Buscar

EDUCAÇAO NUTRICIONAL CAMINHOS POSSIVEIS

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

145
EDUCAÇÃO NUTRICIONAL: CAMINHOS POSSÍVEIS
* Departamento de Alimentos e Nutrição – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – UNESP - 14800-901 – Araraquara, SP - Brasil.
** Departamento de Didática - Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – 14800-901 - Araraquara – SP – Brasil.
Angélica de Moraes MANÇO*
Fátima Neves do Amaral COSTA* *
RESUMO: O trabalho tem como objetivo apresentar
teoricamente as principais concepções envolvidas na
Educação Nutricional e sinalizar possíveis rumos.
Realiza para tanto, a partir de uma análise documental,
uma retrospectiva histórica do campo da Educação
Nutricional e aponta caminhos a serem trilhados.
Proporciona, com base nas análises realizadas, a
possibilidade da Educação Nutricional enriquecer-se do
campo das ciências humanas, de princípios filosóficos
da Educação em geral, tendo como referenciais teóricos,
Freire e Morin. As considerações finais indicam a
necessidade do profissional nutricionista buscar
complementar sua formação inicial,
predominantemente biologicista, aprofundando-se na
área da Educação para desenvolver qualitativamente o
processo da Educação Nutricional a ele atribuído.
PALAVRAS-CHAVE: Educação nutricional; educação;
educação problematizadora; nutricionista-educador.
Introdução
A Educação Nutricional configura-se em um campo
de atuação educativa do nutricionista (Lei Federal 8.234/
91).6 Nesse campo é possível, de acordo com a postura do
profissional nutricionista adotada, construir conhecimentos
significativos com o paciente, uma vez que o mesmo poderá
ser considerado sujeito ativo do processo, sempre aberto e
flexível às suas necessidades.
Buscando aprofundar as principais concepções
teóricas envolvidas na Educação Nutricional e articular tais
concepções ao campo do conhecimento da Educação, o
presente trabalho encontra-se estruturado em três momentos.
A princípio realiza um resgate retrospectivo do tema
fundamentado em Boog.3 A seguir, para visualização de
possíveis caminhos, são apresentados teoricamente alguns
pressupostos culturais, sociais e da Educação em Saúde que
poderiam ser incorporados à Educação Nutricional,
distinguindo as diferenças entre Educação Nutricional e
Orientação Nutricional.
Como rumo à Educação Nutricional, enraizada em
princípios educativos, são articuladas relações teóricas entre
Educação Nutricional e Educação Problematizadora de
Paulo Freire, acrescidas das contribuições de Edgar Morin.
Um olhar retrospectivo à educação nutricional
O conhecimento da história da Educação Nutricional
é de fundamental importância para nos espelharmos nos
erros cometidos no passado, resgatarmos as contribuições
dos autores e evoluirmos na busca permanente de uma
Educação Nutricional mais eficaz aos problemas
nutricionais brasileiros.
Ao realizarmos uma análise de todo o material de
Educação Nutricional apresentado por Boog, em sua tese
de doutorado, no ano de 1996, temos uma abordagem da
Educação Nutricional, em ordem cronológica e de forma
crítica, possibilitando embasamento teórico para avaliarmos
as mudanças ocorridas na Educação Nutricional nos tempos
atuais e traçarmos ainda, possíveis novos caminhos.
Assim, vamos encontrar nas publicações escritas por
Ritchie, a valorização do significado dos alimentos, dos
aspetos religiosos e culturais, dos hábitos por grupos étnicos
dentro de uma visão sociológica, contudo, não era
preconizada a participação ativa dos educandos nos
processos decisórios. Burges e Dean avançaram um pouco
mais ao afirmarem que a Educação Nutricional não era um
simples repassar de informações, todavia, o nutricionista
era visto somente como multiplicador das informações.
Mesmo assim, as autoras ampliaram o respaldo técnico do
profissional para a execução dos programas direcionados a
um planejamento de ensino fundamentado no pensamento
behaviorista, que valorizava a necessidade de um
diagnóstico educativo bem elaborado e formulação precisa
de objetivos educativos. Jelliffe, como médico, pensava a
Educação Nutricional de forma a distancia-la de um ideal
de ensino e sua função foi reduzida apenas a de instrução,
frente aos problemas nutricionais, com base nos dados
epidemiológicos. Bosley resgatou a valorização dos
costumes, valores, preferências, tabus dos indivíduos e pela
primeira vez, o profissional nutricionista foi reconhecido
como responsável técnico pela Educação Nutricional, mas
não como seu executor. Ela ressaltou ainda, o papel
importante do educador, entretanto, como um “dom” dos
indivíduos e não como uma habilidade a ser desenvolvida.
Mushkin direcionou a Educação Nutricional ao crescimento
econômico, deixando de lado as discussões envolvendo os
valores dos indivíduos. A esposa de Jelliffe direcionou a
Educação Nutricional à redução dos riscos de morbidade e
mortalidade, além disso, resgatou novamente o papel do
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
146
educador ainda como um “dom” e não como uma habilidade
a ser adquirida.3
Os manuais de treinamento, de maneira geral, pouco
contribuíram com aspectos positivos na história da Educação
Nutricional. Seria ilusório acreditar que eles poderiam estar
oferecendo soluções às questões nutricionais, uma vez que
não valorizavam aspectos nutricionais como os hábitos
alimentares, descartavam as questões sociais que permeavam
as situações apresentadas e tratavam de questões como
aleitamento materno, com técnicas de higiene e
improvisação de um “excelente refrigerador” confeccionado
com uma cesta de bambu.3
No Brasil, a Educação Nutricional ficou sempre
mais associada à introdução de alimentos vinculados ao
interesse econômico. As publicações existentes se
restringiam a folhetos ou livretos destinados à população.
