu exercício, reivindicando uma coessencialidade de 
“regra” e “vida”
Valeria Bonacci
Nos textos da série Homo Sacer, Agamben anuncia uma quarta parte da pesquisa, na 
qual as noções de “forma-de-vida” e de “uso”, em cuja direção convergem suas 
investigações arqueológicas, se mostrarão na sua luz própria. O primeiro volume 
publicado nessa seção de Homo Sacer é Altíssima pobreza: Regras monásticas e forma 
de vida (Homo Sacer, IV, I, 2011). O ensaio desenvolve uma indagação a respeito da 
vida monástica dos séculos 4 ao 13, e em particular sobre a teoria franciscana do usus 
pauper das coisas, que identifica como um “uso” irredutível à propriedade, por meio do 
qual os padres tentaram se subtrair ao direito. Altíssima pobreza é publicado 
contemporaneamente a Opus Dei: Arqueologia do ofício (Homo Sacer, II, 5, 2012), o 
texto em que culmina a genealogia teológica do governo encaminhada em O reino e a 
glória (Homo Sacer, II, 2;2007), e do qual constitui, em certo sentido, a pars 
construens. Se Opus Dei traz à luz o modo como a liturgia eclesiástica, elaborando a 
função sacerdotal, procura capturar a práxis contingente do homem e fazê-la coincidir 
no sacramento com a ação de Deus, Altíssima pobreza mostra o nascimento dos 
monastérios cristãos como uma tentativa de desativar o dispositivo litúrgico, de inverter 
a subordinação do agir particular do sacerdote ao governo divino, que se formula 
ligando a eficácia do sacramento à sua realização por meio da própria vida do monge. A 
pesquisa mostra como os monges relacionam sempre a liturgia ao modo concreto do seu 
exercício, reivindicando uma coessencialidade de “regra” e “vida”, na linguagem do 
fransciscanismo uma forma vitae, que o texto indica como “uma vida que se relaciona 
tão proximamente à sua forma a ponto de dela resultar inseparável”.
Embora Agamben afirme que a forma-de-vida, este “algo inaudito e novo”, na vida 
comum dos monges “se aproximou obstinadamente à própria realização e lhe faltou 
com a mesma intensidade”, ele tenta desenvolver e radicalizar a relação entre “regra” e 
“vida” formulada pelo monasticismo, mostrando-a como uma oscilação sem solução 
entre vida e lei, fato e direito, que revela um terceiro, um meio entres eles, que em 
referência ao franciscanismo ele indica como um novo possível “uso” comum da vida e 
das coisas.
“Regra (regula)” é o nome do texto que ordena a vida do monastério, isto é, cada 
comunidade de monges faz referência a uma regra enquanto documento constituinte. 
Agamben observa a impossibilidade de se atribuir as regras a um gênero literário 
definido; essas são às vezes uma série minuciosa de preceitos, que dizem respeito a cada 
detalhe isolado da vida dos monges, em alguns casos a transcrição fiel de um diálogo 
que tem lugar no monastério ou, mais amiúde, apenas o relato sobre a vida do monge 
fundador. Os estudiosos das regras não as definem propriamente comoleis, mas 
tampouco as consideram simples indicações, “conselhos”. Com efeito, os preceitos das 
regras, referindo-se aos menores detalhes da vida de um monge, relacionando-se com a 
totalidade da existência, não podem ser entendidos como obrigatórios, ou seja, um 
monge isolado jamais poderia pô-los todos em prática, e, portanto, não se constituem 
em um conjunto de leis que ele deveria aplicar à realidade. “O que é uma regra?” – 
pergunta Agamben – “se esta parece confundir-se sem resíduos com a vida? E o que é 
uma vida humana, se esta não pode mais ser distinguida da regra?”.
A adesão do monge à regra não consiste na observação de preceitos determinados, mas 
diz respeito à relação entre a regra e a vida e entre a vida e a regra. Aquele que entra no 
monastério “não se obriga, como acontece no direito, ao cumprimento de atos isolados 
previstos na regra, mas coloca em questão o seu modo de viver, que não se identifica 
com uma série de ações nem se exaure nelas. (…) [Como escreve Tomás,] ‘os monges 
não prometem a regra, mas viver segundo a regra’. (…) O objeto da promessa aqui não 
é mais um texto legal a ser observado ou uma certa ação ou uma série de 
comportamentos determinados, mas a mesma forma vivendi do sujeito”.
Vida comum do monastério
Se o monge vive cada momento da sua vida em relação à regra, esta não é uma lei, mas, 
afirma Agamben, a “forma” que permite a cada momento constituir-se como 
“exemplar”, “paradigmático” da vida comum do monastério. Em que sentido o exemplo 
e o paradigma permitem pensar a coexistencialidade de regra e vida que caracteriza a 
comunidade cenobita? No texto Signatura rerum: Sobre o método (2008), Agamben 
afirma que “o paradigma é um caso isolado que vem separado do contexto ao qual 
pertence, apenas na medida em que este, exibindo a própria singularidade, torna 
inteligível um novo conjunto, cuja homogeneidade ele próprio deve constituir. Dar um 
exemplo é, portanto, uma ação complexa, que supõe que o termo que funciona como 
paradigma seja desativado do seu uso normal, não por ser deslocado em um outro 
âmbito, mas, ao contrário, para mostrar o cânone daquele uso, que não é possível exibir 
de outro modo”.
