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A filosofia segundo pascal

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A CONDIÇÃO HUMANA, SEGUNDO BLAISE PASCAL 
Rodrigo da Silva Santos* 
 
RESUMO 
Este artigo pretende questionar a existência humana sob a perspectiva de Blaise Pascal. O homem, 
segundo ele, se constitui em constante paradoxo: ser em grandeza por sua capacidade racional e 
dimensão de fé; mas também, ser mísero, limitado em suas capacidades, por existir em pecado e 
impossibilitado de escapar sozinho desta condição. Uma tentativa de superação dessa situação 
encontra-se na fé cristã, em que o homem crê na possibilidade de ter sido resgatado por Deus. Este 
trabalho pretende definir as maiores grandezas humanas: a capacidade racional e a dimensão da fé 
enquanto qualidade e possibilidade de compreensão do mundo e do homem em sua totalidade, para, 
então, delinear os limites humanos para o conhecimento do Universo, suas insuficiências e a 
existência em pecado. Por fim, a tentativa de conciliação destas duas dimensões – grandeza e 
miséria – através da fé cristã, caminho este indispensável para uma integração total do ser humano. 
Palavras-chave: Existência. Fé. Grandeza. Miséria. Razão. Religião. Ser humano. 
 
INTRODUÇÃO 
Blaise Pascal (1623-1662) desenvolveu uma influente leitura da condição 
humana que, até hoje, é destacada entre os estudiosos deste campo, seja por 
filósofos, teólogos ou outros pensadores. Isto ocorre, principalmente, pela tentativa 
de Pascal conciliar dois aspectos que, a partir dos inícios da Modernidade, estarão 
em constante conflito: fé e razão. Nesta tensão, existente entre estas duas 
perspectivas, o homem desenvolve um outro conflito existencial: sua condição se 
constitui entre grandeza e miséria que, longe de se excluírem, acabam por definirem 
o modo de ser do homem. Neste sentido, este artigo pretende, de maneira objetiva, 
apresentar a visão pascaliana sobre a existência humana, seus paradoxos e 
possibilidades de integração total de seu ser. 
 
RAZÃO: MAIOR GRANDEZA HUMANA 
Pascal considera a natureza do homem realmente digna somente em 
conseqüência de suas grandezas naturais, ou seja, qualidades que independem de 
qualquer instituição externa, seja da sociedade como um todo, seja das pessoas 
próximas: 
As grandezas naturais são as que não dependem do capricho dos homens, 
porque consistem em qualidades reais e efetivas da alma ou do corpo, e 
este ou aquela tornam mais estimável (como ocorre com as ciências) a luz 
da inteligência, a virtude, a saúde, a força (PASCAL apud ATALI, 2003, p. 
52). 
Neste sentido, ele destitui do status de grandeza as posses, bens, diplomas, 
 
