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1 Ética e Ciência 2 PRÓ-REITORIA DE ENSINO 2018 COLETÂNEA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA EAD (módulo 52/2018) Organizadoras Cristina Herold Constantino Débora Azevedo Malentachi Colaboradores Edson Dias dos Santos Fabiana Sesmilo de Camargo Caetano Rebeca Sabrina Vaz Lencina Direção Geral Pró-Reitor Valdecir Antônio Simão 3 SUMÁRIO Apresentação.................................................................................................................................................... 04 Considerações Iniciais.................................................................................................................................... 06 A ciência comprova: ler faz bem para o cérebro................................................................................................ 07 Se ler pode abrir a mente, com certeza muda o cérebro................................................................................... 08 Textos Selecionados........................................................................................................................................ 12 Ética e Ciência: urgência do debate................................................................................................................... 12 Ciência e Pseudociência.................................................................................................................................... 15 Bioética............................................................................................................................................................... 18 Terapia genética pode revolucionar o tratamento da depressão....................................................................... 19 Mapeamento genético no diagnóstico do autismo............................................................................................. 21 Cientista brasileira PhD em Química por Harvard supera preconceito e acumula 80 prêmios na carreira....... 25 Efeito Matilda: mulher, ciência e discriminação................................................................................................... 28 Cientistas afirmam: inteligência e conhecimento são coisas diferentes............................................................. 31 Cientistas descobrem possíveis causas da leucemia infantil............................................................................. 34 Quais foram as maiores descobertas científicas brasileiras?.............................................................................. 36 Saiba mais: O Nobel que o Brasil ganhou e ninguém sabia............................................................................... 41 Livro.................................................................................................................................................................... 42 Filmes................................................................................................................................................................. 43 Música................................................................................................................................................................ 49 Texto Complementar – A alma e a matéria........................................................................................................ 51 Charges e Tiras.................................................................................................................................................. 52 Considerações Finais...................................................................................................................................... 55 4 Apresentação A Formação Sociocultural e Ética (FSCE) compõe um dos Projetos de Ação da UniCesumar, cujo principal objetivo é aperfeiçoar habilidades e estratégias de leitura fundamentais para seu desempenho pessoal, acadêmico e profissional. Nesse sentido, esta disciplina corresponde à missão institucional, a qual consiste em “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Conforme slogan da FSCE, “Quem sabe mais faz a diferença!”, o conhecimento adquirido por meio da leitura é a mola propulsora capaz de formar e transformar sujeitos passivos em cidadãos ativos, preparados para fazer a diferença na sociedade como um todo. Na FSCE, você terá contato com vários assuntos e fatos que ocorrem na sociedade atual e que devem fazer parte do repertório de conhecimentos de todos os que buscam compreender criticamente seu entorno social, nacional e internacional. Em síntese, no intuito de atender ao objetivo desta disciplina, a FSCE está dividida em cinco grandes eixos temáticos: Ética e Sociedade; Ética, Política e Economia; Ética, Cultura e Arte; Ética, Ciência e Tecnologia; Ética e Meio Ambiente, sendo que nos dois primeiros eixos estão incluídos temas complementares e pertinentes propostos pelo Observatório Social do Brasil. Este material, também chamado de Coletânea, é o principal instrumento de estudo da FSCE. Recebe o nome de Coletânea porque reúne vários gêneros textuais criteriosamente selecionados para estimular sua reflexão e análise pontuais. Textos retirados de diferentes fontes, com a finalidade de abordar recortes temáticos relacionados ao conteúdo de cada eixo supracitado. Tem como principal objetivo ser um material de apoio à sua formação geral, servindo-lhe de estímulo à leitura, interpretação e produção textual. Uma Coletânea como esta é organizada a cada duas semanas, ou seja, a realização completa desta disciplina ocorre no período de 10 semanas. Cada Coletânea apresenta-se, inicialmente, com uma introdução, seguida por aspectos relacionados à leitura, interpretação e/ou escrita, os quais antecedem a apresentação dos diversos textos referentes aos respectivos eixos. A sequência de textos normalmente é finalizada com os gêneros: música, poesia ou frases e charges, sendo finalmente concluída com breves considerações finais. Você tem em suas mãos, portanto, uma compilação por meio da qual terá acesso a um conteúdo seleto de textos basilares para sua reflexão, aprendizagem e construção de conhecimentos valiosos. Textos compostos por fatos, notícias, ideias, argumentos, aspectos veiculados nos principais meios de comunicação do país, links de acesso a entrevistas, depoimentos, vídeos relacionados ao eixo temático, além de respaldos teóricos e práticos acerca da linguagem que poderão servir como suporte à sua vida em todas as instâncias. Também, importa lembrar que a organização deste e demais materiais da FSCE não pressupõe qualquer tendência político-partidária e/ou apologia a qualquer grupo religioso em detrimento de outros, sendo que estamos disponíveis ao recebimento de indicações de 5 textos, sites, tanto quanto às sugestões de conteúdos relacionados aos referidos eixos. Faça, portanto, da FSCE sua porta de entrada para a aquisição de novos conhecimentos. Vista a camisa do conhecimento e seja MAIS! 6 Considerações Iniciais A dimensão do pensar científico pode nos levar a muitas reflexões. Para este momento, pelo menos uma delas seria suficientemente importante, que é o refletir acerca das nossas certezas e incertezas, permitindo-lhes novas proposições, novas indagações, novas perguntas, novos problemas e, quem sabe, até algumas soluções. Parece que as velhas concepções teimam em persistir... O lado comum tende a ser aceito, a dúvida apagada, odesafio controlado, sendo que a ciência emana do novo, da estranheza, das incertezas desafiadoras... Nesta direção, esta Coletânea tem por objetivo levá-lo a refletir acerca dos porquês que envolvem o pensar científico e dos para quê... Refletir acerca da intercessão entre ciência e ética ou, talvez, da união perfeita entre ambas, sem a qual muitas atrocidades foram e ainda podem ser realizadas. Compreender que o método científico, por exemplo, pode estar muito mais próximo do seu dia a dia do que você pensa; que a união entre as humanas e as exatas é possível e admissível; entender em que medida a bioética é importante para a sociedade e para o meio ambiente; saber que a literatura pode ser, sim, uma ciência; retomar os feitos científicos heroicos e elucidar acerca de novos feitos, novas teses, até o inexplicável que ainda está por vir... Finalizando com a reflexão do quão utilitários somos e em que medida esta doutrina nos convida a redefinirmos as decisões do cientista e da ciência. Por fim, objetivamos mostrar, informar, formar, acima de tudo instigar reflexões...Portanto, convidamos você a caminhar conosco nesta jornada de leitura e apropriação de ideias, mas, também, de perguntas e negações, pois acreditamos que as respostas e os novos caminhos ou novas descobertas científicas se despontarão a partir do incômodo, do desajuste e dos questionamentos. Iniciaremos este material, tal qual temos feito nos demais, com uma breve consideração acerca da leitura, seguida de textos selecionados que têm por objetivo informá-lo, bem como levá-lo à reflexão acerca dos aspectos positivos e negativos da evolução científica. Lembrando que a seleção de textos é feita de maneira a proporcionar a você conteúdos relevantes retirados de fontes fidedignas sem, contudo, intencionar fazer apologia ideológica e/ou político-partidária. Neste sentido, esperamos que você aproveite deste material como um compromisso indispensável à sua formação acadêmica, profissional e pessoal. Organizadoras A ciência comprova: ler faz bem para o cérebro 7 Talvez a conclusão deste post não surpreenda a maioria dos leitores, mas a ciência comprovou recentemente o que parecia óbvio: literatura faz bem para o cérebro! Nos Estados Unidos, um grupo de teste foi convidado a ler um capítulo do romance Mansfield Park, de Jane Austen, dentro de uma máquina de ressonância magnética, enquanto pesquisadores da universidade de Stanford analisavam os resultados neurológicos. Para o experimento, era preciso ler o capítulo de duas formas distintas: primeiramente, uma leitura descompromissada; depois, uma leitura para análise crítica da obra. A conclusão do estudo apontou que a leitura de livros pode ser um exercício valioso para o cérebro, já que quando lemos, o sangue flui para diversas áreas associadas à concentração e, no caso de uma leitura mais crítica, também para áreas menos ativas do cérebro. Logo, o estudo concluiu que a forma de leitura afeta o cérebro e através dela podemos treiná-lo para ser cada vez melhor em atividades que exigem compreensão e concentração. Logo, o estudo conclui que a forma de leitura afeta o cérebro e pode indicar formas de treiná-lo para ser cada vez melhor em atividades que exigem compreensão e concentração. Estudos semelhantes para avaliar os benefícios da leitura com máquinas de ressonância magnética já haviam sido realizados antes na Europa. Em 2010, o neurocientista Stanislas Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimagiologia Cognitiva do Inserm-CEA, na França, usou exames de ressonância magnética para avaliar o cérebro de adultos alfabetizados e analfabetos. Os cientistas descobriram, então, que os cérebros dos adultos que podiam ler eram mais ativos, ainda que, em contrapartida, perdessem parte de sua memória visual, possuindo menos habilidade no reconhecimento facial. Interessados nos ganhos que um livro pode trazer para nossas vidas fomos atrás e listamos os principais ganhos. Confira: 10 benefícios da leitura. 1. A leitura estimula a memória, expandindo a capacidade de nossa mente. 2. A leitura é combustível inesgotável para a imaginação. 3. A leitura nos dá as palavras, instrumento para expressar nossos sentimentos. 4. A leitura nos aproxima da compreensão de mundo e da auto-compreensão. 5. Ao ler, nos deparamos com aquilo que pensamos: com nossas crenças. 6. É possível experimentar com a leitura, sem de fato experimentar fisicamente. 7. O ato de ler naturalmente leva a escrever e a escutar. 8. Ler eleva a autoestima. 9. A leitura desconhece a solidão, nos permite estar sempre acompanhados. 10. A leitura constrói sonhos e nos empurra à realização. 