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CAP. 12 – DIVISÃO DO TRABALHO E MANUFATURA 1 DUPLA ORIGEM DA MANUFATURA “A cooperação fundada na divisão do trabalho adquire sua forma clássica na manufatura” (MARX, 2016, p. 391). Sendo forma característica do processo de produção de meados do século XVI ao último terço do século XVIII. Nasce quando são concentrados diversos trabalhadores, de ofícios diferentes e independentes, em uma oficina, sob o comando do mesmo capitalista, por cujas mãos tem de passar um produto até seu acabamento, ou seja, onde são empregados simultaneamente em um processo de trabalho em que a cooperação entre eles é imprescindível. A junção destes diversos trabalhadores permite que muitos produtos possam ser feitos ao mesmo tempo, encontrando-se em fases diversas da produção ao mesmo tempo. Marx exemplifica com a manufatura de carruagem que reúne diversos trabalhadores de ofícios diferentes onde trabalham simultaneamente em colaboração. “Até aí, estamos no domínio da cooperação simples [...], Mas logo sucede uma modificação substancial” (MARX, 2016, p. 391). Os trabalhadores que realizavam todas as etapas de produção de um bem, com a especialização dentro da manufatura vão perdendo aos poucos a capacidade de produzir a mercadoria inteiramente. Para a manufatura a forma mais apropriada de trabalho consiste nesta especialização, ela divide a produção em diversas operações especializadas e cristaliza cada operação em função exclusiva de um trabalhador e a totalidade da mercadoria é produzida pela união desses trabalhadores parciais. O surgimento da manufatura ocorre pela combinação de diferentes ofícios sob o comando do mesmo capital ou pela junção, sob o domínio de um capital, de muitos trabalhadores que fazem a mesma coisa ou a mesma espécie de trabalho. Contudo, as circunstâncias externas, como a necessidade de elevar a produção em determinado prazo, acarretou na subdivisão dos trabalhos e da necessidade da cooperação dos trabalhadores, pois cada um fazia uma parcela da mercadoria e o produto do seu trabalho era a matéria prima do trabalhador seguinte. “Essa repartição acidental de tarefas repete-se, revela suas vantagens peculiares e ossifica-se, progressivamente, em divisão sistemática do trabalho” (MARX, 2016, p. 392). A mercadoria deixa de ser produto individual do artesão independente, passando a ser produto social de um conjunto de trabalhadores, cada um deles realizando a mesma e ininterrupta tarefa única e parcial. A manufatura se origina e se forma, a partir do artesanato, de duas maneiras: 1. “Surge da combinação de ofícios independentes diversos que perderam sua independência e se tornaram tão especializados que passam a constituir apenas operações parciais do processo de produção de uma única mercadoria” – ou seja, junta sob o domínio do mesmo capital diferentes processos de produção, antes realizados em separado. 2. “Tem sua origem na coordenação de artífices de determinado ofício, decompondo o ofício em suas diferentes operações particulares, isolando-as e individualizando-as para tornar cada uma delas função exclusiva de um trabalhador especial” – ou seja, aperfeiçoa a divisão do trabalho existente anteriormente. O resultado da manufatura é “um mecanismo de produção cujos órgãos são serem humanos” (MARX, 2016, p. 393). Contudo, na manufatura a base da produção ainda é manual, artesanal, dependendo, portanto, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador ao manejar seu instrumento. “[...] cada processo parcial percorrido pelo produto tem de ser realizável como trabalho parcial profissional de um artesão. [...] o trabalhador é absorvido por uma função parcial e sua força de trabalho se transforma para sempre em órgão dessa função parcial” (MARX, 2016, p. 393). A divisão manufatureira do trabalho é uma espécie particular de cooperação, muitas de suas vantagens decorrem da natureza geral da cooperação. 