* Graduando em Filosofia pela UNIFAE – Centro Universitário Franciscano do Paraná. 
 2
nobreza, ou seja, grandezas consideradas popularmente, mas que nada 
acrescentam à natureza do homem uma dignidade verdadeira. Para Blaise Pascal, 
estas grandezas, as grandezas de posição, não passam de um engodo – negam ao 
homem uma visão real de si mesmo, promovendo uma ilusão de felicidade que 
substitui uma realidade que, talvez, ele não deseja ter de si mesmo: “As grandezas 
de posição dependem da vontade dos homens, que acreditaram com razão dever 
honrar certas condições sociais e atribuir-lhes certa respeitabilidade. As dignidades e 
a nobreza são desse gênero” (PASCAL apud ATTALI, 2003, p. 52). 
Pascal garante ao homem uma condição de grandeza entre os seres no 
mundo. A maior qualidade do homem, segundo o pensador, é ser possuidor de 
razão. A razão é, assim, a maior grandeza natural, uma característica que, por si só, 
já o distingue dos demais seres, elevando-o sobre estes em dignidade (fr. 146). 
A razão (como entendida pelo filósofo) assume o sentido de referencial para 
o homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou investigação. O 
ideal do conhecimento científico, e proposta máxima da Modernidade, se constituiu 
por, através da razão, ser possível conhecer e dominar a realidade que cerca o 
homem, fato este impossível a qualquer outro ser vivo. A partir da razão, também o 
ser humano pretende se autoconhecer, confirmando, assim, sua autoconcepção de 
elevada dignidade, mesmo que mais frágil que a natureza que o cerca, como se 
entende na analogia do “caniço pensante” (fr. 347). 
O homem pode ser finito, frágil diante de um mundo que pode se mostrar 
hostil e maior que ele próprio. O homem pode, sim, morrer, mas ele saberá que 
morre. 
E, para Pascal, o processo de conhecimento ocorre por dois modos 
distintos: através dos célebres “espírito de geometria” e “espírito de finesse”. É a 
partir deste segundo espírito que se torna evidente a condição singular deste 
pensador em seu contexto histórico; quando muitos procuram a supervalorização 
racional, ele se nega a limitar o homem apenas a esta realidade. O homem é, assim, 
capaz de conhecer também através do coração (fr. 277), e este saber não se 
comunica com a razão (fr. 282), pois tem um modo próprio. 
Neste aspecto, Pascal alia o coração ao espírito de finesse, que se 
contrapõe ao ritmo racional do espírito de geometria: “O ‘domínio do coração’ 
recobre todos os que não dependem da razão raciocinante: do lado da fé e do 
espírito de finesse, ver-se-á a consciência moral, o gosto estético, o sentimento pelo 
 3
qual são dados os princípios da geometria” (GASTON, 2005, p. 107). 
O espírito de finesse (fr. 1) é direto, alcança respostas sem grandes 
dificuldades, sem regras – e, justamente por esta ausência metodológica, não pode 
ser tomado como infalível. Por trabalhar com princípios de uso comum aos olhos do 
mundo, mas que, por outro lado, são sutis e incontáveis, este espírito pode, mais 
facilmente, incorrer em erros. Por exemplo, coragem e insensatez são muito 
próximas em sua constituição, diferindo-se na motivação da pessoa que as possui, 
e, aos olhos de terceiros, uma pode ser tomada por outra facilmente. O espírito de 
finesse não é capaz de perceber todas as nuances e detalhes dos objetos 
estudados por não serem estes tão claros e certos como os do espírito de 
geometria, facilitando, assim, o surgimento destes erros. Seus princípios seriam 
mais intuídos do que vistos. 
Já o espírito de geometria (fr. 1) percorre as leis lógicas para chegar ao 
conhecimento racional, matemático (como, por exemplo, noções de espaço, tempo, 
movimento, números...). Este espírito estuda objetos bem delimitados e definidos. 
Seus princípios são palpáveis, mas afastados do uso comum; de maneira que, por 
falta de hábito, custa ao homem voltar-se a eles para estudá-los. Mas, quando o 
