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Mercado_de_bens_simbolicos

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OQhL\~.A W§Jclll \JV{Y\ 1f~ ~~ laiCt 'J\U; vo-:
~-{fÀ ~c..~~\(r;-.. ~ l~~
~<~.
o mercado
de bens simbólicos
Se os anos 40 e 50 podem ser considerados como mo-
mentos de incipiência de uma sociedade de copsumo, as
décadas de. 2Q..s,J0 se definem pela consolidãção de um
mercado de bens culturais. Existe, é claro, um desenvolvi-
mento diferenciado dos diversos setores ao longo desse pe-
ríodo, A televisão se concretiza como veículo de massa em
meados de 60, enquanto o cinema nacional somente se es-
trutura conlõ'indústria nos anos 70. O mesmo pode ser dito
de outras esferas da cultura popular de massa: indústria do
disco, editorial, publicidade, etc. No entanto, se podemos
distinguir um passo diferenciado de crescimento desses se-
tores, não resta dúvida que sua eVQI1,Kãoconsía~
( -Cl~,!:~;!(tões de fundo, e se associa' a.transform-ª.ções.es,tr,u--
\~ turais . lLque ~sa _asociedade brasileira. Creio que é pos-
ível-rapreendermos essas mudanças se tomarmos como
ponto para reflexão o golpe militar de..§i.1 O advento do
Estado militar possui na verdade um duplo significado: por
um lado se define por sua dimensão Rolítica; por outro,
aponta para transformações mais profundas que se reali-
(l) Retomo neste ponto minha argumentação desenvolvida no capítulo
"Estado Autoritário e Cultura". in Cultura Brasileira e Identidade Nacional.
op. cito
114 RENA TO ORTIZ
zam no nível da_economia .. O aspecto político é evidente:
repressão, censura, prisões, exílios. O que é menos enfati-
zado, porém, e que nos interessa diretamente, é que o Es-
tado militar am:Qlu_nda medidas econômicas tomadas no
governo Juscelino. às quais os economistas se referem como
:a segunda revolu,ç,ã~dnd,~" no Brasil. Certamente os
militares não inventam o capitalismo, mas 64 é um mo-
mento de reorganização da economia brasileira que cada
vez mais se insere no processo de internacionalização do
capital; o Estado autoritário permite consolidar no Brasil ;
~lismo tardio". Em termos culturais essa reorienta-
ção econômica traz conseqüências imediatas, pois, parale-
lamente ao crescimento do parque industrial e do mercado
interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial
de produção de cultura e o mercado de bens culturais. _
~- Evidentemente a expansão das atividadeSculturais se
faz associada a umjiontrole estrito das manifestações que se
contrapõem ao pensamento autoritário. Neste ponto existe
uma diferença entre o desenvolvimento de um mercado de
bens materiais e um mercado de bens culturais. O último
envolve uma .dimensão~imbólic~ que aponta para proble-
mas id~s, expressam uma aspiração, um elemento
político embutido no próprio produto veiculado. Por isso,
o Estado deve tratar de forma diferenciada esta área, onde
a cultura pode expressar valores e disposições contrárias à
vontade política dos que estão no poder. Mas é necessário
entender que a censura possui duas faces: uma repressiva
outra disciplin'ãOOrã:, A primeira diz não, é purãmente ne-
gativa; a outra é mais complexa, afirma e incentiva um
determinado tipo de orientação. Durante o período 1294;
J980J a censura não se define exclusivamente pelo veto a
todo e qualquer produto cultural; ela age como.,repressão
~a que impossibilita a emergência de um determinado
pensamento ou obra artística. São censuradas as peças tea-
trais, os filmes, os livros, mas não o teatro, o cinema ou a
indústria editorial. O ato censor atinge a especificidade da
obra, mas não a generalidade da sua produção. O movi-
mento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que
não são excludentes: por um lado se define pela repressão
~
A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 11:;
ideológica e política; por outro, é um momento da história
brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens
culturais. Isto se deve ao fato de ser o próprio Estado auto-
ritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua
forma mais avançada.