Nos anos setenta, a Educação Nutricional foi muito criticada
por ser estratégia para ensinar os pobres a se alimentarem
de cascas, por exemplo, e também, não fazia mais parte da
veemência política. Investimento nas publicações na área
da Educação Nutricional não ocorreu em nosso país e o
único livro existente foi o escrito por Boog e Motta, em
1984.5
Novos caminhos da educação nutricional
A Educação Nutricional não deveria mais ser
concebida apenas como a mudança de hábitos alimentares
inadequados à saúde, uma vez que trabalhos mais recentes
vêm incorporando outras características às práticas de
Educação Nutricional, tornando-a mais eficiente e adequada
às necessidades do ser humano, como poderá ser confirmado
no decorrer do texto que segue. Abordaremos de início os
aspectos nutricionais articulados intrinsecamente aos
culturais.
Educação nutricional e aspectos culturais
O alimento não pode mais ser visto somente como
uma fonte de nutrição, pois possuindo a capacidade de
desempenhar várias funções na sociedade humana, pode
estar relacionado aos aspectos sociais, culturais, religiosos,
econômicos, psicológicos, antropológicos, que influenciam
nos hábitos alimentares dos indivíduos e grupos9 e que não
deveriam ser desconsiderados em um processo de Educação
Nutricional mais efetivo.
A antropologia médica, ao conhecer as características
dos grupos culturais diferentes, explica a causa das doenças,
os tipos de tratamento que acreditam e a quem recorrem se
ficam doentes, contribuindo então, para a recuperação da
saúde dos indivíduos.9
Neste contexto, o nutricionista compreendendo como
cada cultura compõe o seu conjunto de regras voltadas à
alimentação, modo de preparação dos alimentos, ocasiões
em que o grupo estará reunido para se alimentar, ordem
dos pratos servidos durante uma refeição e maneira como
os indivíduos comem, poderá incorporar essas informações
às práticas de Educação Nutricional e considerar os hábitos
alimentares, que demonstrem risco à saúde desses
indivíduos.9
A alimentação representa a manifestação da
organização social, a chave simbólica dos costumes, o
registro do modo de pensar a corporalidade do mundo emqualquer sociedade. O Brasil, marcado pelas desigualdades
sociais, atribui valores diferentes ao alimento, conforme as
classes sociais. As pessoas com nível sócio-cultural mais
elevado, nos dias de hoje, apresentam em sua alimentação
uma nova característica, a de acrescentarem em suas
refeições, alimentos mais leves, “lights”, diferente dos gostos
bárbaros, da mesa “farta” que nos deparávamos no passado.
Para as classes populares, o alimento já apresenta outro
significado, temos uma mescla de valores simbólicos do
passado e do presente, manutenção das características
regionais e padrões sócio-culturais nas diversas instâncias
do conhecimento tradicional. Os alimentos, para estas
classes populares, são classificados em “fortes ou fracos” –
conforme sua “sustança”; “pesados ou leves” – de acordo
com o estado de saúde do indivíduo; “ricos ou pobres em
vitaminas” – referentes à sua fortificação do organismo e
benefícios à saúde. As observações do nutricionista sobre
os diversos elementos simbólicos dos alimentos facilitam a
interpretação de conceitos construídos por diferentes sujeitos
sociais, justificando seus hábitos alimentares e suas
articulações concretas do cotidiano, enquanto estratégias
de vida.8,16
Os tabus alimentares também devem ser
considerados no processo de Educação Nutricional, porque
simbolizam algo proibido e intocável e, estão ainda presentes
nos costumes brasileiros, em decorrência de nossa
organização cultural, permeada pela influência dos negros,
índios e portugueses.16 Os alimentos apresentam significados
diferentes a cada cultura e foram classificados por Helman
dentro de cinco categorias: alimento versus não-alimento;
alimento sagrado versus alimento profano; alimento quente
versus alimento frio; alimento como remédio versus remédio
como alimento; alimentos sociais, que merecem ser
destacadas para percebermos, posteriormente, as
conseqüências que podem trazer à saúde dos grupos
culturais, além de muitas vezes poderem ser também
classificados como tabus alimentares.9
Alimento versus não-alimento – cada cultura define
quais as substâncias que serão comestíveis ou não, dentro
do seu contexto, mesmo que os alimentos considerados como
não-alimentos apresentem um ótimo valor nutricional.
Alimento sagrado versus alimento profano – os
alimentos que serão permitidos e proibidos, com base nas
crenças religiosas dos diferentes grupos sociais.
Alimento quente versus alimento frio –
característica de muitos grupos culturais e sociais e com o
significado de remédio para as doenças também classificadas
como quentes ou frias.
Alimento como remédio versus remédio como
alimento – alguns alimentos podem ser utilizados como
uma forma de medicação para determinadas doenças ou 
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
147
estados psicológicos, de acordo com crenças e valores de
cada grupo social. Atualmente, já conhecemos vários
alimentos com essa função, denominados como alimentos
funcionais. Por outro lado, existem remédios, que podem
ser considerados uma forma de alimento ou nutriente,
quando ingeridos juntamente com as principais refeições,
cujo efeito simbólico é de alimento.
Alimentos sociais – alimentos que consumidos por
um grupo de pessoas, dotados de valor simbólico
representam status social, na medida em que a qualidade e
quantidade da comida possam refletir o poder aquisitivo
dos indivíduos.9
Portanto, o alimento possui duas conotações
diferentes, em relação ao seu valor nutricional e cultural,
podendo afetar a nutrição dos indivíduos de duas maneiras:
excluindo nutrientes essenciais da alimentação, ou
estimulando o consumo de determinados alimentos ou
bebidas. Assim a partir dessas considerações, associamos a
má nutrição de indivíduos aos fatores culturais, podendo
manifestar-se através da subnutrição ou da supernutrição.
Não se pode, contudo, atribuir exclusivamente a estes fatores
a total responsabilidade na maior parte desses casos no
mundo. Os importantes papéis culturais que os alimentos
desempenham nas sociedades fazem parte das tentativas de
modificar ou aperfeiçoar os hábitos alimentares dos
indivíduos.9
O comportamento alimentar também deve ser
relevante no processo da Educação Nutricional, pois quando
influenciado pelo aspecto psicológico, pode trazer
conseqüências à saúde dos indivíduos.13
Quando a Educação Nutricional é postulada
meramente como uma consulta parcial do tratamento, de
modo homogêneo, a-histórico, a-temporal, independente de
grupos sociais, desconsiderando as questões mencionadas,
ela se torna um saber técnico que não valoriza o sujeito.
