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criminologia introducao - adriano sergio nunes bretas

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Criminologia I
Adriano Sérgio Nunes Bretas*
Introdução
Qual é o conceito de crime? Do ponto de vista dogmático, não se ignora 
que o crime vem sendo definido como conduta típica, antijurídica e culpável. 
Do ponto de vista legal, crime é o que o legislador define como tal. Porém, 
do ponto de vista da criminologia, observa-se que o conceito de crime vem 
evoluindo com o passar do tempo, dependendo da Escola à qual perten-
ce o pensador que define o que vem a ser crime. Estudar criminologia, por-
tanto, significa, em última análise, estudar a evolução histórica das Escolas 
que o pensamento criminológico convencionou ao longo dos anos. Assim, 
o escopo de nossa proposta, aqui, no estreito limite dessa intervenção, é 
fazer um voo panorâmico que permita aos estudantes uma visualização do 
conteúdo da criminologia. Evidentemente, por razões óbvias, é impossível 
esgotar o (inesgotável) universo de investigação da criminologia em uma 
abordagem tão sumária, nem poderia ser essa a nossa pretensão. Trata-se, 
apenas, de buscar uma mínima sistematização de um conhecimento tantas 
vezes esparso. 
Escola Positivista
Embora historicamente a Escola Positivista não tenha inaugurado o 
estudo da criminologia, muitos estudiosos iniciam o estudo da criminologia 
a partir da Escola Positivista. Isso porque foi a Escola Positivista a responsável 
por uma visão extremada da criminologia. Historicamente, a Escola Positi-
vista é situada no final do século XIX, início do século XX, quando se inicia, 
principalmente na Europa, um movimento de estudo do crime fortemente 
influenciado pela biologia. 
* Especialista em Direito 
Penal e Criminologia pelo 
Instituto de Criminologia 
e Política Criminal (ICPC) 
Brasil. Professor da Ponti-
fícia Universidade Católica 
do Paraná (PUCPR). Gradu-
ado em Direito pelo Centro 
Universitário Curitiba (Uni-
curitiba). Advogado.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
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Criminologia I
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Principais expoentes
Três foram os grandes nomes do positivismo criminológico: Cesare Lom-
broso, Enrico Ferri e Garofalo. Essa tríade formou o pensamento da Escola 
Positivista, responsável pela visão biológica do crime.
Conteúdo
Uma pergunta que aparentemente pode ser inofensiva e que todos talvez, 
um dia, tenham se feito é: qual é a causa do crime? Ou ainda: por que certas 
pessoas praticam crimes e outras não? Eis o grande eixo de rotação em torno 
do qual gravita toda a órbita de pensamento positivista. Essa pergunta, que, 
num primeiro momento, pode se afigurar ingênua, traz consigo toda uma 
carga simbólica de conteúdo implícito. Isso porque, a partir do momento em 
que se indaga “por que certas pessoas praticam crimes e outras não”, está se 
partindo do pressuposto de que o crime comporta uma investigação causal, 
empiricamente verificável. Portanto, o crime seria uma realidade ontológi-
ca perceptível pelos sentidos e estaria sujeito às mesmas regras da física a 
que se submetem os corpos celestes ou os objetos na Terra. Em suma, in-
dagar “por que certas pessoas praticam crimes e outras não” significa partir 
do pressuposto de que o crime esteja sujeito a uma lei física de causalidade 
mecânica que engendra o universo, que faz com que a Terra gire em torno 
do Sol ou que faz com que um determinado objeto se precipite ao chão, 
quando solto no espaço.
