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Da Liberdade John Stuart Mill

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CLÁSSICOS DA DEMOCRACIA
-1-
JüHN STUART MILL
DA LIBERDADE
Tradução de
E. JACY MONTEIRO
~~..~ .In RASA .~õ "'~
INSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE DIFUSÃO CULTURAL S.A. ~Q,
. . SÃO PAULO ~~
ver como possa esta resistir. Continuará a resistir com difi-
culdade cada vez maior a menos que a parte inteligente do pú-
blico possa chegar a sentir-lhe a valia - convencer-se da con-
veniência resultante das diferenças, ainda mesmo que não sejam
para melhor, mesmo que, conforme se lhes possa afigurar, algll-
mas fôssem para pior. Se algum dia tiverem de ser reivindicados
os direitos da individualidade, a ocasião deve ser esta, enquanto
ainda falta muito para completar a assimilação em andamento.
Sàmente nos primeiros estádios pode oferecer-se com êxito qual-
quer resistência à usurpação. A exigência de que todos os mais
se pareçam conosco aumenta com o que a alimenta. Se a re-
sistência esperar até que a vida se reduza aproximadamente a
um único tipo uniforme, todos os desvios dêsse tipo passarão
a ser considerados ímpios, imorais, até mesmo monstruosos e
contrários à natureza, tornando-se os homens ràpidamente in-
capazes de conceber a diversidade quando por algum tempo se
desacostumarem dela.
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CAPíTULO IV
DOS LIMITES DA AUTORIDADE
DA SOCIEDADE SõBRE O INDIVIDUO
Q DAL, ENTÃO, o justo limite da soberania do indivíduo sô-
bre si mesmo? Onde começa a autoridade da sociedade? Qual
a parte da vida humana que se deve atribuir à individualidade
e qual à sociedade?
Cada um receberá a parte que lhe convém se cada um tiver
aquilo que mais particularmente lhe diz respeito. À individua-
lidade deve pertencer a parte da vida na qual está principalmente
interessado o indivíduo; à sociedade, a parte que interessa prin-
cipalmente à sociedade.
Embora a sociedade não tenha por base um contrato, e em-
bora a invenção de um contrato não venha satisfazer a qualquer
propósito bom, com o fito de deduzir-se dêle obrigações sociais,
todos os que recebem proteção da sociedade lhe devem uma
retribuição por êsse benefício, tornando a vida em sociedade
indispensável -que se limite cada um a observar certa linha de
conduta para com os demais. Tal conduta consiste, primeira-
mente, em não prejudicar os .direitos de outrem, ou antes, certos
interêsses que, seja por expressa provisão legal seja por enten-
dimento tácito, devem considerar-se como direitos; e, em segun-
do lugar, em cada um assumir a responsabilidade da parte que
lhe cabe (a fixar-se segundo certo princípio eguitativo) dos tra-
balhos e sacrifícios em que incorre a sociedade na defesa pró-
pria ou dos seus membros contra dano ou prejuízo. A socieda-
de pode justificadamente exigir o cumprimento dessas obriga-
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ções a todo custo de quantos se neguem a preenchê-las. Nem
é tudo que pode fazer. Os atos de um indivíduo podem ser pre-
judiciais a outros ou insuficientes na consideração devida ao
bem-estar dêles, sem que cheguem ao ponto de violar qualquer
dos seus direitos constitucionais. Nêsse caso o ofensor pode
ser punido justamente pela opinião, embora não pela lei. Logo,
qualquer parte da conduta de um indivíduo que afete prejudi-
cailmente os interêsses de outrem, a sociedade tem jurisdição
sôbre ela, ficando aberta à discussão saber se o bem-estar geral
será ou não promovido pela interferência. Todavia, não há lugar
para alimentar dúvidas quando a conduta de uma pessoa afeta
os interêsses tão-só dela própria, ou não precise afetá-los a rae-
nos que o queiram (todos os interessados sendo maiores e pos-
suidores da inteligência comum). Em todos êsses casos, deverá
haver completa liberdade, legal e social, para levar a efeito a
ação e sofrer as conseqüências.
Seria compreender muito imperfeitamente esta doutrina
supô-la importar em indiferença egoísta por pretender não terem
os sêres humanos qualquer inte:rêsse na maneira por que qual-
quer um conduz a própria vida, afirmando não deverem imis-
cuir-se no procedimento ou no bem-estar uns dos outros, senã.o
quando o seu interêsse próprio está envolvido. Ao invés de
qualquer diminuição, há necessidade de maior esfôrço desinte-
ressado a fim de promover o bem do próximo. A benevolêneia
desinteressada pode, contudo, lançar mão de outros instrumen-
tos com o fito de persuadir às pessoas para o próprio bem que
não castigos e punições, seja em sentido próprio seja metafó-
rico. Sou o último a subestimar virtudes de consideração para
consigo mesmo; estão em segundo lugar em importância, se é
que estão, em relação às virtudes sociais. Cabe igualmente à
educação cultivar uma e outra. Mas até mesmo aeducação age
mediante a convicção e a persuasão, tanto quanto pela com-
pulsão, e é sàmente pela primeira que, uma vez terminado o
período de educação, deverão inculcar-se as virtudes de con-
sideração para consigo mesma. Os sêres humanos devem-se
mutuamente auxílio para distinguirem o melhor do pior, bem
como incentivo para a escolha do primeiro e abstenção do se-
gundo. Deveriam constantemente estimular uns aos outros no
sentido do maior exercício das faculdades mais elevadas e mais
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ampla direção dos sentimentos e objetivos visando a assuntos e
contemplações sensatos ao invés de tresloucados, elevados em
lugar de degradantes. Entretanto, não se pode autorizar qual-
quer pessoa ou qualquer número de pessoas a dizer a qualquer
outra criatura humana amadurecida em anos que não deve fazer
com a vida, em benefício próprio, o que acha conveniente. O
próprio indivíduo é quem mais se interessa pelo próprio bem-
estar: o interêsse que qualquer outra pessoa possa ter, salvo nos
casos de forte amizade pessoal, é insignificante em comparação
com o que a própria pessoa tem; o interêsse que a sociedade
tem nela individualmente (com exceção da conduta em relação
a terceiros) é reduzido e inteiramente indireto, enquanto, rela-
tivamente aos sentimentos e circunstâncias que lhe são próprios,
o homem ou mulher mais comum possui meios de conhecimento
que ultrapassam de muito tudo quanto qualquer outra pessoa
possa ter. A interferência da sociedade para controlar-lhe os
julgamentos e objetivos naquilo que só a êle interessa, deve ba-
sear-se em hipóteses gerais suscetíveis de serem inteiramente
errôneas, e, mesmo se corretas, mui provàvelmente poderão ser
mal aplicadas a casos individuais, por indivíduos que não conhe-
cem melhor as circunstâncias de tais casos do que as que os
observam meramente de fora. Nêste departamento dos negócios
humanos, portanto, a individualidade possui o campo próprio
de ação. Na conduta dos sêres humanos em relação uns aos
outros é necessário que sejam observadas, na generalidade dos
casos, regras gerais, a fim de que as pessoas possam saber o
que esperar; mas no que diz respeito pràpriamente a cada um,
cabe à espontaneidade individual livre exercício. Podem ofe-
recer-se considerações que lhe venham em auxílio do julgamento,
exortações destinadas a reforçar-lhe a vontade, até mesmo for-
çadas; mas o próprio indivíduo é o último juiz. Todos os erros
que seja capaz de cometer contra conselhos e admoestações
ficam largamente contrabalançados pelo mal de permitir a ou-
trem constrangê-lo a fazer o que julgam ser o bem dêle.