homem se dedica a este estudo percebe que seus princípios são tão claros, que 
dificultam o aparecimento de erros em suas conclusões. No espírito de geometria, o 
homem compreende um grande número de princípios sem os confundir, 
demonstrando uma amplitude de espírito. 
Segundo Pascal, a possibilidade de racionalizar a realidade é o maior trunfo 
do homem que, levado por sua curiosidade, quer compreender a natureza que o 
rodeia. A questão é que, para o filósofo, a natureza é um caos aos olhos do homem, 
pois ele é capaz apenas de entrever algumas normas, nada muito claro, como 
infinitos que rodeiam o mundo criado: 
Pascal, ao contrário, acha que o mundo é um caos por decifrar, um código a 
desvendar. Entendeu [que] existem leis dessa desordem, leis do acaso, e 
que estas nem sempre são lógicas, mas que é possível abordá-las 
estudando um grande número de casos. Pois compreendeu que há uma 
ordem no caos do acaso. [...] Compreendeu que o cálculo das 
probabilidades é o cálculo das ocorrências de um acontecimento particular 
sobre um número infinito de casos. Daí conclui que existe um elo entre o 
acaso e o infinito (ATALI, 2003, p. 147). 
Esta visão do infinito irá guiar o pensamento de Pascal em todos os campos 
de seus estudose será a fonte norteadora, principalmente, de sua antropologia: o 
homem que, em seu autoconhecer-se, descobre-se entre infinitos. Um processo 
 4
necessário, que define o modo de ser e viver do próprio homem (fr. 66), mas que 
nunca pode ser completado, porque muito podemos conhecer de nós mesmos (fr. 
175). Talvez fosse possível dizer que Pascal não foi tomado pelo “delírio” de que o 
homem possa ser objeto de qualquer “espírito”, seja de geometria ou finesse, pois, 
segundo Pondé (2005, p. 19) nenhum destes examina completamente o drama da 
existência humana, pois, para Pascal, o homem se constitui também a partir da 
dimensão da fé. 
A dignidade e grandeza do homem se definem, também, por ele ser o único 
que pode possuir uma visão religiosa sobre o mundo, conferindo a existência da 
criação a um Ser não sensível, ou seja, para além deste mundo; além disso, o 
homem define o mundo e a forma dele mesmo viver sua vida, pois a questão 
essencial da existência do homem, que se forma no processo do autoconhecimento, 
seria aquela de onde encontrar a felicidade plena, e se seria possível para ele 
encontrá-la. 
Pascal faz a leitura do homem como totalmente voltado para este Deus 
criador, mesmo que o homem não O reconheça, ou não chegue a pensar a este 
respeito. Afirma ainda que, para dar este passo, é necessária ao homem a revelação 
do Sobrenatural ao seu coração. Este fato ele deixa claro em uma de suas cartas, 
escrita à sua irmã Gilberte, publicada nas Œuvres Complètes: 
Não é que não seja possível lembrar ou reter com a mesma facilidade uma 
epístola de são Paulo e um livro de Virgílio; mas os conhecimentos que 
adquirimos desse modo e sua continuidade não passam de efeito da 
memória, ao passo que para neles ouvir a linguagem secreta e estranha 
àqueles que são estranhos ao Céu, é preciso que a mesma graça, a única 
que pode nos dar o primeiro entendimento dessas coisas, lhe dê 
continuidade e o torne presente (PASCAL apud ATTALI, 2003, p. 107). 
A religião cristã exige do homem algo totalmente oposto à sua natureza: 
rebaixar-se, aniquilar-se, para que se reconheça limitado, finito. Ao homem, 
possuidor de amor-próprio, que se vangloria de ser grande em status social, detentor 
de grandes riquezas materiais e virtudes, a religião lhe contesta estas glórias e 
aponta para o fato de que ele só será realmente grande quando reconhecer que de 
nada valem estas “grandezas” mundanas. 
Aqui, então, Pascal começa a apontar para uma outra realidade da condição 
humana que, longe de negar esta que foi primeiramente apresentada, ou seja, a 
grandeza humana, irá se opor a ela: a condição de miséria e finitude do homem. 
 