Mas, se o crime se sujeita a essas regras de causalidade mecânica que 
engendram o universo, então o crime é uma realidade empiricamente veri-
ficável por uma lógica dedutível e pertence à mesma categoria de objetos 
de qualquer outro corpo sólido. Assim, o crime seria uma realidade ontoló-
gica, constatável pelos sentidos, que se materializaria na concretude de um 
dado sólido, tangível pela realidade que está à nossa volta. O crime seria 
individualizável. Seria possível apontar o crime, indicar o crime. E mais do 
que isso, seria possível decompor o crime nas partículas elementares que o 
compõem, buscando a sua célula, o seu embrião, o seu átomo, a genética 
do delito, o cromossomo do delito. É exatamente aí que chegam os crimo-
nólogos positivistas: partindo da concepção de que o eixo de rotação da cri-
minologia é indagar por que razão certas pessoas cometem crimes e outras 
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não, os criminólogos positivistas chegam à conclusão de que o crime é uma 
realidade cromossômica, que pode ser observada sobre a lâmina de um mi-
croscópio. Assim, o crime é tido como uma doença e o criminoso seria um 
doente, que precisaria ser curado. Daí porque o criminoso, não raro, era sub-
metido a intervenções cirúrgicas, sob o pretexto de se curar o delinquente 
da “doença do crime”. É isso que os teóricos chamam de paradigma etiológi-
co, que busca uma investigação causal para o crime, como se o delito fosse 
uma realidade ontológica empiricamente verificável pelos sentidos. E o que 
é pior: se o crime é essa realidade biológica, que deve ser clinicada, então 
o seu estudo deve se situar no mundo do ser e não no mundo do dever ser 
– que, segundo o paradigma neokantista, são hemisférios hermeticamente 
incomunicáveis do saber humano. Justamente por isso é que o estudo da 
criminologia até um bom tempo atrás era relegado às faculdades de medi-
cina e não era feito nas faculdades de direito.
Em suma, o crime, segundo os positivistas, seria uma realidade biológi-
ca incrustada na compleição anatômica do criminoso. Assim, o delinquente 
poderia ser identificado mediante os traços de sua fisionomia, pelo tamanho 
de seu nariz, de suas orelhas, pela circunferência de sua cabeça, pela órbi- 
ta de seus olhos. Nesse sentido, Lombroso procede a uma minuciosa aná-
lise biológica dos criminosos, fazendo uma taxionomia dos delinquentes a 
partir de seus corpos. Lombroso (médico) andando em meio a um presídio 
(como se fosse um laboratório) fazia pesquisas com presos (como se fossem 
cobaias). Eis o eixo da criminologia positivista.
Escola Clássica
Embora a Escola Clássica seja historicamente anterior à Escola Positivista, 
para efeitos didáticos, muitos autores invertem a ordem de exposição, situ-
ando a Escola Clássica depois do estudo da Escola Positivista. 
Principal expoente
O principal expoente da Escola Clássica, sem dúvida, foi Cesare Beccaria. 
Com a publicação de sua obra Dos Delitos e Das Penas, Beccaria marcou deci-
sivamente a história da criminologia, como um divisor de águas.
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Transição (o antes)
Para efeitos didáticos, Michel Foucault faz uma interessante investiga-
ção mostrando como a Escola Clássica mudou o cenário histórico no qual se 
situa. Tudo girou em torno dos suplícios. 
Antes do incremento da Escola Clássica, os suplícios tinham uma impor-
tante função simbólica na execução da pena.
Características dos suplícios
Três eram as principais características dos suplícios medievais: primeiro, 
os suplícios não eram instantâneos, mas, ao contrário, se prolongavam quan-
titativamente no tempo, para que houvesse a possibilidade de uma contem-
plação reflexiva por parte dos expectadores; segundo, os suplícios não eram 
uma forma desenfreada e descontrolada de fazer sofrer, mas, ao contrário, 
eram aritmeticamente calculados de acordo com uma espécie de “código 
jurídico da dor”; e, terceiro, os suplícios ostentavam uma liturgia ritualística, 
uma teatralidade toda própria, com papéis e personagens bem definidos.
Funções dos suplícios
Três eram as funções dos suplícios: primeiro, tinham a função divina de an-
tecipar o julgamento final (se fossem prolongados, seriam aantessala do infer-
no; se o condenado não resistisse e morresse logo, seriam a penitência para o 
perdão); segundo, tinham a função política de reafirmar a soberania do Estado; 
e terceiro, tinham a função militar de subjugar o condenado a uma inferiorida-
de que servisse de exemplo para os demais que cogitassem afrontar o Estado.
