Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Análise dos padrões de herança observados na segregação dos caracteres cor de olho em indivíduos de Drosophila melanogaster (Diptera, Drosophilidae) Eduardo de Farias Geisler¹ Fábio Mitsuo Kimura¹ Luiza Lese Pereira¹* ¹Universidade Federal de Santa Catarina Departamento de Biologia Celular Embriologia e Genética, Centro de Ciências Biológicas Campus Universitário João David Ferreira Lima, Trindade, CEP 88049-900, Florianópolis – SC, Brasil *Autor para correspondência: luizalese@gmail.com Resumo: Estudos sobre padrões de herança genética e suas variações dentro das gerações possibilitam o entendimento das características dentro de uma população, correlacionando as diferentes gerações. Alguns fatores como ciclo de vida rápido e características externas de fácil visualização tornam a mosca Drosophila melanogaster um excelente modelo animal de estudos genéticos. Além disso, estes organismos apresentam padrões de segregação onde é possível prever os fenótipos das gerações futuras. Neste estudo, observou-se duas gerações de D. melanogaster visando determinar o tipo de herança segregada. A geração P1 apresentou fenótipo desconhecido. Todos os indivíduos da F1 apresentaram padrão selvagem. O intercruzamento da F1 gerou a F2, onde houve segregação do caractere cor de olho. Os fenótipos observados foram selvagem, brown, scarlet e white em ambos sexos. A distribuição entre machos e fêmeas apresentou-se da maneira esperada, na proporção 1:1. O teste de qui-quadrado de homogeneidade permitiu a união das amostras 1 e 2 para análise. O padrão de herança proposto foi de interação gênica não-epistática com dominância completa para explicar a proporção fenotípica observada, a qual foi testada estatisticamente na F2 usando o qui-quadrado de aderência, resultando na proporção esperada de 9 selvagens : 3 brown : 3 scarlet : 1 white. A partir destas análises pôde-se inferir os possíveis genótipos das três gerações. Palavras-chave: Padrão de herança; Autossômico; Interação Gênica; Dominância Completa INTRODUÇÃO Sendo a genética o estudo da variação e a hereditariedade nos organismos (Alberts et al, 2008), as primeiras descobertas nessa área ainda resumem-se nos extraordinários estudos de um grande cientista: Gregor Mendel e suas teorias sobre os padrões de herança e a hereditariedade. Tendo um importante papel para a história da genética, e sendo um dos primeiros pesquisadores a tentar entender os padrões de herança observados na natureza (Hardt, 1992), Gregor mendel, dedicou-se ao entendimento de como se estabelecem as segregações de alelos entre os indivíduos, buscando entender relações entre suas observações e os padrões de hereditariedade. De uma forma geral, apesar de criticismo sobre a verdadeira vontade de Mendel em estabelecer leis de herança e até mesmo sobre o êxito do objetivo de seus estudos (Monaghan et al., 1984), podemos dizer que os autores posteriores à Gregor Mendel acabaram estabelecendo duas leis mendelianas em relação aos padrões de herança observados (Monaghan et al., 1984) e, como veremos em seguida, o foco deste trabalho será na “segunda lei de herança, mendeliana”, ou, a lei da segregação independente, apesar de nossa impossibilidade em criarmos uma separação entre a primeira e a segunda lei, já que ambas derivam teoricamente de um mesmo princípio. A primeira lei de mendel sobre a segregação de alelos evoca a premissa de que cada indivíduo carregará dois alelos para uma determinada característica em observação e que esses alelos se separam, segregando-se na formação dos gametas (Griffiths et al., 2005). Essa segregação servirá como base para o estabelecimento da segunda lei de mendel, também conhecida como “Lei da segregação independente”, que parte da premissa que se as características são passadas independentemente da outra e dos parentais, em cruzamentos monoíbridos, encontraremos uma proporção 3:1 entre fenótipos recessivos e dominantes, enquanto que em cruzamentos diíbridos encontraríamos uma proporção de 9:3:3:1 (Griffiths et al., 2005). Tendo como uma realidade a resumida variedade de organismos usados como modelos biológicos (Bolker, 2012), o estudo de insetos teve grande importância nos mais diversos campos científicos, principalmente a genética. A espécie Drosophila melanogaster vem sendo um importante modelo biológico para entender grande