Não se questiona as causas e efeitos deste ou daquele
alimento. Por outro lado, pensar a Educação Nutricional
como um ato capaz de trabalhar questões intrínsecas aos
antigos paladares e hábitos não parece de fato ser uma tarefa
simples, mas levando em consideração todos os aspectos
abordados anteriormente, tornará o processo de intervenção
do nutricionista mais eficiente.8
Educação nutricional e aspectos sociais
Valente, buscando estabelecer uma visão mais crítica
da Educação Nutricional, condenou todas as iniciativas neste
campo até então. A necessidade de uma Educação
Nutricional mais crítica faria parte de um compromisso de
colocar a produção técnica e científica do profissional a
serviço do fortalecimento das classes populares em sua luta
na superação dos problemas nutricionais. O autor afirma
que a eliminação das diferenças entre as classes sociais não
se dará a partir de processos educacionais, porém estas
transformações exigem ações políticas das quais o processo
educacional pode contribuir como um mediador
importante.18
“As políticas sociais são, por definição,
compensatórias em relação ao funcionamento
normal da sociedade. Elas surgem para compensar
as distorções decorrentes do processo do
desenvolvimento capitalista, que discrimina e faz
com que a distância entre ricos e pobres seja cada
vez maior”.1
As famílias na sociedade capitalista não partem de
igualdade de condições, em que os mais pobres tendem a
reproduzir o ciclo da pobreza: baixo nível educacional, má
alimentação e saúde, instabilidade no emprego e baixa
renda. Recentemente, em 1993, o direito à alimentação foi
equiparado aos demais direitos do homem e estabelecido
na Carta dos Direitos Humanos de 1948. Ao Estado compete
a função de garantir a segurança alimentar de sua população,
como um direito ao cidadão. Nos tempos atuais, não
observamos mais a falta de alimentos ou de oferta disponível
de alimentos, mas sim a dificuldade quanto ao acesso físico
e econômico, continuamente, à alimentação e aos meios
para sua obtenção.1
Valente discute ainda em seu trabalho, a ingenuidade
de se acreditar que com ação isolada de um processo
educacional crítico em nutrição, conseguiríamos eliminar
a fome/desnutrição ou qualquer outro distúrbio nutricional.
No entanto, o papel de considerar os processos históricos e
sociais de determinação desses distúrbios nutricionais e o
possível fortalecimento dos movimentos populares assim
municiados, poderiam auxiliar em uma ação social mais
eficaz sobre a realidade.18
O mesmo autor, em suas afirmações, aponta uma
visão mais crítica, quanto à melhoria dos problemas
nutricionais articulada aos aspectos sociais e pensando dessa
maneira, poderemos citar aqui uma ação social como o
Programa Fome Zero, proposto pelo atual governo brasileiro,
que faz essa mesma articulação de Valente, ao se ater
primeiro as condições sociais do Brasil, para posteriormente,
se preocupar com as questões alimentares. O Programa foi
elaborado a partir de um estudo que reuniu quase uma
centena de técnicos, acadêmicos e operadores de políticos
em torno de três objetivos principais: a) avaliar a situação
dos programas de combate à fome no Brasil diante dos
compromissos firmados pelo país na Cúpula Mundial de
Alimentação de 1996; b) retomar a mobilização da sociedadediante do tema da segurança alimentar e; c) envolver os
governos federal, estaduais, municipais, ONGs e sociedade
civil em uma proposta factível para o combate a fome.1
O Programa, ao apresentar o diagnóstico do mapa
da fome, aponta a dificuldade de se calcular a quantidade
de pessoas sujeitas à fome no país, não havendo um consenso
sobre o tamanho da população atingida. O último
levantamento abrangente e de qualidade sobre o acesso da
população a alimentos e outros bens de consumo foi o Estudo
Nacional da Despesa Familiar (Endef), de 1974/75. A partir
de seus dados, foi possível avaliar que 42% das famílias
brasileiras (8 milhões de famílias), ou cerca de 50% da
população da época, equivalente a 46,5 milhões de pessoas
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
148
estariam em condições de insegurança alimentar. Dados
mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), do IBGE, de 1999, atualizados
posteriormente pela edição de 2001, se assemelham aos
dados encontrados em 1974/75: a linha de pobreza média
ponderada no Brasil, que é de R$ 71,53 mensais por pessoa,
indica a existência de 46 milhões de pessoas com uma renda
mensal disponível média de R$ 39,11, ou 9,9 milhões de
famílias com renda mensal de R$ 183,81, levando-se em
conta a média de 4,7 pessoas por família - valor considerado
insuficiente para suprir as necessidades básicas de
sobrevivência de um ser humano.14
Esses resultados, decorrentes de uma diminuição do
poder aquisitivo e um aumento no preço da alimentação
saudável, exigem um crescimento econômico com
distribuição de renda no Brasil, visando a garantia de
segurança alimentar a todos os cidadãos. Contudo, o
problema nutricional da população brasileira não se resume
na aquisição insuficiente de alimentos, mas também na
escolha inadequada dos mesmos, nos níveis qualitativo e
quantitativo, com maior evidência nas famílias de baixa
renda. Portanto, a Educação Nutricional mais crítica
desempenharia um papel importante também ao bom êxito
do Programa.14
E ainda, poderíamos incluir o fato de que políticas
de garantia de direitos universais, como direito à
alimentação, previsto no Programa Fome Zero, se
contrapõem a necessidade de estabelecer ações focadas de
atendimento ao público selecionado. O foco de segurança
alimentar e nutricional
 
pode ser distinto do foco do
combate à pobreza, pois nem todo pobre vive em situação
de insegurança alimentar e nem todo cidadão em situação
de risco alimentar é necessariamente pobre, embora essas
associações serem bastante prováveis.1 Tal afirmação mostra
novamente a relevância da presença de ações de Educação
Nutricional no Programa Fome Zero.