Não afirmo que os sentimentos segundo os quais as pes-
soas encaram o próximo não devem de qualquer maneira ficar
afetados pelas qualidades ou deficiências de consideração do
indivíduo para consigo mesmo. Tal não é nem possível nem de-
sejável. Se fôr eminente em qualquer das qualidades que con-
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duzem aopróprio bem, será, sem dúvida, objeto de admiração.
Tanto mais perto se encontrará da perfeição ideal da natureza
humana. Se essas qualidades lhe faltarem em grande parte, será
encarado com sentimento oposto ao de admiração. Encontra-se
certo grau de loucura, e certo grau do que se poderia chamar
(embora a expressão esteja sujeita a objeções) baixeza ou depra-
vação de gostos que, embora não justifique se faça mal à pes-
soa que a manifesta, torna-a necessária e pràpriamente objeto
de desagrado, ou, em casos extremos, mesmo de desprêzo: ne-
nhuma pessoa poderia possuir as qualidades opostas com a
necessária intensidade sem alimentar tais sentimentos. Embora
sem fazer mal a quem quer que seja, uma pessoa é capaz de agir
de forma tal que nos obrigue a julgá-la e mesmo senti-la como
louco ou ente de ordem inferior; e, como êle preferirá evitar
tal julgamento e sentimento, será prestar-lhe um serviço preve-
ni-lo dêle de antemão, bem como de qualquer outra conse-
qüência desagradável a que se expõe. Na verdade, seria conve-
niente se se prestasse êsse bom ofício muito mais livremente
do que as noções comuns de polidez o permitem atualmente,
podendo uma pessoa honestamente apontar a outra que a acha
em falta, sem que a considerem descortês ou presunçosa. Temos
igualmente o direito de agir, por vários modos, de acôrdo com
a opinião desfavorável que tivermos de qualquer pessoa, não
para lhe oprimir a individualidade, mas para exercer a nossa.
Por exemplo, não somos obrigados a procurar-lhe a sociedade;
temos o direito de evitá-la (embora sem ostentar a abstenção)
por termos o direito de escolher a sociedade que mais nos con-
vém. Temos o direito, que pode ser mesmo dever, de precaver
outros contra ela se julgarmos que o exemplo ou conversa dela
é capaz de exercer efeito pernicioso sôbre aquêles com quem
se associa. Podemos dar a outros preferência em relação a ela
em bons serviços não obrigatórios, menos os que tendem a me-
lhorá-la. Por essas diversas maneiras uma pessoa pode vir a
sofrer severas penalidades às mãos de outras por faltas que só a
ela dizem respeito; mas só as sofre por serem conseqüências
naturais e, por assim dizer, espontâneas das próprias faltas, não
porque lhe sejam impostas à guisa de castigo. Pessoa que revel;;t
arrebatação, obstinação, presunção, - que não é capaz de
viver com meios moderados; que não evita indulgência danosa;
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que se entrega a prazeres grosseiros a exp~nsas d~s.~do senti-
mento e da inteligência - deve esperar decalr na oplmao de ter-
ceiros, ocupando lugar menor nos sentimentos favoráveis de
outrem; não tem, contudo, direito de queixar-se, ~ menos que
lhes tenha caído nas graças por excelência espeCial nas rela-
ções sociais, conseguindo, dêsse modo, impor-lhes um título aos
bons ofícios, não afetado pelos seus defeitos para consigo mesmo.
Pretendo afirmar que as desvantagens estritamente insepa-
ráveis do julgamento desfavorável de outros são as únicas a que
uma pessoa tem de submeter-se pela parte da conduta e do
caráter que entende com o seu próprio bem, mas qu.e .nã? afeta
os interêsses de outros nas relações com ela. Atos lllJunosos a
terceirosexio-em tratamento totalmente diferente. Usurpação de
b . •
direitos; imposição de qualquer dano ou per~a. que seus pro-
prios direitos não justifiquem; falsidade ou duphcldade em trata~
com o próximo; uso desleal ou mesquinho ?e vantaget;s;. ,a!e
mesmo abstinência egoísta de. defender alguem contra lnJuna
_ tais os objetos próprios de reprovação moral e, em casos
graves, de castigo e punição moral. E não ~àme~te ês:es atos,
mas as disposições que levam a êles, são objetos lmOraIS mere-
cedores de desaprovação, que pode chegar à aversão. Crue~­
dade de disposição; malícia e maldade; essa paixão das !UalS
anti-sociais e odiosas - a inveja; dissimulação e falta de smce-
ridade irascibilidade por motivo insuficiente, ressentimento em
despr~porção à provocação; paixãopelo domínio sôbre outrem;
desejo de absorver mais vantagens do que lhe cabem (a ple~­
nexia dos gregos); orgulho derivado da satisfaçã~ pelo abaI-
xamento de outros; eggí§mo que leva a supor a SI e aos seus
interêsses mais importantes do que tudo; decidindo tôdas as
questões a favor próprio - tais os vícios morais que forméJ~
caráter moral mau e odioso; em contrário às faltas de conSI-
deração para consigo mesmo anteriormente assinaladas: g~le não
são pràpriamente imoralidades, não chegando a constItmr :na!-
vadez, seja qual fôr o grau a que cheguem. Podem :onstItm~
prova de loucura ou falta de dignidade pessoal e respeito por SI
próprio, mas constituem tão-só motivo de reprov~ç~o moral
quando envolvem quebra de dever para com o ~roxlmo, por
cuja causa o indivíduo é obrigado a cuidar de S1. O qUy se
chama deveres para consigo mesmo não são socialmente obri-
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gatórios a menos que as circunstâncias os tornem ao mesmo
tempo deveres para com terceiros. A expressão dever para con-
sigo mesmo, quando significa algo mais do que prudência, sig-
nifica respeito e desenvolvimentos próprios, e por nenhum dêstes
o indivíduo é responsável perante terceiros, porque por ne-
nhum dêles é para o bem dos homens que se pode considerar
o indivíduo responsável para com êles.