parte dos padrões que se observam em outras espécies (Roberts, 2006). Para a genética, os drosofilídeos possuem características muito importantes para o estudo da hereditariedade e para a genética de populações como o fato de que seus traços fenotípicos refletem diretamente seu genótipo sem o mínimo input ambiental (Bolker, 2012), além de possuírem um período curto de geração e também um baixíssimo custo de manutenção (Wolf, 2009). A análise de mutantes a partir fenótipo obtido e ao levarmos em conta as características de nosso objeto de estudo, é uma prática em que sob determinadas circunstâncias, nos ajuda muito a entender o que pode estar acontecendo no modelo e também nos padrões que são observados na natureza. A pigmentação dos olhos de D. melanogaster é resultante da síntese e da deposição de pigmentos vermelhos (drosopterinas) e de pigmentos marrons (xantomatinas) nos omatídeos, (Summers et al., 1982). A D. melanogaster possui uma série classes para a característica “cor de olho”, possuindo desta forma os mutantes Brown, Scarlet e White, os quais respondem respectivamente as classes de cor “marrom, vermelho vivo e branca” (Lyria Mori, 2012). Em mutantes Brown, os genes que atuam na síntese da drosopterina originam mutantes com olhos marrons e para os mutantes Scarlet, mutações que impedem a síntese dos omocromos geram drosófilas com olhos vermelho vívido (Lyria Mori, 2012). Para os mutantes White, mutações nos genes envolvidos no sistema de transporte resultam em moscas sem pigmentos, pois não há deposição de pigmentos no interior das células das drosófilas mutadas (Lyria Mori, 2012). Como veremos adiante, essas diferentes características irão compor uma herança baseada em segregação independente diíbrida, observada em nossos estudos ao longo do trabalho com esta espécie. O presente estudo tem como objetivo determinar o tipo de padrão de herança na segregação dos caracteres, a partir dos fenótipos observados nas gerações F1 e F2 do experimento realizado e, ainda, propor a característica dos alelos e genes da geração parental (P1) para os caracteres em questão. MATERIAIS E MÉTODO Objeto de Estudo Foram utilizados Drosophila melanogaster (Figura 1), cuja classificação taxonômica se encontra na Tabela 1. A escolha para a utilização desse animal deve-se à cultura econômica e de fácil manutenção, além de ocupar pouco espaço e ter ciclo de vida curto (Figura 2). A produção de muitos ovos em curto intervalode tempo permite a observação de vários indivíduos e, por apresentarem grande número de caracteres externos de fácil visualização é possível estudar a hereditariedade e genética de populações. Além disso, existem estudos indicando a D. melanogaster como um organismo modelo ideal para o estudo de genética (Banfi et al., 1997). Figura 1: Fêmea (esquerda) e macho (direita) de D. melanogaster. Imagem disponível em: <https://msu.edu/~testanic/research.html> Figura 2: Ciclo de vida da mosca D. melanogaster. Fonte: GRIFFITHS, A. J. F.. Introdução a genética. 9. ed.. Guanabara Koogan S.a., 2009. Tabela 1: Classificação taxonômica de D. melanogaster. Filo Arthropoda Subfilo Hexapoda Classe Insecta Subclasse Pterygota Infraclasse Neoptera Ordem Diptera Subordem Cyclorrhapha Família Drosophilidae Gênero Drosophila Espécie Drosophila melanogaster Procedimentos e Protocolo de Cruzamento 1. Cruzamento da geração parental (P1): machos e fêmeas virgens são colocados no mesmo vidro para a cópula; 2. Repicagem da geração parental (P1); 3. Remoção e eliminação dos progenitores, deixando somente os ovos nos vidros; 4. Análise da F1 - observação, separação por sexo e contagem dos indivíduos; 5. Intercruzamento dos indivíduos da F1 (F1 x F1) em um novo vidro; 6. Repicagem da geração F1; 7. Remoção e eliminação dos adultos de F1, deixando somente os ovos no vidro; 8. Análise da F2 - observação, separação por sexo e mutação e contagem dos indivíduos. Inicialmente selecionou-se fêmeas virgens a fim de evitar o risco de fecundação prévia (Gomes, 2001). Após 7 dias do início do cruzamento, os adultos foram eliminados (ibid), período no qual se maximiza o número de cruzamentos potenciais entre indivíduos da geração progenitora sem coexistirem estes indivíduos com indivíduos da geração subsequente em fase fértil de seus ciclos de vida (vide Figura 2). A Tabela 2 apresenta os ingredientes do meio de cultura utilizado nos vidros nos quais