8 Disponível em: <http://blog.estantevirtual.com.br/2016/12/23/a-ciencia-comprova-ler-faz-bem-para-o-cerebro-conheca- outros-beneficios-da-leitura/> Acesso em: 25 mai 2018. Se ler pode abrir a mente, com certeza muda o cérebro Psicologia Cognitiva e Neurociência: a dupla perspectiva na análise dos componentes da leitura em palestra no IPUSP Por Tatiana Iwata e Fernanda Maranha Sobretudo na última década, “a Psicologia Cognitiva tem trabalhado em parceria com as Neurociências Cognitivas nas pesquisas acerca da leitura”. É o que afirmou José Morais, psicolinguista e professor emérito da Universidade Livre de Bruxelas, no início de sua palestra no IPUSP a respeito do impacto da leitura no cérebro, retratando a atual visão interdisciplinar desses estudos. Enquanto a Neurociência examina “as áreas e os fluxos de ativação do cérebro leitor”, a Psicologia Cognitiva realiza “estudos experimentais sobre os mecanismos da leitura” e também elabora “modelos de processamento” da habilidade de ler. Essa combinação é muito importante porque abarca tanto a concepção que temos de ‘cérebro’ quanto a que temos de ‘mente’, “que são dois aspectos da mesma realidade”, afirma Morais. Dentre os resultados da cooperação entre as duas áreas está a dissociação dos componentes envolvidos na leitura: habilidade e atividade. A habilidade de ler é muito específica e é o que mais propriamente define a leitura. Já a atividade de leitura usa tal habilidade com o intuito de se chegar a uma compreensão do que está escrito. Assim, a atividade consiste mais no objetivo da leitura do que na leitura em si. “Ler serve de fato para compreender, mas não se pode dizer que ler é compreender”, afirma o Professor, que acrescenta: “Muitas outras coisas também servem para compreender.” Ele exemplifica: “Quando vocês estão a ouvir, estão utilizando habilidades específicas do vosso sistema de percepção da fala para compreender aquilo que eu estou dizendo”. Ainda para ilustrar essa dissociação, o palestrante conta a história do poeta inglês John Milton que ensinara suas duas filhas a lerem em várias línguas. Quando ele ficou cego, as meninas liam para o pai, embora elas mesmas não compreendessem bem os textos, já que eram em idiomas que elas não dominavam (como o grego), além de complexos para a idade delas. Ora, mesmo sem entender, elas foram capazes de transformar um código escrito em língua falada. É parecido, por exemplo, quando lemos um texto em português, mas com palavras que não conhecemos. Mesmo sem compreender o que aqueles termos significam, somos capazes de pronunciá-los. 9 Essa ‘pronúncia’ pode se dar em voz alta, mas mesmo na leitura silenciosa existe uma ‘pronúncia mental’. A partir daí, quando o código escrito já foi transformado em língua falada, é que haverá outros processamentos para se chegar à compreensão do que está sendo lido. Para o leitor hábil, tudo isso acontece de forma muito rápida, quase simultaneamente. Isso dificulta que percebamos que lere compreender o que se está lendo são processos diferentes. A contribuição da Neurociência tem sido muito importante nesse sentido. Diversos estudos de neuroimagens, comparando a leitura com outras atividades, vêm demonstrando tanto sua especificidade, quanto sua relação com outras funções cerebrais. Por um lado, verificou-se a ativação de uma região muito específica do cérebro ‘leitor’. Por outro, constatou-se áreas que são ativadas não apenas na leitura, mas em várias atividades que envolvem compreensão e outras faculdades, como a audição da fala e a visualização de imagens. Ler ‘cadeira’, ouvir ‘cadeira’ e ver uma cadeira, por exemplo, envolvem tanto processos semelhantes ‒ para se compreender ‘cadeira’ como sendo o mesmo objeto, quantos processos particulares de cada atividade, já que ler é diferente de ouvir que é diferente de ver. “Ler é acessar a representação da ortografia e da fonologia”, afirma o Professor, que prossegue: “Pronúncia de cada palavra a partir de sua expressão gráfica”, o que “distingue o que fazemos durante a leitura do que fazemos durante a escuta de fala, ou durante a visão de um filme, que também é compreender, mas que para tanto exige processos específicos para processar o que está nas imagens.” Especialização e influência No decorrer de sua palestra, José Morais foi apresentando vários estudos que demonstram a existência de uma pequena área especificamente ativada nos cérebros de pessoas letradas, conhecida como Visual Word Form Area - VWFA (‘Área da forma visual das palavras’). Tais estudos eram de diferentes autores e centros de pesquisa pelo mundo (Brasil, Portugal, França, Bélgica, EUA, etc.), tendo como participantes leitores e falantes de várias línguas. Enquanto algumas pesquisas apresentadas pelo palestrante comparavam indivíduos letrados e iletrados em relação às regiões cerebrais ativadas ou não durante a 10 realização de determinadas tarefas, outras verificavam se a VWFA era exclusivamente ativada durante a leitura ou também em outras habilidades. Embora a expressão “Visual Word Form Area” tenha sido usada por alguns pesquisadores a partir da década de 1970, desde 2000 que ela foi adotada pelo neurocientista francês Stanislas Dehaene para nomear a região cerebral ativada na leitura identificada por ele. A pequena região que corresponde à VWFA em letrados existe no cérebro de qualquer ser humano, mas apenas a aprendizagem determina a nova função da identificação de palavras a esta área. Ocorre, segundo Morais, uma reciclagem de neurônios: “A hipótese de Stanislas Dehaene é de que tem que haver essa reciclagem neural – porque essa zona existia, e fazia outras coisas, certamente.” Ele continua: “E cada invenção cultural, cada aprendizagem nova tende a encontrar uma espécie de ninho ecológico no cérebro”. A VWFA se encontra justamente em um local próximo às regiões responsáveis tanto pela percepção visual quanto pela linguagem. “Onde pode se desenvolver a habilidade perceptiva da leitura, deve ser em uma estrutura neural que permita conectar o processamento dos objetos visuais espaciais, que são as palavras escritas, e as áreas que processam a linguagem”, afirma Morais. A VWFA está localizada na região occiptotemporal do giro fusiforme do hemisfério esquerdo do cérebro ‘leitor’ [veja a figura acima]. De acordo com José Morais, essa localização é praticamente a mesma (com variações mínimas) nos leitores do mundo todo, independentemente da língua (português, inglês, japonês, etc.), do código ortográfico (fonográfico, ideográfico, etc.) ou mesmo da modalidade (visual ou tátil). O palestrante citou um estudo no qual se constatou a presença da mesma VWFA inclusive em cegos congênitos (pessoas que já nasceram cegas) que leem em braile. Segundo ele, esse estudo foi “muito bem controlado” e a ativação da VWFA “diferia das regiões cerebrais ativadas em outros estímulos táteis como desenhos em relevo (gestalt) ou ainda caracteres parecidos com as letras em braile, mas que não o eram”. Em outro estudo, com brasileiros falantes de português, comparou-se, por meio da ressonância magnética funcional, a ativação do cérebro durante a realização de tarefas de leitura e audição de sentenças. “Eles ouviam ou liam frases em português, relacionadas com o conhecimento geral, muito simples, e tinham que dizer se era verdadeiro ou falso”, descreve o Professor, que ilustra: “Por exemplo, ‘A rosa é um animal’, ‘O tigre é uma planta’”. Em seguida, foram verificadas as regiões que eram ativadas tanto na le itura quanto na audição e aquelas que eram exclusivas de cada uma das atividades. Constatou- se a forte ativação da VWFA especificamente durante a tarefa de leitura. Todas as pesquisas apresentadas por José Morais constataram a ativação da VWFA durante atividades envolvendo visualização de palavras escritas (ou seja, leitura) nos leitores e ausência dessa ativação nos que não sabem ler. Além disso, foi verificado que quanto maior a velocidade de leitura do participante (‘literacia’ ou número de palavras lidas por minuto), maior o grau de ativação da VWFA. Mas, segundo o palestrante, o qual é também um dos autores de tais estudos, ainda mais interessante foi verificar que “A aquisição da leitura também modifica as respostas do cérebro à linguagem falada”. Ele afirma que nos letrados a ativação do plano temporal, que processa a fonologia das palavras apresentadas oralmente, é duas vezes maior do que nos iletrados. “Essa ideia que o fato de aprendermos a ler vai ter um impacto no cérebro que não é só aquela pequenina coisa que a gente viu no início [a VWFA], mas que tem um impacto muito importante no nível da reorganização das funções”, conclui o professor. 11 Disponível em: http://www.ip.usp.br/revistapsico.usp/index.php/2-uncategorised/9-se-ler-pode-abrir-a-mente-com- certeza-mudar-o-cerebro-2.html> Acesso em: 25 mai 2018. 12 Textos Selecionados Ética e Ciência: urgência do debate Inauguramos esta Coletânea propondo um debate além da Ciência, no intuito de instigar reflexões acerca da própria humanidade, sendo ela a principal responsável por gerar o pensar científico e a principal beneficitária dele. Assim, como parte desta humanidade, envolvidos com o saber científico, convidamos você a participar deste momento de discussão... A relação ética e ciência é um dos debates que nos foram equacionados no século XXI. A partir do lançamento da bomba nuclear nas cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão no fim da II Guerra Mundial em 1945, e mais neste século com a degradação do meio ambiente, a ambiguidade do progresso científico e tecnológico passou do plano teórico para o existencial, começamos a perceber na vida cotidiana a deterioração do ambiente físico e social ao lado do mundo maravilhoso da tecnologia. Isto cria um paradoxo entre a ciência e a ética e, para falarmos da relação entre ciência e ética, é preciso, primeiro, buscarmos uma definição para a ética. Poderíamos entender ética de várias formas. Uma delas poderia ser como a busca ou caminho para ou pela “verdade” que seria, talvez, e em algumas condições, subjetiva. Se relembrarmos da origem da filosofia na Grécia, por exemplo, os sofistas, que através da retórica e do convencimento pelas palavras, da oratória, julgavam que “a verdade é resultado da persuasão e do consenso entre os homens”. Isso era combatido por Sócrates, Platão e Aristóteles que julgavam ser a essência da verdade através da razão e não do “simples” convencimento e consenso. Sócrates fazia isto através de perguntas básicas, feitas a diversos profissionais especialistas, tais como: ao “sapateiro” – o que é um sapato? Ao “juiz” - o que é a justiça? Ou o que é a verdade? E assim, a partir de um questionamento, buscava desvendar, através da razão e da lógica e não mais porum simples convencimento retórico, o que seria esta verdade. Poderíamos dizer então que, de certa forma, Sócrates inaugura a ética dentro do discurso. Sócrates, como comenta MARCONDES (1998) seria: “(...) um divisor de águas. É nesse momento que a problemática ético-política passa ao primeiro plano da discussão filosófica como questão urgente da sociedade grega superando a questão da natureza como temática central, pois a temática racionalista filosófica, inicialmente, era a natureza, iniciada por Tales de Mileto que buscava na própria natureza a explicação para ela própria, se afastando assim do mito em que tudo era explicado pelos deuses...” Assim teríamos a questão da subjetividade na ética, e a formação da própria sociedade interagindo entre ela e os indivíduos. A ética ajudando-nos a refletir sobre os costumes, sobre as práticas da ciência, da religião, da família, da empresa, enfim, em todas as instituições da sociedade. A ética nos ajuda a pensar a subjetividade. Que sujeito é esse em tal momento da história? Que sujeito é este hoje? Que “conhecimento” é este que buscamos pela ciência? 13 Ainda MARCONDES (1998) nos define ética da seguinte forma: “A ética, do grego “ethike”, diz respeito aos costumes e tem por objetivo elaborar uma reflexão sobre os problemas fundamentais da moral (finalidade e sentido da vida humana, os fundamentos da obrigação e do dever, natureza do bem e do mal, o valor da consciência moral.” A ciência, a ética e a filosofia Não existe um profissional ético, sem antes um homem ético. Portanto, a discussão sobre ética deve ser vista como uma situação-problema que provoca e estimula uma reflexão abrangente sobre a própria natureza da relação ética e ciência. Em sua reflexão sobre o conceito de progresso MATOS (1993) conclui que: “como não há progresso que não seja também moral, a principal tarefa dos nossos dias é o combate pelo progresso dos direitos humanos.” Referenciando a utopia que temos em comum: a humanidade com vida digna e feliz. Visto deste ponto, a reflexão filosófica não tem a utilidade imediata no sentido do senso comum. Sua contribuição à ciência e à técnica explicando os fundamentos epistemológicos e metodológicos e certamente, éticos. Citando CHAUÍ (1994): “Não se trata, pois, rigorosamente de uma ciência, mas de uma reflexão em busca de uma fundamentação teórica e crítica dos nossos conhecimentos e de nossas práticas”. Segundo o existencialismo, o ser humano está em processo de autoconstrução. Em outras palavras, é um agente transformador da Natureza que, ao transformá-la, constrói sua própria essência. A natureza humana vem sendo construída pela própria humanidade no processo histórico atualizando sua potencialidade como agente transformador. Sobre este conceito, MATOS (1993) expõe: “Temos uma natureza em devir. O ser humano é, ao mesmo tempo, um ser atualmente advindo e um ser ainda a vir, apenas prometido a si mesmo. É aqui que se manifesta a estrutura fundamental da ação: de um lado, ela é aquilo em que se tornou, aquilo que ela é agora: do outro, também é uma antecipação de seu ser realizado e, por ser ação de um agente autônomo, ela implica em si a responsabilidade daquilo que fazemos de nós mesmos. E veremos como a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo constitui, ao mesmo tempo, uma responsabilidade que ele tem com todos os homens”. Ciência e ética nos dias atuais A ciência, traço