O exemplo é uma forma de conhecimento que não procede articulando universal e 
particular, na medida em que põe em questão a sua oposição dicotômica: na lógica 
paradigmática, é somente a exibição do caso isolado como exemplar que define a regra 
constituindo um conjunto. Nesse sentido, o exemplo é um terceiro entre o universal e o 
particular, entre a regra e a vida, que não aparece, porém, senão através da relação 
dúplice entre eles, a sua indiscernibilidade. Para o monge, abandonar o contexto normal 
e seguir a regra é transformar cada aspecto da própria vida em “exemplar” da vida 
comum, enquanto é uma exibição da sua singularidade que, somente em virtude dessa 
exibição, se constitui como pertencente a um conjunto. Isso permite compreender por 
que amiúde o texto da regra consiste somente na narração histórica da vida do fundador 
do monastério: é a própria exibição de cada aspecto de sua existência como exemplar 
que constitui a comunidade.
As pesquisas sobre a noção de potência que acompanham as indagações políticas de 
Homo Sacer permitem aprofundar na lógica do exemplo e caracterizar ulteriormente a 
relação entre regra e vida. Agamben, em particular nos textos da segunda seção de 
Homo Sacer, chega a mostrar a potência como o que resta retido no ato e, portanto, o 
revoga, mas não se coloca por isso como uma dimensão separada, cujo subtrair-se 
permanece em relação com o ato enquanto aquilo que o abre sempre em uma nova 
determinação, para um “novo uso”.
Se a regra consiste apenas na exibição da singularidade de um momento da vida, que, 
sem fazê-lo sair do plano do singular, o transforma em exemplar de um conjunto, é por 
expor a sua singularidade a partir da sua potência, como aquilo que nele se subtrai e, 
portanto, o revoga de seu uso normal, mas não o isola de tal modo em uma esfera 
distinta, ou seja, não o revoga senão para mostrá-lo em relação com um outro momento 
singular. 
Os monges, executando cada ação segundo a regra, experimentam a potência desta 
como aquilo que constitui a sua exemplaridade, por revogá-la e ao mesmo tempo abri-la 
sempre em uma nova ação. Uma forma que consiste apenas na exibição de uma 
singularidade a partir da sua potência, e que assim a coloca sempre em relação com uma 
outra singularidade, é uma forma-de-vida sempre em devir, coincide com a sua 
transformação, assim como a comunidade à qual ela dá lugar.
Liturgia eclesiástica
O dispositivo litúrgico funciona colocando no seu centro o agir singular do sacerdote, 
mas o determina como ofício por fazê-lo coincidir no sacramento com o governo divino. 
A liturgia tenta, em tal modo, se apropriar da potência do agir do homem e governá-la, 
enquanto ela é a única coisa a partir da qual se pode realizar toda ação, mas ao mesmo 
tempo aquilo que impede sua determinação unívoca, aquilo que torna possível 
cada atualização determinada, mas abrindo-a sempre em uma nova configuração. 
Todavia, essa potência escapa de uma captura, a práxis do homem não se deixa 
identificar com o governo divino, enquanto este precisa sempre remeter circularmente a 
uma ação singular na qual possa realizar-se. Se a liturgia procura sempre de novo 
capturar a potência do agir do homem e confiná-la na esfera separada do sacramento, os 
monges reivindicam esse círculo, “apagando a separação e, fazendo da forma de vida 
uma liturgia e da liturgia uma forma de vida, instituem entre as duas um limiar de 
indiscernibilidade carregada de tensões”.
Em virtude da subordinação do agir concreto do sacerdote ao ofício realizada pela 
liturgia eclesiástica, o sacramento resulta eficaz mesmo quando conferido por um 
ministro “indigno”, o que, do ponto de vista da relação entre regra e vida, resulta 
impossível: “para uma vida que recebe o seu sentido e a sua condição do ofício, o 
monasticismo contrapõe a ideia de um oficium que tem sentido somente se se torna 
vida”. A regra leva os monges a viverem sua vida como uma “prática incessante”, no 
cenóbio “cada gesto do monge, cada atividade mais humilde se torna uma obra 
espiritual, adquire o estatuto litúrgico de um opus Dei”. Segundo Agamben, todavia, o 
monasticismo, ligando os singulares aspectos da vida comum ao serviço de Deus e à sua 
celebração, não consegue resolver sua relação com a liturgia; tampouco deixa entrever 
uma relação inédita entre norma e fato, ser e agir, uma forma-de-vida como âmbito de 
sua oscilação irresolúvel, de sua sempre nova configuração.
O sintagma forma vitae era usado nos monastérios franciscanos como reivindicação 
consciente de uma vida não subsumível ao direito positivo. Os monges a perseguiam 
praticando a renúncia a qualquer propriedade como pobreza e usus pauper das coisas. 
Eles foram combatidos pela cúria romana precisamente porque uma tal prática se 
situava em uma esfera sobre a qual o direito civil não tem nenhum domínio. Mas no que 
consiste um uso das coisas que não possa jamais se tornar uma apropriação?
Os franciscanos o definiam em geral negativamente, como um “usar da coisa como não 
própria”, expondo-se assim, porém, às objeções da cúria, em particular do papa João 
XXII que, na bula Ad conditorem canonum, refutava a possibilidade de separar uso e 
propriedade, identificando o uso com uma consumação – que se resolveria então com a 
posse – dos objetos essenciais à vida dos padres, como comida ou roupa. Esta 
objeção, todavia, conduzira os franciscanos a conceber o uso de maneira não negativa. 
Francisco de Ascoli, porexemplo, escrevera em resposta ao papa que, assim como o ser 
das coisas consumíveis coincide com sua transformação, e não é, portanto, redutível a 
uma propriedade, o uso é sempre in fieri, consiste no seu devir.