A distinção entre perda de consideração em que uma pes-
soa pode com razão incorrer, por falta de prudência ou de dig-
nidade pessoal, e a condenação que deve receber por ofensa
contra os direitos de terceiros, não constitui simplesmente dis-
tinção nominal. Faz grande diferença não só nos nossos senti-
mentos como em nossa conduta para com êle, se nos desagrada
naquilo em que supomos ter direito de o controlar ou naquilo
em que sabemos não nos assistir tal direito. Se nos desagrada,
podemos exprimir-lho, cabendo afastarmo-nos de uma pessoa
tão bem como de um objeto que nos desagrade; mas nem por
isso podemos sentir-nos na obrigação de tornar-lhe a vida des-
confortável. Devemos refletir que êle já suporta ou terá de su-
portar a inteira penalidade de sua falta; se arruína a própria
vida por desgovêrno, não devemos desejar, por êsse motivo,
estragá-la ainda mais; ao invés de desejar castigá-lo, esforçar-
nos-emos de preferência por aliviar-lhe o castigo mostrando-lhe
como evitar ou sanar os males que a conduta dêle tende a acar-
retar-lhe. Pode tornar-se para nós objeto de desagrado mas
não de cólera ou ressentimento; não o trataremos como inimigo
da sociedade; o pior que nos julgaremos justificados a fazer será
deixá-lo entregue a si mesmo, se não interferimos benevola-
mente mostrando interêsse ou preocupação para com êle. Será
mui diferente se infringiu as regras necessárias à proteção dos
seus semelhantes, individual ou coletivamente. As más conse-
qüências dos seus atos não recaem então sôbre êle mesmo, mas
sôbre outros; e a sociedade, como protetora de todos os seus
membros, tem de desforrar-se dêle, inflingindo-Ihe castigos para
o fim expresso de punição, devendo ter o cuidado de torná-los
suficientemente severos. Em um caso, é delinqüente em nosso
tribunal, e somos convocados não só para lavrar-lhe sentença,
mas, por uma ou outra forma, pôr em execução a sentença; no'
outro caso, não nos cabe infligir-lhe qualquer penalidade, exceto
90
a que eventualmente pode resultar de usarmos a mesma liber-
dade na regulação de nossos próprios negócios como lhe conce-
demos nos dêle;
Muitas pessoas recusarão admitir a distinção aqui assina-
lada entre a parte da vida de uma pessoa que lhe diz sàmente
respeito e a que diz respeito a terceiros. Como (perguntarão)
poderá qualquer parte da conduta de um membro da sociedade
ser matéria de indiferença para outros membros? Nenhuma
pessoa é ser inteiramente isolado; é impossível para uma pessoa
fazer algo de sério e permanentemente prejudicial a cIa própria
sem que o mal alcance pelo menos os que mais próximos estão
dela e freqüentemente os que estão distantes. Se prejudica sua
propriedade, faz mal aos que diretamenteou indiretament~ dela
derivam sustento, diminuindo usualmente, em volume malOr ou
menor, os recursos gerais da comunidade. Se prejudica as fa-
culdades físicas ou mentais, não só faz mal a todos quantos dela
dependem, por qualquer parte da própria felicidade, mas tor-
na-se incapaz de prestar serviços que deve aos seus semelhantes
em geral, convertendo-se talvez em encargo para a afeição. e
benevolência de outrem; e se tal conduta fôsse muito freqüente,
dificilmente qualquer ofensa cometida subtrairia mais da soma
geral do bem. Finalmente, se pelos seus vícios ou maluquices
uma pessoa não faz diretamente mal a outrem, fá-Io-á (dirão)
pelo exemplo, devendo ser compelida a controlar-se por causa
daqueles para os quais o espetáculo ou conhecimento da conduta
dela pudesse corromper ou transviar.
E ainda mesmo (juntarão) que as consequencias da má
conduta se limitassem ao indivíduo vicioso e leviano, deverá a
sociedade abandonar à própria dimção aquêles que são manifes-
tamente incapazes para se condumem?§ect P!ºt~9ª0 a crian-
ças e menores é confessadamente indispensável, não estará igual~
mente a sociedade na obrigação de estendê-la a pessoas de idade
madura também incapazes de ~,e govemare1ll? Se o jôgo,' a
bebida, a incontinência, a ociosic,ade ou a falta de asseio preju-
dicam a felicidade, sendo grande. obstáculo ao aperfeiçoamento
das pessoas, tanto quanto muitos dos atos proibidos por lei,
por que (perguntarão) não se esforçará a lei, no que fôr com-
patível com a praticabilidade e a conveniência social, em repri-
mi-los também? E, como suplemento às imperfeições inevitá-
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veis da lei, não se deverá pelo menos organizar poderosa polí~
~ia contra êstes vícios, condenando severamente os que os pra-
tIcam? Não se trata aqui (poderá dizer-se) de limitar a indi-
vidualidade, ou impedir que se proceda a experiências originais e
novas na maneira de viver. O que se trata tão-só de prevenir
é o que se julgou e condenou desde o comêço do mundo até
agora - o que a experiência tem mostrado não ser útil ou con-
veniente à individualidade df, qualquer pessoa. Deve decorrer
cert~ prazo e adquirir-se cf;rta experiência para que se possa
consIderar uma verdade moral ou sensata como estabelecida'
desejando-se simplesmente impedir que geração após geraçã~
venha a cair no mesmo precipício que foi fatal aos que a pre-
cederam.