Justificativas para o suplício
O Estado justificava os suplícios com base em dois argumentos: primeiro, 
que a repugnância não era do suplício em si, mas sim do crime que estava 
sendo punido; segundo, que o Estado devia mostrar sua soberania perante 
os inimigos que o afrontassem.
Tortura
A tortura era uma cerimônia milimetricamente programada de acordo 
com uma cerimônia litúrgica, para obter a confissão (a rainha das provas) do 
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réu. Assemelhava-se a um jogo: o réu ganha suportando a tortura; e perde 
confessando o crime. No jogo, o juiz-inquisidor, nesse caso, seria o adver-
sário do réu, que ganharia com a confissão e perderia com a resistência do 
acusado. 
A natureza jurídica da tortura medieval é híbrida: é meio de prova e 
também meio de pena. Isso porque, na Idade Média, o juízo de verdade não 
era dicotômico, mas graduável. O réu meio culpado era aquele que deixava 
alguns indícios capazes de gerar uma meia pena: a tortura. Por mais que ele 
fosse inocente, os indícios justificariam a tortura.
Transição (o depois)
Dois fatores foram decisivos para o declínio dos suplícios e o incremento 
da Escola Clássica: primeiro, que os suplícios, não raro, acabavam por inverter 
os papéis dos personagens, quando a massa que os assistia se apiedava do 
condenado e investia contra o próprio carrasco, transformando o “espetácu-
lo punitivo” numa desordem completa; segundo, que essa inversão de papéis 
acarretava o “medo político” desses rituais ambíguos, o que fez com que punir 
passasse a ser “vergonhoso”. Surge, daí, a necessidade, muito conveniente por 
sinal, de se “humanizar” as penas. Nascia a Escola Clássica, fortemente influen-
ciada pelos ideais iluministas. A humanização das penas, a mitigação do poder 
punitivo do Estado, tudo isso fez parte dos alicerces centrais da Escola Clássica. 
De qualquer modo, a Escola Clássica parte do pressuposto de que o crime é 
um fenômeno fático, circunscrito no tempo e no espaço, a violação à norma 
penal, independentemente de quem seja o seu autor.
A ideologia da defesa social
O feixe ideológico que é comum à Escola Clássica e à Escola Positivista 
pode se resumir em três grandes princípios: 
a legitimidade das instâncias oficiais do Estado em combate à crimina- �
lidade, o que mais tarde inspiraria o “direito penal do inimigo”; 
a dicotomização maniqueísta entre bons e maus, cidadãos e delin- �
quentes, mocinhos e bandidos; e 
o princípio da culpabilidade, segundo o qual o crime é reprovável não so- �
mente porque ofende normas jurídicas, mas porque viola valores sociais.
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Escola Psicanalítica
De acordo com a Escola Psicanalítica, o aparelho psíquico do ser humano 
é formado, basicamente, por dois elementos que convivem em permanente 
tensão: de um lado, o id libera as pulsões instintivas do homem; de outro lado, 
o superego reprime e censura essas pulsões. De acordo com a Escola Psicanalí-
tica, o crime nada mais seria do que a erupção irrefreável das pulsões reprimi-
das pelo superego. Daí a necessidade de a sociedade punir o crime: segundo 
Theodor Reik, nós temos a necessidade de punir o crime para reforçar o su-
perego no combate às pulsões que se veem momentaneamente “seduzidas”, 
por assim dizer, pelo fato criminoso; segundo Paul Reiwald, a sociedade pro-
jeta e transfere para o criminoso as frustrações e os recalques decorrentes das 
pulsões reprimidas e amotinadas na coletividade (teoria do bode expiatório). 
Com isso, historicamente, a Escola Psicanalítica consegue destruir os dois 
primeiros alicerces que inspiram a ideologia da defesa social.
Escola Estrutural-Funcionalista
De acordo com a Escola Estrutural-Funcionalista, o crime e o criminoso 
não são “diferentes”, nem “anormais”. Antes o contrário: são, o crime e o crimi-
noso, absolutamente normais e fazem parte do mecanismo que engendra o 
funcionamento da fisiologia social.