que singulariza as sociedades modernas, vem sendo analisada sob os mais diversos ângulos. Desde o enfoque mais clássico da epistemologia ao olhar mais recente dos estudos culturais, multiplicam-se os estudos sobre a atividade científica. Entretanto, em nossos dias, uma perspectiva, a da ética, exerce particular interesse, associada ao desenvolvimento contemporâneo das ciências da vida. Alternativas inéditas, antigamente nem sequer questionadas, fazem hoje parte do cotidiano. Possibilidades como a preservação duradoura da vida em condições artificiais, a intervenção em fetos ou as que decorrem do amplo repertório de ações ligadas à clonagem evidenciam a expansão do nosso poderio científico-tecnológico. Poderio que nos inscreve, de imediato, no horizonte ético: podendo fazer, devemos fazer? Os órgãos que regulam a ética nas pesquisas científicas que envolvam seres humanos, o crescente cuidado no trato dos animais associados à pesquisa científica, a atenção e a sensibilidade com que são vistas as questões relativas à intervenção no meio ambiente são indicadores de que estamos diante de um novo cenário. Mas, se, de um lado, devemos 14 celebrar o reaparecimento da temática ética, na medida em que se localiza no campo da ação humana, por outro lado, cabe perguntar sob que condições é razoável esperar uma aproximação permanente entre a ciência e a ética. Ética, entre outras coisas, significa restrição. O recurso a valores, constitutivos de qualquer agenda ética, implica aceitar proibições e limites. Caso existisse, uma sociedade inteiramente permissiva levaria à supressão da dimensão ética, que se tornaria supérflua num ambiente onde tudo fosse tolerado. Se aceitarmos a associação entre a atitude ética e o estabelecimento de alguma espécie de limite, como poderíamos aproximar a ética e a ciência, entre os procedimentos éticos e a busca do conhecimento? No contexto da sociedade atual, à que pertencemos, a criação dos campos científicos na modernidade ocidental é decorrência, entre outros fatores, da ideologia que preconiza a defesa da liberdade mais plena no que diz respeito ao conhecimento. A concepção moderna de ciência, a que estamos, ainda hoje, associados, é inseparável da progressiva reafirmação do princípio da autonomia da pesquisa e da rejeição, inegociável, da tutela, seja religiosa, seja política. Notamos que nos dias de hoje várias instituições se preocupam em elaborar um código de ética. Isso demonstra claramente a necessidade que a sociedade tem de “controlar” as medidas e atitudes das diversas profissões. Será que podemos permitir que a ciência, por exemplo, faça o que ela quiser? A ciência pode pesquisar o que ela quiser? A ética seria desta maneira então, intermediária, buscaria a justiça, a harmonia e os caminhos para alcançá-las. Quando buscamos, a justiça, a verdade, o entendimento e o conhecimento, o buscamos para satisfazer uma necessidade do sujeito. O que é que distingue a ciência da não - ciência? Como podemos demarcar a fronteira entre elas? É importante mencionar que a ciência deve ser entendida de maneira diversa, conforme o tempo em que a estudamos. O que chamamos de “conhecimento científico”, também, pode variar conforme os diversos períodos da história. Na área médica, por exemplo, quando ouvimos uma voz científica dizendo: evite comer ou fazer tal coisa, que faz mal à saúde, e depois alguns anos mais tarde se contradizem dizendo que não é bem assim. Podemos citar o recente comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com respeito à gema do ovo malcozida. Concluiu-se que ciência é um conhecimento sistemático, dá-se pela leitura, reflexão, sistematização, conhecimento lógico, sendo quase impossível vivermos sem seus benefícios. A ciência tenta discernir com sabedoria ética o melhor para o ser humano. Sendo de muita importância este apelo ético na ciência, pois a sociedade depende das consequências. A ética é uma característica própria a toda ação humana, tendo como objetivo facilitar a realização das pessoas. A ciência envolve investigação e busca pela verdade. Na ciência temos a ética como suporte para não haver erros, pois a responsabilidade faz parte da ética e é fundamental no meio científico. A produção científica não se realiza fora de um determinado contexto social e político. *Referências no site.Disponível em: <http://www.fernandosantiago.com.br/eticaciencia.htm> Acesso em: 04 mai 2018. Adaptado. Ciência e Pseudociência 15 Diariamente somos inundados por inúmeras promessas de curas milagrosas, dietas infalíveis, riqueza sem-esforço. Basta abrir o jornal, ver televisão, escutar o rádio, ou simplesmente abrir a caixa de correio eletrônico. A grande maioria desses milagres cotidianos são vestidos com alguma roupagem científica: linguagem um pouco mais rebuscada, aparente comprovação experimental, depoimentos de “renomados” pesquisadores, utilização em grandes universidades. São casos típicos do que se costuma definir como “pseudociência”. Afinal, quais os aspectos que diferenciam a ciência da pseudociência? Confira. A definição de pseudociência é muito genérica, e pode incluir uma grande quantidade de fenômenos paranormais, sobrenaturais, extra-sensoriais, e qualquer conjunto de procedimentos e “teorias” que tentem se disfarçar como ciência, sem realmente sê-la. A discussão dos limites entre ciência e pseudociência certamente inclui uma questão mais profunda: o que é ciência? Como defini-la? Esse é um assunto complexo e delicado, e impossível de tratar neste breve artigo. Entretanto, é útil discutir porque devemos nos preocupar com as pseudociências. Aparentemente, não podem causar mais impacto do que simples arranhões à já aparentemente consolidada imagem da ciência, que é geralmente vista como um pilar firme onde a sociedade se apoia. Entretanto, vale lembrar que inúmeras vezes a pseudociência é utilizada com má fé, destinada a usurpar o dinheiro da população em geral que ingenuamente acredita em evidências casuais, rumores e anedotas. Esse fato torna-se ainda mais drástico quando essas crenças atingem a área de saúde, onde o prejuízo financeiro pode vir acompanhado de um irreparável dano físico e/ou mental. A própria definição de pseudociências é uma questão complexa e delicada. Há muitas características comuns que podem ser utilizadas para tentar esboçar uma demarcação. Como já dito, as pseudociências têm esse nome pois tentam mimetizar uma aparência de ciências, incluindo uma linguagem mais complexa, com afirmações veementes de que os resultados são “comprovados cientificamente”, ou abalizados por “estudos aprofundados”. Além disso, as pseudociências normalmente baseiam-se em anedotas e rumores para “confirmar” os fatos. Um exemplo comum é ouvirmos (ou recebermos alguma corrente ou correio eletrônico) alguma história mirabolante sobre doenças provocadas por latinhas sujas ou roubo de órgãos para contrabando. Estes rumores que se espalham com uma facilidade impressionante devido à Internet têm o nome de “lendas urbanas”, e também podem ser considerados como um subgrupo das pseudociências. Em seu clássico livro “O Mundo Assombrado por Demônios - A Ciência vista como uma Vela na Escuridão", o Físico Carl Sagan descreveu, de modo brilhante, um kit de detecção de mentiras ou bobagens (Balooney Detection Kit), principalmente no que se refere a afirmações aparentemente científicas. Ele enfatiza o uso do pensamento crítico para reconhecer argumentos falhos ou fraudulentos, o que podemos chamar de um modo geral de “pseudociência”. Além do raciocínio lógico e do reconhecimento de alguns elementos característicos das pseudociências, é particularmente importante conhecer, ao menos superficialmente, como a ciência funciona. De acordo com Sagan, há algumas ferramentas básicas no kit que devem ser utilizadas para analisar argumentos e afirmações que aparentemente são embasadas em experimentos científicos: - sempre que possível deve haver uma confirmação independente dos “fatos”; 16 - deve-se estimular um debate sobre as evidências, do qual participarão notórios partidários de todos os pontos de vista; - os argumentos de autoridade têm pouca importância - As 'autoridades' cometeram erros no passado. Voltarão a cometê-los no futuro. Uma forma melhor de expressar essa ideia é talvez afirmar que em ciência não existem autoridades; quando muito há especialistas; - deve-se considerar mais de uma hipótese. Se alguma coisa deve ser explicada, é preciso pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais poderia ser explicada. Então, se deve pensar em formas de derrubar sistematicamente cada uma das alternativas. A hipótese que sobreviver a esta “seleção natural” tem maiores chances de ser a correta; - não se apegar demais à sua própria hipótese. Devem-se buscar razões para rejeitá-la. Se você não fizer isto, outros o farão; - quantificar sempre que possível. Aquilo que é vago e qualitativo é suscetível a muitas explicações; Se há uma cadeia de argumentos, todos os elos da cadeia devem ser válidos (inclusive a premissa) - não apenas a maioria deles; - deve-se sempre questionar se a hipótese pode ser, pelo menos em princípio, falseada. As proposições que não podem ser testadas ou falseadas não valem grande coisa. Devemos poder verificar as afirmativas propostas. Na realidade há muitas outras características comuns que podem ser utilizadas para tentar esboçar uma demarcação das pseudociências, o que nem sempre é trivial. Além disso, as pseudociências normalmente baseiam-se em anedotas e rumores para “confirmar” os fatos, e incluem personagens que afirmam que não são compreendidos e são hostilizados por nossa sociedade, assim como foram Galileu e Copérnico em suas épocas. Mas, por que devemos nos preocupar com as pseudociências? Para os cientistas, a resposta mais simplista poderia indicar uma tentativa de evitar “manchar” a imagem da ciência, que tem consolidado a sua reputação em anos e anos de hipóteses, teorias e experimentos bem- sucedidos e capazes de explicar muitos aspectos do universo em que vivemos. Mas, na realidade, a maioria das pessoas vive perfeitamente bem sem saber diferenciar entre ciências e pseudociências. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, em alguns momentos da vida esse conhecimento pode ser muito importante. Seja para decidir um tratamento médico, seja para analisar criticamente algum boato, seja para se posicionar frente à alguma decisão importante que certamente influenciará a vida de seus filhos e netos. A sociedade, como um todo, deve assimilar uma “cultura científica”, com a participação de instituições, grupos de interesse e processos coletivos estruturados em torno de sistemas de comunicação e difusão social da ciência, participação dos cidadãos e mecanismos de avaliação social da ciência. Mas, ao falar da cultura científica não estamos nos referindo, necessariamente, à “ciência” ortodoxa, entendida como acúmulo de conhecimentos coerentes, fixos e certos que se constroem sob a atenta vigilância de uma metodologia confiável sobre uma realidade natural subjacente (legado da tradição positivista que apela à objetividade da ciência e seu “espírito” altruísta). A cultura científica é entendida, neste sentido mais amplo, como forma de instrução, de acumulação do saber, seja este socialmente válido ou não. E a necessidade de uma cultura científica aparece claramente na distinção entre ciências e pseudociências. Além dos aspectos já mencionados, muitas vezes somos compelidos a aceitar algo sem fundamento científico, mesmo sem acreditarmos naquilo. Infelizmente, vemos isso acontecer com mais frequência do que gostaríamos... 