Educação nutricional e educação em saúde
Na intenção de continuarmos a aprofundar as novas
possíveis maneiras de realizar a Educação Nutricional,
apresentamos aqui conceitos da Educação Nutricional e da
Educação em Saúde na década de oitenta, citados por Motta
e Boog em seu livro e, posteriormente, apontaremos as novas
considerações da Educação em Saúde, que deveriam ser
incorporadas à prática da Educação Nutricional mais
atualizada.
“A educação nutricional se insere na educação em
saúde, que tem por finalidade a formação de atitudes
e práticas conducentes à saúde: não fumar, praticar
esportes, apreciar a vida ao ar livre, andar a pé –
são comportamentos incentivados pela educação em
saúde. Estes exemplos de comportamentos bastam
para mostrar que não são as condições econômicas
favoráveis que vão, por si sós, determinar
comportamentos saudáveis. A educação nutricional,
por sua vez, incentiva o consumo de alimentos
naturais, frutas, hortaliças e recomenda evitar as
guloseimas, as gorduras saturadas e os alimentos
artificiais”.12
As autoras fizeram também uma analogia ao conceito
exposto por Marcondes sobre a Educação em Saúde,
entendida como: “um processo essencialmente ativo que
envolve mudanças no pensar, sentir, agir dos indivíduos
pelo qual eles adquirem, mudam ou reforçam
conhecimentos, atitudes e práticas conducentes à saúde”.12
Embasadas neste conceito, as autoras afirmaram que
a Educação Nutricional constitui um processo por meio do
qual se obtém mudanças de conhecimentos de Nutrição,
atitudes com relação à alimentação e práticas alimentares
conducentes à saúde, visando a melhoria da saúde pela
promoção de hábitos adequados, eliminação de práticas
dietéticas insatisfatórias, introdução de melhores práticas
de higiene e uso mais eficiente de recursos alimentares.12
Com as mudanças mais recentes no modo de
conceber a Educação em Saúde, esta tem sido considerada
como campo de práticas e conhecimentos do setor saúde,
ocupando-se mais diretamente da criação de vínculos entre
o saber científico e o pensar cotidiano da população e no
Brasil. Diferentes concepções e práticas têm marcado sua
história. As práticas de Educação em Saúde vêm buscando
a superação do fosso cultural presente entre a instituição e
a população, em que um lado não compreende a lógica e o
outro, as atitudes. Com isso, é assumida uma nova postura
para o enfrentamento dos problemas de saúde, marcados
pela integração do saber técnico ao saber popular. Dessa
forma, a Educação em Saúde deixa de ser uma atividade a
mais realizada nos serviços de saúde, passando a ser um
instrumento de construção da participação popular nos
serviços de saúde e, ao mesmo tempo, de aprofundamento
da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e
da sociedade.19
As novas considerações no campo da Educação em
Saúde deveriam ser incorporadas nas práticas de Educação
Nutricional, permitindo assim, que as mesmas não se
restrinjam a práticas hegemônicas prevalentes, em que
imperam prescrições e determinações do profissional de
saúde aos sujeitos. A inserção da Educação Nutricional nas
ações de Educação em Saúde se torna importante, uma vez
que a literatura médica vem reafirmando, frente às doenças
crônicas, a urgência de se articular ao tratamento
medicamentoso, práticas de saúde que considerem e
desenvolvam os aspectos relacionados à qualidade de vida
dos indivíduos.10 Para isso, os conceitos sobre as práticas
de Educação Nutricional têm que acompanhar a evolução
das mudanças nos conceitos da Educação em Saúde.
Educação nutricional ou orientação nutricional?
A Educação Nutricional é atribuída ao profissional
nutricionista. No percurso de sua formação inicial esse
profissional é preparado para assumir essa função. O 
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
149
exercício da Educação Nutricional é realizado pelos
nutricionistas com maior freqüência na área clínica do que
na rede básica de saúde, o que interpretamos como um dado
desfavorável. Como apenas 3 a 7% dos profissionais
formados atuam na área de saúde pública, implica aos
médicos e enfermeiros a atribuição dessa atividade. Porém,
segundo pesquisa realizada por Boog, as enfermeiras,
embora tenham cursado uma disciplina específica de
Nutrição na graduação, consideram o ensino insatisfatório
e, quanto aos médicos, quase nada comentaram sobre o
ensino em Nutrição, pois de fato, este não ocorreu, refletindo
a falta de interesse desses profissionais na área da Educação
Nutricional.4
Os cursos de graduação se preocupam mais com o
ensino voltado às ciências biológicas, desvalorizando a
importância das ciências humanas em sua formação,
comprometendo o preparo dos alunos para realizar
atividades como a Educação Nutricional.5 A incorporação
de conceitos educacionais na disciplina de Educação
Nutricional tornaria a formação do profissional mais
completa e diferenciada desde o período da graduação,
contrariando séculos de educação tradicional e padrões
estabelecidos.17
Os nutricionistas, neste contexto, deveriam evitar
recorrer aos mesmos erros citados anteriormente, pois
poderiam comprometer o verdadeiro papel da Educação
Nutricional na saúde dos indivíduos ou população.Não
podemos falar de Educação Nutricional, quando estamos
realizando apenas, Orientação Nutricional.
Boog colabora conosco, quando nos chama atenção
para compreendermos a distinção entre a Educação
Nutricional e Orientação Nutricional, ao expor com clareza
as diferenças existentes entre as duas atividades. Dessa
maneira, nos faz refletir e valorizar ainda mais importância
do papel da Educação Nutricional no trabalho do
nutricionista, uma vez que o diferencia dos demais
profissionais da saúde, que se preocupam apenas em realizar
atividades de Orientação Nutricional.5
A Educação Nutricional dá ênfase ao processo de
modificar e melhorar o hábito alimentar a médio e longo
prazo; preocupa-se com as representações sobre o comer e
a comida, com os conhecimentos, as atitudes e valores da
alimentação para a saúde, buscando sempre a autonomia
do sujeito. O profissional nutricionista é, nesse conjunto,
parceiro na resolução dos problemas alimentares; visa uma
integração e harmonização nos diversos níveis: físico,
emocional e intelectual, quando se trata de mudanças
necessárias ao controle de doenças relativas à alimentação;
considera a descontinuidade e a transgressão no decorrer
das mudanças nos hábitos alimentares, como etapas
previsíveis e pertinentes engajadas num processo difícil e
lento; além de enfatizar o diálogo.5
A Orientação Nutricional, por outro lado, enfatiza o
processo de mudança das práticas alimentares em curto
prazo; preocupa-se apenas com a mudança de práticas e o
seguimento da dieta; a doença ou sintoma é sempre um fato
negativo a ser eliminado ou controlado; o profissional é
sempre autoritário; as mudanças relativas à alimentação
devem ser obtidas através do seguimento da dieta; não se
aceita transgressões e as mesmas, se tornam motivos de
censura; e ainda, dá ênfase somente à prescrição dietética.5
Em relação à área de atuação do nutricionista dentro
da saúde coletiva, podemos considerar dois campos
importantes: as escolas públicas e a área de merenda escolar.
