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OQhL\~.A W§Jclll \JV{Y\ 1f~ ~~ laiCt 'J\U; vo-: ~-{fÀ ~c..~~\(r;-.. ~ l~~ ~<~. o mercado de bens simbólicos Se os anos 40 e 50 podem ser considerados como mo- mentos de incipiência de uma sociedade de copsumo, as décadas de. 2Q..s,J0 se definem pela consolidãção de um mercado de bens culturais. Existe, é claro, um desenvolvi- mento diferenciado dos diversos setores ao longo desse pe- ríodo, A televisão se concretiza como veículo de massa em meados de 60, enquanto o cinema nacional somente se es- trutura conlõ'indústria nos anos 70. O mesmo pode ser dito de outras esferas da cultura popular de massa: indústria do disco, editorial, publicidade, etc. No entanto, se podemos distinguir um passo diferenciado de crescimento desses se- tores, não resta dúvida que sua eVQI1,Kãoconsía~ ( -Cl~,!:~;!(tões de fundo, e se associa' a.transform-ª.ções.es,tr,u-- \~ turais . lLque ~sa _asociedade brasileira. Creio que é pos- ível-rapreendermos essas mudanças se tomarmos como ponto para reflexão o golpe militar de..§i.1 O advento do Estado militar possui na verdade um duplo significado: por um lado se define por sua dimensão Rolítica; por outro, aponta para transformações mais profundas que se reali- (l) Retomo neste ponto minha argumentação desenvolvida no capítulo "Estado Autoritário e Cultura". in Cultura Brasileira e Identidade Nacional. op. cito 114 RENA TO ORTIZ zam no nível da_economia .. O aspecto político é evidente: repressão, censura, prisões, exílios. O que é menos enfati- zado, porém, e que nos interessa diretamente, é que o Es- tado militar am:Qlu_nda medidas econômicas tomadas no governo Juscelino. às quais os economistas se referem como :a segunda revolu,ç,ã~dnd,~" no Brasil. Certamente os militares não inventam o capitalismo, mas 64 é um mo- mento de reorganização da economia brasileira que cada vez mais se insere no processo de internacionalização do capital; o Estado autoritário permite consolidar no Brasil ; ~lismo tardio". Em termos culturais essa reorienta- ção econômica traz conseqüências imediatas, pois, parale- lamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais. _ ~- Evidentemente a expansão das atividadeSculturais se faz associada a umjiontrole estrito das manifestações que se contrapõem ao pensamento autoritário. Neste ponto existe uma diferença entre o desenvolvimento de um mercado de bens materiais e um mercado de bens culturais. O último envolve uma .dimensão~imbólic~ que aponta para proble- mas id~s, expressam uma aspiração, um elemento político embutido no próprio produto veiculado. Por isso, o Estado deve tratar de forma diferenciada esta área, onde a cultura pode expressar valores e disposições contrárias à vontade política dos que estão no poder. Mas é necessário entender que a censura possui duas faces: uma repressiva outra disciplin'ãOOrã:, A primeira diz não, é purãmente ne- gativa; a outra é mais complexa, afirma e incentiva um determinado tipo de orientação. Durante o período 1294; J980J a censura não se define exclusivamente pelo veto a todo e qualquer produto cultural; ela age como.,repressão ~a que impossibilita a emergência de um determinado pensamento ou obra artística. São censuradas as peças tea- trais, os filmes, os livros, mas não o teatro, o cinema ou a indústria editorial. O ato censor atinge a especificidade da obra, mas não a generalidade da sua produção. O movi- mento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são excludentes: por um lado se define pela repressão ~ A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 11:; ideológica e política; por outro, é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais. Isto se deve ao fato de ser o próprio Estado auto- ritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua forma mais avançada. Seria importante aprofundarmos mais a questão da censura. Qualquer pessoa que se interesse pela história cul---tural brasileira deste período tem que enfrentá-Ia. O impor- tante, porém, é dimensionar seus efeitos, e não confundir sua atuação tópica (que é real e consideraremos posterior- mente no capítulo 6) e a dimensão estrutural do mercado de bens culturais. Tomemos como base de raciocínio llIdeolo- gia da Segurança Nacional, que constitui o fundamento do pensamento militacem ' r.