Admito inteiramente que o mal que uma pessoa faz a si
próp~ia pode afetar seriamente, pelas simpatias de que goza e
mteresses que tem, não só aos que estão mais ligados a ela mas
em menor grau, à sociedade em geral. Quando, em virtude d~
conduta desta espécie, uma pessoa é levada a violar obrio-acão
di~tinta q,ue ~e pode atribuir a qualquer outra pessoa ou pe~s;as,
deIXa ? amb~t~ d~ classe de consideração para consigo mesma
para fIcar SUjeIta a desaprovação moral, no próprio sentido da
expressão. Se, por exemplo, um homem, por intemperança ou
extravagância, torna-se incapaz de pagar as dívidas contraídas,
ou, tendo tomado a responsabilidade de sustentar família, fica
pelo mesmo motivo incapaz de fazê-lo ou de educar os filhos,
merece ser condenado, podendo ser castigado com justiça; tal se
d~, . porém, por não ter cumprido com o dever para com a fa-
mI1m ou os credores, não por causa da extravagância. Se os re-
cursos que deviam ter sido empregados para êles tivessem sido
desvia~os para investimento mais prudente, a culpabilidade mo-
ral t~na ~Ido.a mesma. George Barnwell matou um tio para
arranjar dmheIro para a amante, mas se o tivesse feito para esta-
belecer-se seria por igual enforcado. Outrossim, no caso fre-
qüente de u~ ~omem que causa desgôsto à família por entregar-
s~ : maus ha~Itos, merece reprovação pela crueldade ou ingra-
t~da?;. mas aSS1ffi também acontece por cultivar hábitos não em
SI VIC.lOS0S, mas. de~agradáveis aos que com êle vivem, ou que,
em VIrtude de hgaçoes pessoais, dêle dependem para terem con-
fôrto. Quem deixa em geral de considerar o que é devido aos
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interêsses e sentimentos de outrem, não sendo compelido por
algum dever mais imperativo ou justificado por preferência a si
próprio permissívél, está sujeito à desaprovação moral por essa
falta, mas não pela causa dela, nem pelos erros meramente pes-
soais para com êle mesmo, que possam ter remotamente con-
duzido àquela falta. Da mesma sorte, quando alguém se inca-
pacita, mediante conduta puramente egoísta, do cumprimento
de qualquer dever definido que lhe incumbe para com o público,
é responsável por ofensa social. .Ninguém deve ser punido sim-
plesmente por estar bêbedo; mas um soldado ou um policial de-
verá ser castigado por beber quando em serviço. Em resumo,
sempre que houver dano definido, ou risco definido de dano,
seja para o indivíduo, seja para o público, o caso deixa a pro-
víncia da liberdade para vir colocar-se na da moralidade e da lei.
Contudo, no. que diz respeito ao meramente contingente ou,
conforme poderá dizer-se, injúria construtiva que uma pessoa
causa à sociedade mediante conduta que não viola qualquer
dever específico para com o público, nem ocasiona dano per-
ceptível a qualquer indivíduo, exceto a êle próprio, a sociedade
pode pennitir-se tolerar o dano, pela consideração do maior
bem para a liberdade humana. Se pessoas adultas devem ser
castigadas porque não cuidam convenientemente de si, seria pre-
ferível que fôsse por sua própria causa do que sob o pretexto de
impedi-las de se prejudicarem ou de proporcionarem benefícios à
sociedade que esta não pretenda ter o direito de exigir. Não pos-
so, contudo, assentir na discussão dêsse ponto como se a socieda-
de não dispusesse de meios para elevar os membros mais fracos
ao padrão ordinário de conduta racional, senão esperar até que
fizessem algo de irracional, para então castigá-los, legal ou mo-
ralmente. A sociedade teve absoluto poder sôbre êles durante
tôda a primeira porção da existência; teve todo o período da
infância e da minoridade em que lhe foi possível experimentar
se lhe era facultado torná-los capazes de conduta racional na
vida. A geração existente é senhora não só do treinamento como
da existência inteira da geração vindoura; na verdade não pode
fazê-los perfeitamente sensatos e bons, por ser em si tão lastimà-
velmente deficiente em bondade e sabedoria; e os seus melhores
esforços não são sempre, nos casos individuais, os mais bem
sucedidos; mas é perfeitamente capaz de fazer a geração que
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surge, em conjunto, tão boa como ou um pouco melhor, do
que ela mesma. Se a sociedade deixar qualquer número consi-
~erável de seus membros desenvolver-se como simples crianças,
mcapazes de reagirem à consideração racional de motivos dis-
tantes, terá de culpar-se a si mesma pelas conseqüên-
cias. Armada não só com todos os podêres da educâção,
n:~s con: a a~cendência ,q.ue sempre exerce a autoridade de opi-
mao aceIta sobre os espmtos menos capazes de julgar por conta
própria, e auxiliada pelas penalidades naturais que não se pode
impedir venham recair sôbre os que incorrem no desagrado ou
no desprêzo de quantos os conhecem - não pretenda a socie-
dade precisar, além de tudo isso, do poder de dar ordens e exigir
obediência no que respeita aos interêsses individuais, nos quais,
por todos os princípios de justiça e boa política, a decisão deve
caber aos que terão de sofrer-lhe as conseqüências. Nem há
algo que tenda mais a desacreditar e frustrar os melhores meios
de influir sôbre a conduta do que recorrer ao pior. Se houver
entre aquêles a quem se tenta coarctar na direção da prudência
ou temperança uma parte qualquer do material que entra na for-
mação de caracteres vigorosos e independentes hão-de rebelar-
se infallvelmente contra o jugo. Nenhuma dess~s pessoas algum
dia s~ntirá terem outros o direito de controlá-la no que lhe diz
respeIto, tal como o têm para impedir que os prejudique nos
~êles; e com tôda naturalidade encara-se como sinal de espí-
rIto e coragem fazer oposiçãoa semelhante autoridade usurpa-
da, que procede ostensivamente na direção oposta do que se
pretende obrigar a fazer, conforme se deu de maneira brutal
no tempo de Carlos lI, com a fanática intolerância moral dos
puritanos..Relativamente ao que se diz da necessidade de pro-
teger a SOCIedade contra o mau exemplo que os viciados e como-
distas lhe apresentam, sem dúvida o mau exemplo pode resultar
em efeitos perniciosos, especialmente quando em prejuízo de
outrem e com impunidade de quem o promove. Faiamos, con-
tud~, agora de conduta que, enquanto não prejudica a outr.;)m,
supoe-se trazer grande prejuízo ao próprio agente; e não vejo
como aquêles que pensam assim podem pensar diferentemente
senão. que o exemplo, afinal de contas, deve ser mais salutar do
que prejudicial, desde que, se revela a má conduta, também'
ll10stra as conseqüências penosas ou degradantes que, se a con-
94
duta fôr censurada com justiça, tem de supor-se dever seguir-
se-lhe em todos ou quase todos os casos.