Nesses campos, além da escassez desses profissionais,
podemos acrescentar, como assegura Vasconcelos, que a
prática do profissional em saúde pública carece ser
redefinida e normatizada a partir de diretrizes que nos
possibilitem uma relativa uniformidade de atuação. Uma
prática conservadora, que apenas reproduz as condições que
determinam o processo saúde-doença não é o suficiente.20
Muitos profissionais de saúde, no desenvolvimento
de suas práticas, realizam a prescrição de “receitas”, que
não favorece o diálogo entre profissional e o paciente. O
paciente passa a reproduzir o discurso do médico e de outros
profissionais ligados à saúde, sem por vezes compreender o
seu real significado. Nessa relação, há uma tendência do
paciente em buscar uma “proteção mágica”, justificando
sua submissão absoluta ao tratamento invasivo e agressivo,
tendo como conseqüência, regressão, infantilização,
submissão e dependência na tentativa desse paciente de
dominar a doença. Em contraponto, a ausência ou
insegurança quanto a conhecimentos e cuidados de saúde
contribuem para sentimentos de incapacidade, abandono e
ansiedade, influência negativa para a autonomia do paciente
em relação ao processo saúde-doença.2
Entendemos que os novos rumos da Educação
Nutricional exigem mudanças estruturais e aparatos
conceituais para organizarem o saber, tais como a
incorporação de idéias e conceitos à Educação Nutricional
advindos de autores que contribuam com essa ampliação.
Nesse sentido, o texto a seguir apresentará caminhos
possíveis.
Educação nutricional, educação problematizadora e os
saberes e valores necessários à educação do futuro
Retrocedendo a história da Educação Nutricional
podemos observar que a função de educador foi citada em
algumas publicações, porém como um “dom” ou “atributo
pessoal” e não como habilidade adquirida através da
formação profissional específica. Atualmente, com a
preocupação de reorientar a trajetória do pensar e fazer em
Educação Nutricional, o papel do nutricionista como
educador será muito valorizado e dessa forma, precisaremos
dos princípios filosóficos da Educação, para que o
profissional possa melhor delinear suas ações educativas.3
Paulo Freire com a proposta de Educação
Problematizadora será o nosso referencial teórico nesta
próxima discussão. As contribuições do autor serão
adaptadas ao nutricionista, enquanto educador nutricional.
Educação nutricional e educação problematizadora
proposta por Paulo Freire
Paulo Freire indiretamente revela a importância de
tornar os nutricionistas como educadores, pois dessa
maneira, este profissional estará inserido em uma realidade
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
150
que não é a realidade do educando, mas uma única realidade
entre ambos. A Educação Problematizadora é vista como
um caminho para a formação da consciência crítica dos
educandos, em oposição à educação tradicional, bancária,
aprendida nas escolas, em que os educadores estabelecem
com os educandos uma relação de narração de conteúdos,
em que o educador é o que educa, os educandos, os que são
educados; o educador é o que sabe, os educandos, os que
não sabem; o educador é o sujeito do processo e os educados,
meros objetos, pacientes-ouvintes.7
Na educação tradicional, as palavras não vão
representar uma força transformadora, mas uma
memorização mecânica do conteúdo narrado, considerando
a educação como um ato de depositar: o educador é o
depositário e os educandos, os depositantes, o que deu
origem a essa denominação de “educação bancária”, cujo
significado é a doação do saber, a alienação da ignorância.
Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta
distorcida visão da educação, não há criatividade, não há
transformação e não há saber. E é por isso mesmo que as
pessoas reagem instintivamente a qualquer tentativa de
educação estimulante do pensar autêntico, não se deixando
emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando
sempre os nexos que prendem um problema ao outro.7
Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo,
em que os homens estão simplesmente no mundo e não
com o mundo e com os outros. Tornado-os expectadores e
não recriadores do mundo onde vivem, cujas consciências
estão condicionadas somente a receber depósitos que o
mundo lhe faz, que vão transformando-se em seus
conteúdos .7
Ao contrário da educação bancária, a Educação
Problematizadora não pode ser um ato de depositar, mas
um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que
o objeto cognoscível, no lugar de ser o término do ato
cognoscente de um sujeito, é o medializador de sujeitos
cognoscentes, superando a contradição educador-educandos,
que se faz através de um processo dialógico e que resulta na
prática da liberdade dos educandos envolvidos.7
A Educação Problematizadora pode ser vista também
como libertadora, quando o indivíduo encontra condições
para descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria
destinação histórica e capaz de sozinho, controlar seus
problemas relacionados à alimentação, após a ajuda dos
profissionais de saúde. A ação libertadora deve transformar
a dependência dos sujeitos sobre esses profissionais em
independência, com reflexão e ação, através da
conscientização dos mesmos. É preciso que os sujeitos
tomem consciência de sua realidade para depois transforma-
la. A Educação Problematizadora, de caráter autenticamente
reflexivo, implica em um constante desvelamento da
realidade, resultando na inserção crítica na realidade dos
sujeitos e na negação do homem abstrato, isolado, desligado
do mundo.7
A Educação Nutricional voltada à educação dialógica
possibilita a superação da contradição educador-educandos,
que juntos, educam e são educados, se tornando sujeitos do
processo educativo. Desse modo, o educador
problematizador refaz seu ato cognoscente, na
cognoscitividade dos educandos, que são agora
investigadorescríticos em diálogo com o educador e não
mais recipientes dóceis de depósitos de informações. Porém,
devemos levar em conta a dificuldade da adoção desta
prática, já que desde da infância, todos fomos educados por
meio da educação bancária.7
A Educação Problematizadora é a futuridade
revolucionária e cheia de esperança, que objetiva
corresponder à condição dos homens como seres históricos
e à sua historicidade e que estes possam conhecer cada vez
mais a sua realidade, o mundo ao qual pertencem,
construindo um futuro melhor.7
A caminho dessa futuridade revolucionária
encontramos autores que contribuem para aprofundar
filosoficamente essa discussão, uma vez que seus
pressupostos convergem diretamente à Educação
Problematizadora. Trata-se de Edgar Morin.