2 O TRABALHADOR PARCIAL E SUA FERRAMENTA Um trabalhador que passa a vida inteira se especializando um uma função parcial, transforma todo o seu corpo em órgão automático especializado dessa operação, portanto, sua produtividade será maior do que a do artesão que realiza todas as etapas da produção. “O trabalhador coletivo que constitui o mecanismo vivo da manufatura consiste apenas nesses trabalhadores parciais, limitados. Por isso, produz-se em menos tempo ou eleva-se a força produtiva do trabalho, em comparação com os ofícios independentes. Também aperfeiçoa-se o método do trabalho parcial, depois que este se torna função exclusiva de uma pessoa” (MARX, 2016, p. 394). Ainda segundo Marx (2016, p. 394): “A manufatura produz realmente a virtuosidade do trabalhador mutilado, ao reproduzir e levar sistematicamente ao extremo, dentro da oficina, a especialização natural dos ofícios que encontra na sociedade”. Quando um artífice executava todas as etapas de produção da mercadoria, ou a maioria delas, de uma etapa para a outra precisava parar para mudar de ferramenta ou de posição, o que consistia em tempo não trabalhado. Com a especialização do trabalho, cada trabalhador só executa parte de uma mercadoria não precisando mudar de ferramenta e posição. O acréscimo de produtividade decorre da maior intensidade do trabalho contínuo e único. Todavia, quando o artífice precisava mudar de posição ou ferramenta, neste tempo suas forças recebiam novo estímulo ao trabalho, com a eliminação do tempo de mudança de ferramenta, elimina-se esse estímulo. As manufaturas se caracterizam pela diferenciação das ferramentas, estas modificadas para cada processo de trabalho, elevam a produtividade do trabalhador ao serem produzidas para operar plenamente em mãos de um trabalhador parcial específico. “O trabalhador parcial e seu instrumento constituem os elementos simples da manufatura. Examinemo-la agora em seu conjunto” (MARX, 2016, p. 396). 3 AS DUAS FORMAS FUNDAMENTAIS DA MANUFATURA: MANUFATURA HETEROGÊNEA E MANUFATURA ORGÂNICA A manufatura tem duas formas fundamentais: 1. MANUFATURA HETEROGÊNEA: o artigo se constitui pelo simples ajustamento mecânico de partes de produtos fabricados por trabalhadores parciais que trabalham a domicílio para uma capitalista. Ex. Manufatura de relógio, as peças são feitas por artesãos independentes e a manufatura monta as peças adquiridas, produzindo poucas delas. O fracionamento da produção pouco permite o emprego de instrumental comum de trabalho; e o capitalista evita as despesas de construção com o sistema disperso de fabricação. A falta de conexão entre os processos dificulta a transformação de manufaturas desse gênero em grande indústria mecanizada. 2. MANUFATURA ORGÂNICA: sua forma perfeita, a forma acabada do produto deve-se a uma sequência de operações e manipulações conexas, uma sequência de processos gradativos. Há redução do espaço que separa as diversas fases de produção do artigo. Há ganho de produtividade, em relação ao artesanato, em virtude do caráter cooperativo da manufatura. “Para estabelecer e manter a conexão entre as diferentes funções isoladas, é necessário o transporte ininterrupto do artigo de uma mão para outra e de um processo para outro. Isto representa, confrontando-se com a grande indústria mecanizada, uma limitação peculiar, custosa e imanente ao princípio da manufatura” (MARX, 2016, p. 399). Ex. Manufatura de agulhas em que o arame passa pelas mãos de 72 e até 92 trabalhadores parciais, realizando cada um uma operação específica. Se olharmos a oficina como um todo a matéria-prima encontra-se simultaneamente em todas as etapas da produção. E as diversas operações parciais se sobrepõe acarretando aumento da produtividade do trabalho. Esse ganho de produtividade decorre da cooperação. A manufatura cria as condições de cooperação decompondo a atividade do artesão eaprisionando cada trabalho em uma única parcela do ofício. Assim, “[...] o resultado do trabalho de um é o ponto de partida para o trabalho do outro. Um trabalhador dá ocupação diretamente ao outro. [...] essa dependência direta dos trabalhos e dos trabalhadores entre si obriga cada um a só empregar o tempo necessário à sua função, obtendo-se assim continuidade, uniformidade, regularidade, ordenamento e, notadamente, intensidade de trabalho que não se alcançam no ofício independente e nem mesmo na cooperação simples” (MARX, 2016, p. 400). A concorrência leva a só se aplicar