Todavia, o argumento mais forte de todos contra a inter-
ferência do público na conduta puramente pessoal é que, quando
interfere, é mais provável que o faça erradamente e em lugar
impróprio. Em questões de moralidade social, de dever para
com o próximo, a opinião do público, isto é, de certa maioria
dominante, embora muitas vêzes errônea, é provável que seja mui
freqüentemente acertada, visto como em tais questões só se exige
que julguem dos interêsses próprios, da maneira por que certa
espécie de conduta, se se lhe permitir efetivar-se, deveria afetá-
los. Entretanto, a opinião de tal maioria, imposta como lei
sôbre a minoria, em questões de interêsse próprio desta, é quase
tão certo ser errônea como acertada, desde que, em tais casos,
opinião pública significa, na melhor hipótese, a opinião de algu-
mas pessoas daquilo que é bom ou mau para outras, enquanto
mui comumente nem mesmo isso significa, - o público, com
a mais perfeita indiferença, deixando de lado o prazer ou a con-
veniência daqueles cuja conduta censura e considerando tão-só
a preferência que lhe é conveniente. Muitos há que consideram
como injúria qualquer conduta que lhes não agrade, ressentin-
do-a como ultraje aos próprios sentimentos; como o carola que,
acusado de desrespeitar os sentimentos religiosos do próximo,
respondeu desconsiderarem-lhe êles os sentimentos pela persistên-
cia que mostravam no seu culto ou credo abominável. Não há,
porém, qualquer paridade entre o sentimento de uma pessoa pela
própria opinião e o sentimento de outrem, que se ofende porque
êste a mantém, maior do que entre o desejo de um ladrão de
tomar a bôlsa a alguém e o desejo de quem a tem em conser-
vá-la em seu poder. E o gôsto de uma pessoa diz-lhe respeito
tão particularmente, como a opinião ou a bôlsa. Fácil a qual-
quer pessoa imaginar um público ideal que deixe a liberdade
e a escolha dos indivíduos em todos os assuntos incertos livres
de qualquer perturbação, exigindo tão-só dêles que se abstenham
dos modos de conduta que a experiência universal condena. Onde
se viu, porém, um público que estabelecesse limite tal à própria
censura? Ou quando o público se preocupa com a experiência
universal? Quando interfere com a conduta pessoal, raramente
o faz pensando em algo que não o abuso de agir ou sentir de
95
maneira diferente do que pensa ou age; e tal padrão de julga-
mento, tênuamente disfarçado, exibe-se à humanidade como di-
tame de religião e filosofia por parte de nove décimos dos mora-
listas e escritores teóricos. Ensinam que o direito é direito por-
que o é; porque sentimo-lo assim ser. Aconselham-nos a pro-
curar no próprio espírito e no próprio coração leis de conduta
aplicáveis por igual ao indivíduo mesmo e a todos os mais.
Que pode o pobre público fazer senão aplicar essas instruções,
tornando os próprios sentimentos pessoais do bem e do mal, se
se julgarem toleràvelmente unânimes em relação a êles, obriga-
tórios para todo mundo?
O mal aqui assinalado não é dos que só existem em teoria;
e pode talvez esperar-se que especifique os casos em que o público
desta época e dêste país aplica impràpriamente as suas prefe-
rências com o caráter de leis morais. Não estou escrevendo
ensaio com respeito às aberrações do sentimento moral presente.
Tal assunto é por demais importante para discutir-se episàdica-
mente, como se fôsse destinado à exemplificação. Contudo, os
exemplos tornam-se necessários para mostrar ser o princípio
que defendo de importância prática e séria, não pretendendo eu
erguer barreira contra males imaginários. E não será difícil
mostrar, em inúmeros casos, que estender os limites do que se
pode denominar política moral ao ponto de usurpar a liberdade
menos legitimamente discutível do indivíduo constitui uma úas
inclinações humanas mais universais.
Como primeiro exemplo, considerem-se as antipatias que
os homens alimentam sem melhor fundamento do que alegarem
a falta de prática das regras religiosas, especialmente quanto às
abstinências, por parte das pessoas cujas opiniões religiosas são
diferentes. Para citar exemplo um tanto trivial, nada no credo
ou prática dos cristãos contribui mais para envenenar o ódio dos
maometanos contra êles do que comerem carne de porco. Pou-
cos são os atos que cristãos e europeus consideram com repug-
nância mais sincera que a maneira pela qual os muçulmanos
encaram êste modo de satisfazer o apetite. Constitui, em pri-
meiro lugar, ofensa contra a religião que professam; esta cir-
cunstância, porém, não explica de modo algum o grau ou a
espécie de repugnância; também o vinho é proibido pela religião
muçulmana, e todos os maometanos consideram errado mas não
96
repugnante beber vinho. A aversão que mostram contra essa
carne do "animal pouco limpo" é, ao contrário, do caráter par-
ticular, afigurando-se antipatia instintiva, que a idéia de falta
de asseio quando profundamente incutida nos sentimentos, pa-
rece des~ertar sempre, mesmo naqueles cujos hábitos pessoais
são escrupulosamente asseados, verificando-se como exemplo
notável o sentimento de falta de pureza religiosa, tão intenso
entre os hindus. Suponha-se agora que em um povo, cuja maio-
ria é composta de muçulmanos, essa maioria insista em não per-
mitir comesse alguém carne de porco dentro dos limites do país.
Tal fato não seria caso esporádico em países maometanos.*
Seria exercício legítimo da autoridade moral da opinião
pública, e senão o fôsse, por que não? O público revolta~se
realmente contra tal prática. Pensa, igualmente com tôda sm-
ceridade, que a Divindade a proíbe e repele. Nem se p~deria
censurar a proibição como perseguição religiosa. Podena ter
sido religiosa a princípio, mas não teria sido perseguição por
motivo religioso, desde que não há reli?i~o que torne o~r~ga­
tório o consumo de carne de porco. Oumco pretexto aceltavel
de condenação. seria no caber ao público interferir com os gos-
tos pessoais e os interêsses próprios da individualidade.
Para esclarecer um tanto melhor o assunto: a maior p~rte
dos espanhóis considera como grosseir~ impiedade, ofensIva
no mais. alto grau ao Ser Supremo, adora-lo de outra _qualquer
maneira senão conforme à Igreja Católica romana, nao sendo
admitida legalmente qualquer outra maneira em solo espanhol.
Os povos de todo o sul da Europa consideram o casamento ~e
sacerdotes como não-só contra a religião, mas contra a castl-
*. O caso dos parses dé Bombaim pode apresentar-se como exemplo
curioso. Quando êsse povo industrioso e empreendedor, d~scendente.dos
adoradores persas do fogo, fugindo do pll;ís natal p~~a evitar os califas,
chegou à índia ocidental, os soberanos hmdus admltlram-n?s com tole-
rância, contanto não comesse carne de vaca. Quando maiS tarde essa
região caiu sob o domínio ~os con~uista~or~s muçulmanos, os _parses
dêles obtiveram a continuaçao da mdulgencla, contanto que nao.~o­
messem carne de porco. O que a princípio se apresentava com~ Obe?len-cia à autoridade tornou-se segunda natureza, e os parses ate hOJe se
abstêm tanto da carne de vaca como de porco. Embora não exigida
pela religião dêles, a dupla abstinência tornou-se com o tempo costume
do povo; e costume, no Oriente, coincide com religião.