 5
FINITUDE E MISÉRIA: REALIDADE DA EXISTÊNCIA HUMANA 
Para Pascal, a natureza do homem já é miserável independente de qualquer 
ação, pois se baseia no princípio teológico da queda adâmica e dependência 
necessária de Deus. O homem é algo inconcebível em meio a um universo infinito, 
incompreensível. Estar neste campo do desconhecido sem nenhum porto seguro é a 
situação de miséria do homem. 
Se pela razão o homem acreditava ser capaz de tudo conhecer, agora ele se 
encontra em meio a Infinitos (fr. 72) entre os quais ele é nada, e encontra-se incapaz 
de alcançá-los. Segundo Pascal, apesar do homem poder estender suas 
capacidades de compreender à natureza em seus diversos aspectos, ele acabará 
por esbarrar em limites próprios de sua razão e sentidos que não podem captar 
todos os estímulos externos. Neste sentido, Pascal falará desta desproporção do 
homem frente aos Infinitos, em que o homem se espanta com a grandiosidade do 
Universo, da natureza e percebe que o que ele pode alcançar por seus sentidos é 
um traço imperceptível da amplitude da natureza. 
O homem se encontra entre Infinitos onde ele mesmo torna-se um nada em 
meio a eles. Ele se descobre pequeno, miserável, sujeito aos menores 
acontecimentos que podem ter grandes influências sobre sua vida, como um 
relâmpago ou uma infecção (fr. 176). Esta falta de segurança, tanto física quanto 
racional (o homem não pode a tudo conhecer, como pensava), provoca-lhe angústia, 
que ele não consegue suprir, saciar. O homem percebe-se num mundo, já nasce em 
um mundo, mas não sabe seu lugar nele e, então, inicia o processo de 
autoconhecimento, que ele julga ser mais fácil efetuar; um trabalho menor diante de 
uma gama de possibilidades para a razão, afinal todos acreditam conhecer-se 
perfeitamente. 
Blaise Pascal oferece uma leitura do homem em busca da felicidade. Mas 
para saciar sua busca – que, segundo o pensador, é mais importante que 
propriamente o encontro de seu fim (a felicidade), e que, verdadeiramente, 
corresponde à felicidade humana – o homem acaba por se enganar várias vezes, 
não conseguindo ultrapassar estes obstáculos para encontrar o que procura. 
O homem deseja amar incondicionalmente a Deus, um desejo inerente à sua 
natureza, apesar de nem sempre estar ciente disto. Limitado por sua própria 
condição, privado desta possibilidade de amar plenamente a Deus, ele dirige este 
desejo de amor a si mesmo, nas formas como ele compreende serem suas 
 6
qualidades, sejam as grandezas de posição, sejam as grandezas naturais. O homem 
se engana e se confunde por acreditar que é feliz por possuir muitos bens, por ser 
respeitado pelos demais homens, e finge não perceber que ainda falta algo que não 
lhe permite se saciar plenamente. 
Esta ilusão vai desaparecendo quando este inicia o processo de 
autoconhecimento, o qual pode ser motivado por uma fuga da sua incapacidade de 
conhecer plenamente o mundo que o rodeia, ou, até mesmo, ser uma ação natural 
na vida do indivíduo. O homem deseja ter uma visão bela e grandiosa de si mesmo, 
o Amor-próprio (fr. 100), mas, voltando seu pensamento sobre si mesmo, para sua 
natureza, ele acaba por se descobrir finito, repleto de falhas, algo totalmente 
contrário de seu desejo. Pois, apesar de não ter sempre a consciência disto, o 
homem se desvia de sua tendência natural, que é Deus, e a substitui por si mesmo. 
Neste processo, ele deseja uma equivalência, ou seja, deseja que sua natureza seja 
tão perfeita quanto a idéia concebida de Deus: “Quanto mais o eu se toma por Deus, 
mais distante de si ele permanece. Quanto mais o eu quer ser perfeito, mais 
imperfeito se torna. Quanto mais se quer conferir a si, mais longe do ser universal 
ele se encontra” (PARRAZ, 2008, p. 29). 
Esse modo de proceder contraria a vontade do ser humano, mantendo-o na 
angústia e desespero – o que ele não pode suportar. O homem encontra no 
divertimento a fuga desta percepção insuportável. Os jogos, segundo Pascal, 
resgatam-lhe deste processo, preservando-o desta infelicidade em que se encontra, 
tornando-o feliz, por que é o jogo que lhe distrai de suas reais preocupações, de 
pensar em sua real natureza (fr. 139). No entanto, mesmo o divertimento não 
permite ao homem esconder-se de si mesmo. O confronto entre sua vontade de ser 
grande e a percepção de seus limites sempre retorna à consciência do homem; e 
