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DIREITO CIVIL I Aula 8 Direito à Integridade Física Carlos Affonso Pereira de Souza Corpo como propriedade ou como parte integrante da pessoa? Histórico da proteção ao corpo: - Nudez na Grécia Antiga - Dualidade corpo e espírito na Idade Média - Liberdades na Revolução Francesa - Século XXI: preocupação com os limites da ciência A proteção do corpo é voltada para atos cometidos por terceiros contra o corpo da vítima. Mas atualmente surgem questões envolvendo a vontade própria da vítima em agredir a sua integridade física. • CP, art. 122 – Auxílio ao suicídio Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo Único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Proteção ao próprio corpo legitimado dentro da concepção de dignidade da pessoa humana. Três critérios para definir a licitude do ato: 1) Não diminuição permanente da integridade física 2) Não afronta aos bons costumes 3) Exigência médica O terceiro critério pode derrogar os outros dois. O legislador já ponderou nesse caso. Caso das operações para “mudança de sexo” (CFM). Permanece a polêmica sobre a identificação civil. Disposição de partes do corpo Transplantes - art. 9º da Lei nº 9.434 /97: Art. 9o. É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em r e l a ç ã o à m e d u l a ó s s e a . (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001) Uma pessoa somente pode dispor de partes do seu corpo quando tal ato não implicar em prejuízo para sua saúde. Adicionalmente, determina de plano o legislador que o transplante não pode ser objeto de negócio oneroso. O Código Civil atual, em seu artigo 14, também inova ao definir a possibilidade de disposição do próprio corpo. Disposição essa que, quando em vida, não pode representar prejuízo à saúde do doador e quando post mortem, deve atentar à consecução de fins científicos e altruísticos. Nesse segundo caso, a gratuidade também é elemento essencial. Essa disposição a respeito o destino do corpo ou de parte dele pode revestir a forma testamentária ou de ato entre vivos. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Vedação da exploração do corpo humano, mesmo depois da morte da pessoa. Lei n° 8501/92 – “O cadáver não reclamado às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para os fins de ensino e pesquisa de caráter científico.” (art. 2º) Transplantes – 1) a redação anterior da lei 9434 criava a presunção de consentimento para doação quando da morte da pessoa, salvo manifestação contrária da pessoa. Inconstitucional? Estatização do corpo humano. 2) MP 1718/98 – quando não houver manifestação da pessoa, deverá haver consulta aos familiares. 3) Lei 10211/2001 – hoje só importa a vontade dos familiares. Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Ponderação de princípios e “interesses” Não há supremacia entre os princípios constitucionais. Questão da dignidade da pessoa humana. “Não só o constrangimento, que induz alguém a submeter a tratamento com risco deve ser vedado, como também a intervenção médica imposta a paciente que, suficientemente informado, prefere a ela não se submeter, por motivos que não sejam fúteis e que se fundem na afirmação de sua própria dignidade” (CC coment, p. 41) Consentimento informado (“livre e esclarecido”) Questão ainda mais preocupante na medicina privada. Postura ativa e informativa do médico. Consentimento informado é a concordância do paciente após explicação completa e pormenorizada sobre a intervenção médica que inclua a sua natureza, objetivos, métodos, duração, justificativa, protocolos atuais de tratamento, contra- indicações, riscos, benefícios, métodos alternativos e nível de confiabilidade dos dados. (Carlos Nelson Konder) Hiposuficiência do paciente + boa-fé objetiva • Integridade física versus Respeito a crenças religiosas Conforme demonstram os casos julgados sobre o assunto, compete muitas vezes ao médico manifestar seu entendimento no sentido da dispensabilidade ou não da transfusão sanguínea. No entanto, esse juízo de necessidade em relação ao tratamento deve se pautar unicamente pelos critérios atinentes à ciência médica, despindo-se o profissional de convicções de outra natureza. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na ponderação entre razão de ordem religiosa e razão de saúde pública, assim decidiu: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Testemunha de Jeová. Recusa à transfusão de sangue. Risco de vida. Prevalência da proteção a esta sobre a saúde e a convicção religiosa, mormente porque não foi a agravante, senão seus familiares, que manifestaram a recusa ao tratamento. Asseveração dos responsáveis pelo tratamento da agravante, de inexistir terapia alternativa e haver risco de vida em caso de sua não realização. Recurso desprovido. TJRJ, Agravo de Instrumento nº 2004.002.13229, Des. Carlos Eduardo Passos, j. em 05.10.2004. No caso decidido pelo TJRJ, na decisão de primeiro grau sobre a qual ele versava “deferiu-se tutela antecipada, a requerimento do Ministério Público, a fim de que a agravante fosse submetida à transfusão de sangue, eis que corria risco de vida e seus familiares recusavam tal terapia, sob o argumento de convicção religiosa e ser referido tratamento também arriscado.” No acórdão transcrito, objetivava-se que novas transfusões, necessárias à perpetuação da vida da paciente, não fossem obstadas. Essa decisão ilustra com muita propriedade as divergências suscitadas em torno do tema em