SANÇÕES SOCIAIS E DIREITO PRIMITIVO SEMINÁRIO

Prévia do material em texto

SANÇÕES SOCIAIS E DIREITO PRIMITIVO
RECIFE/PE 
2018
Andréa Maria de Souza Sencades
José Jorge Maciel de Lira
Kátia Dreide de Sousa Costa
Lucas Alexandre Domingos
Texto referente ao seminário apresentado como requisito parcial da 1ª avaliação da disciplina Sociologia e Antropologia Jurídica, ministrada pelo professor Deyglis Fragoso no primeiro período do curso de Direito desta instituição.
RECIFE
2018
SANÇÕES SOCIAIS E DIREITO PRIMITIVO
Em seu livro “Estrutura e Função na Sociedade Primitiva” (Editora Vozes, 1973), Radcliffe - Brown fala sobre os modos de conduta de uma comunidade, denominados costumes. Todos os costumes sociais teriam a autoridade da sociedade, mas alguns deles são sancionados e outros não. A sanção é uma reação por parte da sociedade, ou grande parte dela, a um modo de conduta que é mediante ela sancionado (sanções positivas) ou desaprovado (sanções negativas) e estas podem ser difusas (espontâneas de aprovação e reprovação) ou organizadas (executadas de acordo com algum procedimento tradicional reconhecido). Chama a atenção para o fato das sanções negativas serem mais definidas que as positivas. As obrigações sociais podem ser definidas como normas de conduta cuja falta de cumprimento acarretam sanções negativas e, por consequente, se distinguem dos costumes sociais não obrigatórios. As sanções impostas acabam por regular a conduta dos indivíduos em conformidade com os costumes e são eficazes pelo desejo de aprovação, de receber recompensas e evitar castigos, avaliação da própria conduta, entre outros.
SANÇÕES NEGATIVAS/POSITIVAS DIFUSAS
Toda a sociedade ou cultura tem seus próprios meios de julgar a conduta e esta pode ser estudada, inicialmente, através do vocabulário. Ao tempo em que afirma que, até que se proceda ao estudo comparado das sociedades de diferentes tipos não será possível uma classificação dos tipos de sanções negativas (ruins/punitivas) difusas, o autor define de forma provisória os tipos de sanções negativas difusas:
Moral Negativa ou Sanção Ética - pode ser definida como reação de reprovação pela comunidade para com alguém cuja postura é reprovada;
Sanção Satírica – A conduta do indivíduo se depara com o ridículo por parte dos demais.
Sanções religiosas (sobrenaturais e místicas) – constituem-se através das crenças no meio de uma comunidade religiosa. Além de abranger a relação do indivíduo e dos grupos com a igreja, diz respeito a um poder mais elevado. Envolve a relação do homem com a divindade, deuses e espíritos, e referem-se ao destino depois da morte. Certas ações praticadas pelo indivíduo produzem modificações em sua condição religiosa no sentido desejável (bom) e indesejado (mau). O pecado seria um tipo de sanção religiosa negativa, enquanto que o arrependimento, o sacrifício, a penitência, seriam tipos de sanções religiosas positivas. 
As sanções positivas (boas) seriam menos definidas que as negativas, portanto, mais difíceis ainda de classificar. As sanções organizadas devem ser consideradas como evolução especial das sanções difusas. As sanções positivas organizadas, ou sanções recompensadoras (honraria, títulos, condecorações, etc.) raramente se desenvolvem em grande grau e são características das sociedades modernas.
As sanções negativas organizadas, de suma importância e entre as quais estão as sanções penais do direito criminal, são os procedimentos definidos contra pessoas cuja conduta é passível de desaprovação social. Podemos citar alguns exemplos de punições aplicadas ao longo da história: Exposição pública amarrando o réu em troncos, exclusão parcial, permanente ou temporária da participação da vida social, perda temporária o permanente de direitos civis ou religiosos, condenação à morte, entre muitos outros. Essas sanções seriam legais quando impostas por autoridade constituída, seja política, militar ou eclesiástica.
As sanções primárias constituem um todo mais ou menos sistemático que vem a ser o instrumento de controle social. Vale salientar que existe íntima relação entre as sanções religiosas e as morais.
As sanções primárias do direito criminal, em todas as sociedades antigas, mostram íntima conexão com as crenças religiosas. Existem ainda as sanções secundárias, que são aquelas das pessoas ou grupos sobre outras pessoas ou grupos e que se baseiam no princípio geral segundo o qual a pessoa que tenha sofrido dano tem direito a compensação proporcional à extensão do dano.