Bonagratia de Bergamo, por sua vez, indicou o usus pauper como a prática que define 
originariamente a comunidade dos homens, na medida em que comum pode ser apenas 
o uso das coisas mas jamais a sua posse. Essas reflexões, considera o texto, poderiam ter 
conduzido à formulação de uma teoria do usus como habitus, prática que jamais se 
substancialize em um ato determinado, enquanto, ao contrário, o franciscanismo 
continuou a defini-lo em geral de forma negativa, prestando-se às críticas da liturgia 
eclesiástica que se tornara predominante. “Ao invés de confinar o uso no plano da pura 
práxis” – escreve Agamben – “como uma série factícia de atos de renúncia ao direito, 
teria sido mais fecundo tentar pensar a sua relação com a forma de vida dos padres 
franciscanos, perguntando-se de que modo aqueles atos podiam se constituir em um 
vivere secundum formam e em um hábito. O uso, nessa perspectiva, poderia ter-se 
configurado como um tertium em relação ao direito e à vida, à potência e ao ato, e 
definir – não apenas negativamente – a própria práxis vital dos monges, sua forma-de-
vida”. Pensar o uso como a dimensão da tensão irresolúvel entre regra e vida, da regra 
como exposição da vida, e da vida como aquilo que reenvia sempre a uma nova regra, 
equivale a pensá-lo como uma terceira dimensão, que, enquanto lugar de seu 
remetimento sempre renovado, consiste apenas na sua transformação, se dá sempre 
como “um novo uso”.
Em tal sentido, o habitus e o uso emergem como a forma de uma “vida que se mantém 
em relação não só com as coisas, mas também consigo mesma no modo da 
inapropriabilidade”, que os próximos volumes da quarta seção de Homo Sacer deverão 
permitir caracterizar ulteriormente.
Valeria Bonacci é doutora pela Universidade de Lecce em cotutela com a Universidade 
Sorbonne-Paris IV e colabora com a cátedra de Filosofia Prática da Universidade La 
Sapienza de Roma
Agamben e a indiferença
O pensamento de Giorgio Agamben se destaca como uma filosofia da indiferença
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William Watkin
Se o século passado pertenceu aos filósofos da diferença, então o atual deve ser 
entregue aos provedores da indiferença filosófica, dentre os quais um nome um se 
destaca: Giorgio Agamben. O que é a indiferença filosófica? A definição padrão do 
termo no dicionário, que significa não se importar de modo algum, encontra eco na 
primeira época da indiferença filosófica, estendendo-se do Estoicismo ao ataque de 
Kant ao indiferentismo filosófico nas páginas de abertura da primeira Crítica. Trata-se 
da inabilidade de tomar uma decisão filosófica única, sempre verdadeira, em favor de 
uma posição ou ação em detrimento de outra. O indiferentismo ocorre especialmente 
quando, como é sempre o caso segundo Agamben, as duas posições em relação às quais 
o sujeito não se importa ocupam, de um lado, o único, comum, fundador, unificado, e de 
outro o múltiplo, próprio, atualizado, vário. Assim, em certo sentido, desde os gregos, a 
filosofia tem sido uma disputa acerca da prevalência da indiferença: não podemos eleger 
entre a filosofia da unidade e aquela da multiplicidade. E o pensamento moderno funda-
se no desenvolvimento da filosofia crítica de Kant que buscou resolver a indiferença 
entre as filosofias do Um (idealismo) e aquelas do Muitos (Empirismo). O segundo 
sentido filosófico da indiferença, primeiro desenvolvido por Hegel, é a pura diferença 
em si ou diferença abstrata independente de quaisquer qualidades mantidas pelas duas 
identidades sendo diferenciadas. Representa-se o conceito mais precisamente pela 
notação formal A≠ B. O que A e B são na realidade, que qualidades possuem, é 
indiferente, não importa. Na diferença indiferente tudo que importa é que existe a 
diferença, A≠ B, como a base do fato de que existe uma identidade A=A porque A≠ B. 
Trata-se da fórmula fundadora da dialética hegeliana e de todas as filosofias da 
diferença que surgirão, pois desenvolve uma forma pré-identitária de diferença: 
diferença abstrata sem relação com as qualidades.
1. A Indiferença de Agamben
Pode-se argumentar que a filosofia moderna nasce dos ataques kantianos ao 
indiferentismo e ao desenvolvimento hegeliano da pura diferença em si. Isso posto, 
pode-se qualificar a indiferença agambeniana como uma terceira ordem de indiferença 
filosófica. Seu sistema filosófico é tornar aparente e então declarar indiferentes todas as 
estruturas de oposição diferencial que subjazem na raiz, assim ele crê, de toda principal 
assinatura conceitual ou estrutura discursiva do Ocidente. Desse modo, sua filosofia 
pode ser qualificada como uma espécie de crítica metafísica que sustenta que todos os 
conceitos abstratos são apenas quase-transcendentais, no que se apresentam como 
historicamente contingentes, não logicamente necessários. Assim, Agambem participa, 
de bom grado, de uma tradição que inclui Nietzsche, Heidegger, Deleuze e Derrida, 
pensadores aos quais ele frequentemente se associa. Aquilo em que ele difere de todos 
os autores citados é o fato de que ele não é, de modo algum, um filósofo da diferença, 
qualquer que seja o modo como nós tomemos o significado desse termo no interior da 
tradição à qual eu acabei de aludir. É razoável afirmar que todos os seus predecessores, 
de algum modo, colocam em xeque estruturas filosóficas da identidade consistente por 
intermédio da valorização da diferença. O argumento central daqueles pensadores, 
desde Nietzsche, é: a diferença precede a identidade e assim, por definição, está 
permanentemente corroendo a identidade, sendo a identidade sempre definida como 
fundacional.