chegará a um ponto em que o divertimento não será suficiente para saciar sua 
angústia. 
O homem, como ser complexo, torna-se confuso ao extremo para si mesmo: 
sabe que é um ser em meio a infinitos, ele pode ser grande em dignidade por poder 
pensar e compreender parcialmente o universo que o cerca; entretanto, revela-se 
mísero em muitos outros campos por sua razão limitada, natureza em pecado, falta 
de reconhecimento na sociedade onde vive. O homem não consegue compreender 
isto facilmente, não consegue se autoconceituar (fr. 434). 
Ainda nesta perspectiva de finitude, não se pode deixar de lado o ocular da 
 7
fé. O homem, segundo Pascal, possui duas naturezas distintase históricas (fr. 430): 
uma primeira que seria anterior ao pecado original, onde o homem gozava da plena 
felicidade, em alta dignidade e, não sendo capaz de se manter neste estado de 
graça e não desejando nada além de si mesmo, quis deixar o domínio de Deus e se 
igualar a Ele. O que conseguiu foi decair para a segunda natureza, que se inicia com 
a queda adâmica do Paraíso. Na segunda natureza, o homem encontra-se em 
pecado que, para Pascal, é trocar o amor a Deus pelo amor a si mesmo, além de 
necessitar ser resgatado de sua condição de finitude e insuficiência. 
A religião revela ao homem esta segunda natureza que levará ao extremo 
sua insuficiência. Ela lhe apresentará sua natureza finita e insuficiente e, somado a 
isto, sua condição de pecado que, para Pascal, é trocar o amor a Deus por uma 
dedicação a si mesmo ou a outras coisas finitas. O homem sozinho não pode 
ultrapassar esta condição de miséria e pecado, esta insuficiência, porque todo e 
qualquer ato bom que ele faça, será em Deus e por Deus; e mesmo o abandono 
d’Ele não pode ter tido a ação do homem como motor. Deus confere sua graça 
livremente: 
Ao recusar e quebrar essa relação de causa (humana) e efeito (divino), 
Pascal, seguindo a tradição jansenista, defenderá a idéia de que um ato 
humano – a falha moral – não pode ser o motor do abandono. A recusa se 
funda no fato de que tal hipótese sustenta uma suficiência no ato da 
escolha, suficiência esta assegurada pelo efeito produzido no Sobrenatural 
(PONDÉ, 2001, p. 65). 
A graça divina, portanto, é totalmente gratuita, e isto indica que independe 
de qualquer ação do homem. Não importa o que o homem faça para o bem ou para 
o mal; o resgate de sua condição se dá exclusivamente pela vontade divina. Como o 
homem é insuficiente e impossibilitado de superar esta sua natureza por si só, ele 
deve tentar aniquilar-se. 
O aniquilamento, compreendido por Pascal, significa tornar-se nada 
enquanto reparação, numa tentativa de aniquilar-se diante de Deus, para tornar-se 
um nada na mão de Deus. Esta é uma questão de amor a Deus, de romper com 
tudo que desvia o homem deste amor: 
Com o nada por aniquilamento, estamos no ponto de vista do amor: a 
questão é saber o que é digno de ser amado; a negação atinge os objetos 
para os quais se dirigem nossos desejos. O nada por aniquilamento, eis a 
idéia diretora da espiritualidade que é a própria essência do verdadeiro 
cristianismo segundo Pascal a partir de 1646 (GASTON, 2005, p. 69). 
Ao perceber-se na ótica da religião, o homem se descobre um nada em duas 
dimensões: o homem é nada diante de Deus por sua natureza na medida em que é 
 8
ser criado; e o é por sua história na medida em que é pecador. Segundo Gaston, 
Pascal introduz o aniquilamento como requerimento para uma verdadeira conversão: 
De fato, o aniquilamento em que consiste “a conversão verdadeira” é 
diretamente chamado pela consciência do nada ligado à condição do 
homem pecador; nada ainda maior, se se pode dizer, que aquele que está 
ligado à finitude do ser criado (GASTON, 2005, p.75). 
O homem, ao adentrar neste campo de seu autoconhecimento, ao perceber-
se pecador e desejando reencontrar algo infinitamente superior a si e que lhe 
ofereça um alívio à sua angústia, percebe que lhe resta ainda a presença do eu que 
subsiste no aniquilamento de uma outra forma: no ódio de si. 
Esta visão de Pascal sobre o homem não pode, porém, ser vista de forma 
ingênua. Não é toda a realidade humana que se torna digna de ser odiada; apenas o 
“eu” entregue à concupiscência. Esta é a proposta do Cristianismo que, para Pascal, 
torna-se signo de ser uma verdadeira religião (fr. 468). 
 