A sanção social primitiva seria a imposição do cumprimento da norma, enquanto que a secundária seria a reparação, além do objeto, pelo não cumprimento da obrigação (danos morais, materiais, etc.). As compensações podem ser através de retaliações (olho por olho, dente por dente) ou através de indenização. A indenização é algo de valor dado a uma pessoa ou grupo, no intuito de proporcionar ou receber reparação por quebra de direitos.
A partir do momento em que a sociedade se torna politicamente organizada, os processos de retaliação e indenização, dão lugar às sanções legais estribadas no poder das autoridades judiciárias de proporcionar o castigo. Surge assim o Direito Civil, pelo qual a pessoa que tenha sofrido quebra de seus direitos pode obter a reparação ou restituição da pessoa responsável. 
O DIREITO PRIMITIVO
O capitulo anterior nos mostra como a sociedade primitiva evolui, na medida em que se organiza e forma suas normas e condutas. Faremos aqui uma extensão do direito com as sanções legais organizadas, conforme propõe o autor.  
Embora os costumes tenham como base as sanções, há sociedades com obrigações impostas ao individuo, sendo assim denominadas sociedades simples que não têm direito, mas tem obrigações que são vistas como costumes e convenções.
Há uma visível confusão na aplicabilidade do direito nas sociedades atrasadas, uma grande dificuldade de se distinguir o que seriam os delitos públicos e delitos privados. Ao infringir uma norma e conduta estabelecida pela sociedade, o indivíduo responderia a esta de forma pública, através da denominada sanção penal, pois qualquer infração às normas impostas por uma sociedade a outro (ou a um grupo de) indivíduo (s), e que contrariasse a moral, era passível de julgamento e punição. O principal objetivo dessa reação seria dar exemplo, para que todos os indivíduos por medo, não viessem a enfrentar as lideranças e com isso manter o controle social.
O autor afirma ainda, que pouco se sabe a respeito das sanções penais nas sociedades atrasadas, porém, há alguns exemplos de sanções passíveis de punições públicas: o casamento ou relações sexuais com pessoas com quem eram proibidas tais relações (incesto, adultério, etc.); bruxaria, ou magia maléfica, praticada por uma pessoa contra outra dentro dessa comunidade, ou a quebra reiterada de costumes tribais e as várias formas de sacrilégios. Os indivíduos estavam em constante julgamento, a sanção era definida quase sempre ou exclusivamente por suas ações; qualquer ação que fosse contrária aos costumes tratados como sagrados pela comunidade, seria punido de forma especial com rituais (sanção ritual). A sociedade atrasada acreditava que um indivíduo que agisse de forma a infringir os costumes sagrados, estava impuro, contaminado e que necessitava de uma punição específica, para que não contaminasse toda a comunidade. Desta forma, sentenciavam as pessoas culpadas à morte a fim de purificar toda a sociedade.
Nos processos de dano, uma pessoa comum que tivesse seus direitos infringidos, de alguma forma, poderia recorrer à autoridade judicial constituída, que nomeava um responsável ou uma comissão e ordenava a devida reparação dos direitos do queixoso. Esta reparação é chamada de sanção restitutiva. O direito privado nas sociedades atrasadas corresponde ao direito civil nos tempos atuais, contudo, há diferenças importantes. No direito civil moderno as ações que caem sob este, são as que causam prejuízos, mas não estão sujeitas a reprovação, ou seja, a sançãopode causar prejuízo ao réu com uma sanção civil expressa mediante pagamento, não a torna especificamente punitiva.
Nas sociedades atrasadas eram considerados delitos privados aqueles que atentassem contra a vida, contra o patrimônio material, contra a honra e o não pagamento de dívidas e a punição seria reprovação moral e atos antissociais.  Sendo assim a sanção é tanto restitutiva como repreensiva, compensando o ofendido e punindo o ofensor. O direito privado em sua forma básica é uma forma de controle social preventivo e atenuante aos conflitos no seio da sociedade.
As diferenças entre delito público e delito privado nos mostra que o direito não possui uma origem única.
A ação cometida por parte de um membro comunitário e que infrinja o sentimento moral da comunidade seria passível de três sanções:
Sanção moral geral ou difusa - que expõe o réu sujeito à reprovação dos seus iguais;
Sanção ritual - que causa ao culpado uma condição de impureza ritual, sendo ele um perigo para si e para os demais membros dessa comunidade. Nesse caso, deveria ser submetido a ritual de purificação (expiação) ou até ser isolado do grupo, esperando que adoeça e morra sem auxílio algum.
Sanção penal - pela qual, pessoas na qualidade de autoridades judiciais constituídas, fazem julgamento e determinam sentenças, representando a expressão coletiva da indignação moral.