Agamben não pode subscrever esse argumento. Como pensador, ele está dolorosamente 
consciente de que a diferença é sempre parte de um acoplamento identidade-diferença, 
de modo que, embora concorde com seus grandes predecessores com o fato de que a 
identidade depende da diferença, ele transcende ou transgride a lei de nossa era atual na 
medida em que insiste no fato de que a diferença está tão implicada no sistema 
metafísico quanto a identidade. Se, ele argumenta, as estruturas identitárias são 
historicamente contingentes, não logicamente necessárias, assim também são as 
estruturas de diferenciação, de onde se pode posteriormente concluir que estão em 
cumplicidade com a metafísica, não sendo, pois, um meio de superá-la. Antes de minar 
a identidade com a diferença, portanto, Agamben revela que identidade e diferença, elas 
próprias, não são termos necessários, mas contingências históricas, que, de fato, formam 
uma unidade singular no interior de nossa tradição, que chamamos identidade-diferença, 
e com base nestas observações pode-se suspender sua história de oposição, tornando-as 
mutuamente indiferentes. Com isso, queremos dizer: suspender sua apresentação como 
formando uma unidade singular de diferença oposicional, em luta: um e muitos, 
soberania e governo, zoe e bios e assim por diante, sem reconstitui-las, pois, como uma 
unidade.
Para Agamben, a completa presença autoidêntica, isso que ele chama o comum, é uma 
entidade discursiva, não um estado real. Aliás, no que diz respeito à diferença, isso que 
ele chama de o próprio, é a mesma coisa. Além disso, os conceitos não são mais 
tomados como conceitos-identitários, estruturas ideacionais possuidoras de consistência 
comum em torno de um conjunto consensual de referentes que pode ser mantido sob a 
mesma esferaconceitual, mas conceitos-identitários-diferenciais que têm um momento 
histórico de ascensão, no qual se observa sua atividade, um modo de distribuir sua ação 
para controlar grandes e estáveis formações discursivas no correr dos tempos, tais como 
linguagem, tal como poder, tal como vida, e um quase inexorável momento de 
indiferença, no qual as claras distinções dos sistemas ou entram em colapso ou podem 
ser agressivamente demonstradas como sendo vulneráveis contingências. O método para 
traçar esses momentos com o intento de suspender os construtos identidade-diferença, 
que ele chama assinaturas, é uma metodologia geral a que Agamben dá o nome de 
arqueologia filosófica.
2. Arqueologia Filosófica
O método altamente contestado de Agamben, que consiste em traçar as origens de 
conceitos de larga escala (assinaturas) de volta ao momento em que eles inicialmente se 
tornaram operacionais como modos de um discurso de legitimação e organização, é 
devedor, em grande medida, da concepção foucaultiana de inteligibilidade discursiva. 
Através da inteligibilidade, ou o que Agamben também chama de comunicabilidade, 
não é o que é dito que é significativo, mas que dizer isso e aquilo seja permitido pelas 
sanções do poder e por nossa cumplicidade com essas sanções. Isso posto, esses 
momentos de ascensão, como Agamben os qualifica, não são origens fundadas em 
dados históricos no sentido usual, mas, inspirados pelo tempo-agora de Benjamin, eles 
de fato desvelam tanto sobre nós, como contemporâneos, como sobre as origens 
históricas. Assim, todo momento contemporâneo é fundado em uma origem ou arche, 
embora toda arche seja construída por nosso discurso contemporâneo como a origem 
fundante.
O passado, argumenta Agamben, não apenas vive no presente, mas o presente é um 
construto constante do passado. Dessa forma o tempo é marcado por um duplo 
anacronismo essencial, das coisas passadas sendo projetadas para o presente e do 
presente como um construto do passado.
O objetivo de Agamben é revelar esse paradoxo histórico na base de conceitos de larga 
escala tais como poder, ser, secularização, linguagem e assim por diante, de forma a 
demonstrar sua impraticabilidade lógica. Em toda a sua obra, persiste uma economia 
única, para onde quer que ele olhe. O passado, ou o comum temporal, está fundado no 
presente ou no próprio temporal, embora o presente funde o passado através de suas 
tentativas de acesso às origens. Portanto, tome-se qualquer conceito-assinatura de larga 
escala e esse se revelará o paradoxo entre um passado fundado, mesmo criado, pelo 
presente, e um presente fundado pelo passado, permitindo assim a suspensão – ou a 
indiferenciação – de uma nítida separação entre as origens e os exemplos atuais, 
subsequentemente libertando o sujeito do controle discursivo da dita assinatura.
Como para Agamben tudo é, ostensivamente, discursivo, essa forma de crítica radical 
revela-se, potencialmente, uma poderosa ferramenta política para a mudança, uma vez 
que o poder é uma das assinaturas de maior prevalência que há no Ocidente, e também 
uma das mais suscetíveis ao paradoxo da lógica da fundação fundada por isso que ela 
presume fundar. Tornar indiferente a oposição entre origem (o fundamento comum de 
tudo) e o presente (a atualização própria de nosso fundamento comum) por intermédio 
da arqueologia filosófica mata o poder das assinaturas de sancionar e, portanto, 
controlar o que pensamos, o que dizemos e, também, o que fazemos. Falhemos em 
tornar indiferentes tais assinaturas e qualquer atitude política que se tome ainda terá 
lugar no interior dos confins sancionados da inteligibilidade discursiva, especialmente o 
ato político essencial da era moderna: diferença revolucionária.