Seria importante aprofundarmos mais a questão da
censura. Qualquer pessoa que se interesse pela história cul---tural brasileira deste período tem que enfrentá-Ia. O impor-
tante, porém, é dimensionar seus efeitos, e não confundir
sua atuação tópica (que é real e consideraremos posterior-
mente no capítulo 6) e a dimensão estrutural do mercado de
bens culturais. Tomemos como base de raciocínio llIdeolo-
gia da Segurança Nacional, que constitui o fundamento do
pensamento militacem ' r.-elação à sociedade. Resumida- J
mente se pode dizer que essa-ídeOlogíaconcebe o Estado \
como uma entidade política que ãetém o monopólio da \
coerção, isto é, a faculdade de impor, inclusive pelo em-
prego da força, as normas de conduta a serem obedecidas
por todos. Trata-se também de um Estado que é percebido
como o centroJlevrálgico de todas as atividades sociais rele-
vantes em termos políticos, daí uma preocupação constante
com a questão da "integração nacional". Uma vez que a
sociedade é formad:P-or partes diferenciadas. é necessário
pensar uma instância que integre, a partir de um centro,
a diversidade social. De uma certa forma, o que a Ideologia,
da ~eg!!r.ança Nacional se propõe.é substi fUir o paperqüe as
teÍigiões desempenhavam, nas "sociedades tradiciõnais".
"'''essas sociedades, o universõ religioso soldavaorganica-
mente os diferentes níveis sociais, gerando uma solidarie-
dade orgânica entre as partes, assegurando a realização de
determinados objetivos. Não é por acaso, quando lemos os
doc~nto~os militares, que toda sua apresent~ãlrgit'a\
eQ'l"fõffiõõ"e-i.tf~~ cornogolidariedade (no sentido durkhei- J
~no de coesão social) e '~bjeJb::o~~i§", i~to~s
me.ta5-a-ser-e,rrr1í1ingidas. Procura-se garantir a integridade
~o na base de um discurso repressivo que elimina as
disfunçõ~s, isto é, as práticas dissidentes, organizando-as
m..tQI:n.e'de objetivos pressupostos como comuns e deseja-
dos por todos. No entanto, como observa Joseph Comblin.
116 RENATO ORTIZ
esse Estado de Segurança Nacional não detém apenas o po-
der de repressão, mas se interessa também em desenvolver
certas atividades, desde que submetidas à razão de Estado. 2
Reconhece-se, portanto, que a cuJiura envolve uma relação
de poder, que pode ser maléfico quando nas mãos de dissi-
dentes, mas benéfico quando circunscrito ao poder autori-
tário. Percebe-se, pois, claramente a importância de se
atuar junto às esferas culturais. Será por isso incentivada a
criação de novas instituições, assim como se iniciará todo- -um processo de gestação de uma política de cultura. Basta
\
. lembrarmos que são várias as entidades que surgem no pe-
ríodo - Conselho Federal de Cultura, Instituto Nacional
do Cinema, EMBRAFILME, FUNARTE, Pró-Memória,
etc. Reconhece-se ainda a importância dos meios de comu-
nicação de massa, sua capacidade de difundir idéias, de se
comunicar diretamente com as massas, e, sobretudo, a pos-
sibilidade que têm em criar estados emocionais coletivos.
Com relação a esses meios, um manual militar se pronuncia
de maneira inequívoca: "bem utilizados pelas elites cons-
tituir-se-ão em fator muito importante para o aprimora-
mento dos componentes da Expressão Política; utilizados
tendenciosamente podem gerar e incrementar inconfor-
mismo". J O Estado deve, portanto, ser repressor e incenti-
vador das atividades culturais.r- Se compararmos a ditadura militar ao Estado NQ.Y.o
\ podemos apreender algumas ~nalogias e diferenças que
j esclarecem o papel do Estado em relação à cultura. Nas
duas ocasiões, 37 e 64, o que define sua política é uma
I ~au.toriláriaqu~ se desdõbra no plano da cultura pela
;!1 censura e pelo incentivo de determinadas ações culturais.
Da mesma forma que o governo militar desenvolve ati-
vidades na esfera cultural.Xargas cria uma série de l!!sti-~
tuições como o ~o Nacional. do Livro, o Instituto ~
Cíõi1al d~ma Educativo;~seus-, bibliotecãS:aréITiãe
- --
(2) Ver Joseph Comblin, A Ideologia da Segurança Nacional. Rio de Ja-neiro, Civilização Brasileira, 1980. .