as moscas foram armazenadas. Estes vidros apresentam capacidade para 250 mL. Os indivíduos foram anestesiados com éter sulfúrico e, com auxílio de lupa, contados e separados. Os indivíduos analisados foram em seguida eliminados em solução de álcool. A distinção dos sexos se baseou nos seguintes critérios: em machos, porção final do abdômen mais escuro em função da fusão dos últimos tergitos e presença de pente tarsal no primeiro par de patas; em fêmeas, presença de ovipositor (vide Figura 1). As mutações foram analisadas nas alterações fenotípicas cor dos olhos. Tabela 2: Proporção dos ingredientes para a confecção de 10 vidros de meio de cultura de D. melanogaster. Ingrediente Quantidade Farinha de milho 58,34 g Farinha de Soja 2,92 g Farinha de centeio 7,50 g Açúcar 45,84 g Sal 0,45 g Nipagin (fungicida) 1,60 g Água 417,0 ml Análise estatística Para testar a homogeneidade das amostras foi feito o teste de qui-quadrado (χ²) de homogeneidade. Esse teste foi aplicado para avaliar a possibilidade de analisar em conjunto as diferentes amostras do experimento. Sendo então: Ho - amostras são homogêneas em relação à distribuição fenotípica observada e, portanto, podem ser analisadas em conjunto; H1 - amostras não são homogêneas em relação à distribuição fenotípica observada e, portanto, devem ser analisadas separadamente. O qui-quadrado (χ²) de aderência buscou verificar a aplicabilidade de um modelo probabilístico a um conjunto de dados observados em relação a uma variável categórica. Neste experimento o modelo testado foi o padrão de herança proposto para os fenótipos do caractere observado. Sendo então: Ho - distribuição fenotípica esperada dado o padrão de herança proposto e distribuição fenotípica observada não diferem estatisticamente; H1 - distribuição fenotípica esperada dado o padrão de herança proposto e distribuição fenotípica observada diferem estatisticamente. Para ambos os testes, o nível de significância (α) estabelecido foi de α = 0,05 e o grau de liberdade definiu-se por GL = (nº classes -1), com nº classes = nº categorias fenotípicas observadas. RESULTADOS A Tabela 3 apresenta os dados observados no experimento realizado, que consistiu na análise de uma amostra de indivíduos da geração F1 e duas amostras diferentes de indivíduos da geração F2 (Amostras 1 e 2). Os fenótipos dos indivíduos da geração parental (P1) são desconhecidos, porém sabe-se que ambos provém de linhagens puras, ou seja, homozigotas, e contrastantes. Todos os indivíduos da primeira geração filial (F1) foram selvagens e, visto que a proporção de machos e fêmeas deu-se de 1:1, a amostra foi contabilizada descartando a hipótese de a mutação ter relação com o sexo. Os fenótipos para coloração dos olhos observados na geração filial F2 foram selvagem - coloração avermelhada normal e presente na maioria dos indivíduos -, brown - coloração castanha-, scarlet - coloração vermelho - e white - coloração branca. A Figura 3 é uma representação desses fenótipos. Tabela 3: Resultados obtidos para o experimentos nas amostras da geração parental (P), prole do primeiro cruzamento (F1) e prole do segundo cruzamento (F2) de indivíduos de D. melanogaster. Geração Fenótipo Experimento 1 P1 Desconhecidos, porém contrastantes F1 100% selvagens (machos e fêmeas) F2 Am. 1 Am. 2 Total Selvagens 224 371 595 Brown 70 115 185 Scarlet 65 116 181 White 26 34 60 Total 385 636 1021 Figura 3: Fenótipos para coloração do olho encontrados em D. melanogaster. Legenda: A = selvagem, B = brown, C = scarlet e D = white Imagem adaptada de: <http://www.indiana.edu/~oso/lessons/Genetics/bw_st.html> DISCUSSÃO Através do teste de qui-quadrado de homogeneidade, compararam-se as distribuições dos fenótipos selvagem/mutantes em machos e fêmeas da geração F2 entre as amostras 1 e 2, resultando em χ2 calculado = 1,059 e χ2 tabelado = 7,815, com GL = 3. Logo, χ2 calculado < χ2 tabelado. Pode-se afirmar, então, que as amostras são homogêneas entre si com intervalo de confiança 0,80<P<0,90. Esse resultado permite tratar as amostras 1 e 2 como subconjuntos complementares de amostras maiores (coluna Total da Tabela 3) e, portanto, menos susceptíveis a flutuações aleatórias frente à posterior aplicação do teste de qui-quadrado de aderência. A hipótese genética a ser analisada na geração F2 pelo teste de qui-quadrado de aderência é a de que o padrão de herança dos fenótipos observados