3. Vida
Para concluir, permita-nos considerar a talvez mais controversa e importante assinatura 
para Agamben, a Vida, submetendo-a à arqueologia filosófica, e assim tornando-a 
inoperante como um modo de inteligibilidade para nós, fazendo com que as duas partes 
da economia oposicional do termo se tornem indiferentes entre si.
Para nós, Vida é um termo que explica nossa existência biológica. Além disso, ele 
também explica o caso específico da vida humana, uma forma privilegiada de vida 
animal. Finalmente, também resulta em momentos nos quais o privilégio da vida 
humana é removido de um ser humano e ele é reduzido a ser tratado como um mero 
animal, uma situação que Agamben chama de vida nua. A obra de Agamben mais 
amplamente lida, Homo Sacer, apresenta as origens dessa situação e suas implicações 
para o mundo atual.
Não há, de fato, uma coisa como a Vida. Ela é um construto discursivo permitido pelas 
estruturas de poder para sancionar diferentes formas de comportamento e com a qual 
temos estado em cumplicidade por séculos. É, portanto, uma assinatura inteligível, não 
uma coisa como tal. Como ela surgiu? O momento de ascensão dessa assinatura para 
Agamben é a primeira instância registrada da vida nua em um sistema judiciário 
ocidental, a figura do homo sacer no antigo ordenamento jurídico romano. Como o 
homo sacer foi sancionado, quando sua lógica (um cidadão no interior da lei que pode 
ser morto, e tal não ser julgado assassinato, assim colocando-o à margem da lei) é 
ilógica? Agamben nota que os gregos não tinham uma única palavra para vida, mas ao 
menos dois termos, que pertenciam ao que entendemos por vida. Zoe era a vida privada 
e animal. Bios era a vida política, específica, pública. Em algum momento, um termo 
único, Vida, foi paulatinamente sendo empregado em relação a uma vida humana 
composta de duas partes: a biológica e a social. Dos dois, Zoe era o comum, o 
fundacional, afinal de contas, sem a vida biológica, o que somos? E Bios, a 
especificidade social de como vivemos, é o reino no qual a vida humana é distinguida 
da vida animal, ou mesmo da vida escrava ou feminina, para os gregos e romanos. 
Assim, é Bios que funda Zoe ao dizer que Zoe é apenas uma instância local da vida, a 
animal.
Nesse ponto, as coisas tornam-se confusas. Que Vida veio primeiro? A vida biológica 
ou a vida humana, enquanto distinta da vida animal e assim protegida pela e sujeita à, 
digamos, lei? O homo sacer se torna possível precisamente nesse ponto. A Vida Nua se 
assemelha a um retorno à Zoe ou vida animal. Este homem pode ser morto como um 
bicho. Contudo, para que a vida nua se torne nua, os direitos do cidadão devem ser 
retirados dele. Isso mostra claramente que a animalidade é um conceito criado pelo 
humano, e a vida nua é apresentada como um retorno a um estado de natureza: Zoe.
A vida nua exibe então os seguintes fatos da Vida. A Vida é um construto discursivo. 
Ela depende da ideia de que ela é a-discursiva, ou seja, que os animais existem antes dos 
humanos. Portanto, de fato, o Bios, a vida política, constrói a Zoe, a vida animal, como 
origem de toda a vida apenas para legitimar a si própria. Essa economia impossível 
(como um fundamento pode ser fundado depois daquilo que ele fundou, como o comum 
pode ser um construto do próprio?) é revelada nesses momentos nos quais a distinção 
clara entre comum e próprio em uma assinatura torna-se indiferente. O Homo Sacer é a 
primeira instância registrada, dessa relevância, para a Vida. Um cidadão retorna para 
um estado de animalidade somente se, primeiro, ele é um cidadão. A vida nua é a vida 
desnudada. Ela deve ser vestida antes que possa ser despida.
A arqueologia filosófica se ocupa, aqui, com uma questão contemporânea, a questão da 
vida humana. Ela traça a origem do emprego do termo controlador para sancionar certas 
formas de comportamento, aqui, a assinatura Vida. Ela revela que a assinatura sempre 
se bifurcaráem uma estrutura de comunalidade que vem primeiro e funda, e em uma de 
atualidade própria, casos específicos subsequentes que ocorrem devido a uma fundação 
comum . Ela encontra então casos-limite, zonas de indistinção, nas quais a clara 
diferenciação no interior da assinatura é não clara, indiferenciada. Ela então se foca 
nesses casos-limite, nessas zonas de indistinção para demonstrar que a assinatura em 
questão não é universal e necessária, mas historicamente construída. Ela revela a 
primeira instância na qual a economia da assinatura torna-se confusa, é indiferenciada. 
Ela então humildemente sugere que se a lógica da assinatura Vida é ilógica (e pode ser 
mostrado que a assinatura Vida ela mesma pode ser traçada historicamente até um 
primeiro momento específico), então não precisamos da assinatura Vida.
Graças à indiferença, podemos revelar historicamente os meios pelos quais podemos 
viver sem a Vida. Essa me parece ser a mensagem geral da obra de Agamben.