17 Disponível em: <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2018/03/opiniao_segunda_feira/537876-ciencia-e- pseudociencia.html> Acesso em: 28 mai 2018. Bioética Abaixo, propomos uma leitura breve sobre a ética relacionada à vida sob a perspectiva dos avanços da ciência. As informações do texto são suficientes para esclarecer o assunto com objetividade e sugerir reflexões. O início da Bioética se deu no começo da década de 1970, com a publicação de duas obras muito importantes deum pesquisador e professor norte-americano da área de oncologia, Van Rensselaer Potter. Van Potter estava preocupado com a dimensão que os avanços da ciência, principalmente no âmbito da biotecnologia, estavam adquirindo. Assim, propôs um novo ramo do conhecimento que ajudasse as pessoas a pensar nas possíveis implicações (positivas ou negativas) dos avanços da ciência sobre a vida (humana ou, de maneira mais ampla, de todos os seres vivos). Ele sugeriu que se estabelecesse uma “ponte” entre duas culturas, a científica e a humanística, guiado pela seguinte frase: “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável”. Um dos conceitos que definem Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência “que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações”. Para isso, a Bioética, como área de pesquisa, necessita ser estudada por meio de uma metodologia interdisciplinar. Isso significa que profissionais de diversas áreas (profissionais da educação, do direito, da sociologia, da economia, da teologia, da psicologia, da medicina etc.) devem participar das discussões sobre os temas que envolvem o impacto da tecnologia sobre a vida. Todos terão alguma contribuição a oferecer para o estudo dos diversos temas de Bioética. Por exemplo, se um economista do governo propõe um novo plano econômico que afeta (negativamente) a vida das pessoas, haverá aspectos bioéticos a serem considerados. Os conceitos das ciências humanas que são fundamentais para o enfrentamento de questões éticas que surgem em razão do progresso da ciência nas áreas da saúde. O progresso científico não é um mal, mas a “verdade científica” NÃO pode substituir a ética. Para a Bioética, é fundamental o respeito à vida humana. Mas o que designamos vida humana? Segundo os principais livros de Embriologia, a vida humana inicia-se no exato momento da fecundação, quando o gameta masculino e o gameta feminino se juntam para formar um novo código genético. Esse código genético não é igual ao do pai nem ao da mãe, mas que é composto de 23 cromossomos do pai e de 23 cromossomos da mãe. Sendo assim, nesse momento, inicia-se uma nova vida, com patrimônio genético próprio, e, a partir desse momento, essa vida deverá ser respeitada. Este é o primeiro estágio de desenvolvimento de cada um de nós. 18 Disponível em: <https://www.biomedicinapadrao.com.br/2012/09/o-que-e-bioetica.html> Acesso em: 25 mai 2018. Terapia genética pode revolucionar o tratamento da depressão Vamos tratar brevemente sobre alguns dos benefícios de pesquisas e experiências realizadas pela Ciência no tratamento de determinadas doenças. Primeiramente, um tipo de terapia genética usada para tratar transtornos psiquiátricos, como, por exemplo, a depressão. Trata-se, ainda, de uma novidade, mas promete ser algo revolucionário e promissor, ainda mais considerando os altos índices dessa doença no mundo. Em seguida, fique por dentro do que a ciência vem descobrindo sobre a relação dos genes com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A depressão é um problema mundial que atinge diversas pessoas de todas as idades. A doença faz com que grande parte das suas atitudes sejam alteradas, além de fazer com que a pessoa tenha comportamentos destrutivos e negativos para si mesmo. E, infelizmente, o número de pessoas com o problema tem crescido cada vez mais. Para se ter uma ideia da sua dimensão, aproximadamente 5,8% dos brasileiros são afetados por ela, de acordo com dados da OMS. Além disso, se tratarmos do problema num âmbito mais geral, o número se torna ainda mais alarmante. Ainda de acordo com informações da OMS, cerca de 121 milhões de pessoas, em todo o mundo, sofrem com o problema. E, por isso, a questão deve ser levada mais a sério. Tratamentos com psicólogos e psiquiatras tem sido a solução por muito tempo, mas, uma nova terapia genética está sendo desenvolvida para servir como tratamento da depressão. A terapia genética O procedimento consiste em inserir genes funcionais nas células ou tecidos nos genes com mutação, que tem causado problemas. A serotonina é um neurotransmissor importante quando se trata da depressão e a proteína p11, usada no tratamento, atua exatamente nela. O mesmo tipo de tratamento já tem obtido sucesso na cura de outras doenças como o daltonismo, a cegueira, o câncer e a drenoleucodistrofia, uma doença cerebral rara. Embora ainda seja experimental, testes com animais já tem sido feito. 19 Os testes Alguns ratos sem a proteína p11 acabam apresentando comportamento depressivo, deixando de ter interesse em petiscos e sem motivação para se livrar de situações complicadas. Os pesquisadores que trabalharam no projeto pretendiam descobrir qual a importância da proteína no cérebro do animal. E, depois de alguns experimentos, eles conseguiram identificar a presença do p11 em uma região do cérebro que atua no prazer. E, por isso, aqueles sem o p11 na região acabaram desenvolvendo os sintomas depressivos mencionados anteriormente. O resultado foi exatamente o esperado e, depois de comprovarem a importância do p11 eles seguiram para o próximo passo. Aqueles ratos sem a proteína passaram pela terapia genética e em pouco tempo o seu comportamento foi revertido. Especulações sobre o efeito em humanos Antes de poder fazer o experimento com humanos, o grupo selecionou 17 pessoas mortas que tiveram depressão e 17 que não tiveram o transtorno, para poder analisar seu cérebro. Depois de observar a p11 em cada um deles, os pesquisadores acabaram concluindo que aqueles com o problema tinham uma quantidade menor da proteína. A conclusão trouxe ainda mais esperança para os especialistas. Eles acreditam que a depressão em humanos está realmente associada aos baixos níveis de p11 e que o tratamento pode ajudar. De acordo com eles, sem a p11 o cérebro acaba não respondendo bem a serotonina. E, agora que a sua 20 importância foi comprovada, eles podem se aprofundar mais no assunto e tornar isso uma realidade mais palpável. Disponível em: <https://www.fatosdesconhecidos.com.br/terapia-genetica-pode-revolucionar-o-tratamento-da-depressao- entenda/?related> Acesso em: 28 mar 2018. Adaptado. Mapeamento genético no diagnóstico do autismo Um estudo recente conduzido por pesquisadores do New York Genome Center, usando a metodologia de sequenciamento do genoma completo (WGS, sigla para o termo em inglês Whole Genome Sequencing), analisou o genoma de 2.064 indivíduos de 516 famílias sem histórico anterior de autismo, porém com um membro autista, e revelou que variações genéticas não herdadas — conhecidas como “mutações de novo” — podem contribuir para o autismo (Turner et al., 2017). Em janeiro, outro estudo também demonstrou a importância das variantes genéticas “de novo” na arquitetura genética complexa do TEA, analisando 262 trios de indivíduos de origem japonesa com TEA e seus pais neurotípicos (Takata et al., 2018). Apesar do número de indivíduos analisados ainda ser pequeno, os estudos epidemiológicos têm demonstrado cada dia mais que os fatores genéticos são os mais importantes na determinação das causas e origens do TEA. Entretanto, a genética do TEA é considerada extremamente heterogênea, uma vez que esses indivíduos possuem variantes comuns e raras (Gaugler et al., 2014). Mas, antes de falarmos da genética propriamente dita, vamos entender um pouco como ela funciona nos seres humanos e o que são essas alterações. O corpo e os genes Nosso corpo é formado por trilhões de células. O genoma está no núcleo, onde temos os cromossomos que são “novelos” compactados de DNA. Cada pessoa possui 46 cromossomos divididos em 23 pares,dos quais 22 são autossômicos (ou seja, determinantes das nossas características em geral) e 1 é sexual (determina se a pessoa é do sexo masculino ou feminino). O DNA é a sopa de letras, formada pelos nucleotídeos ACGT. A sequência 21 específica dessas letras é o que chamamos de genes. A grosso modo, os genes são responsáveis pela produção das proteínas, substâncias importantes para o funcionamento das células. Se o genoma humano fosse um livro, os cromossomos seriam os capítulos, os genes seriam as frases e a sequência de DNA seria as letras e as sílabas. Dessa forma, dependendo da alteração, nós poderíamos mudar apenas uma letra e ainda continuar entendendo o que está sendo dito, ou então mudar todo o sentido de uma frase e não entender mais o que ela quer dizer. Por exemplo, se trocarmos o “t” na palavra “televisão” por um “p”, teremos a palavra “pelevisão”; apesar de diferente conseguimos entendê-la. Mas, se pensarmos na palavra “conserto” e trocarmos o “s” por “c”, teremos “concerto”, uma palavra distinta que carrega outro significado. Nesse caso, uma única letra causou uma grande mudança de sentido. Em nosso organismo também é assim que acontece: algumas mudanças não têm efeitos; outras, entretanto, podem fazer com que o funcionamento das nossas células seja completamente afetado. As mudanças na sequência de DNA são chamadas de variantes genéticas. São essas mudanças que os cientistas e profissionais de saúde analisam quando um sequenciamento genético de última geração (como exoma ou genoma) é realizado. Dessa forma, é sempre importante lembrar da relevância da variante genética e não apenas do gene, pois às vezes uma troca pode não ocasionar nenhum defeito no funcionamento do organismo. O TEA é um bom paradigma para mostrar a complexidade das condições do desenvolvimento neurológico, pois ele apresenta um amplo espectro de características clínicas e fatores genéticos variados e complexos, com algumas variantes herdadas e outras ocorrendo pela primeira vez (lembra das “mutações de novo”?). As formas não-sindrômicas de TEA, ou seja, aquelas não associadas a nenhuma síndrome, são consideradas como herança multifatorial. Nesse caso, fatores de risco genéticos e ambientais podem desempenhar um 22 papel e o efeito aditivo desses fatores é variável, podendo ter mais ou menos impacto ao atingir um limite crítico, levando ao TEA (Hoang, Cytrynbaum, Scherer, 2017). Com isso, podemos dizer que o TEA é um transtorno multigênico e multifatorial envolvendo fatores ambientais, mas o risco é majoritariamente genético. Entretanto, o diagnóstico do autismo é clínico. Os genes e o TEA A evolução do conhecimento genético permitiu que muitos genes envolvidos no TEA sejam identificados. Atualmente, de acordo com a Simons Foundation, temos 722 genes descritos, porém muitos ainda são desconhecidos. Algumas desordens neurológicas e psiquiátricas não são fruto de alterações em um único gene. Ao contrário, envolvem distúrbios moleculares complexos em múltiplos genes e no controle da expressão gênica, como é o caso do TEA. Por essas razões, é um desafio definir genes e respectivas variantes genéticas de relevância clínica associadas ao TEA. Cada indivíduo é clinicamente único, por isso o aconselhamento genético com profissionais experientes e capacitados é de grande importância. O mapeamento genético vem se tornando o primeiro teste a ser recomendado pela Academia Americana de Genética Médica e Genômica no estudo de crianças com suspeita de síndromes genéticas, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, atraso do crescimento, atraso de linguagem, anormalidades congênitas e Transtorno do Espectro do Autismo. Exames como o CGH-Array esclarecem e direcionam em torno de 20% as suspeitas de síndromes e estão no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde). O CGH-Array ou hibridização genômica comparativa baseada em microarranjos é uma metodologia de citogenética molecular, capaz de identificar alterações cromossômicas desbalanceadas (como duplicações, deleções e/ou microdeleções) que não podem ser vistas através do exame de cariótipo convencional. O sequenciamento do genoma completo é o método que fornece informações genéticas completas dos pacientes. Em países desenvolvidos ele já vem sendo utilizado como segundo exame a ser realizado após o CGH-Array. Apesar de ter um custo ainda elevado, ele está rapidamente se tornando mais acessível. De acordo com o Dr. Evan Eichler, pesquisador do Howard Hughes Medical Institute (HHMI), dentro de cinco ou dez anos o sequenciamento do genoma completo pode ser uma ferramenta muito importante no diagnóstico do autismo. No Brasil, o sequenciamento completo do genoma já vem sendo realizado aqui na Tismoo com o mesmo rigor tecnológico dos trabalhos realizados no exterior e citados neste artigo. Começando o ano com o pé direito, nossa equipe está comemorando esse mês os avanços tecnológicos que culminaram na diminuição do valor do mapeamento genético, o que vai ao encontro da afirmação do Dr. Evan Eichler: o sequenciamento genético se tornará cada dia mais acessível e, no futuro próximo, poderá ser uma ferramenta muito útil para o diagnóstico do TEA. *Referências no site. Disponível em: <https://medium.com/tismoo-biotecnologia/mapeamento-gen%C3%A9tico-pode-ser-uma-das-ferramentas- mais-importantes-no-diagn%C3%B3stico-do-autismo-b533d1c8fd02> Acesso em: 08 mar 2018. Adaptado. 