Educação nutricional e os sete saberes necessários à
educação do futuro
Morin11, preocupado com os novos caminhos da
educação, contribui com todos os que pensam e fazem
educação ao enunciar os sete saberes fundamentais
necessários à educação do futuro em toda sociedade e toda
cultura, sem exclusividade ou rejeição, segundo modelos e
regras de cada sociedade e cultura. Partindo do trabalho do
autor, vamos apresentar como estes saberes: As cegueiras
do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do
conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana;
Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas;
Ensinar a compreensão; e a Ética do gênero humano. Todos
esses saberes poderiam ser incorporados à Educação
Nutricional e à Educação Problematizadora proposta por
Paulo Freire.
No primeiro saber, “As cegueiras do conhecimento:
o erro e a ilusão”, o autor afirma que todo conhecimento
comporta o risco do erro e da ilusão, uma vez que o
conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo
externo. Todas as percepções são traduções e reconstruções
cerebrais, baseadas em estímulos captados e codificados
pelos sentidos, e resultando em inúmeros erros de percepção,
o que já podemos acrescentar o erro intelectual. O
conhecimento, sob forma de palavra, idéia, teoria é fruto de
uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do
pensamento sujeito ao erro (o grifo é nosso), fator importante
à Educação Nutricional, ou seja, a necessidade de uma
linguagem adequada ao sujeito. Este conhecimento ainda
comporta a interpretação
 
(o grifo é nosso), o que leva ao
aumento do risco de erros na subjetividade do conhecedor,
de sua visão de mundo e de princípios de conhecimento.
Desta última afirmação, entendemos a relevância de
constantes esclarecimentos aos participantes do processo
educativo na Educação Nutricional para se evitar os
possíveis erros na subjetividade. Somente a afetividade é
 
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
151
que pode eliminar o risco do erro, levando em conta que a
paixão e a curiosidade são a mola da pesquisa filosófica ou
científica e que o mundo da inteligência e da afetividade
são inseparáveis (o grifo é nosso).11 Nesse sentido, a nossa
relação com os sujeitos deveria superar as que se
caracterizam como professor-aluno ou nutricionista-
paciente. Deveríamos ainda, transmitir através de todos os
nossos atos, nossa paixão pelo processo educativo suscitando
questionamentos e curiosidades.
A educação deve-se dedicar à identificação da origem
dos erros e ilusões, que podem ser: mentais - considerando
que o mundo psíquico é 98% conectado com o
funcionamento interno, o que significa ser relativamente
independente, em que fermentam necessidades, sonhos,
desejos, idéias, imagens, fantasias; intelectuais – está na
lógica organizadora de qualquer sistema de idéias resistir à
informação (o grifo é nosso) que não lhe convém; racionais
– a racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a
ilusão, pois dialoga com o real que lhe resiste, é fruto do
debate argumentado das idéias, deve reconhecer a parte do
afeto, do amor e do arrependimento e principalmente, ser
autocrítica. 11 Dessa forma, torna-se claro a necessidade que
os temas abordados no processo educativo devem advir dos
sujeitos e por eles considerados relevantes.
E ainda, a educação deve considerar que: os
indivíduos são marcados desde o nascimento, primeiro com
o selo da cultura familiar, escolar, seguido da universitária
e profissional, denominado de imprinting cultural, termo
proposto por Konrad Lorenz e relativo à marca indelével
imposta pelas primeiras experiências do animal recém-
nascido. Existem condições bioantropológicas (as aptidões
do cérebro e mente humana), condições socioculturais (a
cultura aberta voltada a diálogos e troca de idéias) e
condições noológicas (as teorias abertas) que permitem
interrogações fundamentais sobre o mundo, sobre o homem
e sobre o próprio conhecimento. O desafio da educação do
século XXI é armar cada um para o combate vital à lucidez,
11 novamente a ênfase em se considerar na abordagem da
Educação Nutricional, as questões culturais e sociais.
“Os princípios do conhecimento pertinente”, segundo
saber enunciado por Morin, volta-se a necessidade de
superarmos a inadequação existente entre os saberes, que
se encontram desunidos, divididos, compartimentados e os
problemas, cada vez mais multidisciplinares, transversais,
multidimensionais, globais. Pensando assim, aumenta a
responsabilidade da Educação Nutricional ser articuladora
e promover saberes contextualizados. Com esta finalidade,
o autor apresenta algumas considerações que merecem ser
elucidadas: as informações ou dados somente terão sentido
quando situados em contextos; a sociedade é mais que um
contexto, é global, é o todo organizador que fazemos parte;
o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social,
afetivo e a sociedade comporta as dimensões, histórica,
econômica, sociológica e religiosa, portanto
multidimensionais. O conhecimento pertinente deve
enfrentar a complexidade, que existe, quando elementos
diferentes são inseparáveis constitutivos do todo – como o
econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo,
mitológico
 
(o grifo é nosso). 11 Elementos fundamentais a
serem considerados no processo educativo e que nos
confrontam cada vez mais com os desafios da complexidade
da Educação Nutricional.