97
dade, indecente, grosseiro, repugnante. Que pensam os protes-
tantes dêstes sentimentos, perfeitamente sinceros, e da tentativa
de a êles obrigar os não-católicos? Entretanto, se se der razão
aos homens em interferirem com a liberdade uns dos outros
em assuntos que não interessam a terceiros, baseando-se em
que princípio será possível coerentemente excluir tais casos? Ou
ainda, quem poderá reprovar deseje alguém suprimir o que con-
sidera como escândalo na presença de Deus e do homem? Não
é possível apresentar caso mais decisivo a favor da proibição
de algo que se considere como imoralidade pessoal do que a
supressão dessas práticas aos olhos daqueles que as consideram
como impiedades; e a menos que estejamos dispostos a adotar a
lógica dos perseguidores, dizendo assistir-nos o direito de per-
seguir a terceiros porque temos razão, e que êstes não nos dewm
perseguir porque não a têm, devemos abster-nos de admitir um
princípio cuja aplicação a nós mesmos consideraríamos como
grosseira injustiça.
Podem-se formular objeções aos exemplos precedentes, co-
mo colhidos de contingências impossíveis entre nós ~ não sendo
possível, na Inglaterra, que a opinião obrigue à abstinência de
carnes ou interfira com as pessoas porque adoram ou porque
casam ou não casam, de conformidade com o credo ou a incli-
nação que seguem. O exemplo seguinte, contudo, pode colher-
se na interferência com a liberdade cujo perigo, de todo, ainda
não está ultrapassado. Por tôda parte em que os puritanos se
tornaram suficientemente poderosos, como na Nova Inglaterra
e na Grã-Bretanha ao tempo da República de Cromwell, pro-
curaram, com considerável êxito, suprimir todos os divertimen-
tos públicos e quase todos os divertimentos privados; especial-
mente a música, a dança, os jogos públicos, ou quaisquer outras
reuniões para fins de diversão, ou o teatro, Ainda existem, na
Inglaterra, grandes grupos de pessoas em que, de acôrdo com as
noções de moralidade e de religião que professam, tais recrea-
ções devem ser condenadas; e pertencendo tais pessoas princi-
palmente à classe média, que constitui presentemente o poder
ascendente nas condições atuais, sejam políticas ou sociais, não
será de modo algum impossível que consigam em qual-
quer ocasião obter maioria no Parlamento, Como encarará a
parte restante da comunidade a preceituação dos divertimentos
98
. oU religiosos dos calvinis-
, tos moraIS . . "permitidos pelos sentl.me~ os? Não deseJana ess~ ~lllo~a,
tas ou metodistas maIS, ngoros fôssem tratar ~a propna VIda
cOm considerável autondade, que. doSaS da SOCIedade? Tal o
. ',mente pIe ' " 1êssesmembros mtrusIva, ualquer governo ou a qua -
. dIzer a q d'que exatamente se devena ~ de impe Ir a quem quer
h Pretensao M d "quer público que ten a a Ih agrada, as se a ID1t1rmos
que seja de gozar o praz~r qne, e ém será dado objetar razoã-
o princípio de tal pretensao, a ~dIngnda maioria, ou de qualquer
d sentl o d ' b'velmente seja adota o no , , e todo 1Uun o ver-se-a o n-
outro poder preponderante no f a1sde nm Estado cristão como o
gado a conformar-se com a ide1a da Nova Inglaterra, se uma
. . un'igrantes d
entendiam os pnmeHoS , d"les fôsse capaz e recuperar
confissão religiosa semelhan~e a etecer tantas vêzes com certas
, e VIn acon d'"o poder perdIdo, como s em deca enCia,
I, .- upunha estaremre 19lOes que se s' , ência diversa, talvez com
. gl11'ar contl11g 'd'Enfim pode-se una, do' que a menClOna a aCIma.
, 'd hzar-·se d'"maior probabilidade e rea d aderno forte ten enCla no
Nota-se claramente no mun ?, m da sociedade, acompanhada
. '~democratIca Af'sentido da constltUlçao , . opulares, Irma-se que, no
ou não por instituições pohtlcasl, Pu mais completamente - nod" ' se rea 1Z0 ~ d 't'País em que tal ten enC1a vêmo sao emocra 1COS, os
. d d mas o go " 'dqual não só a SOC1e a e , 't da malOna, que conS1 era
Estados Unidos - o sentImen"oC1'a de maneira de viver mais
, ' 1 r aparen ,
como desagradavel qua que que1a com que esperam nva-
aparatosa ou dispendiosa do. que tràvelm.ente eficaz, sendo que
lizar atua como lei suntuána tOte ma realmente difícil a uma
, U ·~o se o " d .
em muitas partes da ma UI'to grandes escobnr qual-
d' entos m , ~ 1Pessoa que possua ren 1m trair a reprovaçao popu ar.t ' los sem a , 'd 'tquer maneira de gas a- , m sem dUV1 a, mm o exage-
Embora afirmações dêste teorf seja e~istentes, o estado de coisas
-o de atos . '1 d 'radas como representaça b', 1 comO pOss1ve , sen o, porem,
, - 'once 1ve , d "d" dassim descrito e nao so c 'tI'co combma o a 1 ela e que
, t democra 1 'd' 'dresultado de sentImen o " aneira pela qua os 111 IV] UOS
o povo tem o direito de ~etar a m Só teremos de supor consi-
,. ndlmentos, t' 'fgastam os propnos r~ ._ cialistas para que se orne m a-
derável difusão deop1UlDes so 'r mais haveres do que peque-
, 'a pOSSUI " - .' d
mante aos olhos da malDr,l I er renda nao provemente o
d ne qua qu . ,. , ,na importância ou o q lhantes a esta em prmclplO Ja
, . ,- seme
trabalho manual. Oplllloes
. 99
prevalecem largamente nas classes artesãs, pesando opressiva-
mente sôbre quantos estão sujeitos principalmente à opinião des-
sas classes, isto é, seus próprios membros. Sabe-se que os maus
operários, que formam a maioria dos que trabalham em muitos
ramos da indústria, são decididamente de opinião que os maus
trabalhadores devem· receber os mesmos salários que os bons,
não se permitindo a ninguém, por trabalho de tarefa ou de
?ut:a 'Jualq~er forma, ganhar por habilidade superior ou por
mdustna maIS do que os outros ganham. E fazem uso de polícia
~oral, que ocasionalmente se transforma em polícia física, para
Impedir que os operários hábeis recebam, e os empregadores
paguem, maior remuneração por serviço mais útil. Se o público
possui qualquer jurisdição sôbre interêsses privados, não enten-
do que possa estar errado, ou que qualquer público especial a
um indivíduo possa ser censurado por exigir que lhe seja defe-
rida a mesma autoridade sôbre a sua conduta individual que o
público reivindica sôbre as pessoas em geral.