destaque. Essa divergência fica clara na discrepância de convicções manifestadas nos votos dos julgadores. O relator do acórdão, em seu voto, assevera que: “Por fim, não obstante o respeito à convicção religiosa de cada um, entre dois bens jurídicos tutelados, prevalece a vida sobre a liberdade, até porque não foi a agravante que manifestou a recusa ao tratamento, mas seus familiares” O voto vencido, da lavra do Des. Marco Antonio Ibrahim, assim expõe a sua linha de argumentação: “Constitucional. Civil. Transfusão de sangue não autorizada. Direito à privacidade e intimidade. Manifestação expressa de recusa à terapia transfusional. Seja, ou não, por motivo religioso a vontade do paciente deve ser respeitada porque não há conflito real entre o direito à autodeterminação a tratamento médico e o direito à vida. Todos os especialistas brasileiros e estrangeiros concordam com a afirmativa de que a transfusão sanguínea não é procedimento isento de risco de contaminação mortal do paciente, seja por vírus, seja por infecção bacteriana. Viola a dignidade da pessoa humana obrigar o paciente a receber transfusão sanguínea contra sua vontade, especialmente se existe tratamento alternativo e não há prova cabal de risco à vida do mesmo. Exegese do art. 15 do novo Código Civil que determina que ninguém pode ser constrangidoa submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou à intervenção cirúrgica.” Recusa ao tratamento médico Seguindo a mesma lógica descrita nas hipóteses de não aceitabilidade de transfusão de sangue, o resguardo à integridade física abrange também o direito de recusar tratamento médico ou intervenção cirúrgica. No entanto, essa recusa não pode ser caprichosa, imotivada, mas em regra, deve assentar-se em motivo de relevância manifesta. O CC2002 trata do assunto em seu artigo 15, ao dispor que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.” Esse artigo, todavia, não aborda a questão da recusa à realização de perícia médica para fins de prova em juízo. Dessa forma, por meio do art. 232 do CC, o legislador civilista se manifesta no sentido de tornar a recusa à perícia um elemento processualmente desfavorável, pois “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.” Em caso julgado pelo TJRJ, pode-se perceber como a recusa à perícia médica traz efeitos nocivos ao recusante no curso de uma ação judicial: Ação de procedimento comum ordinário. Pó branco da Petrobrás que atingiu localidade da Baixada. Alegação de danos à saúde. Sentença julgando improcedente o pedido. Recurso de Apelação Cível. MANUTENÇÃO, pois o Autor não demonstrou o aludido dano respiratório sofrido, não compareceu à perícia médica, desistiu expressamente da prova, restando não demonstrado, portanto, o prejuízo e o nexo de causalidade. À míngua de provas, outra não poderia deixar de ser a decisão do Juízo Monocrát ico. DESPROVIMENTO RECURSO. O exemplo mais citado de recusa à perícia médica é a não submissão ao exame de DNA, que visa à comprovação de paternidade. Nesse sentido, a jurisprudência caminha no sentido de se tornar pacífica, conforme expõe o seguinte julgado do TJRJ: "INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. AGRAVO RETIDO.IMPROVIMENTO.MÉRITO. NEGATIVA DO RÉU EM SUBMETER-SE AO EXAME DE D.N.A . PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS NA EXORDIAL.PENSIONAMENTO IMPOSTO DESDE A CITAÇÃO. 1. Quanto ao agravo retido. O juiz pode "ouvir testemunhas, mesmo arroladas fora do prazo, quando se litigar sobre direito indisponível, como ocorre, p. ex., na investigação de paternidade" (RT 613/162). Conhecimento e improvimento. 2. Quanto ao mérito. O STJ tem se posicionado no sentido de que a parte que se recusa imotivadamente a se submeter a perícia médica, deve ter contra si o peso da presunção daquilo que o exame pericial poderia provar. No caso presente, deve ser reconhecida, ainda, a dificuldade do Autor-Apelante, em comprovar o relacionamento de sua genitora com o Apelado, pois se tratava de uma relação extraconjugal. O Apelado, além de cientificado pessoalmente uma vez para a data do exame, foi, após a baixa dos autos, 22 vezes procurado pelos oficiais da justiça, não sendo encontrado, alegando-se que se encontrava viajando, muito embora pessoas da sua esfera de conhecimento estivessem ciente. Atitudes deste tipo merecem o total repúdio do Poder Judiciário e deveriam merecer, também, dos respectivos advogados, que se calam ante as condutas impertinentes e desrespeitosas dos seus clientes, como se de nada soubessem, certamente, achando que os Juízes e Desembargadores vivem num mundo encantado, de inocência e ingenuidade e que acreditariam, piamente, na ausência de má-fé no proceder do Apelado. 3 -Reconhecida a paternidade, o dever de alimentar se impõe e desde a estabilização da relação processual, ou seja, desde a citação válida, em virtude da natureza declaratória do decisum que reconhece a paternidade. 4- Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Desembargador Relator.“ TJRJ, Apelação Cível nº 1997.001.02081, Des. Ricardo Rodriguez Cardozo; j. em 14/09/2004. Vale destacar ainda a seguinte passagem do voto do julgador: “Este processo tramita há uma década e, lastimavelmente, o apelado tudo fez para evitar o exame de DNA, utilizando-se da Justiça para procrastinar o feito, com falta de seriedade e respeito. Pena que a jurisprudência não consagre a condução ‘debaixo de vara’ para a hipótese.”
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