(3) Manual Básico da Escola Superior de Guerra, Departamento de Estu-
dos MB-7S, ESG, 1975. p, 121.
A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 117
sua atuação decisiva na área do ensino, Ao lado dessa plêia-
de de promoções o braço repressor do DIP não deixa de se
manifestar. Talvez pudéssemos dizer que o Estado militar
temuma atuação mais abrangente, uma ~L9ue a política
cultural de Capanema tinha limiteSimpostos pelo próprio
~desenvolvimento-da sociedade brasileira. Pofém, o que dife- .
renda esses dois momentos é que em 64 o regime militar se
insere dentro de um quadro econômico distinto. A relação] \
que se estabelece, põrtanto, entre êle' e os-grupos empre-
sariais é diferente, eu diria, mais orgânica, pois somente a
partir da década de 60 'esses grupos podem se assumir como
portadores de um capitalismo que aos poucos se desprende
de sua incipiêncià:'lJ-S cientistas políticos têm insistido' que
o golpe não é simplesmente uma manifestação militar, ele
expressa autoritariamente uma via de desenvolvimento do
capitalismo no Brasil. Esta afirmação, que no nível da teo-
ria pohhca ébãnal, se desdobra no plano histórico de forma
concreta. O livro de Rene Dreifuss mostra detalhadamente
como os interesses dos militares e dos empresários.hrasilei-
ros se articulam para a derrubada do regime de Goulart. 4
Os empresários da esfera cultural parecem não escapar à
regra. Hallewel observa que entre o grupo de livreiros que
financiaram as atividades do IPES estão a AGIR, Globo,
Kosmos, LTB, Monterrey, Nacional, José Olyrnpio, Vecchi, J '\
Cruzeiro, Saraiva. GRD. 5 Se lembrarmos que a partir de
1966 é dado um incentivo real à fabricação de papel, e faci-
litada a importação de novos maquinários para a edição,
percebemos que existe claramente uma gama de interesses
comuns entre o Estado autoritário e o setor empresarial do
livro. Talvez o melhor exemplo da colaboração entre o re-
gime militar e a expansão dos grupos privados seja o da
televisão." Em 1965 é criada a EMBRA TEL, que inicia toda~ -- •.
uma política modernizadora para as telecomunicações.
(4) Rene Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e
'1olpe de Estado, Petr6po1is, Vozes, 198t.
(5) Laurence Hallewel, O Livro no Brasil. op. cit., p. 462.
(6) Ver Sérgio Mattos, "O Impacto da Revolução de 64 no Desenvolvi-
mento da Televisão", Cadernos INTERCOM, ano 1. n? 2, março de 1982; sobre
as inovações tecnológicas na área da telecomunicação', ver "Telecomunicações:
118 RENATO ORTIZ
Neste mesmo ano o Brasil se associa ao sistema internacio-
nal de satélites (INTELSAT) , e em 1967 é criado um MinIs-
tério de Comunicações. Tem início a construção de um sis-
tema de microondas, que será inaugurado em 1968 (a parte
relativa à Amazônia é completada em 70), permitindo a
Jnterligação de todo o território nacional. Isto significa que
as dificuldades tecnológicas das quais padecia a televisão
na década de 50 podem agora ser resolvidas. O sistema de
redes, condição essencial para o funcionamento da indús-
tria cultural, pressupunha um suporte tecnológico que ~
Brasil, contrariamente dos Estados Unidos, é resultado_de-,
um investimento do Estado. Não deixa de- ser Cü~ ob-
servar que o que legitima a ação dos militares no campo dá
.telecomunicacão é a própria ideologia da Segurança Nacio-
nal. A idéia da "integração nacional" é central para a rea-
lização desta ideologia que impulsiona os militares a pro-
mover toda uma transformação na esfera das comunica-
ções. Porém, como simultaneamente este Estado atua e pri-
vilegia a área econômica, os frutos deste investimento serão
colhidos pelos grup-os empresariais televisivos .
.Não se pode esquecer que a noçao-aeintegração esta-
belece uma ponte entre os interesses dos empresários e dos
militares, muito embora ela seja interpretada pelos indus-
_triais em termos diferenciados. Ambos os setores vêem van=--·
tagens ernmtegrar o território nacional, mas enquanto os
militares propõem a unificação políticallas consciências, os
empre~rios sublinham o lado da 'integração d9..mercac!-~.