Segundo o sociólogo Émile Durkheim, o crime, longe de ser algo anormal 
e negativo, é um fenômeno normal e positivo à sociedade, essencialmente 
por duas razões: a primeira, porque o crime serve como o contraponto de 
antagonismo que serve para reforçar os valores sociais, na medida em que 
contraria a tábua de valores da sociedade; a segunda, porque o crime, muitas 
vezes, significa a alternativa para o avanço de uma sociedade, posto que uma 
sociedade sem crime é uma sociedade estática e engessada.
Segundo Merton, o crime é fruto do antagonismo entre fins culturais e 
meios institucionais. A todo momento, o homem pós-moderno é bombar-
deado com fins culturalmente exigidos pela sociedade. Padrões de compor-
tamento e estilos de vida são impostos como uma exigência inexorável ao 
homem pós-moderno. Ocorre que, ao se confrontar a realidade idealizada 
pela sociedade e o que efetivamente existe de concreto ao indivíduo, existe 
uma intolerável distância que afasta o indivíduo dos padrões exigidos pela 
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sociedade. Surge aí a anomia: a discrepância entre os fins culturais exigidos 
pela sociedade e os meios institucionais que o indivíduo tem para alcançar 
os fins. Diante da anomia, algumas reações são possíveis:
conformidade � – o indivíduo frustrado, responde positivamente tanto 
aos fins culturais quanto aos meios institucionais;
inovação � – o indivíduo inconformado, responde positivamente aos 
fins culturais, porém negativamente aos meios institucionais;
ritualismo � – o indivíduo resignado, responde negativamente aos fins 
culturais e positivamente aos meios institucionais;
apatia � – o indivíduo apático, nega tanto os fins culturais, quanto os 
meios institucionais;
rebelião � – o indivíduo rebelde, elege para si fins alternativos a serem 
alcançados mediante meios igualmente alternativos.
Segundo Merton, o comportamento criminoso equivaleria à inovação, 
diante da anomia, embora também não seja de se descartar que, em alguns 
casos, a rebelião também pode corresponder à conduta delinquente.
De qualquer sorte, com a Escola Estrutural Funcionalista, cai por terra, 
finalmente, o terceiro paradigma da ideologia da defesa social: ao se afir-
mar que o crime é um fenômeno absolutamente normal na sociedade, não 
há mais que se falar em culpabilidade como instrumento de reprovação de 
quem viola os valores sociais.
Escola da Socialização Defeituosa
A Escola da Socialização Defeituosa tem, como enunciado geral, o deslo-
camento dos fatores do crime. O crime, a partir dessa nova concepção, não é 
mais explicado a partir de fatores puramente endógenos ao criminoso, mas 
sobretudo a partir de fatores também exógenos ao delinquente. A origem 
do crime não está mais dentro do indivíduo, mas sim fora dele. O crime, por-
tanto, é uma realidade que é introjetada no indivíduo, que recebe os influ-
xos sociais do meio no qual ele se insere. O criminoso, portanto, é resultado 
de um processo de introjeção do crime que, por sua vez, decorre de uma 
“aprendizagem”.
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Teoria do broken home
O primeiro desdobramento da Escola da Socialização Defeituosa é a teoria 
dos lares destruídos (teoria do broken home). Pesquisas estatísticas feitascom 
grupos de jovens mostraram uma relação muito íntima entre famílias desestru-
turadas e inclinações criminógenas. Embora careça de um suporte teórico mais 
aprofundado, a teoria dos lares destruídos mostrou empiricamente que existe 
uma inegável sinonímia entre o seio familiar do indivíduo e a sua inclinação (ou 
não) para o desvio. Hassemer, porém, suspeita se “a família não é mais vítima e 
veículo de condições fomentadoras da criminalidade do que o motivo”. 
Teoria dos contatos diferenciais
Segundo a teoria dos contatos diferenciais, o crime seria fruto de um pro-
cesso de aprendizagem. Da mesma forma como se ensina a virtude, assim 
também o vício é decorrência de um processo de ensinamento. Tudo depen-
de do contexto no qual o indivíduo se insere e dos contatos que ele tem no 
decorrer de sua vida. Assim, o crime seria fruto dos contatos diferenciais que 
o agente tem ao longo de sua vida: se os contatos com a criminalidade forem 
(a) intensos, (b) duradouros, (c) frequentes, e (d) precoces, há uma grande 
probabilidade de o indivíduo se tornar um criminoso.