23 Cientista brasileira PhD em Química por Harvard supera preconceito e acumula 80 prêmios na carreira Com uma forte confiança na educação como transformadora de realidades, a cientista Dra. Joana D’Arc acredita que o ensino básico é a chave para incentivar a ascensão de jovens, sobretudo mulheres, na Ciência. Confira a entrevista em que ela expressa seu ponto de vista acerca de mulheres cientistas, educação básica e investimentos em ciência. A cientista e seus alunos desenvolveram uma pele artificial humana com base nos resíduos derivados da indústria de curtume “A educação e a ciência têm o poder de transformar vidas”. Para Joana D’Arc Félix de Souza, mulher e cientista, essa frase é mais um lembrete da sua trajetória de vida. Aos 53 anos, a pesquisadora lembra que precisou enfrentar obstáculos, como falta de estrutura financeira e preconceito, para chegar onde chegou: hoje, ela é PhD em Química pela Universidade de Harvard e acumula 80 prêmios na carreira científica. Criada em Franca, no interior paulista, foi lá que ela encontrou seu principal objeto de pesquisa, os resíduos gerados no setor coureiro-calçadista. O estudo com a matéria-prima derivada da indústria de curtume permitiu que a Dra. Joana e seus alunos da Escola Técnica Estadual de Franca desenvolvessem uma pele artificial humana que pudesse ser utilizada em transplantes e recuperação de pele e em pacientes com queimaduras, e desenvolvimento de novos tratamentos para doenças dermatológicas. Desde cedo, a Dra. Joana D’Arc já mostrava aptidão para a área acadêmica. Como acompanhava frequentemente a mãe, que trabalhava como doméstica, aprendeu a ler aos 4 anos de idade e surpreendeu a dona da casa – o que garantiu a vaga na escola de Ensino Fundamental administrado por ela. Joana se formou no Ensino Médio aos 14 anos e, com 24 apostilas emprestadas por uma professora e o apoio da família, passou no vestibular de três faculdades federais de São Paulo. Inspirada pelo trabalho do pai no curtume – e pelo fascínio com o químico do local – Joana escolheu cursar Química na Universidade Estadual de Campinas. Confira a entrevista. PMNC: Você ganhou diversos prêmios e fez parte de uma exposição temporária no Museu do Amanhã. Como esse reconhecimento impactou sua carreira e o desenvolvimento de suas pesquisas? Joana D’Arc: A partir da ExposiçãoInovanças, fiquei conhecida no Brasil inteiro e em vários outros países. Esse reconhecimento impactou de tal forma a minha carreira que já participei de vários programas de televisão, ministrei mais de 50 palestras desde maio de 2017, e fui eleita Personalidade 2017 no Prêmio Faz Diferença do Jornal O Globo. Com a exposição, algumas empresas também se interessaram por financiar nossas pesquisas e fornecer bolsas de iniciação científica para os meus alunos. O que te motivou a seguir em frente com a carreira científica mesmo com as dificuldades? Sigo em frente com a carreira científica porque tenho muita esperança no Brasil e muita confiança nos nossos jovens. O país se desenvolve com talentos e precisamos enxergar neles uma chance de melhorar o mundo. A educação é a arma mais poderosa para vencermos os obstáculos da vida. A origem social não é um destino, e o aluno precisa compreender que pode ser bem-sucedido por meio do aprendizado. O Brasil tem que investir na educação pública de qualidade. Educação de qualidade requer um mínimo de infraestrutura e elementos pedagógicos que apenas são possíveis mediante recursos financeiros. Tenho muita esperança no Brasil e acredito na valorização da escola pública. A educação e a ciência têm o poder de transformar vidas. Você participa de projetos de iniciação científica para a educação básica. Qual é a importância de estimular um interesse pela ciência desde cedo em crianças e, principalmente, meninas? O investimento em educação científica desde a infância e, principalmente para meninas, é a peça chave para a construção de uma sociedade democrática, economicamente produtiva, mais humana e sustentável. Os trabalhos de iniciação científica na educação básica desenvolvem pensamento lógico no jovem, que vai ser utilizado durante toda a sua formação. A educação é o caminho para a construção de um mundo melhor, pois é na educação básica que a criança/jovem adquire algumas características fundamentais para sua vida profissional. Para isso, o interesse do jovem pelos estudos tem que ser aguçado logo no início, o que infelizmente não acontece no tratamento dado às minorias. Quais os desafios de incentivar a ciência ainda na educação básica? O desafio de orientar jovens da educação básica é inestimável, porque esse primeiro contato do aluno com a pesquisa terá repercussões futuras. Se o jovem for bem orientado, provavelmente continuará a fazer outras pesquisas e depois será orientador de uma outra geração de alunos. É uma forma de desenvolver neles algumas características fundamentais para sua vida profissional, seja voltada para a indústria ou para a academia. Teremos 25 cidadãos mais críticos e mais conscientes. Além disso, os jovens que desenvolvem iniciação científica na educação básica são termômetros muito importantes da qualidade do curso e do desempenho dos professores, ou seja, são excelentes cooperadores do próprio modelo pedagógico. Como você vê a presença da mulher nas carreiras científicas? Competitividade, participação em congressos e produção de artigos e pesquisas quando se tem filhos são alguns motivos que com que muitas mulheres retardam a carreira ou mesmo abortem o desejo de serem cientistas. A carreira de pesquisador, na medida em que se progride, não exige apenas o trabalho de pesquisa (e o de ensino, que quase sempre vem junto) em si, mas um esforço de negociação com os pares e demais agentes sociais em busca de apoio em diversas formas. Ascender em uma carreira que exige constante estudo, produção e aulas transforma-se em missão quase impossível quando também é preciso administrar tarefas domésticas e, sobretudo, a maternidade. Existe também algum preconceito quando a cientista está grávida ou quer engravidar. A ciência torna-se incompatível em certos momentos da nossa vida. Mas hoje em dia já não é incomum ver nomes de mulheres vinculados a importantes descobertas científicas. Como você vê a situação da ciência no Brasil hoje? O que pode ser feito para melhorar esse cenário? Infelizmente, a ciência brasileira está passando por um momento muito crítico. Depois de anos de austeridade, os pesquisadores brasileiros temem que a redução de 44% no orçamento federal, anunciado no ano passado, destrua a ciência do país. Esse corte para a ciência é particularmente grave, pois impede que sejam desenvolvidas pesquisas para produção de alimentos, fármacos e outros. Uma das alternativas para melhorar esse cenário, seria buscar no setor privado, financiamentos para o desenvolvimento das pesquisas, uma prática muito comum nos Estados Unidos e na Europa. Disponível em: <https://www.paramulheresnaciencia.com.br/noticias/cientista-brasileira-phd-em-quimica-por-harvard- supera-preconceito-e-acumula-80-premios-na-carreira/> Acesso em: 24 mai 2018. Adaptado. Efeito Matilda: mulher, ciência e discriminação Por falar em mulheres cientistas, você sabe quantos prêmios Nobel foram concedidos aos homens em seus mais de 120 anos de história? E para as mulheres? Já ouviu falar sobre o efeito Matilda? Fique por dentro deste assunto. 26 Quantos homens já foram reconhecidos por seus talentos científicos e contemplados com o prêmio Nobel? E quantas mulheres? A proporção assusta: 817 vezes para eles e apenas 47 para elas. O efeito Matilda surgiu para avaliar esse tipo de situação que demonstra a discriminação sexista no campo da ciência. Ele serve para denunciar os casos em que as mulheres cientistas recebem menos recompensas, crédito e reconhecimento do que os homens, ainda que façam o mesmo trabalho ou até melhor. Curioso também é o fato de que a origem desse termo venha do corolário masculino. Sua origem é bíblica Para entender o efeito Matilda, é necessário explicar o nascimento de seu análogo masculino: o efeito Mateus. Robert K. Merton, o sociólogo criador do termo, recorreu às palavras de São Mateus para se referir a um fenômeno estendido a muitas facetas da vida. Na sua parábola dos talentos, o evangelista anuncia uma lição que convida à reflexão: “Tirai- lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.” – Mateus 25: 14-30, A parábola dos talentos – São Mateus O efeito Mateus Refere-se à menor atenção, consideração e reconhecimento que as obras feitas por profissionais desconhecidos recebem. Isso se demonstra em comparação com as obras similares em importância feitas por outros, já consagrados ou famosos. Assim, tenta-se explicar por que as obras de pessoas anônimas não têm tantas menções como as de autores bem conhecidos, mesmo quando essas últimas são de qualidade inferior. Dessa forma, são relegadas ao segundo plano por não terem patrocinadores ou por serem ainda jovens promissores, e não autores consagrados. Assim, ficam escondidos pela sombra gigante dos autores que já gozam de sucesso. Adaptação feminina à ciência: o efeito Matilda O conhecido efeito Matilda nasceu em 1993 por Margaret W. Rossiter. A historiadora tomou como base o efeito Mateus anterior para denunciar e dar nome ao desprezo do trabalho das mulheres em favor daquele realizado por homens. Ele queria denunciar as situações em que as descobertas e pesquisas das cientistas são relegadas ao ostracismo por uma simples 27 questão de gênero, e não de qualidade. Assim, o seu crédito e reconhecimento são menores do que se a conquista fosse alcançada por um homem. Nesse sentido, a incorporação de mulheres no campo científico foi sendo feita a conta-gotas. Em alguns países elas ainda não podem seguir uma carreira ou dirigir. Hoje em dia elas podem entrar na universidade e fazer um doutorado, mas as condições em que se encontram ainda não são iguais às dos homens. Como as mulheres são prejudicadas O benefícioque os homens têm não é apenas verificado em termos de prêmios. Além dos prêmios, remunerações, empregos, financiamento ou publicações são variáveis diferentes nas quais os homens, em virtude apenas do gênero, começam com uma vantagem. Com isso, físicas brilhantes, químicas, sociólogas ou médicas vão ficando pelo caminho. Elas têm seus trabalhos soterrados pelos dos homens, relegados ao fundo da gaveta ou desprezados sem maiores explicações. Com isso, ficam sem o reconhecimento que mereciam. A sufragista que deu nome ao Efeito Matilda Rossiter chamou esse fenômeno de efeito Matilda, especificamente, em homenagem a Matilda Joslyn Gage. Uma ativista, livre pensadora, prolífica autora e pioneira na sociologia americana, que foi uma das pioneiras na luta pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Entre algumas de suas iniciativas, ela destacou seu apoio a Victoria Woodhull, uma das primeiras mulheres que lutaram para ser presidente da Casa Branca. Mãe de uma grande família, publicou inúmeras obras denunciando a falta de liberdade e reivindicando a igualdade de direitos para o sexo feminino. Seu trabalho a elevou como presidente por muitos anos da Associação Nacional de Sufrágio das Mulheres. A partir desse momento, o efeito Matilda foi usado para citar todos os casos em que as mulheres, no desenvolvimento de sua profissão, tiveram que enfrentar essa injustiça. Victoria Woodhull Ainda é evidente hoje Os casos que demonstram o efeito Matilda não são limitados apenas aos séculos passados. Hoje em dia, a situação injusta que as mulheres enfrentam em muitas facetas de sua vida diária é evidente. Trabalhar é apenas mais um exemplo das áreas em que, de uma forma ou de outra, são discriminadas. Vamos dar um exemplo continuando com os prêmios Nobel, os prêmios mais prestigiosos que são concedidos aos profissionais científicos. Lise Meitner e Rosalind Franklin fizeram contribuições decisivas. Respectivamente, para a descoberta da fissão nuclear e a estrutura de dupla hélice do DNA . 28 Adivinha! Nenhuma das duas foi reconhecida pelo Nobel. No entanto, seus semelhantes foram aproveitando suas descobertas. Na verdade, Meitner é um dos casos mais ilustrativos de como os resultados científicos feitos pelas mulheres são totalmente ignorados pelo comitê desses prêmios. Nesse sentido, é altamente recomendado o livro “As ‘mentiras’ científicas sobre as mulheres”, de S. García Dauder e Eulalia Pérez Sedeño. O trabalho trata em detalhes como se dá o efeito Matilda. Também inclui muitos outros relatos relacionados a essa discriminação contra as mulheres. A verdade é que avançamos muito no caminho para chegar ao dia em que as oportunidades serão iguais. Mas a verdade ainda é que há um longo caminho a percorrer para que os avanços científicos não sejam uma questão de gênero. Assim, todos nós teremos clareza de que eles devem ser valorizados mais por aquilo que significam do que por quem os realizou. Disponível em: <https://amenteemaravilhosa.com.br/efeito-matilda/> Acesso em: 29 mai 2018. Adaptado. Cientistas afirmam: inteligência e conhecimentos são coisas diferentes O QI, sigla, em inglês, de coeficiente de inteligência, foi proposto em 1912 pelo psicólogo alemão Wilhelm Stern. Ele imaginou que a inteligência poderia ser medida dividindo a “idade mental”, que seria calculada por testes, pela cronológica. Entretanto, o QI não é consenso entre especialistas, pois não existe um único tipo de inteligência. E você? O que pensa sobre isso? Poderá haver uma única medida para a inteligência? A busca desesperada pelo conhecimento expulsou Adão e Eva do Paraíso, mas também foi graças a ela que o Homo sapiens saiu das cavernas, dominou o fogo e inventou a roda. A inteligência humana parece não ter limites, o que leva muita gente a tentar aumentá-la com jogos de memória, “ginástica cerebral” e, até mesmo, substâncias químicas. Contudo, enquanto o saber pode continuar a ser adquirido ao longo de toda a vida, isso não acontece com a inteligência. Segundo um estudo publicado na revista especializada Current directions in psychological science, o homem já chegou aonde devia e, se tentar comer o fruto proibido pela segunda vez, poderá sofrer graves prejuízos. Os autores alegam que, ao desafiar sua natureza limitada, os