O discurso dos grandes empreendedores da corriüfíicação
associa sempre a integração nacional ao desenvolvimento
do mercado. Como afirma Mauro Salles em sua palestra na
Escola Superior de Guerra: "O programa brasileiro não
aceita a paralisação do crescimento. Ao contrário, partimos
para criar riquezas que agora nos permitem organizar um
11 Plano Nacional de Desenvolvimento em que a palavra
lntegração, com seu sentido social e econômico, passa a ter
um sentido maior. O II PND vai dar as grandes linhas para
Décadas de Profundas Modificações", Conjuntura Econômica. vol. 24. n? 1. ja-
neiro de 1970.
A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 119
uma expansão ainda mais acelerada do consumo de massa,
do desenvolvimento do mercado interno". 7
Colocada nesses termos, a questão da censura pode ser
melhor compreendida. Os interesses globais dos empresá-
rios da cultura e do Estado são os mesmos, mas tópica-
mente eles podem diferir. Como a ideologia da Segurança
Nacional é "moralista" e a dos empresários, mercadológica,
o ato repressor vai incidir sobre a especificidade do pro-
duto. Devemos, é claro, entender moralista no sentido am-
plo, de costumes, mas também político. Mas se tivermos
em conta que a ind<lstriâ'OOltu,ral opera segllndo um padrão
de despolitização dos conteúd6s, temos nesse nível, senão
uma' coincidêncra de perspectiva, pelo menos uma concor-
dância. O conUíro se Instaura quando ocorre o tratamento
decada produto pela censura, o que permite que a questão
de fundo, a liberdade de expressão, ceda lugar a um outro
tipo de reivindicação. Um documento da Associação de
Empresários de Teatro (1973), divulgado no auge da ação
repressiva, é significativo. Ele diz: "Não nos cabe analisar
neste documento os efeitos do excessivo rigor da Censura
sobre a permanente e legítima aspiração de liberdade de
expressão, para que os artistas e intelectuais formulem, de
maneira cada vez mais íntegra, sua visão pessoal da ternâ-
tica que abordam em seu trabalho. Neste documento, o
problema da Censura está sendo ventilado porque sua ação
excessivamente rigorosa é um fato dos fatores conjunturais
que prejudicam a sobrevivência econômica da empresa tea-
tral"," O mesmo tipo de crítica é feito pelos empresários do
cinema no I Congresso da Indústria Cinematográfica Bra-
sileira (1972). O que eles propõem é urna reforrnulação dos
critérios da censura "levando-se em conta a época atual, o
'<"" desen;;-lvimento da cultura, [pois] os cânones rígidos de
antigamente não poderão prevalecer atualmente ( ... ) nossa
(7) Mauro Saltes. Conferência Escola Superior de Guerra. 4.9.1974. p. 6.
Na mesma linha. ver Walter Clark, "TV: Veículo de Integração Nacional". pa-
lestra na Escola Superior de Guerra. 15,9.1975, in Mercado Global. n?s 17/18.
ano 2. 9.10.1975,
(8) Citação'íe Tânia Pacheco, "O Teatro e o Poder", in Anus 70 - Teu-
tro , Rio de Janeiro. Ed. Europa, 1979. p. 97.
120 RENATO ORTIZ
censura não acompanha a evolução dos costumes". 9 A crí-
tica se desloca, desta maneira, do pólo político para o eco-
nômico. Ela é "excessivamente rigorosa", ou "não acorn-
\ panha a evolução dos costumes", o que significa que sua
\ atuação traz prejuízos materiais para o lado empresarial.