William Watkin é professor de literatura e filosofia contemporânea na Brunel 
University, West London. É autor de Agamben and Indifference: A Critical Overview 
(Rowman and Littlefield International, 2013)v
Agamben, um filósofo para o século 21
Confira o primeiro texto do dossiê da edição 180, que também conta com um artigo 
exclusivo do pensador italiano
TAGS: 180, dossiê
Cláudio Oliveira
Para aqueles que, como eu, se iniciaram na filosofia entre o fim dos anos 80 e o início 
dos anos 90 do século passado, havia um sentimento desencantado de não viver mais 
num mundo habitado por grandes filósofos. Naquele momento, todos, ou quase todos os 
grandes filósofos do século 20, ou já estavam mortos (Freud, Benjamin, Wittgenstein, 
Merleau-Ponty, Bataille, Adorno, Arendt, Heidegger, Sartre, Lacan, Foucault, 
Althusser) ou já estavam no fim de suas vidas e iriam morrer nos anos seguintes 
(Debord em 1994, Deleuze em 1995, Lyotard em 1998, Blanchot em 2003, Derrida em 
2004). Nós, enquanto estudantes, invejávamos nossos professores que tinham sido 
testemunhas da construção do pensamento do século 20, muitos deles tendo escrito 
livros ou publicado teses sobre autores vivos, cujos cursos alguns deles chegaram a 
frequentar. O sentimento que nos acometia então era o de não sermos mais 
contemporâneos da filosofia ou de não haver mais nenhuma filosofia contemporânea a 
nós, vivendo o tempo de um hiato que parecia não ter fim. Esse quadro iria mudar 
significativamente nos anos seguintes.
Nós não sabíamos, mas nesses mesmos anos, uma série de novos pensadores começava 
a surgir e a publicar seus primeiros livros. Dentre eles, um dos que vieram a assumir 
uma importância fundamental no pensamento contemporâneo foi o filósofo italiano 
Giorgio Agamben, nascido em Roma, em 1942, e que já tinha publicado, na Itália, seu 
primeiro livro, O homem sem conteúdo, em 1970. Agamben, como outros pensadores de 
sua geração (eu citaria Alain Badiou [1937- ], Jacques Rancière [1940- ], Lacoue-
Labarthe [1940–2007], Jean-Luc Nancy [1940- ], Jacques-Alain Miller [1944- ], Peter 
Sloterdijk [1947- ], Slavoj Zizek [1949- ], Georges Didi-Huberman [1953- ], dentre 
outros), tinha se formado num contato íntimo com aquela geração anterior e buscavam 
desdobrar as consequências teóricas das obras daqueles filósofos, estabelecendo, ao 
mesmo tempo, novos paradigmas de pensamento.
Em 1966, com 24 anos, Agamben foi um dos seis participantes, em Le Thor, na 
Provence francesa, de um seminário conduzido por Heidegger e que aconteceria de 
novo, em 1968, agora já com um número maior de participantes. Esse contato pessoal 
com Heidegger o marcaria profundamente e somente a descoberta da obra de Benjamin, 
algum tempo depois, lhe daria um contraponto ou algo que Agamben chamará, mais 
tarde, numa entrevista, de um antídoto em relação à influência da obra de Heidegger em 
seu pensamento.
Em 1974, já com um livro publicado, Agamben vai para a França, onde se aproxima de 
Pierre Klossowski, Guy Debord e Italo Calvino. Com este último, constrói o projeto de 
uma revista que jamais será realizado. Graças a Francis Yates, que ele havia conhecido 
através de Calvino, entre 1974 e 1975, Agamben vive em Londres, onde trabalha 
intensamente em suas pesquisas no Instituto Aby Warburg. Esse período, entre Paris e 
Londres, gerará seus próximos dois livros, Estâncias e Infância e História, publicados 
respectivamente em 1977 e 1978. Ainda nesse período final dos anos 1970, Agamben 
realiza um seminário, entre 1979 e 1980, que dará origem a seu quarto livro, A 
linguagem e a morte, publicado na Itália em 1982. Este livro, além de ser um acerto de 
contas com Heidegger e Hegel, é também o momento em que Agamben inicia uma 
discussão com Derrida, o pensador que talvez tenha feito a passagem entre a geração 
anterior e a sua.
Os anos 1980 são marcados por uma produção menos abundante da obra de Agamben. 
Além de A linguagem e a morte, que pode ser entendido como um livro produzido ainda 
nos anos 1970, Agamben publica apenas um pequeno livrinho, Ideia da prosa, em 1985, 
onde a indistinção entre filosofia e literatura, na forma de pequenos ensaios (tendo por 
tema os mais diversos assuntos) é levada ao seu extremo. O pequeno número de livros 
publicados nesse período talvez se explique por outras atividades que ele desenvolveu 
na mesma época.
Em 1986, Agamben passa a ser um dos diretores de programa – junto com outros 
filósofos, como Lacoue-Labarthe, Jacques Rancière, Barbara Cassin, José Gil, Fernando 
Gil, Gianni Vattimo – do Collège International de Philosophie de Paris, que tinha sido 
fundado em 1983, pela iniciativa de François Châtelet, de Jacques Derrida, de Jean-
Pierre Faye e de Dominique Lecourt. Em 1989, outros autores, como Alain Badiou, 
Michel Deguy e Paul Virilio também se tornam diretores de programa do Collège. 
Nesse período, em Paris, Agamben frequenta, entre outros, Jean-Luc Nancy, Jacques 
Derrida e Jean-François Lyotard.