FÉ E RELIGIÃO: POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO HUMANA 
A religião é, para Blaise Pascal, o único caminho de resgate para o ser 
humano de sua condição de angústia e desespero. 
O homem deseja, por natureza, encontrar a felicidade. Para isso, ele a 
busca em todos os lugares possíveis e desejáveis sem, no entanto, encontrá-la no 
mundo. A felicidade verdadeira não pode ser oferecida pelo mundo, porque este, em 
si, é finito como o próprio ser humano. Todas as suas alegrias também são finitas, 
passageiras. Apenas através da fé será possível procurar a verdade e a alegria, 
mesmo que sem garantias de alcançá-las. O homem volta-se, portanto, para Deus, 
porque só d’Ele virá o bem que procura: “[...] todo o bem no homem procede 
eficazmente de Deus, e se relaciona a Deus como último fim [...]” (MESNARD apud 
PONDÉ, 2001, p. 58). 
O homem mantém certa desconfiança quanto à religião. Esta é exigente, 
requer dele uma mudança considerável em seu modo de viver, aproximando-o mais 
do outro, da atenção ao outro e convocando-o a esquecer-se um pouco de si 
mesmo. Exige-lhe uma renúncia de si mesmo em favor da vontade de Alguém maior 
que ele próprio: Deus. Pascal entende que este movimento não é facilmente 
aceitável pelo ser humano e, por isso, os homens desejam desacreditar a religião; 
temem que ela seja verdadeira, que realmente suas leis sejam necessárias para o 
descanso e felicidade eternos. 
 9
O homem, não necessariamente, acredita que haja alguma coisa para além 
de sua vida. Isso serve para criar uma enorme divisão entre fé e razão. Segundo 
Pascal, razão e fé são complementares e conduzem, juntas, o homem à sua 
plenificação (fr. 245). 
Quando se refere aos espíritos de geometria e de finesse, Pascal tem em 
mente uma tentativa de abarcar os diversos campos da composição humana, mas a 
dificuldade se agrava quando começa a se referir ao “Sobrenatural”, porque este não 
é um campo abarcado pela exatidão do espírito geométrico, devendo muito mais a 
uma leitura intuitiva do espírito de finesse. É verdade que o coração pode ser 
entendido enquanto sentimento e emoção, como um modo do homem chegar a um 
tipo de conhecimento; mas há, além dessa, uma outra leitura, que se refere à fé – e 
aqui encontra-se a dificuldade da conciliação. 
O coração torna-se um modo mais profundo de chegar ao objeto para o qual 
o homem se volta inevitavelmente, que é Deus, pois é Sua graça “[...] que cria o 
campo de possibilidades para o surgimento da conversão. O convertido é objeto de 
Deus, e não o contrário. Tomado pelo Amor por Deus, ele entra no universo do 
conhecimento de Deus” (PONDÉ, 2001, p. 108). 
Coração e razão possuem modos diferentes de alcançar o conhecimento. 
Isso ocorre, também, porque eles possuem objetos de estudo diferentes: enquanto a 
razão busca o conhecimento positivo, científico, lógico, matemático, o coração, 
enquanto possibilidade de conversão, busca objetos para além do mundo sensível, 
como o Sobrenatural. 
Quando Pascal descreve a religião, entendida como Cristianismo, ele 
declara que ela não possui evidências razoáveis para convencer um indivíduo a crer 
em suas verdades e é tolo aquele que tenta fazê-lo apenas por evidências racionais. 
Segundo o filósofo, antes de provar as verdades da religião é necessário fazer com 
que o outro ame estas verdades, o que o tornaria apto à conversão (fr. 187). 
Este fato ocorre, justamente, porque o espírito de finesse trabalha com 
objetos que não competem à razão; o coração encontra respostas que não compete 
à razão procurar. Quando Pascal diz que primeiro se deve amar a religião, ele afirma 
ser necessário inclinar o coração à verdade que somente este pode encontrar, pois 
é ao coração que Deus se manifesta. O homem, então, deve passar pelo processo 
de aniquilamento de si para encontrar sinais desta experiência: 
A queda, o pecado e o segundo estado de natureza instauram 
 10
simplesmente um novo grau de insuficiência. Essa variação no grau de 
insuficiência é importante em si mesma, pois coloca no centro do problema 
o drama da delectatio, da corrupçãoe do amor por si mesmo. Outra idéia 
diretamente decorrente dessa variação é a impossibilidade para o homem 
de realizar seu fim divino na natureza pós-queda sem algum tipo de 
“escravidão da vontade” (PONDÉ, 2001, p. 55). 
O homem pode querer amar imensamente a Deus, mas seu conhecimento 
sobre Ele não se esgota. O mesmo argumento utilizado contra a religião será o seu 
trunfo: é necessário reconhecer que Deus não se desvela plenamente aos homens, 
mas buscá-Lo é a realização do homem neste mundo (fr. 194). E, neste interesse 
por Deus, surge a questão que interessa a todo o homem, que diz respeito à 
imortalidade da alma. É a partir desta questão que cada indivíduo irá construir um 
modo de vida para si, de acordo com o que acreditar. 
Não há aqui um porto seguro no qual o homem pode se apoiar. O homem 
não sabe se há algo realmente além da realidade; no entanto, ele pode crer que 
exista tal realidade. Assim sendo, ao ser humano só é possível um ato apenas: um 
salto, ou seja, apostar que exista algo além do que a certeza racional pode alcançar, 
mas que seja incentivado e sustentado por uma intuição forte, que é a fé. Aqui está 
o ponto decisivo de toda a vida humana. 
Blaise Pascal tenta, por caminhos lógico-matemáticos mostrar, com 
coerência, que acreditar e viver a partir de Deus não é um engano. Assim, ele 
propõe o célebre argumento da Aposta (fr. 233), que reflete toda a angústia e busca 
da existência do homem: o homem tem de apostar na existência de Deus, pois se 
acertar, ganhou o maior bem possível concedido a ele, a eternidade em felicidade; 
se se enganar, não perderá nada do que já possui. O homem que ama a Deus e não 
a sua limitação em pecado percebe que a vida exigida pela religião não é um peso, 
uma amarra ao seu modo de existir que tanto deseja, mas um caminho seguro para 
não se perder no Amor-próprio que lhe angustia tanto. O homem volta-se, portanto, 
para o seu destino final, a saber, Deus. Percebe-se minúsculo diante de tal realidade 
que o consome, mas que lhe ama. Encontra um refrigério para sua angústia. E 
percebe-se, enfim, diante de um caminho que deve realmente ser seguido. O 
caminho de sua felicidade e realização, similar à sua primeira natureza: homem, 
razão e fé, diante de Deus e voltado para Ele. 
Assim se constitui a natureza humana: o homem é grande justamente por se 
reconhecer miserável, limitado e dependente de um Ser que pode, se assim desejar, 
resgatar-lhe desta situação e levá-lo à felicidade (fr. 397). Torna-se necessário ao 
 11
homem perceber estas duas dimensões de sua existência que interagem uma com a 
outra: grandeza e miséria, mas sem tender a nenhum dos lados em particular (fr. 
418). 
Esta é a condição da existência humana, que o homem acaba encontrando 
na religião: uma proposta de aniquilamento de todas as ilusões que ele próprio criou 
para si no decorrer de sua vida ou que a sociedade lhe conferiu e confirmou, e 
retorno para Deus, única fonte de felicidade verdadeira. Aposta toda a sua vida pela 
existência d’Ele e vive a partir dele. Esta é a proposta da religião: 
 