-elação à sociedade. Resumida- J mente se pode dizer que essa-ídeOlogíaconcebe o Estado \ como uma entidade política que ãetém o monopólio da \ coerção, isto é, a faculdade de impor, inclusive pelo em- prego da força, as normas de conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se também de um Estado que é percebido como o centroJlevrálgico de todas as atividades sociais rele- vantes em termos políticos, daí uma preocupação constante com a questão da "integração nacional". Uma vez que a sociedade é formad:P-or partes diferenciadas. é necessário pensar uma instância que integre, a partir de um centro, a diversidade social. De uma certa forma, o que a Ideologia, da ~eg!!r.ança Nacional se propõe.é substi fUir o paperqüe as teÍigiões desempenhavam, nas "sociedades tradiciõnais". "'''essas sociedades, o universõ religioso soldavaorganica- mente os diferentes níveis sociais, gerando uma solidarie- dade orgânica entre as partes, assegurando a realização de determinados objetivos. Não é por acaso, quando lemos os doc~nto~os militares, que toda sua apresent~ãlrgit'a\ eQ'l"fõffiõõ"e-i.tf~~ cornogolidariedade (no sentido durkhei- J ~no de coesão social) e '~bjeJb::o~~i§", i~to~s me.ta5-a-ser-e,rrr1í1ingidas. Procura-se garantir a integridade ~o na base de um discurso repressivo que elimina as disfunçõ~s, isto é, as práticas dissidentes, organizando-as m..tQI:n.e'de objetivos pressupostos como comuns e deseja- dos por todos. No entanto, como observa Joseph Comblin. 116 RENATO ORTIZ esse Estado de Segurança Nacional não detém apenas o po- der de repressão, mas se interessa também em desenvolver certas atividades, desde que submetidas à razão de Estado. 2 Reconhece-se, portanto, que a cuJiura envolve uma relação de poder, que pode ser maléfico quando nas mãos de dissi- dentes, mas benéfico quando circunscrito ao poder autori- tário. Percebe-se, pois, claramente a importância de se atuar junto às esferas culturais. Será por isso incentivada a criação de novas instituições, assim como se iniciará todo- -um processo de gestação de uma política de cultura. Basta \ . lembrarmos que são várias as entidades que surgem no pe- ríodo - Conselho Federal de Cultura, Instituto Nacional do Cinema, EMBRAFILME, FUNARTE, Pró-Memória, etc. Reconhece-se ainda a importância dos meios de comu- nicação de massa, sua capacidade de difundir idéias, de se comunicar diretamente com as massas, e, sobretudo, a pos- sibilidade que têm em criar estados emocionais coletivos. Com relação a esses meios, um manual militar se pronuncia de maneira inequívoca: "bem utilizados pelas elites cons- tituir-se-ão em fator muito importante para o aprimora- mento dos componentes da Expressão Política; utilizados tendenciosamente podem gerar e incrementar inconfor- mismo". J O Estado deve, portanto, ser repressor e incenti- vador das atividades culturais.r- Se compararmos a ditadura militar ao Estado NQ.Y.o \ podemos apreender algumas ~nalogias e diferenças que j esclarecem o papel do Estado em relação à cultura. Nas duas ocasiões, 37 e 64, o que define sua política é uma I ~au.toriláriaqu~ se desdõbra no plano da cultura pela ;!1 censura e pelo incentivo de determinadas ações culturais. Da mesma forma que o governo militar desenvolve ati- vidades