na produção o tempo de trabalho socialmente necessário, para se obter a taxa de mais-valia social, pois cada produtor tem que vender a sua mercadoria ao preço de mercado. Na manufatura “torna-se lei técnica do próprio processo de produção o fornecimento de determinada quantidade de produto num tempo dado” (MARX, 2016, p. 400). Contudo, as operações diferentes precisam de tempo desigual fornecendo quantidades desiguais de mercadorias. Contrata-se, portanto, trabalhadores em proporções desiguais para com isso gerar os produtos na mesma proporção, uma vez que o produto de um é a matéria prima de outro. “Assim, numa manufatura de tipos de imprensa, por exemplo, há quatro fundidores e dois quebradores para um polidor: o fundidor funde 2.000 tipos por hora, o quebrador destaca 4.000 e o polidor dá polimento a 8.000. Reaparece aí o princípio da cooperação em sua forma mais simples, o emprego simultâneo de muitos que fazem a mesma coisa; só que agora ele exprime uma relação orgânica. [...] Fixada pela experiência a proporção mais adequada dos diferentes grupos de trabalhadores parciais para determinada escala de produção, só se pode ampliar essa escala empregando-se um múltiplo de cada grupo especial” (MARX, 2016, p. 400-401). Os membros destes grupos de trabalho são totalmente dependentes uns dos outros para a produção da mercadoria. Faltando um dos membros o organismo produtivo fica paralisado. Por isso, que no capítulo sobre a jornada de trabalho, quando a fábrica funcionava 24 horas, e quando um dos meninos faltavam o que trabalhou 12 horas precisaria trabalhar mais 12 do que faltou. A manufatura pode tornar-se uma combinação de diferentes manufaturas. O período manufatureiro estabelece a diminuição do tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias. O mecanismo específico deste período é o trabalhador coletivo, composto de muitos trabalhadores parciais. A divisão do trabalho é realizada com base nas habilidades específicas de cada trabalhador, pois cada trabalhador possui diferentes habilidades necessárias à produção, uma vez concretizada a divisão do trabalho, cada trabalhador limita-se a uma parcela da produção. Com isso, obtém-se uma força de trabalho coletiva que possui todas as qualidades produtivas no mesmo grau elevado de habilidade e a despende ao mesmo tempo. A especialização em uma parcela da produção implica aperfeiçoamento do trabalho exercido maior agilidade e eficiência. “O hábito de exercer uma função única limitada transforma-o naturalmente em órgão infalível dessa função, compelindo-o à conexão com o mecanismo global a operar com a regularidade de uma peça de máquina” (MARX, 2016, p. 404). A manufatura cria tanto uma estrutura hierárquica quanto uma classificação dos trabalhadores em hábeis e inábeis. Os inábeis, que seriam deixados de lado pelo artesanato, são utilizados na produção embora não se gaste tempo e recursos com o ensino do processo produtivo a esses. Mesmo os hábeis, com a divisão do trabalho da manufatura, reduzem em muito os custos de aprendizagem de uma função em comparação com o artesanato, o qual demanda-se o aprendizado de todo o processo produtivo de uma mercadoria. “Em ambos os casos, cai o valor da força de trabalho. [...] A desvalorização relativa da força de trabalho, decorrente da eliminação ou da redução dos custos de aprendizagem, redunda, para o capital, em acréscimo imediato de mais-valia, pois tudo o que reduz o tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho aumenta o domínio do trabalho excedente” (MARX, 2016, p. 405). A própria repetição de uma única função leva, pela prática, ao aperfeiçoamento do trabalho e barateando o valor da força de trabalho. 