\, Tânia Pacheco tem razão-9!lando aQpna-que-e.::eeje.tl'lO-dos
empresários teatrais é sugerir um pactq com o_I2.odpr,_p...r.o-
cürando desta forma garantir o financiamento=das obras
teatrais pelo Estado. Este tipo de estraJ~gia_não...se .Iiniíia,
porém, a uma esfera altamente dependente de verbas esta-
tais como o teatro ou o cinema, _elãémai!Lgeral. QuaTidO a
TV Globo e a TV Tupi, assinalll.JJ1lLprotQcQlO-de-au~tGGen-
sura em 1973, procurando controlar o conteúdo de suas
programações, o que eSSas emissorãSeStao fazendo éC1r-
cunscrever a vontade de se conquistar o mercado a quar=
quer.preço,aceitando-se.cumprir.os compromissos adqui-
.ridos anteriormente junto ao Estado militar. 10 Se elas cor-
tam ou redimensionam determinados programas popula-
rescos (Chacrinha~fci Gonçalves, etc.) é porque é neces-
sário garantir (oPa&.;om os militares, que vêem esse tipo
de espetáculo como 'degradante" para a formação do ho-
\
mem brasileiro definido segundo a ideologia da Segurança
Nacional. A contradição entre cultura e censura não se ex-
pressa, pois, em termos estruturais, mas ocasionais, tá-
ticos, por isso é possível deslocar a questão para o plano
econômico, A conferência de Mauro Salles, que havíamos
citado anteriormente, é sugestiva quando afirma que ~'é .Qe
uma imp~ livre economicamente'-LeJn~a sobrevi-
vêncía ga~nt:icl:a~era receita de uma ~Ii~idãlre]l!lgada
em bases têcnicas que se deve esperar ~m-trensa livre
eriitermos -olíti- os. É certo que estamos todos ainda a bra-
ços com problemas da censura. Mas também é certo que os
censores são passageiros e a censura não se institucionali-
(9) "I Congresso da Indústria Cinematográfica", Filme e Cultura, n? 22.
novembro/dezembro de 1972. p. 14. .
(10) Sobre o pacto entre TV Globo e Tupi, e a censura aos programas
popularescos, ver Sônia Miceli, "Imitação da Vida: Pesquisa Exploratória sobre a
Telenovela", tese de mestrado, FFLCH. USP. 1973.
A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 121
zará e não há nenhum sinal oficial ou oficioso de que vamos
marchar na direção inversa do progresso". 11
Se tivermos em mente que a constituição de um sis-
tema ~ões economicamentefo;te.dependen-
te da ce.g~.cldad. pa~ caso braSIleIro neceSsana-
m~~~~-P-Q, podemos avançar no terreno de 'nossa
..-º-is'cussão. A-evolução do mercado de prepaganda no Braslr
está intimamente associada ao Estado, que é um dos prin-
cipais anunciantes._Q gQyern~ol atra~ de suas_agências,
detém um poder de "censura econômica", pois ele é uma
___ •••. - M' ••••.••. - - ~ ~ -
~rças que compõem o mercado.12 Não há, portanto,
'U"iilcÕnflitõ aberto entre desenvolvimento econômico e cen-
sura. Evidentemente os empresários têm prejuízos com as
Q.eças, livros, programas. filmes censurados, mas eles têm
consciência que é o Estado repressor que fundamenta suas
atividades. A censura "excessiva" é certamente um incô-
.modo para o crescimento da indústria cultural. mas este é o
preço a ser pago pelo fato de ser o pólo militar o incenti-
vador do próprio desenvolvimento brasileiro.
O que caracteriza a situação cultural nos anos 60 e 70 é o
-Y,olume e a dimensão do mercado.de bens~uJtur:ais. Se até a
década de SO as produções eram restritas, e atingiam um nú-
mero reduzido de pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez
mais diferenciadas e cobrem uma massa consumidora. Du-
rante o período que estamos considerando, ocorre uma for- I...
mjd~:vei-e-~nsão, a ~ível dl('P~o, de dis~ribuição e de
cf~sumo da 'el!1-ltura;e nesta fase que se consolidam os gran-
d\~ conglomera os que controlam os meios de comunicação
e M~ eu ur popular de massa. Os dados, quaisquer que
sejam-e' s, confirmam o crescimento dessa tendência. To-
memos como exemplo a evolução da produção de livros en-
tre 1966 e 1980 (em milhões de exemplares). 13
(11) Mauro Salles, op. cit.• p. 9.
(12) Sobre o papel do governo como anunciante. ver Marco A. Rodrigues
Dias. "Política de Comunicação no Brasil", in Jorge Wertheim (org.), Meios de
Comunicação: Realidade e Mito. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1979.
(13) Laurence Hal1ewel, op. cito p, 510. Os dados sobre o setor livreiro
provêm da mesma fonte.