na esfera cultural.Xargas cria uma série de l!!sti-~ tuições como o ~o Nacional. do Livro, o Instituto ~ Cíõi1al d~ma Educativo;~seus-, bibliotecãS:aréITiãe - -- (2) Ver Joseph Comblin, A Ideologia da Segurança Nacional. Rio de Ja-neiro, Civilização Brasileira, 1980. . (3) Manual Básico da Escola Superior de Guerra, Departamento de Estu- dos MB-7S, ESG, 1975. p, 121. A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 117 sua atuação decisiva na área do ensino, Ao lado dessa plêia- de de promoções o braço repressor do DIP não deixa de se manifestar. Talvez pudéssemos dizer que o Estado militar temuma atuação mais abrangente, uma ~L9ue a política cultural de Capanema tinha limiteSimpostos pelo próprio ~desenvolvimento-da sociedade brasileira. Pofém, o que dife- . renda esses dois momentos é que em 64 o regime militar se insere dentro de um quadro econômico distinto. A relação] \ que se estabelece, põrtanto, entre êle' e os-grupos empre- sariais é diferente, eu diria, mais orgânica, pois somente a partir da década de 60 'esses grupos podem se assumir como portadores de um capitalismo que aos poucos se desprende de sua incipiêncià:'lJ-S cientistas políticos têm insistido' que o golpe não é simplesmente uma manifestação militar, ele expressa autoritariamente uma via de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta afirmação, que no nível da teo- ria pohhca ébãnal, se desdobra no plano histórico de forma concreta. O livro de Rene Dreifuss mostra detalhadamente como os interesses dos militares e dos empresários.hrasilei- ros se articulam para a derrubada do regime de Goulart. 4 Os empresários da esfera cultural parecem não escapar à regra. Hallewel observa que entre o grupo de livreiros que financiaram as atividades do IPES estão a AGIR, Globo, Kosmos, LTB, Monterrey, Nacional, José Olyrnpio, Vecchi, J '\ Cruzeiro, Saraiva. GRD. 5 Se lembrarmos que a partir de 1966 é dado um incentivo real à fabricação de papel, e faci- litada a importação de novos maquinários para a edição, percebemos que existe claramente uma gama de interesses comuns entre o Estado autoritário e o setor empresarial do livro. Talvez o melhor exemplo da colaboração entre o re- gime militar e a expansão dos grupos privados seja o da televisão." Em 1965 é criada a EMBRA TEL, que inicia toda~ -- •. uma política modernizadora para as telecomunicações. (4) Rene Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e '1olpe de Estado, Petr6po1is, Vozes, 198t. (5) Laurence Hallewel, O Livro no Brasil. op. cit., p. 462. (6) Ver Sérgio Mattos, "O Impacto da Revolução de 64 no Desenvolvi- mento da Televisão", Cadernos INTERCOM, ano 1. n? 2, março de 1982; sobre as inovações tecnológicas na área da telecomunicação', ver "Telecomunicações: 118 RENATO ORTIZ Neste mesmo ano o Brasil se associa ao sistema internacio- nal de satélites (INTELSAT) , e em 1967 é criado um MinIs- tério de Comunicações. Tem início a construção de um sis- tema de microondas, que será inaugurado em 1968 (a parte relativa à Amazônia é completada em 70), permitindo a Jnterligação de todo o território nacional. Isto significa que as dificuldades tecnológicas das quais padecia a televisão na década de 50 podem agora ser resolvidas. O sistema de redes, condição essencial para o funcionamento da indús- tria cultural, pressupunha um suporte tecnológico que ~ Brasil, contrariamente dos Estados Unidos, é resultado_de-, um investimento do Estado. Não deixa de- ser Cü~ ob- servar que o que legitima a ação dos militares no campo dá .telecomunicacão é a própria ideologia da Segurança Nacio- nal. A idéia da "integração nacional" é central para a rea- lização desta ideologia que impulsiona os militares a pro- mover toda uma transformação na esfera das comunica- ções. Porém, como simultaneamente este Estado atua e pri- vilegia a área econômica, os frutos deste investimento serão colhidos pelos grup-os empresariais televisivos . .Não se pode esquecer que a noçao-aeintegração esta- belece uma ponte entre os interesses dos empresários e dos militares, muito embora ela seja interpretada pelos indus- _triais em termos diferenciados. Ambos os setores vêem van=--· tagens ernmtegrar o território nacional, mas enquanto os militares propõem a unificação políticallas consciências, os empre~rios sublinham o lado da 'integração d9..mercac!