4 A DIVISÃO DO TRABALHO NA MANUFATURA E DIVISÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE A divisão manufatureira do trabalho e a divisão social do trabalho constitui o fundamento geral de toda a produção de mercadoria. Os grandes ramos da divisão social são: agricultura, indústria, comércio, etc. A divisão do trabalho em particular é a diferenciação desses grandes ramos em espécies e variedades. A divisão de trabalho em uma oficina é a divisão individualizada. Marx faz um resgate histórico do surgimento da divisão do trabalho, mostrando sua origem nas diferenças fisiológicas (sexo e idade) e sua evolução com o crescimento da população e com o conflito entre diversas tribos. “A troca de produtos se origina nos pontos em que diferentes famílias, tribos, comunidades entram em contato [...] A troca não cria a diferença entre os ramos de produção, mas estabelece relações entre os ramos diferentes e transforma-os em atividades mais ou menos interdependentes dentro do conjunto da produção social. A divisão social do trabalho surge aí através da troca entre ramos de produção que são originalmente diversos e independentes entre si” (MARX, 2016, p. 406-407). Essas diferenças surgem das condições diversas que tais comunidades enfrentam, com meios de produção e de subsistência distintos de acordo com o ambiente em que se localizam. O processo de troca fundamenta separação entre a cidade e o campo. Do mesmo modo que na manufatura é necessário determinado volume de força de trabalho, a divisão social do trabalho depende da magnitude e da densidade da população. Contudo, a densidade populacional é relativa, um país será mais denso em relação a outro, mesmo se menos povoado, se possuir muitos meios de transporte. Para ocorrer a divisão manufatureira do trabalho a divisão social deverá ter atingido certo grau de desenvolvimento. A primeira, todavia, desenvolve e multiplica a divisão social do trabalho ao demandar ferramentas cada vez mais específicas, diferenciam os ofícios que produzem tais mercadorias. “Se a manufatura se apodera de um estágio particular de produção de uma mercadoria, os demais estágios de produção se transformam em diversas indústrias independentes. [...] Para aperfeiçoar a divisão do trabalho na manufatura, o mesmo ramo de produção é dividido em manufaturas diversas” (MARX, 2016, p. 408). Ampliando-se a divisão do trabalho em particular, ou a divisão do trabalho em espécies. No período manufatureiro a divisão social do trabalho desenvolve-se com a ampliação do mercado mundial e com o sistema colonial. A divisão social do trabalho é semelhante a divisão do trabalho na manufatura, a principal diferença é a dispersão dos processos relacionados no tempo e no espaço. O produto agrícola é matéria-prima de algumas indústrias, com o produto do trabalhador do início da linha de produção de uma manufatura específica é matéria-prima do trabalhador ao lado deste. A principal característica da divisão manufatureira do trabalho é que o trabalhador parcial não produz mercadoria. Somente o trabalhador coletivo, que reúne os trabalhos parciais, é capaz de produzir as mercadorias. Enquanto a divisão social do trabalho se processa através da compra e venda dos produtos de diferentes ramos de trabalho. Na manufatura, a conexão dos trabalhadores parciais ocorre pela compra de suas forças de trabalho por um mesmo capitalista que as emprega como força coletiva. Enquanto a divisão social do trabalho pressupõe dispersão dos meios de produção entre diferentes produtoresde mercadorias independentes entre si. A manufatura demanda concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista. Além disso, enquanto o acaso distribui os produtores de mercadorias e seus meios de produção entre os diferentes ramos de produção. Na manufatura tem-se uma proporção determinada da quantidade de trabalhadores de cada função necessárias à produção. “A divisão manufatureira do trabalho pressupõe a autoridade incondicional do capitalista sobre seres humanos transformados em simples membros de um mecanismo que a ele pertence. A divisão social do trabalho faz confrontarem-se produtores independentes de mercadorias, os quais não reconhecem outra autoridade além da concorrência, além da coação exercida sobre eles pela pressão dos recíprocos interesses [...] O mesmo espírito burguês que louva, como fator de aumento da força produtiva, a divisão manufatureira do trabalho, a condenação do trabalhador a executar perpetuamente uma operação parcial e sua subordinação completa ao capitalista, com a mesma ênfase denuncia todo controle e regulamentação sociais conscientes do processo de produção como um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, de