é resultante de uma interação gênica não-epistática, onde os loci interagem entre si para determinar o fenótipo dos indivíduos sem que a expressão de um alelo interfira na expressão de algum dos outros. Esta interação obedece as proporções fenotípicas de 9 selvagens : 3 brown : 3 scarlet : 1 white. Partiu-se do pressuposto que é uma interação gênica por apresentar quatro fenótipos diferentes na geração F2. Embora essa proporção seja numericamente semelhante à proporção diíbrida mendeliana,o cruzamento envolveu apenas a característica cor de olho. O χ2 calculado = 1,759 e χ2 tabelado = 7,815, com GL = 3. Logo, χ2 calculado < χ2 tabelado. Visto isso, a hipótese foi aceita com intervalo de confiança 0,70<P<0,50. Logo, essa mutação resulta de uma interação genética não-epistática. Já a dominância completa se presume por não haver coloração intermediária. O alelo white parece ser recessivo e o selvagem dominante. O gene white codifica a proteína w que auxilia no transporte dos precursores dos pigmentos, formando um heterodímero na membrana celular, ou seja, para desempenhar sua função, ela se une a outra proteína diferente dela. Junto à proteína st, proveniente do gene scarlet, o canal protéico permite a passagem do triptofano, precursor do pigmento vermelho, da hemolinfa para o interior da célula. Já com a proteína bw, proveniente do gene brown, permite a passagem da guanina, precursora do pigmento marrom. A mistura desses dois pigmentos resulta no vermelho escuro característico da D. melanogaster. A falta de um dos precursores resulta nas mutações scarlet e brown. Para a mutação white há duas possibilidades: mutação no locus white, resultando na falta da síntese da proteína w, ou dupla mutação nos loci scarlet e brown, resultando na ausência das proteínas st e bw (Figura 4). A tabela 4 apresenta os possíveis alelos nos loci brown e scarlet. Os prováveis gametas da F1 são mostrados no Quadro de Punnett, na tabela 5. Os quadrados brancos representam os indivíduos selvagens. Figura 4: Esquema simplificado da pigmentação dos olhos em D. melanogaster. Imagem adaptada de: <http://www.indiana.edu/~oso/lessons/Genetics/bw_st.html> Tabela 4: Alelos dos loci brown e scarlet. Tabela 5: Quadro de Punnett apresentando os possíveis gametas da F1 e os genótipos da F2. Além disto, com o advento do mapeamento cromossômico do genoma de D. melanogaster, é possível identificar a localização dos loci gênicos onde se encontram estes alelos (Figura 5). Observa-se que o cada locus está presente em um cromossomo diferente. Figura 5: Mapa cromossômico de D. melanogaster indicando a localização dos loci gênicos relacionado ao fenótipo coloração do olho. REFERÊNCIAS ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P. Biologia Molecular da Célula. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. BANFI, S., BORSANI, G., BULFONE, A. AND BALLABIO, A. Drosophila-related expressed sequences. Human molecular genetics, 6(10), p.1745-1753, 1997 BOLKER, J. There's more to life than rats and flies. Nature, [s.l.], v. 491, n. 7422, p.31-33, nov. 2012. GOMES, R. A. P. L.. Protocolo: utilização de Drosophila em Genética: 1ª parte. Biologias, Lisboa, v.1, 2001. GRIFFITHS, A.; WESSLER, S.; LEWONTIN, R.; CARROLL, S. Introdução à Genética. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2005. HARTL, D. L.; OREL, V. What Did GREGOR MENDEL Think He Discovered? Genetics Society Of America, St. Louis, Missouri, n. 131, p.245-253, jun. 1992. MONAGHAN, F. & CORCOS, A. On the origins of the Mendelian laws. The Journal of heredity, v. 75, p. 67-69, 1984. MORI, Lyria. Gene white e o mutante de olhos brancos de Drosophila melanogaster. Genética na Escola, Ribeirão Preto, Sociedade Brasileira de Genética, v. 7, n. 2, p. 97-101, 2012. Disponível em: <http://geneticanaescola.com.br/wp-home/wp-content/uploads/2012/10/Genetica-na-Escola-72.p df>. ROBERTS, D. B.. Drosophila melanogaster: the model organism. Entomologia Experimentalis Et Applicata, [s.l.], v. 121, n. 2, p.93-103, nov. 2006. SUMMERS K.M.; HOWELLS A.J.; PYLIOTIS, N.A . Biology of eye pigmentation in insects. Advances in insect physiology. Academic Press, v. 16, p. 119-166, 1982. WOLF, M. J; ROCKMAN, H.A. Drosophila melanogaster as a model system for genetics of postnatal cardiac function. Drug Discov Today Dis Models, Duke University Medical Center, v. 3, n. 5, p.117-123, 2009.
Compartilhar