humanos poderiam até expandir a memória, a inteligência e o nível de atenção, mas o ganho desequilibraria a cognição — para levar vantagem em uma habilidade, outra ficaria prejudicada. Ralph Hertwing, professor de psicologia social da Universidade de Basel, na Suíça, e Thomas Hills, da Universidade de Warwick, no Reino Unido, dizem que a questão é evolutiva: assim como dificilmente alguém mede mais de 2m de altura, as mentes extremamente brilhantes não passam de exceção. E, assim como pessoas muito altas sofrem com problemas de coluna e de coração, os muito inteligentes pagam um preço alto por seus supercérebros. “Nós analisamos diversas pesquisas realizadas com pessoas caracterizadas por um alto QI ou que possuem uma habilidade especial, como memória fotográfica, e descobrirmos que, geralmente, esses indivíduos sofrem de distúrbios como autismo, sinestesia debilitante (condição na qual um sentido é trocado por outro) e diversos outros problemas neurológicos”, conta Hills. De 29 acordo com ele, as deficiências estão associadas ao tamanho do cérebro, que, em indivíduos muito inteligentes, costuma ser maior que o normal. “Imagine a quantidade de crianças que morreriam no parto se todos nascessem com um cérebro muito grande, desproporcional à pélvis da mãe”, questiona Ralph Hertwing. “Então, você pode perguntar: por que a evolução não selecionou as mulheres com pélvis maiores, aumentando as chances de sobrevivência da mãe do bebê?”, continua. Segundo ele, a explicação é que o formato normal dessa parte do corpo é adaptada ao bipedalismo. “Se fosse para as pessoas terem cérebros maiores, essa característica iria ‘brigar’ com o fato de andarmos sobre dois pés. A locomoção bípede requer uma arquitetura muito específica do esqueleto”, diz. Balanço Um dos grupos pesquisados foi o de judeus asheknazi, que têm um QI acima da média, comparando-se à população geral da Europa. Embora sejam mais favorecidos com a inteligência alta — provavelmente devido à seleção evolutiva, de acordo com Hertwing —, eles costumam sofrer de males hereditários e genéticos que afetam o sistema nervoso. Um deles é a doença Tay-Sacs, uma mutação que provoca danos neurológicos irreversíveis. Não se sabe exatamente o que faz com que os genes se alterem, mas os dois pesquisadores apostam que a habilidade especial está por trás da doença. Como prova de que a natureza é sábia, Hills cita o estresse pós-traumático. “Se você tem uma memória absurdamente boa, não conseguirá esquecer de situações e pessoas que estão ligadas a eventos desagradáveis”, diz. Outro efeito colateral da busca excessiva pela melhoria cognitiva está associado à atenção. Manter-se focado é algo que, sem dúvidas, torna as pessoas mais produtivas, mas ser atento demais tem seus problemas também. “Vamos imaginar algo complexo, como dirigir. Você tem de estar atento a diversas coisas que são muito dinâmicas, como pessoas e carros passando, placas, semáforos etc. Uma pessoa extremamente focada pode concentrar sua atenção no ponto cego. Aí, o que acontece? Ela acaba não vendo um motorista que está bem à sua frente e o resultado disso é uma batida feia”, exemplifica. Uma preocupação em particular de Hills e Hertwing é com o uso de substâncias químicas e farmacológicas para aumentar as habilidades cognitivas. “Remédios que potencialmente poderiam melhorar a cognição são considerados, por muitos, como uma ‘promessa para a expansão do cérebro humano’. Há quem defenda que as anfetaminas, por exemplo, melhorama atenção, e o modafinil reforça o estado de alerta. Esses efeitos aperfeiçoariam a performance escolar, reduziriam o declínio cognitivo relacionado à idade, deixariam soldados mais preparados para o combate e até mesmo aumentariam a produtividade dos cientistas”, comentam os autores, no artigo. Radicalmente contra esses expedientes, Hills e Hertwing contam que, em meados do século 20, o matemático Paul Erdös, que publicou aproximadamente 1,5 mil artigos, orgulhava-se de se “fortificar” com doses altas diárias de ritalina e benzedrina, café forte e pílulas de cafeína. “Naquela época, ele era uma exceção. Hoje, porém, isso é comum, com pesquisas mostrando que uma em cada cinco pessoas faz uso de substâncias químicas para melhorar as habilidades cognitivas”, lamentam. Hills volta à evolução para combater a prática: “Alguns desses medicamentos estimulam a produção de substâncias que não existem naturalmente no cérebro. Se fossem essenciais, elas existiriam”, diz. Efêmero 30 Além das implicações éticas e dos efeitos colaterais de drogas tomadas sem necessidade, a má notícia para quem aposta em cafeína, ritalina e anfetamina para ficar mais esperto é que essas substâncias podem até fazer com que se atinja o objetivo — porém é algo passageiro. “Se você tomar xícaras e mais xícaras de café porque não pode dormir naquele dia para estudar para uma prova, por exemplo, certamente vai ficar acordado. Só que ingerir cafeína ou qualquer outra coisa não vai tornar você uma pessoa atenta. Assim que a substância sair do organismo, tudo volta ao normal”, alerta Ralph Hertwing. Os autores do estudo deixam claro que não são contra a busca pelo conhecimento. Pelo contrário, exaltam a atitude de pessoas que estão sempre atrás de ampliar sua cultura. “Mas isso é algo completamente diferente de tentar ser mais ‘inteligente’. O conhecimento, sem dúvidas, é uma coisa que todos nós deveríamos perseguir. Fazer palavras cruzadas, seja para exercitar a memória ou aprender novos vocábulos, também é algo fantástico. Só que uma pessoa culta não é sinônimo de pessoa inteligente; pelo menos, não no sentido dos humanos com ‘supercérebros’, que alguns colegas insistem em dizer que, um dia, serão reais. Deixemos isso para os filmes de ficção científica”, conclui Hills. Múltiplas e específicas Em 1983, incomodado com o conceito tradicional de inteligência, o psicólogo cognitivo americano Howard Gardner lançou a teoria das inteligências múltiplas. Para o especialista, um indivíduo pode se sair mal no teste de QI e ter péssimo desempenho em matemática e, em compensação, ser um gênio dentro de um campo de futebol. Ele, então, dividiu a inteligência em diversos campos: linguístico, musical, lógico, visual, cinestésico, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencialista. De acordo com a teoria de Gardner, uma única pessoa pode ter vários tipos de inteligência, ou ser mais hábil em apenas um deles. Completamente contra qualquer método de teste de “nível de inteligência”, ele propõe que, em vez de exigir dos alunos o domínio de todas as disciplinas, as escolas deveriam ajudar cada um deles a cultivar o seu tipo de inteligência. Para o psicólogo, não se trata de descobrir quem é ou não inteligente, mas qual habilidade cada um possui. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e- saude/2011/12/30/interna_ciencia_saude,284572/cientistas-afirmam-que-inteligencia-e-conhecimento-sao-coisas- diferentes.shtml> Acesso em: 29 mai 2018. Cientistas descobrem possíveis causas da leucemia infantil Sabemos que diferentes tipos de câncer apresentam diferentes fatores de risco. Nesse sentido, o que a ciência tem a dizer sobre a leucemia, sobretudo, em crianças? Estatísticas do Instituto de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA) mostram que há entre 2 e 3 mil crianças afetadas pela leucemia a cada ano, correspondendo a aproximadamente 30% do total dos casos. Trata-se da forma mais comum de câncer infantil no Brasil. 31 Cerca de 13 mil novos casos de câncer em crianças e adolescentes ocorreram no Brasil em 2017. Dentre vários tipos, o de maior incidência é a leucemia, correspondendo a 30% dos casos. O porquê e como seres humanos tão novinhos desenvolvem essa doença gera controvérsias há décadas — possíveis causas ambientais, como radiações ionizantes, ondas eletromagnéticas ou até mesmo produtos químicos nunca apresentaram evidências concretas para serem aceitas. Agora, cientistas londrinos descobriram alguns possíveis culpados pela leucemia linfoblástica aguda (LLA) – e a limpeza excessiva na primeira infância está entre eles. Não, isso não significa que agora você terá que manter seu bebê chafurdando no lixo de fraldas. Um ambiente limpo é importante, mas o “isolamento” infantil, numa tentativa de proteção, é prejudicial: segundo Mel Greaves, autor do estudo e cientista do Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, o sistema imunológico se torna mais suscetível ao câncer se não tiver um contato razoável com micróbios no início da vida. Apesar de ser uma descoberta inusitada, a conclusão do estudo também é animadora: até certo ponto, dá para diminuir as chances de câncer infantil. Antes de tudo, é importante saber o que é a leucemia linfoblástica aguda. A LLA é responsável por 75% dos casos de leucemia infantil, e, felizmente, 90% das crianças que fazem um tratamento adequado se curam. Esse câncer no sangue ocorre quando linfócitos (um dos vários tipos de glóbulos brancos, aqueles das aulas de biologia) em formação na medula óssea sofrem alterações e se multiplicam de forma desordenada. O caráter “agudo” da doença quer dizer que os linfócitos problemáticos são células muito jovens, imaturas. Quando elas começam a causar transtorno, isso afeta todas as células sanguíneas da criança. E o pior: esses linfócitos cancerosos evoluem muito rápido, tornando o diagnóstico precoce imprescindível para um tratamento eficaz. Por que as crianças desenvolvem essa doença era um mistério para a medicina, mas a nova pesquisa achou dois pontos fundamentais para a ocorrência do mal: mutação genética e infecções em sistemas imunológicos frágeis. Greaves estudou câncer infantil por mais de 30 anos para chegar nessas variáveis. O primeiro fator envolve uma mutação genética 32 específica: ela ocorre antes mesmo do nascimento do bebê e já predispõe a criança à doença — mas é bom ressaltar que apenas 1% dos nascidos com essa alteração desenvolve a leucemia. O segundo fator é o polêmico: a doença, que se desencadeia mais tarde na infância, está mais sujeita a atacar crianças excessivamente limpas no primeiro ano de vida. A falta de contato com ambientes fora de casa ou outros bebês impossibilitou o sistema imunológico de se preparar contra outras ameaças. Infecções comuns surgidas na infância, que facilmente seriam curadas em crianças com mais contato com micróbios, são bombas nos organismos dos bebês “limpinhos” — e acabam gerando uma possível desordem dos linfócitos. Na pesquisa, Greaves apresenta essas evidências em uma teoria de “infecção tardia” como causa da LLA, afirmando que uma infecção quando novinho é benéfica para preparar e estimular nossas defesas. Mas uma primeira infecção posterior em crianças predispostas geneticamente, que não possuem preparo imunológico, pode influenciar no desenvolvimento da leucemia. Anos de pesquisas e experimentos levaram a essas conclusões, incluindo testes em animais e estudos populacionais. Greaves agora investiga se a exposição anterior a micróbios inofensivos pode prevenir a leucemia em camundongos. Se der certo, a ideia é que o mesmo poderia ser feito em crianças, para protegê-las desse câncer. A leucemia linfoblástica aguda atinge 300 mil crianças mundialmente, estando bem mais presente emsociedades ricas e desenvolvidas. Esse estudo espera que isso mude no futuro. Disponível em: <https://super.abril.com.br/saude/cientistas-descobrem-possiveis-causas-da-leucemia-infantil-e-uma- delas-tem-a-ver-com-limpeza-excessiva/> Acesso em: 24 mai 2018. Quais foram as maiores descobertas científicas brasileiras? Um dos aspectos que diferenciam os humanos de outras criaturas do reino animal é a capacidade de trazer à luz descobertas que geram esperança, promovem o progresso da humanidade e, algumas delas, contribuem de forma significativa para preservar a vida. O texto a seguir destaca algumas das descobertas científicas brasileiras e, por fim, apresenta algumas razões que explicam a polêmica: por que nenhum cientista brasileiro, até hoje, foi contemplado com o prêmio Nobel? 33 Foram muitas, em várias áreas, e todas ajudaram no progresso da ciência e beneficiaram de forma direta milhões de pessoas. Essas descobertas coincidem com uma efervescência científica nacional na primeira metade do século 20, que influenciou na formação de cientistas e na fundação de instituições como a Academia Brasileira de Ciências (1916), a Universidade de São Paulo (1934) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1961). Infelizmente, a ditadura militar (1964-1985) prejudicou a produção de conhecimento, com estudiosos perseguidos, presos ou exilados – segundo o último levantamento do portal Ciência na Ditadura, pelo menos 483 cientistas sofreram algum tipo de censura. Com o fim do regime, nossa ciência voltou a evoluir (ainda que a passos lentos). Os destaques mais recentes foram a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1985, e as pesquisas nos campos da neurociência (a interface cérebro-máquina de Miguel Nicolelis) e da astrofísica (observação de eventos espaciais até então inéditos). Confira nossa galeria de notáveis. 