liberdade e de iniciativa do gênio capitalista. É curioso que o argumento mais forte até agora encontrado pelos apologistas entusiastas do sistema de fábrica contra qualquer organização geral do trabalho social seja o de que esta transformaria toda a sociedade numa fábrica” (MARX, 2016, p. 411). Deste modo, na sociedade capitalista existe um despotismo na divisão manufatureira do trabalho e uma anarquia na divisão social do trabalho. Contrariando as antigas formas de sociedade, nas quais predominava uma organização do trabalho social subordinada a um plano e a uma autoridade, enquanto nas oficinas, a divisão do trabalho era praticamente inexistente. De acordo com Marx, quanto mais se intervém na divisão social do trabalho, menos se desenvolve a divisão do trabalho nas oficinas, quanto menos se intervém na divisão social, mas se desenvolve a divisão dentro das oficinas. Na Idade Média existiam leis específicas que impediam a transformação do mestre artesão em capitalista, ele podia contratar um número limitado de trabalhadores que exerciam o mesmo ofício. O mercador só poderia distribuir os produtos do artesão, não podendo comprar força de trabalho para produzir. A organização corporativa excluía a divisão manufatureira do trabalho. O trabalhador permanecia indissoluvelmente unido aos meios de produção. Deste modo, faltava a base principal da manufatura: o trabalhador desprovido dos meios de produção e a conversão desses meios em capital. “Enquanto a divisão social do trabalho [...] é inerente às mais diversas formações econômicas da sociedade, a divisão do trabalho na manufatura é uma criação específica do modo de produção capitalista” (MARX, 2016, p. 414). 5 O CARÁTER CAPITALISTA DA MANUFATURA A divisão manufatureira do trabalho torna o aumento do número de trabalhadores empregados uma necessidade técnica da produção. O número de trabalhadores que o capitalista precisa empregar é dado pela divisão do trabalho estabelecida. A elevação do capital variável e da produtividade implica elevação do capital constante, pois a quantidade de matéria-prima necessária à produção cresce na mesma proporção em que a produtividade cresce com a divisão do trabalho. O incremento progressivo do montante mínimo necessário ao capitalista é uma lei que decorre do caráter técnico da manufatura. “Enquanto a cooperação simples, em geral, não modifica o modo de trabalhar do indivíduo, a manufatura o revoluciona inteiramente e se apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Deforma o trabalhador monstruosamente, levando-o, artificialmente, a desenvolver uma habilidade parcial, à custa da repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas [...] o próprio indivíduo é mutilado e transformado no aparelho automático de um trabalho parcial [...]. Originalmente, o trabalhador vendia sua força de trabalho ao capital por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma mercadoria. Agora, sua força individual não funciona se não estiver vendida ao capital” (MARX, 2016, p. 415). O trabalhador da manufatura só consegue desenvolver sua atividade produtiva como acessório da oficina capitalista. O homem de saber e o trabalhador produtivo separam-se completamente com o desenvolvimento do capitalismo e da indústria que exige um trabalhador parcial especialista em somente uma etapa da produção. “A ignorância é a mãe da indústria e da superstição. O raciocínio e a imaginação estão sujeitos a erros; mas é independente de ambos um modo habitual de mover a mão ou o pé. Por isso, as manufaturas prosperam mais onde mais se dispensa o espírito e onde a manufatura pode [...] ser considerada uma máquina cuja partes são seres humanos” (FERGUSON apud MARX, 2016, p. 417). Em meado do século XVIII algumas manufaturas preferiam empregar indivíduos meio idiotas em certas operações simples que constituíam segredo industrial. “A compreensão da maior parte das pessoas se forma necessariamente através de suas ocupações ordinárias. Um homem que despende toda a sua vida na execução de algumas operações simples [...] não tem oportunidade de exercitar sua inteligência. [...] Geralmente ele se torna tão estúpido e ignorante quanto se pode tornar