CONCLUSÃO 
A partir do que foi visto, é possível uma leitura mais otimista da posição de 
Pascal quanto à condição do homem. Não se trata de um voltar-se para si soberbo, 
nem de uma rejeição de todas as qualidades e características do homem; mas sim, 
de um necessário processo de renúncia a toda e qualquer forma de ilusão, de 
distração, que pode durar por toda a vida. Trata-se de um voltar-se sério e objetivo 
para sua condição de finitude e da aceitação desta situação, para procurar a 
verdade que reunirá a sua totalidade de ser racional e religioso. Este é seu valor: 
que se ame por sua natureza capaz de retornar ao bem, que se despreze pelas 
baixezas que possui, para que não o ceguem ao fazer sua escolha por Deus e o 
detenham quando ele tiver escolhido (fr. 423). 
 
REFERÊNCIAS 
 
ATTALI, Jacques. Blaise Pascal ou o Gênio Francês. Trad. I. C. Benedetti. Bauru: 
EDUSC, 2003. 
 
GASTON, Henri Gouhier. Blaise Pascal: conversão e apologética. Trad. de E. M. 
Itokazu – H. Santiago. São Paulo: Discurso Editorial, 2005. 
 
PARRAZ, Ivonil. A Existência em Pascal. Filosofia: ciência & vida, São Paulo, n. 20, 
p. 28-37, 2008. 
 
PASCAL, Blaise. Pensamentos. v.16. Os Pensadores. Trad. de S. Milliet. 2 ed. São 
Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). 
 
PONDÉ, Luiz Felipe. O Homem Insuficiente: comentários de antropologia 
pascaliana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. 
 
 
	A CONDIÇÃO HUMANA, SEGUNDO BLAISE PASCAL
	RESUMO

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