Filósofo antiacadêmico 
Os anos 1980 são também aqueles em que Agamben inicia uma carreira docente, com a 
qual ele jamais se identificará totalmente, tendo permanecido um filósofo 
essencialmente antiacadêmico. Em 1988, ele começa a ensinar na Universidade de 
Macerata, e alguns anos depois, na Universidade de Verona. A partir de 2003, ele 
assume a cadeira de Filosofia Teorética no Istituto Universitario di Architettura (IUAV) 
de Veneza, do qual pede demissão em 2009, para se dedicar exclusivamente à escrita de 
sua obra.
A década de 1980 é marcada também pelo envolvimento de Agamben com a edição das 
obras completas de Walter Benjamin em italiano pela Editora Einaudi, de Turim, 
projeto que ele coordenou de 1982 a 1993. Envolvido com esse trabalho, Agamben 
descobre, na biblioteca de Paris, vários importantes manuscritos perdidos de Benjamin, 
que os tinha deixado com Georges Bataille pouco antes da sua morte. Depois da 
publicação de alguns volumes, Agamben abandona o projeto por discordâncias com a 
editora.
A década de 1990, ao contrário da década anterior, é marcada por uma extensa 
publicação de livros, dentre os quais se destaca o primeiro volume da tetralogia Homo 
Sacer, O poder soberano e a vida nua, publicado em 1995, livro que o tornará célebre 
mundialmente (não por acaso, foi este o primeiro livro de Agamben a ser publicado no 
Brasil, em 2002). Mas, antes disso, ele publica dois pequenos livrinhos, cuja 
importância não pode ser diminuída em sua obra: A comunidade que vem, em 1990, e 
Bartleby ou da contingência, que foi publicado na Itália, em 1993, junto com uma 
tradução do texto de Deleuze, Bartleby ou da forma, num únicovolume intitulado 
Bartleby, a fórmula da criação, embora os textos tenham sido escritos de modo 
totalmente independente, em períodos diferentes. Agamben, no entanto, tinha assistido, 
em Paris, os últimos cursos de Deleuze, os quais ele compararia, mais tarde, com os 
seminários de Heidegger em Le Thor, que ele seguira na sua juventude, como dois 
momentos fundamentais, embora bem distintos, de sua formação.
Ainda na segunda metade da década de 1980, se dá a publicação de novos livros, como 
Categorias italianas (1996), Meios sem fim (1996) e O que resta de Auschwitz (1998), 
volume III de Homo Sacer, publicado, no entanto, antes dos tomos que constituiriam o 
segundo volume da tetralogia. Esses últimos anos da década de 1990 são marcados 
também por extensas viagens aos Estados Unidos, a convite de universidades 
americanas, onde Agamben ministra cursos que darão origem a novos livros, como O 
tempo que resta, publicado em 2000. Essas viagens culminarão no convite para ser 
Professor da New York University, em 2003, convite que Agamben recusa, em protesto 
contra os novos dispositivos de controle impostos pelo governo americano aos cidadãos 
estrangeiros, após os acontecimentos do 11 de Setembro.
De 2000 para cá, Agamben publica vários volumes da tetralogia Homo Sacer, como 
Estado de exceção (2003), O reino e a glória (2007), O sacramento da linguagem: 
arqueologia do juramento (2008), Altíssima pobreza (2011) e Opus Dei: arqueologia 
do ofício (2012), além de outros livros que não pertencem à tetralogia, mas que são 
estreitamente afins à sua problemática, como O aberto: o homem, o animal (2002), 
Profanações (2005) e Signatura rerum: sobre o método (2008). Surgem ainda pequenos 
textos ou coletâneas de textos escritos em diferentes momentos, como A potência do 
pensamento: ensaios e conferências (2005), O que é um dispositivo? (2006), O amigo 
(2007), Ninfas (2007), O que é o contemporâneo? (2007) e Nudez (2009).
A primeira década do século 21 é também o momento em que a obra de Agamben 
começa a ser traduzida no Brasil, com um atraso de mais de 30 anos, é verdade. 
Editoras como a EDUFMG, a Boitempo e a Autêntica lideram esse processo. É também 
o momento da sua primeira (e única até agora) vinda ao Brasil. Em 2005, ele faz 
conferências em São Paulo (na USP), no Rio de Janeiro (na Casa de Rui Barbosa e na 
Universidade Federal Fluminense) e em Florianópolis (na Universidade Federal de 
Santa Catarina).
Diálogo permanente 
O pensamento de Agamben traz algumas características comuns a outros autores da sua 
geração. Em primeiro lugar, há entre eles um diálogo permanente. Nesse sentido, é 
muito comum nas obras de Agamben não só a referência aos filósofos que constituem 
sua formação (como Heidegger, Benjamin, Foucault, etc.), mas também aos seus 
contemporâneos, como Derrida, Nancy e Badiou, dentre outros. Há também uma 
característica fundamental em sua obra que é o atravessamento por discursos 
provenientes de muitos campos do saber, para além do filosófico, como o direito, a 
teologia, a linguística, a gramática histórica, a antropologia, a sociologia, a ciência 
política, a iconografia, a psicanálise, a literatura e as outras artes em geral, dentre elas o 
cinema. Sobretudo, caracteriza o pensamento de Agamben, em consonância com os 
filósofos de sua geração, uma recusa em lidar com aquilo que entendemos 
tradicionalmente como as disciplinas filosóficas (tais como metafísica, ontologia, ética, 
estética, política, lógica) como campos distintos do saber filosófico.