Apoiada nas afirmações acima, a educação deve
promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao
complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro
da concepção global. A inteligência geral pede o livre
exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e mais
viva durante a infância e adolescência, que com freqüência
que a instrução a extingue, ao invés de estimula-la, a idéia
do autor assemelha-se às idéias de Paulo Freire, quando se
refere à educação “bancária”. A educação deve favorecer a
aptidão natural da mente em formular e resolver os
problemas essenciais (o grifo é nosso), um dos objetivos da
Educação Nutricional, ou seja, favorecer a autonomia dos
sujeitos. Ao separar as dimensões, biológica, psíquica,
econômica, religiosa faz com que as mentes percam suas
aptidões para contextualizar os saberes, conduzindo ao
enfraquecimento da responsabilidade – cada qual tende a
ser responsável apenas por sua tarefa especializada, bem
como ao enfraquecimento da solidariedade – cada qual não
mais sente os vínculos com seus concidadãos. 11
O terceiro saber, “Ensinar a condição humana”, é
de fundamental importância à reflexão do profissional
nutricionista interessado em realizar uma Educação
Nutricional mais crítica. Nos encontramos na era planetária
e os seres humanos devem reconhecer-se em sua humanidade
comum, situar-se no universo e ao mesmo tempo reconhecer
sua diversidade cultural inerente a tudo que é humano.
Sabemos que o ser humano é visto de forma dividida, em
pedaços de um quebra-cabeça, ao qual sempre falta uma
peça. Morin acrescenta que é necessário à educação do
futuro, promover grande remembramento dos
conhecimentos naturais, para situar a condição humana no
mundo,dos conhecimentos derivados das ciências humanas
para colocar em evidência a multidimensionalidade e a
complexidade humanas. 11
O ser humano é complexo e não só vive de
racionalidade e técnica, ele também se desgasta, se dedica
a danças, mitos, magias; é infantil, neurótico, delirante e
racional. Sorri, ri, chora, mas sabe conhecer com
objetividade; é sério e calculista e ansioso, angustiado,
gozador; violento e amoroso; nutre-se de conhecimentos
comprovados, mas de ilusões. 11 E assim, conhecer nossos
sujeitos na sua complexidade humana faz parte de um dos
sete saberes necessários à educação do futuro e também aos
novos caminhos da Educação Nutricional.
No quarto saber, “Ensinar a identidade terrena”, o
autor preocupa-se com a dificuldade dos indivíduos em
conhecer o mundo, em desenvolver a aptidão de
contextualizar e de globalizar. 11
Para MORIN, é necessário termos uma noção mais
rica e complexa do desenvolvimento, que não seja apenas
material, mas intelectual, afetiva e moral. Precisamos
aprender a “estar aqui” no planeta, vivendo, dividindo,
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
152
comunicando, pertencendo a uma cultura e dispostos a
sermos terrenos. O pensamento deve mudar: todas as
culturas têm suas virtudes, experiências, sabedorias, mas
também ignorâncias e carências e é olhando ao passado
que vamos conseguir superar esses obstáculos, encontrando
energia para enfrentar o presente e preparar o futuro.
Civilizar e solidarizar a Terra (o grifo é nosso), transformar
os humanos em uma verdadeira humanidade torna-se o
objetivo fundamental e global de toda educação que almeja
a sobrevida da humanidade11 e podemos acrescentar ainda
aqui, a importância da Educação Nutricional mais
preocupada com a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos
envolvidos no processo educativo. 
No quinto saber, “Enfrentar as incertezas”, é
discutido que foi no século XX a descoberta de que o futuro
é marcado pela imprevisibilidade. Com certeza, existem
determinantes econômicos e sociológicos ao longo da
história, mas que são também instáveis e incertos, propensos
a acidentes e imprevistos. Pensando dessa forma, a grande
conquista inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão
de prever o destino humano e definir da história da
humanidade como uma aventura desconhecida. 11
O surgimento da nova consciência se inicia, o homem
precisa aprender a conviver com as incertezas e mudança
dos valores (o grifo é nosso), a serem considerados em todo
percurso da Educação Nutricional. Dessa maneira, importa
não sermos realistas (adaptar-se ao imediato) e nem
irrealistas (substituir-se às limitações da realidade) no
sentido trivial e sim, realistas na compreensão das incertezas
da realidade, não esquecendo que há algo invisível no real.
O conhecimento é uma aventura incerta, que comporta em
si mesmo o risco do erro e da ilusão e considerando as
incertezas do ato cognitivo, podemos mais nos aproximar
do conhecimento pertinente. 11
Incorporando o pensamento do autor aos novos
rumos da Educação Nutricional, ele contribui, ao nos
mostrar que o nutricionista ao realizar uma ação educativa,
deve levar em conta a complexidade que ela supõe, ou seja,
o aleatório, acaso, iniciativa, imprevisto, decisão,
inesperado. 11
“Ensinar a compreensão” corresponde o sexto saber,
que enfatiza o problema de como a falta de compreensão
humana tornou-se tão importante aos humanos e sua
necessidade de superação como condição e garantia da
solidariedade intelectual e moral da humanidade. A
compreensão humana vai além da explicação, o ato de
explicar é essencial à compreensão intelectual ou objetiva
das coisas anônimas ou materiais, mas insuficiente para a
compreensão humana. Esta comporta um conhecimento de
sujeito a sujeito e um processo de empatia, identificação e
projeção e ainda, de abertura, simpatia e generosidade11.
Todos elementos considerados essenciais ao processo de
Educação Nutricional.
O autor termina este saber afirmando que a única e
verdadeira mundialização a serviço do gênero humano é a
da compreensão da solidariedade intelectual e moral da
humanidade
 
(o grifo é nosso). Compreender é também
aprender e reaprender incessantemente. O planeta necessita
de compreensões mútuas, em todos os níveis educativos e o
desenvolvimento da compreensão necessita de reforma
planetária, tarefa da educação do futuro. 11
O parágrafo acima nos faz comparar novamente o
modo de pensar do autor com o de Paulo Freire,
considerando que ambos os autores são importantes
referenciais aos novos fundamentos à reestruturação da
Educação Nutricional, em que através da compreensão e da
solidariedade intelectual e moral da humanidade nos
revelam que vamos conquistando o espaço necessário a este
fim.
