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TEXTO 1 Wallerstein

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TEXTO 1 - Wallerstein
O que Wallerstein quer dizer com a sua proposição de que a Índia (assim como o Paquistão, a Inglaterra, o Brasil ou a China) foi inventada pelo sistema-mundo? Para o autor
“O funcionamento da economia-mundo capitalista tem como premissa a existência de uma superestrutura política de Estados soberanos ligados num, e legitimados por um, sistema interestatal. Como nem sempre existiu, essa foi uma estrutura que teve que ser construída. O processo de sua construção tem sido contínuo sob inúmeros aspectos. A estrutura foi criada de início num único segmento do globo, primordialmente a Europa mais ou menos no período que vai de 1497 a 1648. Passou então por expansões esporádicas, incorporando uma zona geográfica sempre mais ampla. Esse processo, que poderíamos chamar de ‘incorporação’ de novas zonas à economia-mundo capitalista, envolveu a reformulação de fronteiras e estruturas políticas nas zonas incorporadas e a criação, em seu âmbito, de ‘Estados soberanos.
Veja que Wallerstein situa a criação do Estado soberano da Índia, como de qualquer outro Estado, como um fenômeno que se passa no interior de outro mais amplo, a construção e a expansão de um sistema-mundo. Ele não aceita a ideia de considerar os Estados como uma unidade de análise para as ciências sociais e políticas. Ou seja, para ele, não se pode compreender a construção de um Estado como a Índia ou o Brasil, remetendo-se exclusivamente à aspectos da vida social que supostamente transcorre no interior deste Estado, ou da sociedade nacional que vive em seu território, ou da economia nacional (a produção no âmbito deste território). Os Estados e sua construção devem ser pensados no interior de uma entidade maior, o sistema-mundo, que seria, para este autor, a unidade básica de análise, ou seja, o ente no qual a vida social ocorre. Assim, antes de pensar quais seriam as especificidades da Índia, Wallerstein propõe pensar a especificidade desse nosso sistema-mundo, que nasceu em parte da Europa, e que se expandiu para abarcar hoje todo o território no planeta. Estados, nesta perspectiva, não nasceram sozinhos, mas como parte integrante de um sistema profundamente hierarquizado de Estados e candidatos a Estados.
As ideias de Wallerstein nos convidam a um olhar mais abrangente, mais atento a dimensões territoriais e temporais mais largas. Se o mundo hoje está cheio de Estados soberanos, estes se dispõem hierarquicamente em um amplo e sofisticado sistema de relações interestatais, que talvez sirva de base para a dinâmica da economia-capitalista. Ao falar que os estados dispõem-se hierarquicamente, o que se quer ressaltar que neste sistema-mundo, as relações econômicas, políticas e culturais entre Estados/nações/países é profundamente desigual. Para Wallerstein, há países centrais, que de certa forma delimitam a ordem econômica, militar e política do sistema, e países periféricos, que de certa forma orbitam em torno daqueles Estados centrais. O desenvolvimento dos Estados periféricos se fez a partir da dinâmica de expansão do sistema-mundo. Em outros termos, a Índia (como o Brasil ou a China) só existe enquanto parte deste sistema-mundo.
Por sua vez, o atual sistema-mundo é apenas um dos chamados sistemas históricos, que para o autor, seriam os sistemas históricos nos quais a vida social transcorre. Os sistemas históricos tem uma fronteira, nas quais “o sistema e as pessoas são regularmente reproduzidos por meio de algum tipo de divisão contínua do trabalho.” (Wallerstein, 1999, p.459).
Wallerstein reconhecerá vários sistemas-históricos. Ele desenvolveu uma tipologia, ou modos, como uma hipótese, para melhor apreender estes diferentes sistemas históricos e suas lógicas de funcionamento. Diz o autor:
“Sustento que, empiricamente, houve três desses modos. Os ‘minissistemas’, assim chamados porque são espacialmente pequenos e, com toda a probabilidade, relativamente breves no tempo (uma duração de cerca de seis gerações), são altamente homogêneos em termos de estruturas culturais e de governo. A lógica básica é a da ‘reciprocidade’ nas trocas. Os ‘impérios mundiais’ são vastas estruturas políticas (pelo menos no ápice do processo de expansão e contração que parece ser o destino de todos eles) e abarcam uma ampla variedade de padrões ‘culturais’. A lógica básica do sistema é a extração de tributo daqueles que de outra forma são produtores diretos localmente auto-administrados (sobretudo rurais), que é passado para o centro e redistribuído entre uma fina mais crucial rede de funcionários. As ‘economias-mundo’ são vastas e desiguais cadeias de estruturas de produção, dissecadas por múltiplas estruturas políticas. A lógica básica é que o excedente acumulado é distribuído desigualmente em favor daqueles que são capazes de realizar vários monopólios temporários nas redes de mercado. É uma lógica ‘capitalista’” (Wallerstein, 1999, p.459-460).
Portanto, para o autor, o atual sistema-mundo é um sistema histórico do tipo economia-mundo que nasceu na Europa a cerca de cinco séculos atrás, e que poderá desaparecer, como outros sistemas históricos o fizeram (por exemplo, o Império Romano, que era do tipo império mundial).
Para nós, o convite de Wallerstein é o de atentar para as interrelações entre Estados, países, nações e economias nacionais, não perdendo de vista que a soberania é sempre delimitada no âmbito do sistema-mundo.

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