Essa visão tradicional da filosofia gerou um primeiro equívoco na recepção da obra de 
Agamben, tanto no Brasil como no mundo, que consistiu em entendê-la como podendo 
ser dividida em duas fases, uma primeira, dedicada a investigações estéticas, e uma 
segunda, iniciada com a publicação do primeiro volume de Homo Sacer, em 1995, 
dedicada a investigações políticas. Para Agamben, a distinção entre política, estética, 
ética, lógica e ontologia não faz mais o menor sentido. Pelo contrário, poderíamos dizer 
que um dos esforços fundamentais desenvolvidos em sua obra é precisamente a 
demonstração da implicação necessária entre esses diversos campos do saber que 
compreendemos tradicionalmente como distintos. Nesse sentido, toda especulação 
filosófica de Agamben sobre o fenômeno da arte é também uma especulação no campo 
da política e da ontologia, por exemplo. Uma obra como A comunidade que vem, 
publicada em 1990, busca precisamente demonstrar que um conceito que costumamos 
entender como essencialmente político, como o conceito de comunidade, só pode ser 
entendido a partir de seu aspecto lógico e, consequentemente, também ontológico. Do 
mesmo modo que, como podemos ver em A linguagem e a morte (1982), a construção 
de uma ética em seu pensamento se dá a partir de uma discussão que parece 
eminentemente ontológica (Heidegger, Hegel) e linguística (Jakobson, Benveniste). Em 
outras palavras, para Agamben, toda política ou ética expressam uma compreensão 
lógico-ontológica, e toda ontologia ou lógica já são, em si mesmas, políticas, assim 
como o problema da arte em nosso tempo e em qualquer outro não pode ser entendido 
se permanecemos numa perspectiva simplesmente estética em sua abordagem, como o 
demonstram claramente as páginas de O homem sem conteúdo, seu primeiro livro.
Pensamento de Agamben
No presente dossiê, os artigos reunidos mostram claramente essa característica do 
pensamento de Agamben. Assim, Oswaldo Giacoia nos mostra como toda a 
problematização agambeniana da forma jurídica da política moderna, desenvolvida em 
Homo Sacer, só pode ser entendida a partir de uma reconstituição da “gênese da pessoa 
humana como moderno sujeito de direito”, detectando “a proveniência da forma direito 
na forma universal do valor de troca das mercadorias na sociedade capitalista”. 
Discussões econômicas, teológicas, jurídicas e políticas são indistinguíveis nesse âmbito 
de reflexão e só um atravessamento por todos esses campos do saber pode nos levar a 
uma compreensão adequada do fenômeno em jogo. Do mesmo modo, Susana Scramim 
nos ensina, ao se deter nos primeiros livros de Agamben, que sua abordagem da poesia 
de Baudelaire visa mostrar “o potencial de estranhamento que carregam os objetos 
quando perdem a autoridade que deriva de seu valor de uso e que garante sua 
inteligibilidade tradicional, para assumir a máscara enigmática da mercadoria”. De novo 
aqui, investigação literária e econômico-política se indistinguem e o modo correto de ler 
Baudelaire só é possível a partir de uma referência a Marx. Valeria Bonacci igualmente 
nos demonstra como as pesquisas agambenianas sobre a noção ontológica de potência, 
que acompanham suas indagações políticas, permitem aprofundar a lógica do exemplo e 
caracterizar ulteriormente a relação entre regra e vida, em seu estudo sobre a vida 
monástica, desenvolvido em Altíssima pobreza, o que faz com que este livro só possa 
ser corretamente compreendido à luz das investigações desenvolvidas por Agamben na 
década de 1980, em A comunidade que vem e Bartleby ou da contingência. William 
Watkin, por sua vez, ao desenvolver a ideia de que, diferentemente das filosofias do 
século 20, a filosofia de Agamben não é mais uma filosofia da diferença, mas da 
indiferença, nos mostra como a noção de indiferença é aquela que está em ação no 
próprio método arqueológico de Agamben, usando como exemplo de aplicação desse 
método calcado na noção de indiferença a abordagem agambeniana da noção de Vida, 
que ele entende como uma assinatura. Se “a lógica da assinatura Vida é ilógica”, comoprocura demonstrar Watkin, então não precisamos dela. Em última instância, a 
mensagem geral da obra de Agamben, segundo o estudioso inglês, é que “graças à 
indiferença, podemos revelar historicamente os meios pelos quais podemos viver sem a 
Vida”. De novo aqui, discussões lógico-ontológico-metodológicas têm como 
consequência uma dimensão ético-política fundamental. Por fim, Andrea Cavalletti se 
detém no conceito agambeniano de inoperosidade, desenvolvido sobretudo em seus 
últimos livros, para nos explicar como esse conceito, em Agamben, é dependente de 
uma longa reflexão sobre o conceito de potência desenvolvido em vários livros 
anteriores à tetralogia Homo Sacer. Segundo Cavalletti, ao construir o conceito de 
inoperosidade, em contraposição à noção de desoeuvrement desenvolvida nas obras de 
Bataille, Blanchot e Nancy e a partir de uma releitura da leitura heideggeriana do 
problema da potência em Aristóteles, Agamben nos dá um novo paradigma ao mesmo 
tempo ético e político.
Para concluir, gostaríamos de dizer que o presente dossiê não teria sido possível sem a 
contribuição do próprio Giorgio Agamben, que não só nos enviou para esta edição um 
texto inédito, o belíssimo “Sobre a dificuldade de ler”, como também nos ajudou no 
contato com os autores estrangeiros, cujos trabalhos sobre sua obra ele não só conhece, 
como admira. 
Cláudio Oliveira é professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade 
Federal Fluminense.
Coordena a Série Agamben para a Editora Autêntica

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