uma criatura humana. [...] A uniformidade de sua vida estacionária corrompe seu ânimo. [...] Destrói mesmo a energia de seu corpo e torna-o incapaz de empregar suas forças com vigor e perseverança em qualquer outra tarefa que não seja aquela para a que foi adestrado. Assim, sua habilidade em seu ofício particular parece adquirida com o sacrifício de suas virtudes intelectuais, sociais e guerreiras. E, em toda a sociedade desenvolvida e civilizada, esta é a condição a que ficam necessariamente reduzidos os pobres que trabalham (the labouring poor), isto é, a grade massa do povo” (SMITH apud MARX, 2016, p. 417). Para evitar a degeneração completa do povo, oriunda da divisão do trabalho, Smith recomenda o ensino popular pelo Estado, embora em quantidade muito pequena. Contudo, um dos tradutores de Smith não concordava com a ideia de ensino ao povo, segundo ele isso contrariaria a ideia de divisão do trabalho, pois existe a divisão natural do trabalho entre o manual e o intelectual. A divisão do trabalho provoca deformação física e espiritual do trabalhador. O período manufatureiro leva essa divisão ao seu ponto máximo. “A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históricas dadas, só poderia surgir sob a forma especificamente capitalista. Como forma capitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir mais-valia relativa ou de expandir o valor do capital, o que se chama de riqueza social, wealth of nations etc., à custa do trabalhador. Ela desenvolve a força produtiva do trabalho coletivo para o capitalista, e não para o trabalhador, e, além disso, deforma o trabalhador individual. Produz novas condições de domínio do capital sobre o trabalho. Revela-se, de um lado, progresso histórico e fator necessário do desenvolvimento econômico da sociedade, e, do outro, meio civilizado e refinado de exploração” (MARX, 2016, p. 420). A economia política só se torna uma ciência autônoma no período manufatureiro e vê na divisão do trabalho uma forma de se obter mais produto com a mesma quantidade de trabalho. Durante o período em que predominou a produção manufatureira surgiram diversos obstáculos a plena realização de suas tendências. Entre eles estão: 1. A redução do número de trabalhadores inábeis, em virtude da influência predominantemente dos hábeis; 2. Mesmo com o ajuste do processo produtivo para o emprego de mulheres e crianças, essa tendência fracassa ante os hábitos e aresistência do trabalhador masculino; 3. Embora a divisão do trabalho manual reduzisse o custo de formação do trabalhador, e consequentemente seu valor, ainda era necessário um longo tempo de aprendizagem para o trabalho especializado mais difícil; e quando essa aprendizagem se tornava desnecessária os trabalhadores procuravam zelosamente mantê-la. As leis que prescreviam o tempo de aprendizagem, 7 anos, foram deixadas de lado pela indústria moderna, mas vigoraram plenamente no período manufatureiro. Uma vez que o trabalho manual constituía o fundamento da manufatura, o capital lutava constantemente com a insubordinação dos trabalhadores. “Em virtude da fraqueza da natureza humana, ocorre que, quanto mais destro o trabalhador, mais voluntarioso é ele, mais difícil de ser tratado e, sem dúvida, menos apto para participar de um mecanismo coletivo ao qual pode causar grande dano” (URE apud MARX, 2016, p. 423). Marx destaca que por todo o período manufatureiro haviam críticas sobre a falta de disciplina dos trabalhadores. A manufatura ao atingir certo estágio de desenvolvimento entrou em conflito com as necessidades de produção que ela mesma criou. “Uma de suas obras mais perfeitas foi a oficina para a produção de ferramentas e ainda dos mais complicados aparelhos mecânicos, que já eram aplicados em algumas manufaturas. [...] Essa oficina, produto da divisão manufatureira do trabalho, produziu, por sua vez máquinas. Estas eliminaram o ofício manual como o princípio regulador da produção social. Assim, não há mais necessidade técnica de fixar o trabalhador em uma operação parcial, por toda a vida. E caíram as barreiras que aquele princípio opunha ao domínio do capital” (MARX, 2016, p. 424).
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