Teoria das subculturas de grupos
Numa sociedade plural, não existe uma única pauta de valores. Ao contrá-
rio: cada subcultura de grupo é axiologicamente orientada de acordo com 
uma pauta de valores própria. Conforme se muda o grupo, no tempo e no 
espaço, muitas vezes, muda-se também a pauta de valores perseguida pelos 
indivíduos. Ocorre que o legislador, no momento de criminalizar certas con-
dutas, elege para si uma única pauta de valores como se fosse a única pauta 
de valores da sociedade. Não é. Trata-se apenas da pauta de valores “oficial”. 
Diante dessa constatação, o criminoso, muitas vezes, é apenas o indivíduo 
que se comporta de acordo com uma pauta de valores paralela à “oficial”.
Escola do Labeling Approuch
A Escola do Labeling Approuch promove uma revolução copernicana na his-
toriografia da Criminologia. O crime, aqui, deixa de ser uma realidade ontológica 
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empiricamente verificável, como supunha o paradigma etiológico. Na verdade, 
a Escola do Labeling Approuch mostra que o crime não passa de uma convenção 
discursiva, que seleciona determinadas condutas para serem alçadas à condi-
ção de condutas criminosas. Mas, não que essas condutas sejam naturalistica-
mente criminosas, como uma realidade preconcebida, a priori. Ao contrário: elas 
passam a ser criminosas a partir do momento em que sofrem o processo de eti-
quetamento. A partir daí, uma conduta que, até então, era considerada normal, 
passa a ser criminosa, porque foi selecionada para tanto. O crime, portanto, é 
fruto de um processo de atribuição qualificadora de um rótulo. Nesse contexto, 
três ideias são de fundamental importância. Vejamos:
Interacionismo simbólico
A primeira ideia reside no interacionismo simbólico. Trata-se da mudança 
da autoimagem que o indivíduo tem de si próprio. Instintivamente, a natureza 
humana se inclina a fazer com que ninguém se considere criminoso. Todavia, 
o processo de estigmatização inerente à criminalização das condutas faz com 
que o indivíduo introjete o crime de uma tal maneira que passe a se considerar 
criminoso. Ele assume o papel de criminoso. Depois de ser bombardeado com 
a interação simbólica, o indivíduo, já resignado, se rende e, finalmente, assume 
o papel: ok, se é isto que o sistema quer, sou um criminoso.
Agências estigmatizantes
A segunda ideia inerente à Escola do Labeling Approuch mostra que o sis-
tema criminal é apenas uma das agências estigmatizantes da sociedade. Na 
verdade, o processo de estigmatização se inicia desde a família, passando 
pela escola, até chegar no mercado de trabalho e, finalmente, culminar na 
prisão. Existe, portanto, uma “carreira criminosa” que se principia na famí-
lia que sempre rotula um de seus membros como a “ovelha negra”, passan-
do pela escola que sempre faz atribuições simbólicas, até que, finalmente, 
quando o indivíduo passa pelas engrenagens do mecanismo criminal, então, 
sua carreira está consagrada: ele recebe a diplomação de criminoso!
Superação do paradigma neokantista
A terceira ideia intrínseca ao Labeling Approuch demonstra que o crime é 
fruto de um processo de atribuição, de etiquetamento. Não é uma realidade 
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ontológica preconcebida, mas sim fruto de uma convenção discursiva. Essa 
constatação bem revela que o crime não se situa no hemisfério do ser, das 
ciências naturais, como supunham os positivistas, mas sim no hemisfério do 
dever ser, das ciências culturais. Aliás, essa dicotomia neokantista entre “ser” 
e “dever ser”, entre “natureza” e “cultura” é rompida, com a Escola do Labe-
ling Approuch, principalmente, depois dos enunciados da Escola de Baden e 
da Escola de Marburgo, que mostraram que ser e dever ser não se repelem, 
mas, antes se interagem. Assim, a criminologia que, antes, ficava restrita às 
investigações biológicas, é resgatada para as faculdades de direito e para as 
ciências culturais.
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