34 Vital Brazil, médico imunologista, 1898 – Especificidade do soro antiofídico O soro antiofídico foi criado em 1894 pelo francês Albert Calmett para tratar picadas de cobras venenosas. Acreditava-se que ele atuava de forma universal a partir do veneno de uma única espécie, a naja. Vital Brazil acreditava que cada tipo de veneno de cobra deveria ser tratado de forma específica. Para isso, produziu antídotos distintos para a mordida de cascavel e jararaca. Além disso, ele inventou o soro polivalente (que é eficaz para um grupo de cobras, e não para somente uma). – Carlos Chagas, médico sanitarista, 1909 – Doença de Chagas Nunca antes na história da medicina o ciclo completo de uma doença havia sido identificado. Chagas traçou todo o caminho: vetor (besouro barbeiro), agente causador (protozoário Trypanosoma cruzi), reservatório doméstico (gato), características e complicações e meios de combate. A descoberta veio enquanto ele combatia a malária em Minas Gerais. Chagas foi reconhecido internacionalmente, batizou a doença e virou um importante nome no combate a moléstias tropicais. 35 Mário Schenberg (e George Gamow, EUA), astrofísicos, 1940 – Processo Urca O processo descreve a explosão de uma supernova, em que a presença de partículas chamadas neutrinos acarreta no desaparecimento de energia no núcleo da estrela, provocando seu colapso e a consequente explosão. O nome “Urca” é uma referência ao extinto cassino da Urca, no Rio de Janeiro, sobre o qual Schenberg dizia que “a energia das supernovas desaparece tão rápido quanto o dinheiro dos apostadores aqui presentes”. – César Lattes (e Cecil Frank Powell, Reino Unido, e Giuseppe Occhialini, Itália), físicos, 1947 – Partícula méson pi Partícula presente no núcleo dos átomos, o méson pi foi fundamental para entender as forças atuantes nessa região atômica e sua estabilidade, originando um novo campo de estudo (o de partículas elementares). A descoberta rendeu o Nobel de Física em 1950, mas só Powell foi agraciado. – 36 Maurício Rocha e Silva, farmacologista, 1949 – Bradicinina Importante no controle da hipertensão, a bradicinina é um vasodilatador presente no sangue. Rocha e Silva a descobriu com a ajuda de Wilson Beraldo e Gastão Rosenfeld enquanto analisava a ação do veneno de jararaca em um cão. Desde os anos 70, muitos remédios para a doença têm bradicinina na fórmula. – Johanna Döbereiner, agrônoma, década de 1950 – Bactérias fixadoras de nitrogênio Döbereiner identificou tipos específicos das bactérias que ajudam na nutrição das plantas por meio da fixação de nitrogênio nas raízes. Isso ajudou a diminuir o impacto ambiental e a baratear a produção nacional de soja (hoje, o Brasil é um dos maiores exportadores). Döbereiner é a cientista brasileira mais citada lá fora. – 37 Crodowaldo Pavan, geneticista, 1957 – Amplificação gênica A descoberta derrubou a ideia de que as células possuem a mesma quantidade de material genético. O feito ocorreu quando Pavan encontrou a mosca Rhynchosciara angelae no litoral paulista. Ele identificou a duplicação de genes presentes nos cromossomos, sem a ocorrência de divisão celular. Foi um grande avanço nos estudos sobre DNA. Marcos dos Mares Guia, bioquímico, 1990 – Insulina humana recombinante Inicialmente extraída do pâncreas de bois e porcos, a insulina destinada a diabéticos podia causar reações alérgicas. Mares Guia descobriu um método em que a bactéria E. coli, presente no nosso corpo, recebe o gene da produção de insulina humana e passa a fabricá-la naturalmente. Resolveu o problema da alergia e barateou a produção. O tabu do Nobel - Por que nunca ganhamos um? Em mais de cem anos de história, poucos foram os brasileiros que “quase” levaram o principal prêmio das ciências do mundo. Dos citados aqui, Chagas, Rocha e Silva, Schenberg 38 e Lattes foram os que mais se aproximaram do feito. Como o processo de escolha dos vencedores é secreto, é difícil entender por que esse ou aquele não ganhou. O fato de Lattes não ter levado é que, na época, só o chefe do grupo era premiado – no caso, o britânico Powell. Para a bioquímica Debora Foguel, membro da Academia Brasileira de Ciências, o Brasil ainda não tem Nobel por três motivos: nossa ciência é muito jovem, se comparada à de outros países, grande parte dos pesquisadores não recebe recursos suficientes e de forma constante, o que é essencial para o trabalho, e o número de cientistas brasileiros ainda é muito pequeno. Uma pena. Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/quais-foram-as-maiores-descobertas-cientificas-brasileiras/> Acesso em: 29 mai 2018. O Nobel que o Brasil ganhou e ninguém sabia Ele nasceu no Brasil, falava português, gostava de farofa – e venceu o prêmio mais importante da medicina O Brasil está fora de todas as listas de ganhadores do Prêmio Nobel. Mas, a depender do critério utilizado, o país tem, sim, um vencedor da honraria: Peter Brian Medawar, Nobel de Medicina em 1960, nasceu em Petrópolis (RJ), falava português e morou no país até os 13 anos de idade. Por que, então, ele não é considerado um ganhador brasileiro do Nobel? Confira a resposta: http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/o-nobel-que-o-brasil-ganhou-e- ninguem-sabia-78pavf4xstt2d1pggqw16c5lj Livro Made in Macaíba 39 Neurocientista brasileiro, com diversos trabalhos divulgados em publicaçõescientíficas como Nature, Scientific American – que o indicou como um dos 20 maiores cientistas do mundo – e Science – na qual foi o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa –, Miguel Nicolelis é o autor de Made in Macaíba, livro que conta a história do projeto do neurocientista, fazer da ciência um agente de transformação social. A partir da construção de um polo de ensino, pesquisa e extensão em neurociência, que transformasse a comunidade a partir da educação, surgiu o Campus do Cérebro, localizado em Macaíba, cidade rural do interior do Rio Grande do Norte. O polo de ensino mudou o cenário de uma enorme comunidade carente, incentivando milhares de crianças a estudar e a acreditar que as oportunidades existem para todos. "A gente não construiu escolas, mas sim um aeroporto de cidadãos, porque o conhecimento liberta", afirmou o neurocientista em uma de suas diversas passagens pelo Fronteiras do Pensamento. Miguel Nicolelis é professor do Instituto Cérebro e Mente da Escola Politécnica Federal de Lausanne na Suíça, presidente do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) no Rio Grande do Norte e Professor titular do Departamento de Neurobiologia da Universidade Duke. Na Duke, também é codiretor do Centro de Neuroengenharia, onde lidera um grupo de cientistas que emprega ferramentas computacionais, robótica e métodos neurofisiológicos na pesquisa do desenvolvimento de próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal. A trajetória de Nicolelis de estudar e desvendar os mistérios do cérebro humano e sua integração com os computadores é uma referência no mundo todo e fez do neurocientista brasileiro um forte candidato a trazer um Prêmio Nobel para o país. Estes temas foram tratados em seus livros Muito além do nosso eu e O maior de todos os mistérios. Disponível em: <https://www.fronteiras.com/noticias/miguel-nicolelis-macaiba> Acesso em: 29 mai 2018. Filmes A Origem - A ciência por trás do filme 40 Neurocientista explica quais são os erros e acertos científicos da produção estrelada por Leonardo DiCaprio Por Sidarta Ribeiro* “A Origem é uma condensação vertiginosa de cem anos de psicanálise, neurobiologia, filosofia e cinema” A Origem é um filme desafiador. Num mundo não muito distante do nosso, em que existe tecnologia para invadir sonhos é realidade, um espião altamente capacitado tem sua chance final de redenção condicionada à realização de uma missão impossível: implantar uma ideia estranha na mente de uma pessoa, capaz de levá-la a fazer algo que não quer. Na superfície, trata-se de um barulhento filme de ação típico de Hollywood, com tiros, perseguições de carros e muitas explosões. Na profundeza, é uma condensação vertiginosa de cem anos de psicanálise, neurobiologia, filosofia e cinema. Cientificamente, acerta um tanto e erra outro tanto. O filme é composto de cinco narrativas, uma dentro da outra, articuladas em diferentes velocidades temporais com uma clareza desconcertante. Além do protagonista, cinco personagens adentram o sonho da vítima do golpe, para ajudar na difícil tarefa de semear o germe de uma ideia indesejada. Atuando de forma coordenada, tentam convencer a vítima a descer mais e mais profundamente, passando de um sonho a outro, até um local em que a ideia estrangeira possa ser plantada com sucesso. Indução – Voltando para o mundo real (real em termos, já que a ciência não tem como provar que não estamos sonhando), com a tecnologia atual é possível induzir uma pessoa ao sono. Fazer a mesma pessoa sonhar é mais difícil. Substâncias precursoras de dopamina e acetilcolina afetam o sonho. O DMT (Dimetiltriptamina, uma substância psicodélica), contido 41 na Ayahuasca, gera padrões de ativação cerebral e de experiência psicológica semelhantes aos observados durante o sonho. Mas os estudos ainda são incipientes. Cientificamente é possível sonhar que se está sonhando, como muitos de vocês já devem ter experimentado e como acontece no filme. Mas ninguém sabe ao certo quantas camadas um sonho pode ter. Talvez milhares, talvez apenas duas ou três. Também não há dados sólidos a respeito. Invasão – Em A Origem, tudo acontece como se a tecnologia para fazer o implante fosse algo já estabelecido. Fora das telas, nada disso existe. Para realizar a invasão de sonhos seria necessário decodificar o sonho a ser invadido e ser capaz de inserir conteúdo novo nele, não próprio do sonhador original. A primeira parte talvez seja possível em um futuro não muito distante, a segunda parece mais difícil. No que diz respeito à decodificação, nos últimos anos foram publicados artigos mostrando que é possível descobrir o que a pessoa está imaginando através da análise da ativação do córtex visual. Existe um truque aí, porque antes de fazer o experimento de “leitura de mentes”, a pessoa é submetida a uma bateria de imagens visuais, e sua ativação no córtex visual é gravada, gerando um mapa de possíveis estados que depois serve de base para a codificação de imagens novas, ainda não apresentadas ao sujeito. Com ou sem truque, é uma façanha e tanto. No que diz respeito à invasão, nossa tecnologia para estimular o cérebro com eletricidade ou campo magnético ainda é muito grosseira para se pensar em causar imagens específicas numa pessoa. Enquanto no filme o equipamento necessário para entrar nos sonhos cabe em uma maleta, os aparelhos atualmente existentes que permitem ver um cérebro sonhando são uma combinação de magnetoencefalografia (bem mais poderosa do que a eletroencefalografia comum) e ressonância magnética funcional. São técnicas que requerem o uso de aparelhos enormes, do tamanho de um carro cada, caríssimos. Mesmo eles não resolveriam o problema, esbarraríamos nas limitações citadas acima, mas pelo menos seria o melhor possível. Ritmo acelerado – Uma vez dentro do sonho, o filme mostra que a cada camada o tempo passa mais devagar: um segundo no mundo dos acordados significa cinco minutos na primeira camada de sonho, duas horas na segunda, e assim por diante. Ponto para o filme. Existem algumas evidências em ratos de que a compressão temporal do processamento 42 neuronal varia conforme as diferentes fases do sono. O resto é a imaginação de Christopher Nolan, o diretor do filme. Mas ele chega perto quando define a morte, dentro do sonho, como uma das formas para despertar. É muito difícil que as pessoas sonhem com a própria morte, embora algumas afirmem ter sonhos assim. No caso de A Origem, como acontece com a maioria das pessoas, morrer faz com que a pessoa acorde. O filme também acerta em mostrar pessoas que sabem que estão dentro de um sonho, como os agentes contratados para implantar as ideias. Quando começamos a perceber que estamos sonhando, há quem consiga permanecer nesse estado sem despertar ou regressar para o sonho comum, equilibrando-se entre o espanto e a inconsciência. Se torna um sonhador lúcido, capaz de criar o enredo onírico com sua própria vontade, simulando o que quiser. Chuva onírica – A perturbação do sonho através da interferência sensorial – como a cena em que chove porque o dono do sonho está com vontade de ir ao banheiro – tem base científica. Como notou Freud, estímulos externos entram no sonho e são ressignificados, de forma que “o sonho protege o sono”. Isso ocorre até um certo ponto, além do qual a pessoa acorda. O mais interessante em “A Origem” é como o personagem principal enfrenta a impossibilidade de ter certeza sobre os limites da realidade. O desejo é motor do sonho, e o sonho não cessa. Repressão de memórias e loucura se entrelaçam,seguindo o fio condutor das ideias de Freud. Mas o espectador é levado ainda mais longe, saltando por cima das divergências acadêmicas no campo das psicologias e das neurociências para interrogar de modo incisivo, equipado com tudo que sabemos, qual é a arquitetura última da mente. Nada mal para um blockbuster. Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=HiixbtN-O24 Resenha disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/a-ciencia-por-tras-do-filme-a-origem/> Acesso em: 28 mai 2018. 43 Interestelar Em Interestelar, filme do diretor Christopher Nolan, a humanidade parece estar vivendo seus últimos dias. Estamos num futuro não especificado. Uma “praga” está destruindo as colheitas e uma forte e persistente poeira surge para devastar os campos e os ambientes. É como se a terra estivesse se desprendendo do solo. As universidades só precisam de fazendeiros e as demais profissões estão em baixa. E alguns drones teleguiados continuam voando por aí, a esmo, sugerindo que algum conflito parece ter ocorrido. Em meio a esse cenário, o doutor Brand (vivido por Michael Caine), um cientista da NASA, diz a frase mais importante do filme: “A humanidade nasceu na Terra, mas não está destinada a morrer aqui”. Essa grandiosa noção resume a ambição de Nolan para essa obra. Em Interestelar, estamos no terreno da ficção-científica e Nolan, com seu conhecido rigor racionalista e sua busca pela verossimilhança, cria um exemplar do gênero que, na maior parte da sua duração, destoa da maioria das produções hollywoodianas. O protagonista do filme vive nesse planeta em processo de devastação. Cooper (Matthew McConaughey) é um fazendeiro e ex-piloto que cuida de dois filhos, Tom (Timothée Chalamet) e a pequena Murphy (Mackenzie Foy), e do ex-sogro (John Lithgow). Um estranho fenômeno acaba levando-o a entrar em contato com o pessoal da NASA, agora operando em sigilo, e Cooper e Murphy acabam conhecendo o ambicioso plano do doutro Brand: uma viagem interestelar até um “buraco de minhoca” que conduz a uma nova galáxia. Lá, os viajantes têm a missão de selecionar um planeta que se tornará o novo lar da humanidade. A missão é mostrada por Nolan com um foco no realismo, como lhe é de praxe, e é raro vermos no cinema de ficção-científica de Hollywood um exemplar com tanto apreço pela ciência “dura”. Conceitos complicados como a relatividade, buracos negros e a complexidade dos voos espaciais são – na maior parte do tempo – tornados compreensíveis para o espectador. Embora, curiosamente, a cena na qual se explica o que é o buraco de minhoca, com o auxílio de uma folha de papel, seja idêntica à cena do terror O Enigma do Horizonte (1997), do diretor Paul W. S. Anderson… 44 De toda forma, a viagem parece real e Interestelar se torna uma das recriações mais possíveis, e por isso mesmo mais fascinantes, das viagens espaciais na história do cinema. As distâncias são vastas e os intervalos de tempo são relativos, passando de diferentes formas para diferentes personagens, o que causa algumas surpresas ao longo da história. Até o espaço é silencioso, como geralmente não ocorre nos filmes de ficção-científica. Sendo assim, há momentos de incrível beleza na história. O design de produção de Nathan Crowley concebe a espaçonave Endurance e os planetas presentes na trama, além dos dois robôs TARS e CASE – pena que Nolan os mostre de forma compacta demais por grande parte do início do filme, com um abuso de planos fechados, de modo que só damos uma olhada direito neles no meio da história. Os efeitos visuais são criativos e impressionam pela execução: o “cubo” visto no terceiro ato do filme, a cena da onda gigante, a viagem dentro do buraco negro e uma atracação perigosa num momento-chave representam sequências visuais inesquecíveis. E o compositor Hans Zimmer cria uma trilha sonora poderosa e, em alguns momentos, triste, com órgãos e sintetizadores quase sagrados que amplificam a grandiosidade da história criada pelo diretor e seu irmão Jonathan. Em meio ao jargão técnico-espacial, surgem interessantes ideias sobre a vida e a passagem do tempo. Uma das melhores cenas do longa é quando Cooper assiste às mensagens dos seus filhos e os vê já como adultos – Tom e Murphy passam a ser interpretados por Casey Affleck e Jessica Chastain, respectivamente, neste trecho do filme. A reação de McConaughey coroa mais uma carismática e sólida interpretação da sua recente carreira. Além dele, Chastain retrata com sua competência habitual a persistência de Murphy, e há um conhecido astro aparecendo na metade do filme, cuja presença não é bom revelar, mas ele também faz um bom trabalho. Já Michael Caine interpreta uma versão do físico Kip Thorne, consultor das teorias do filme; e Anne Hathaway traz apenas a sua simpatia para o papel pouco definido da filha do doutor Brand, integrante da missão. A passagem do tempo parece ser muito importante para Nolan, que utiliza esse tema para criar outra das suas experiências de montagem paralela, intercalando as ações dos astronautas no planeta distante e as pessoas na Terra no terceiro ato da história. Porém, é nesse segmento que se concentram os problemas de Interestelar. É quando Nolan substitui um pouco os fascinantes questionamentos da ficção-científica por algumas facilidades de roteiro hollywoodianas: um personagem se transforma num “quase antagonista” para gerar um conflito, porque aparentemente é impossível fazer um épico de milhões de dólares de orçamento sem ao menos uma explosão; e no final algumas pontas soltas são amarradas de forma muito fácil – como o código Morse que transmite as informações, numerosas por sinal, para resolver o problema; ou ainda a natureza do cubo, explicada via diálogo expositivo por McConaughey. Christopher Nolan faz de Interestelar um filme inegavelmente ambicioso e forte, buscando inspiração em clássicos do passado, como Solaris (1972), Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) e o maior deles, 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Isso já é um grande feito, porém Nolan aqui é prejudicado por ele mesmo, por sua própria natureza. Em Interestelar ele, como sempre, tem a necessidade de explicar tudo, de definir tudo. Trata- se de um cineasta eminentemente racional, e talvez por isso suas digressões narrativas 45 sobre o amor como força motriz dos personagens pareçam meio deslocadas. Ele não abraça o mistério do universo e da humanidade, como Tarkovsky e Kubrick fizeram em Solaris e 2001, e isso rouba um pouco do potencial da sua aventura. Nolan instiga a imaginação do público e propõe perguntas, como a melhor ficção-cientifica deve fazer, mas ele mesmo as responde, em grande parte. Uma pena, pois se percebe que em Interestelar ele chega muito perto de fazer um grande filme. O resultado é uma aventura imperfeita, mas sempre grandiosa e capaz de fazer com que o espectador, em vários momentos, se maravilhe com o universo. Por isso mesmo, suas falhas se tornam mais frustrantes. Trailer https://www.youtube.com/watch?time_continue=13&v=uFMpvc0Ml4s Resenha disponível em: <https://cinemadetalhado.com.br/2014/11/resenha-de-filme-interestelar.html> Acesso em: 28 jun 2018. 46 Música A alma e a matéria Marisa Monte Procuro nas coisas vagas Ciência! Eu movo dezenas de músculos Para sorrir… Nos poros a contrair Nas pétalas do jasmim Com a brisa que vem roçar Da outra margem do mar… Procuro na paisagem Cadência! Os átomos coreografam A grama do chão… Na pele braile pra ler Na superfície de mim Milímetros de prazer Quilômetros de paixão… Vem pr'esse mundoDeus quer nascer Há algo invisível e encantado Entre eu e você E a alma aproveita pra ser A matéria e viver… Procuro nas coisas vagas Ciência! Eu movo dezenas de músculos Para sorrir… 47 Nos poros a contrair Nas pétalas do jasmim Com a brisa que vem roçar Da outra margem do mar… Procuro na paisagem Cadência! Os átomos coreografam A grama do chão… Na pele braile pra ler Na superfície de mim Milímetros de prazer Quilômetros de paixão… Vem pr'esse mundo Deus quer nascer Há algo invisível e encantado Entre eu e você… Vem pr'esse mundo Deus quer nascer Que a alma aproveita pra ser A matéria e viver Que a alma aproveita pra ser A matéria e viver Que a alma aproveita pra Viver! Que a alma aproveita pra ser A matéria e viver… Disponível em: <http://analisedeletras.com.br/marisa-monte/a-alma-e-a-matria/> Acesso em: 28 mai 2018. Texto Complementar A alma e a matéria Para o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), a maior necessidade do ser humano era o habitar, que vinha antes mesmo do construir. No ensaio “Construir, Habitar, Pensar”, ele mostra que o homem habita, por essência, a quadratura, um “polígono” cujas quatro pontas são céu, terra, divino e mortal. O ser humano habita o “entre”, é a própria fronteira. 48 Está com os pés na terra e a cabeça no céu. O habitar se finca na poesia, no poetar-pensante. A existência é vista como um todo indivisível. Ao habitar, o homem pensa e constrói seus espaços, suas arquiteturas, seus relacionamentos, sua vida. Parece-me que, ao nos separarmos de Deus no Jardim, perdemos esse estado de “fronteira”. Estar ligado apenas à terra e ao que é mortal, sem possibilidade de transcendência, é um indício disso. O extremo oposto – uma vida nas alturas somente – não é, no entanto, a essência do ser. Ela talvez esteja arraigada numa mistura entre céu e terra, divino e humano, como uma dança entre os dois. Vemos no Gênesis o homem sendo criado por Deus a partir do pó da terra. Ele é feito de chão, de barro. Deus então sopra o seu Espírito e ele se torna “alma vivente” – uma união entre terra e céu. Marisa Monte canta algo parecido na música “A alma e a matéria”: “Vem pra esse mundo, Deus quer nascer. E a alma aproveita pra ser a matéria e viver”. Clarice Lispector, no livro “Um Sopro de Vida” – que trata da relação de um escritor com o personagem criado por ele –, escreve: “Aspiro a uma fusão de corpo e alma”. Eu também aspiro. Os rituais do templo descritos no Antigo Testamento são belos e cheios de significados. Deus vinha e se manifestava concretamente no altar, com fogo, ou através de símbolos, como a imposição de mãos do sacerdote no animal, transferindo figuradamente o pecado do povo para o animal a ser sacrificado. O altar do templo era o principal local onde o divino entrava em contato com o mortal. Nietzsche disse certa vez que “somente acreditaria em um Deus que soubesse dançar”. Jesus foi e é essa dança: Deus e homem coexistindo sem conflitos, numa existência que transforma tudo. Ele é a materialização da própria quadratura. Quando diz “isto é o meu corpo” (e não quero aqui discutir a transubstanciação) ele está falando sobre algo muito palpável. Jesus amava a vida, não no sentido que condena em uma parábola, mas a vivia com intensidade. Marx estava certo ao dizer que a religião, caso vivamos somente “nas alturas”, é o ópio do povo. Contudo a espiritualidade encarnada proposta por Jesus é diferente. Nela a religião deixa de ser uma droga para se tornar o mecanismo pelo qual podemos viver e experimentar Deus aqui, nessa dança celestial e terrena, onde ele nos convida a habitarmos seguros e construirmos nossa vida pensando, sem esquecer da poesia que a permeia. Texto escrito por Miguel Del Castillo, escritor, tradutor e editor. Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/conteudo/a- alma-e-a-materia> Acesso em: 29 mai 2018. Charges e Tiras 49 Disponível em: <http://www.leovillanova.net/2015/06/> Acesso em: 24 mai 2018. Disponível em: <http://juciencias.blogspot.com.br/2009/09/charges.html> Acesso em: 24 mai 2018. 50 Disponível em: <https://brainly.com.br/tarefa/3377084> Acesso em: 24 mai 2018. Disponível em: < https://www.umsabadoqualquer.com/941-einstein-8/> Acesso em: 24 mai 2018. 51 Disponível em: <http://scienceblogs.com.br/rainha/2008/05/ciencia-e-curiosidade/> Acesso em: 29 mai 2018. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/ultnot/especiais/ult1811u186.jhtm> Acesso em: 29 jun 2018. 52 Considerações Finais Se, por um lado, a ciência representa cada vez mais uma grande esperança e algumas certezas à humanidade em busca de soluções e curas, ela também, paradoxalmente, sempre representou uma forte ameaça à existência dela própria. Quem sabe, atualmente, tenhamos que nos fazer muito mais perguntas além daquelas cujo saber científico nos impele, ou seja, pensar a ciência de maneira eticamente correta... Nesse sentido, esperamos que ao final desta leitura você tenha se questionado muito mais do que acreditado... Que você tenha se identificado com partes deste material, sentindo-se incomodado e desafiado a enveredar pelos caminhos da ciência a favor da vida, do outro, do coletivo, do amanhã e do eticamente correto... Que sua visão acerca do que tratamos aqui já não seja mais a mesma... Que suas reflexões tenham ampliado percepções e pontos de vista... Que o conhecimento advindo desta leitura tenha contribuído para ampliar ideias, aperfeiçoar habilidades e, principalmente, que você avalie a sua relação com esse universo de possibilidades... Por fim, que nesse processo de autoavaliação você possa descobrir-se livre e potencialmente capaz de usar com cuidado e sabedoria o mundo científico à sua disposição e, quem sabe, realizar você mesmo, com altruísmo e ética, descobertas ou criações que farão a diferença na sua geração, deixando para as próximas um legado e tanto! Tenha um presente e futuro promissores!