Contudo, ao invés de insistir em casos hipotéticos, no-
tam-se, em nossos dias, usurpações grosseiras realmente prati-
cadas contra a liberdade da vida privada e outras ainda maiores
a ameaçarem com visos de êxito, bem como a manifestação de
opiniões que reivindicam o direito ilimitado do público, tanto
em proibir por lei tudo o que julga errôneo, mas proibir igual-
mente inúmeros atos admitidos como inocentes a fim de atingir
o que julga ser errôneo. '
. .. Sob o pretexto ele ÍlIlpedir a intemperança o povo de uma
colônia inglêsa, e de quase metade dos Est~dos Unidos foi
proibido por lei de fazer qualquer uso de bebidas ferment~das,
e~ceto para o .fim de tratamento médico, visto como a proibi-
çao da venda Importa, de fato, na proibição do uso. E muito
embora a impraticabilidade de execução da lei lhe motivasse
a repulsa em vários Estados que a tinham adotado inclusive
aquêle cuja denominação havia tomado, deu-se início: não obs-
tante, e muitos dos filantropos profissionais nêle prosseguiram
com zêlo considerável, à prática de lei semelhante na Inglaterra.
A associação ou "Aliança", conforme se denomina, que se cons-
tituiu com êsse objetivo, adquiriu certa notoriedade devido à
publicidade que lhe deu a correspondência entre seu secretário
e um dos· poucos homens públicos inglêses que sustentam deve-
100
rem basear-se em princlplOs as opmlOes do político. A parte
de Lord Stanley nessa correspondência vem a calhar no sentido
de reforçar as esperanças que depositam nêle quantos sabem
quão raras são tais qualidades, segundo o revelamcertas mani-
festações públicas dêsse personagem entre os que figuram na
vida política. O órgão dessa "Aliança", que "lastimaria profun-
damente a aceitação de qualquer princípio arrancado para jus-
tificar carolismo e perseguição", toma a peito assinalar a "bar-
reira intransponível e larga" que separa tais princípios dos da
associação. "Tôdas as questões que se referem a pensamento,
opinião, .consciência afiguram-se-me", diz êle, "situaram-se fora
da esfera da legislação; dentro dela encontra-se tudo quanto
se refere a ato, hábito, relação, sujeitando-se tão-sàmente ao
poder discricionário investido no Estado, e não no indivíduo."
Não se faz qualquer menção de uma terceira classe, diferente de
qualquer das duas, isto é, atos e hábitos que não são sociais
mas individuais; embora seja a essa classe, com tôda certeza, que
pertença o ato de beber licores fermentados. Vender bebidas
fermentadas, porém, importa em comércio, e comerciar constitui
ato social. Mas a infração em foco não atinge a liberdade do ven-
dedor, mas sim a do comprador e consumidor; visto como o
Estado poderia tanto proibi-lo de beber vinho quanto proposi-
tadamente tornar-lhe impossível adquiri-lo. Contudo, diz o se-
cretário: "Exijo, como cidadão, o direito de legislar, sempre
que os meus direitos sociais fôrem invadidos pelo ato social
de outrem." E agora, para a definição dêsses "direitos so-
ciais": "Se há o que invada meus direitos sociais, certamente
o comércio de bebidas fortes o faz. Vem destruir o meu direito
primário de segurança, criando e estimulando constantemente
a desordem social. Invade-me o direito de igualdade, derivan-
do lucro da criação de miséria para cujo amparo devo pagar
impostos. Impede-me o direito de livre desenvolvimento moral
e intelectual, cercando-me o caminho de perigos e enfraque-
cendo e desmoralizando a sociedade, da qual tenho o direito
de exigir auxílio e relações mútuas". Teoria esta de "direitos
sociais", como provàvelmente nunca, foi fOl:1nulada em linguã:':
gero. clara, nada mais sendo do que o seguinte: é direito sociãl
absoluto de cada indivíduo exigir que ajam todos os outros, a to-
dos os respeitos, exatamente como êle tem de agir; quem quer que
101
deixe de fazê-lo, no menor detalhe, viola o meu direito social
e autoriza-me a pedir à lei a eliminação do dano. Princípio tão
monstruoso é muito mais perigoso do que qualquer interferên-
cia isolada com a liberdade; não existe violação de liberdade
que assim se não justifique; não reconhece qualquer direito à
liberdade, seja qual fôr, exceto a de manter opiniões em segrê-
do, sem nunca chegar a manifestá-Ias, de vez que uma opinião
?Os lábios de qualquer um, por mim considerada prejudicial,
lllvade todos os "direitos sociais" a mim atribuídos pela "Alian-
ça". A doutrina atribui a todos os homens direitos adquiridos
na perfeição moral, intelectual e mesmo física de cada um, sus-
ceptíveis de definição de acôrdo com o padrão que adotar.
Outro exemplo importante da interferência ilegítima na li-
berdade equitativa do indivíduo, não simplesmente ameaçada,
mas há muito levada a efeito triunfalmente, consiste na legis-
lação sabática. Sem dúvida, a abstinência em um dia da se-
mana, na medida em que o permitirem as exigências da exis-
tência, das ocupações diárias usuais, embora de forma alauma
obrigatória religiosamente, exceto entre os judeus, import: em
costume altamente benéfico. E conquanto não se possa obser-
var semelhante costume sem consentimento geral das classes
trabalhadoras, visto como se algumas pessoas trabalharem im-
porão essa mesma necessidade a outros, pode permitir-se à lei
garantir a cada um a observância por parte dos outros do cos-
tume, interrompendo-se as operações da indústria em certo dia
particular. Tal justificação, contudo, baseada no interêsse di-
reto que outros têm na observância da prática por parte de
cada um, não se aplica às ocupações de própria escolha nas
quais uma pessoa possa julgar conveniente empregar os seus
lazeres, nem se aplica, no menor grau possível, às limitações
legais aos divertimentos. Verdade é que o divertimento de uns
corresponde ao dia de trabalho de outros; mas o prazer, para
não dizer a diversão útil, de muitos vale o trabalho de poucos,
contanto que a ocupação seja livremente escolhida e livremente
abandonada. Os trabalhadores têm tôda razão em pensar que se
todos trabalhassem aos domingos, ter-se-ia de dar sete dias de tra-
balho por seis dias de salários; mas desde que se interrompe o
trabalho por tôda parte, .o pequeno número que tem de traba-
lhar ainda para o prazer de outros obtém aumento proporcional
102
nos proventos; e não são obrigados a ficarem assim ocupados
se preferirem o lazer a emolumentos. Se interessar outra solu-
ção, poderia estabelecer-se pelo costume um dia de folga, em
qualquer outro dia da semana, para esta classe especial de pes-
soas. O único fundamento, portanto, em que se possa apoiar a
defesa de quaisquer restrições às diversões dominicais tem' de
ser considerá-Ias religiosamente errôneas - motivo para legis-
lação contra o qual nunca se poderá protestar bastante veemen-
temente. "Deorum injuriae Diis curae". Resta provar que a
sociedade ou qualquer dos seus representantes recebeu incum-
bência dos céus para vingar qualquer suposta ofensa à Onipo-
tência Divina, que também não importe em dano às criaturas
humanas. A idéia de que é dever de um homem que outro tenba
de ser religioso está no fundo de tôdas as perseguições religio-
sas até agora perpetradas e, se admitida, as justificaria plena-
mente. Embora o sentimento que volta e meia se manifesta nas
repetidas tentativas de suspender o tráfego das estradas de ferro
aos domingos, na resistência à abertura de museus, e outras se-
melhantes, não se revista da crueldade dos antigos perseguidores,
o estado de espírito assim indicado é fundamentalmente o mes-
mo. É a resolução de não tolerar façam outros o que lhes per-
mite a própria religião, porque não o permite a do perseguidor.