“A ética do gênero humano” é o sétimo e último
saber necessário à educação do futuro, proposto por Morin.
Neste saber, o autor afirma que os indivíduos são mais do
que produtos do processo reprodutor da espécie humana e
também que as interações entre os indivíduos resultam na
sociedade dotada de cultura e de valores. Ao sucesso do
processo da Educação Nutricional é preciso reconhecer o
sujeito como gênero humano, porque este significa
desenvolvimento do conjunto das autonomias individuais,
das participações comunitárias e do sentimento de pertencer
à espécie humana. 11
Trabalhar o desenvolvimento humano e a
participação dos sujeitos, visando o nascimento da
verdadeira humanidade, deve ser a preocupação inserida
nos desafios do processo de Educação Nutricional mais
crítico, sem omitir os valores nele impressos.
Conclusão
Diante do quadro apresentado, cujo foco voltou-se à
Educação Nutricional, algumas considerações podem ser
aqui apresentadas.
Tornou-se visível à importância da área enquanto
atribuição explícita do nutricionista. Seu trabalho deve ser
realmente voltado à Educação Nutricional, permitindo que
o profissional possa fazer o exercício de distinção da prática
da Educação Nutricional e da Orientação Nutricional.
É possível afirmar também que para além do domínio
de conteúdos advindos do campo das ciências biológicas o
nutricionista, para o exercício da Educação Nutricional,
necessita complementar conhecimentos para realizar o
processo com diferencial qualitativo de atuação.
Consideramos que o nutricionista, como educador,
deve se convencer de que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção
ou a sua construção. A Educação, na sua vertente
problematizadora, apresentou-se como caminho possível
para o enriquecimento profissional, uma vez que
devidamente trabalhado, o processo da Educação
Nutricional ampliará também ao paciente a construção de
conhecimentos, inserindo-o em bases mais significativas.
MANÇO, A.M.; COSTA, F.N.A. Nutritional education:
possible directions. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2,
p. 145-153, 2004.
ABSTRACT: The work aims to present theoretically
the main conceptions involved in Nutritional Education 
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
153
and signal to possible directions. Having a documental
analysis as a starting point, it carries out a historical
retrospective of the field of Nutritional Education and
points the ways to be followed. Based on the
accomplished analysis it provides the possibility that
the Nutritional Education be enriched by the area of
human sciences, philosophical principles of Education
in general, considering as theoretical references, Freire
and Morin. The final considerations indicate the
Nutrition professionals need to complement his/her
initial background especially in biology in Education
to develop qualitatively the process of Nutritional
Education attributed to him/her.
KEYWORDS: Nutrition education; education; proble-
matical education; nutrition-educator.
Referências bibliográficas
1. BELIK, W; GROSSI,M.D. O programa fome zero no
contexto das políticas sociais no Brasil. 2003.
Disponível em: http://www.fomezero.org.br. Acesso em:
7 jan. 2004.
2. BIZZO, M.L.G. Difusão científica, comunicação e saúde.
Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.18, n.1, p.307-
314, jan-fev, 2002.
3. BOOG, M.C.F. Educação nutricional em serviços
públicos de saúde: busca de espaço para ação efetiva.
1996. 298f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Saúde
Pública, USP, São Paulo, 1996.
4. BOOG, M.C.F. Educação nutricional em serviços públicos
de saúde. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.15,
Supl.21, p. 139-147, 1999.
5. BOOG, M.C.F. Educação nutricional: passado, presente,
futuro. R. Nutr., Campinas, v.10, n.1, p.5-19, jan./jun.,
1997.
6. CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS.
Definição de atribuições principal e específicas dos
nutricionistas, conforme área de atuação. São
Paulo,1996. 21p.
7. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184p.
8. FREITAS, M.C.S. Educação nutricional: aspectos sócio-
econômicos. Rev. Nutr. Campinas, v.10, n.1, p.45-49,
jan./jun., 1997.
9. HELLMAN, C.G. Cultura, saúde e doença. 2. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994. 309p.
10. LESSA, I. O adulto brasileiro e as doenças da
modernidade: epidemiologia das doenças crônicas não-
transmissíveis. São Paulo: Hucitec Abrasco, 1998. 284p.
11. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação
do futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 118p.
12. MOTTA, D.G.; BOOG, M.C. Educação nutricional.
3. ed. São Paulo: IBRASA, 1984. 162p.
13. MOTTA, D.G. Comportamento alimentar. In: BOOG,
M.C.F.; MOTTA, D.G.; BON, A.M.X. Alimentação
natural: prós e contras. São Paulo: IBRASA, 1985. p.
101-122.
14. PROGRAMA fome zero. Brasília, 2003. Disponível
em: http://www.fomezero.org.br. Acesso em: 10 nov.
2003.
15. PROJETO fome zero: uma proposta de política de
segurança alimentar para o Brasil. 2001. Disponível
em: http://www.fomezero.org.br. Acesso em: 07 jan.
2004.
16. RAMALHO, R.A.; SAUNDERS, C. O papel da
educação nutricional no combate às carências
nutricionais. Rev. Nutr. Campinas, v.13, n.1, p.11-16,
jan./abr., 2000.
17. SILVA, S.C.S. Nutricionista: profissional do futuro. O
mundo da saúde. São Paulo, v.23, n.6, p.384-390, nov./
dez. 1999.
18. VALENTE, F.L.S. Em busca de uma educação
nutricional crítica. In: __. Fome e desnutrição:
determinantes sociais. São Paulo: Cortez, 1986. p.66-
94.
19. VASCONCELOS, E.M. Educação popular e a atenção
à saúde da família. 2. ed. São Paulo: HUCITEC,
2001. 336p.
20. VASCONCELOS, F.A.G. Delimitação da prática
profissional do nutricionista em saúde coletiva:
subsídios para uma discussão e elaboração de uma
proposta de trabalho. Alim. Nutr., v.10, n. 47, p. 25-
32,1990.
Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004
This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com.
The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.
This page will not be added after purchasing Win2PDF.

Outros materiais