122 RENATO ORTIZ
Ano 1966 1974 1976 1978 1980
Exemplares 43,6 191,7 112,5 170,8 245.4
Mesmo se levarmos em consideração o índice de anal-
fabetismo que continua alto na sociedade brasileira, e a dis-
torção do desenvolvimento que concentra a riqueza nas re-
giões do sul do país, dificilmente poderíamos equiparar
este quadro aos números das décadas anteriores. Na ver-
dade, o setor livreiro se beneficia de toda uma política irn-
plementada pejo governo que procura estimular a produção
de papel e reduzir o seu custo. Em 1967, 91% do papel para
livros era fabricado no Brasil. O governo criou ainda em
1966 o GEIPAG, órgão que implementa uma política para
a indústria gráfica, favorecendo a importação de novas ma-
quinarias para a impressão. Hallewel observa que isso au-
mentou consideravelmente a capacidade de produção da
indústria. Os dados mostram claramente uma evolução
constante e acelerada da impressão em off-set , em detri-
mento de outras formas como a tipografia e a rotogravura.
Em 1960 a produção brasileira de papel off-set para livros
era de 7% do total, em 1978 ela sobe para 58%. Mas não é
somente o setor livreiro que se beneficia da política gover-
namental; a indústria editorial, na sua totalidade, pode se
modernizar com a importação de novos maquinários. Isto
se reflete não só no aprimoramento da qualidade do im-
presso, como no volume da produção que encontra um
mercado receptivo. Consideremos, por exemplo, o cresci-
~ mento do mercado de~istas (em milhões de exemplares)."
\
Ano 1960 1965 1970 1975 1985
Exemplares 104 139 193 202 500
Se tomarmos 1965 corno referência, temos que em vin-
te anos o mercado praticamente quadruplicou, sendo que
(14) Thomas Souto Corrêa, "Mercado de Revistas, Onde Estamos para
Onde Vamos", Anuário Brasileiro de Propaganda, 78/79. Obs.: o ano de 1985
é uma projeção.
A MODERNA TRADiÇÃO BRASILEIRA 123
no mesmo espaço de tempo a população aproximadamente
dobrou. Mas não é somente a quantidade que caracteriza
.esse mercado emergente. O setor de publicação tem-se di-
versificado cada vez mais com o surgimento de públicos es-
pecializados que consomem produtos diretamente produ-
zidos para eles. O caso exemplar é o da Editora Abril, que
hoje domina o mercado de revistas. Fundada em 1950 por
Victor Civita, ela inicia sua produção comprando o direito
de publicar o Pato Donald no Brasil. Entre 1950 e 1959 ela
edita 7 títulos; entre 1960 e 1969 este número sobe para 27;
no período de 1970 a 1979 atinge 121 titules." Se obser-
varmos suas publicações ao longo desses anos, percebemos
que não é somente o volume que aumenta, mas também a
~d~~ do que é editado. Na década de 50 a Editora
Abril praticamente se sustenta através de suas fotonovelas
(Capricho, Você, Ilusão, Noturno) e o Pato Donald . Nos
anos 60 surgem revistas mais especializadas: Transportes
Modernos para Executivos, Máquinas e Metais, Quatro
Rodas, Claudia. São lançados ainda os fascículos, que co-
brem um público de gosto variado, os jovens (Curso Inten-
sivo de Madureza), os universitários (Pensadores), os curio-
sos (Conhecer). A década de 70 consolida e expande este
processo de diversificação. Multiplicam-se os títulos in-
fantis (Cebolinha, Luluzinha, Piu-Piu, Enciclopédia Dis-
ney, ete.). A publicação de o Pato Donald, que em 1950 era
de 83 mil exemplares, é agora ultrapassada pelos 70 títulos
infantis, que totalizam uma tiragem de 90 milhões de exem-
plares (1986). Para a Editora Abril, o gosto feminino na dé-
cada de 50 é sobretudo marcado pelo lado sentimental; ela
edita principalmente íotonovelas. Mais tarde é lançada
Manequim, revista especializada em moda. A partir dos
anos 60 a empresa busca atingir o público feminino setori-
zando sua produção: fotonovelas (linha já inaugurada ante-
riormente), costura (Agulha de Ouro), cozinha (Forno e
Fogão, Bom Apetite), moda (Manequim), decoração (Casa
Claudia), assuntos gerais (Claudia). O mesmo ocorre com o
(l5) Ver Epopéia EditoriaL uma História de Informação e Cultura, Ed.
Abril, abril de 1987.

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