Importa em acreditar que Deus não só abomina o ato do incré-
dulo, mas não nos considerará inocentes se o deixarmos em paz.
Não posso deixar de juntar a êstes exemplos da pouca im-
portância em que geralmente se tem a liberdade humana o da
linguagem de franca perseguição que se manifesta na imprensa
dêste país sempre que se sente naobrigaçãodfe chamar a aten-
ção para o notável fel1ômel1()~(j Mormonismo.) Muito poderia
dizer-se respeito ao-faío- inesperado~einstrutivo que pretensa
revelação nova e religião nela baseada - produto de impos-
tura palpável, nem mesmo sustentada pelo prestígio de qualida-
des extraordinárias possuídas pelo fundador -- mereça a cren-
ça de centenas de milhares de pessoas, tendo sido adotada como
base de uma sociedade na época dos jornais, estradas de ferro
e telégrafo. O que nos interessa nêste momento é que essa reli-
, gião tem os seus mártires, como outras e melhores; que o seu
profeta e fundador foi, pelos seus ensinamentos, assassinado por
uma multidão; que outros dentre os seus adeptos perderam a
103
vida pela mesma violência bárbara; que foram expulsos à fôrça,
em um corpo, da terra em que primeiro se desenvolveram, en-
quanto, depois de terem sido perseguidos até solitário recesso
no meio de um deserto, muita gente nêste país declara aberta-
mente ser justo (embora não conveniente) mandar uma expe~
dição contra êles para obrigá-los à fôrça a se conformarem com
as opiniões de terceiros. O artigo da doutrina mormonita que
provoca principalmente a antipatia, irrompendo de tal maneira
através das restrições ordinárias à tolerância religiosa, consiste
na sanção que empresta à poligamia; que, embora permitida a
ma.ometanos,hirtdus. eçj:lilleses, parece excitar animosidade inex-
tingJJÍ'vel. quartdo praticada por pessoas que falam inglês. e pro-
f~.ssall1a..r~ligi.~().~~i~tã. Ninguém condenará mais profunda-
mente do que o autor essa instituição mormônica;entre outras
razões porque, longe de ser patrocinada pelo princípio da liber-
dade, importa em infração direta dêsse princípio, consistindo
em apertar as cadeias de metade da comunidade, enquanto
emancipa a outra da reciprocidade de obrigação para com a
primeira. Entretanto, deve lembrar-se que esta relação é tão vo-
luntária por parte das mulheres por ela afetadas, que se podem
considerar como vítimas, quanto em qualquer outra forma de
instituição nupcial; e por mais surpreendente que possa parecer,
tem explicação nas idéias e costumes comuns do mundo, que,
ensinando às mulheres a encararem o casamento como indispen-
sável, fazem-nas compreender preferirem muitas delas serem
uma dentre muitas a ficar tôda a vida solteiras. Não se exige
de outros países o reconhecimento de tais uniões, ou que liberem
parte dos seus habitantes das leis que lhes são peculiares a favor
das opiniões mormonitas. Mas quando os dissidentes concede-
ram aos sentimentos hostis de outros indivíduos muito mais do
que se poderia pedir com justiça; quando deixaram a região em
que as suas doutrinas não eram aceitas para se estabelecerem
em canto remoto da terra, que foram os primeiros a tornar habi-
tável por sêres humanos, difícil se torna ver em virtude de que
princípios, senão os da tirania, será possível impedi-los de viver
sob as leis que lhes agradam, contanto que não cometam qual-
quer agressão contra outros povos, concedendo inteira liberdade
para se retirarem àqueles· que não estiverem satisfeitos com a
situação. Há pouco um escritor, possuidor de considerável me-
104
recimento a certo respeito, propôs (em suas próprias palavras)
não uma cruzada mas uma "civilizada" contra essa comunidade
poligâmica, a fim de acabar com o que êle pensa constituir um
passotetrógrado na civilização. Assim também se me afigura,
mas não percebo que tenha qualquer comunidade o direito de
forçar outra a civilizar-se. Enquanto os que sofrem em virtude da
lei má não invocarem o auxílio de outras comunidades, não
posso admitir que venham pessoas, que relação alguma têm com
êles, exigir que se ponha fim a uma situação que parece satisfazer
a quantos estão diretamente interessados, só porque constitui
escândalo a pessoas situadas a milhares de quilômetros de dis-
tância, que não tomam parte nem têm interêsse nela. Que man-
dem missionários, se quiserem, pregar contra ela; e permita-se-
lhes oporem-se por meios aceitáveis (entre os quais não se
inclui fazer calar os missionários) à propagação da doutrina
contrária entre êles. Se a civilização tivesse dominado a barbá-
rie quando esta dominava o mundo, seria demasiado confessar
o receio de, após ter sido dominada, fôsse capaz de reviver e
conquistar a civilização. Uma civilização que assim pudesse
sucumbir aos inimigos vencidos teria de, antes de tudo, dege.
nerar de tal maneira que nem os seus sacerdotes ou mestres,
nem qualquer outra pessoa, tivesse capacidade ou se desse ao
trabalho de levantar-se· a favor dela. Se assim fôr, quanto mais
depressa tal civilização seja intimada a desaparecer, tanto me-
lhor. Só poderia continuar de mal a pior até destruída e rege-
nerada (como se deu com o Império do Ocidente) por bárbaros
enérgicos.
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