No entanto, haviam várias comunidades com diferentes costumes, normas e condutas. A quebra dessas normas e condutas por um indivíduo ou grupo a outra pessoa ou outro grupo, podiam levar à retaliação por parte do ofendido contra a pessoa ou grupo responsável pela ofensa.  O reconhecimento por parte da comunidade de atos retaliatórios geraram várias sanções retaliatórias. Foi criada uma instituição mediadora de conflitos entre as comunidades, incluindo a isto as dívidas de guerra, denominada de Corpo de Costumes, e era equivalente ao direito internacional das nações modernas. Várias formas de sanções retaliatórias foram implantadas nas sociedades por haver inúmeros conflitos entre as comunidades, sendo criada até uma instituição de vingança organizada e regulamentada para tratar exclusivamente de tais delitos. A Lex talionis (Lei de Talião) regulou por muito tempo o ato retaliatório, que impunha ao causador do dano, sofrer pelo mesmo dano que causou, (Olho por olho. dente por dente). 
A sanção retaliatória esteve em várias situações de conflito no direito privado. No direito de uma pessoa ofendida por outra desafiar seu ofensor para um duelo, por exemplo. Em algumas tribos havia autoridade dos mais velhos para mediar os conflitos no delito privado. Segundo Radcliffe, em todos os casos de sanções retaliatórias há um processo consuetudinário, ou seja, uma avaliação dos costumes e hábitos das comunidades, para que seja justo à comunidade e ao coletivo, que haja uma reparação à pessoa ou grupo ofendido e este é um processo ininterrupto, se desenvolve até que todos os envolvidos tenham seus sentimentos de injúria e ressentimento eliminados. Há também um processo de substituição de penas por indenizações que satisfaçam a (s) pessoa (s) ofendida (s) através de ganhos e valores. O autor ressalta que ainda existem comunidades sem regras de direito público e que resolvem, através de seus costumes, os conflitos com indenizações. Eles pregam que depois de acertada a indenização, não há mais que haver ressentimentos entre as partes. Cabe saber que tais comunidades não possuem autoridades judiciárias. É nomeado um mediador que não seja representante de nenhum dos grupos das partes litigantes e todo o julgamento é baseado nos costumes e funciona até que se encontre um meio termo para um acordo. Trata-se de um sistema organizado de justiça, não constituindo, no entanto, um sistema de direito no sentido estrito do termo, uma vez que não há autoridade judiciária. É um grande passo para a formação de um sistema legal, uma vez que já estabelecem as figuras dos árbitros ou juízes, já se ouvem as partes e as decisões são baseadas nos costumes (leis sociais), restando às autoridades avalizar os julgamentos proferidos pelos juízes. Resta claro que os primeiros sistemas legais surgiram para tratar os delitos privados que exorbitavam a competência dos mais velhos de algumas comunidades.
Demonstra que, enquanto em algumas sociedades os delitos privados eram/são exercidos e julgados pelos mais velhos, os chefes de família/líderes de grupos, em outras o sistema é mais organizado ao julgar um delito público através de rituais religiosos. Neste caso, o sagrado, sobrenatural (deuses) devem ser venerados e jamais ofendidos, sob pena de expiar suas transgressões, a fim de ser purificado e toda a comunidade não sofra pela infração. Cabe ao chefe ou rei julgar os transgressores da lei em delito público, os delitos privados são igualmente julgados e resolvidos por líderes de família ou chefes de grupos.
Diante disto, vimos que há sociedades que se ocupam do delito público, outras que se ocupam do delito privado, contudo, o autor afirma que existem sociedades que administram ambos os delitos, quando estas são chefiadas por autoridades centrais, que se diferenciam por seus costumes e adotam diferentes processos. O autor menciona, ainda, que existem sociedades nas quais alguns atos caracterizados pela maioria das sociedades como delitos públicos, são considerados delitos privados, tais como roubo, assassinato, ao passo que essas sociedades consideram como delitos públicos; feitiçaria, incesto e o sacrilégio. 
Podemos concluir que a busca constante dos grupos em manter a ordem, a conduta e respeito aos costumes, foi adaptando e formando um sistema de regras que fosse conveniente à sobrevivência do coletivo, usando a força e tentando de forma “justa” manter forte suas comunidades. Estas buscas deram o mote para o surgimento do direito criminal e civil moderno. A interligação do direito com a magia e a religião; as sanções legais com as sanções rituais trazem uma breve compreensão de como os indivíduos se alinharam para firmar uma comunidade organizada e forte. Em sua conclusão, o autor afirma que só se pode obter pleno entendimento do direito nas sociedades atrasadas mediante estudo comparado de sistemas inteiros de sanções sociais e é notório que ainda há muito que se entender sobre a sociedade. 
REFERÊNCIAS
Radcliffe – Brown, Alfred Reginald. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Petrópolis. Editora Vozes.1973