-~. O discurso dos grandes empreendedores da corriüfíicação associa sempre a integração nacional ao desenvolvimento do mercado. Como afirma Mauro Salles em sua palestra na Escola Superior de Guerra: "O programa brasileiro não aceita a paralisação do crescimento. Ao contrário, partimos para criar riquezas que agora nos permitem organizar um 11 Plano Nacional de Desenvolvimento em que a palavra lntegração, com seu sentido social e econômico, passa a ter um sentido maior. O II PND vai dar as grandes linhas para Décadas de Profundas Modificações", Conjuntura Econômica. vol. 24. n? 1. ja- neiro de 1970. A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 119 uma expansão ainda mais acelerada do consumo de massa, do desenvolvimento do mercado interno". 7 Colocada nesses termos, a questão da censura pode ser melhor compreendida. Os interesses globais dos empresá- rios da cultura e do Estado são os mesmos, mas tópica- mente eles podem diferir. Como a ideologia da Segurança Nacional é "moralista" e a dos empresários, mercadológica, o ato repressor vai incidir sobre a especificidade do pro- duto. Devemos, é claro, entender moralista no sentido am- plo, de costumes, mas também político. Mas se tivermos em conta que a ind<lstriâ'OOltu,ral opera segllndo um padrão de despolitização dos conteúd6s, temos nesse nível, senão uma' coincidêncra de perspectiva, pelo menos uma concor- dância. O conUíro se Instaura quando ocorre o tratamento decada produto pela censura, o que permite que a questão de fundo, a liberdade de expressão, ceda lugar a um outro tipo de reivindicação. Um documento da Associação de Empresários de Teatro (1973), divulgado no auge da ação repressiva, é significativo. Ele diz: "Não nos cabe analisar neste documento os efeitos do excessivo rigor da Censura sobre a permanente e legítima aspiração de liberdade de expressão, para que os artistas e intelectuais formulem, de maneira cada vez mais íntegra, sua visão pessoal da ternâ- tica que abordam em seu trabalho. Neste documento, o problema da Censura está sendo ventilado porque sua ação excessivamente rigorosa é um fato dos fatores conjunturais que prejudicam a sobrevivência econômica da empresa tea- tral"," O mesmo tipo de crítica é feito pelos empresários do cinema no I Congresso da Indústria Cinematográfica Bra- sileira (1972). O que eles propõem é urna reforrnulação dos critérios da censura "levando-se em conta a época atual, o '<"" desen;;-lvimento da cultura, [pois] os cânones rígidos de antigamente não poderão prevalecer atualmente ( ... ) nossa (7) Mauro Saltes. Conferência Escola Superior de Guerra. 4.9.1974. p. 6. Na mesma linha. ver Walter Clark, "TV: Veículo de Integração Nacional". pa- lestra na Escola Superior de Guerra. 15,9.1975, in Mercado Global. n?s 17/18. ano 2. 9.10.1975, (8) Citação'íe Tânia Pacheco, "O Teatro e o Poder", in Anus 70 - Teu- tro , Rio de Janeiro. Ed. Europa, 1979. p. 97. 120 RENATO ORTIZ censura não acompanha a evolução dos costumes". 9 A crí- tica se desloca, desta maneira, do pólo político para o eco- nômico. Ela é "excessivamente rigorosa", ou "não acorn- \ panha a evolução dos costumes", o que significa que sua \ atuação traz prejuízos materiais para o lado empresarial. \, Tânia Pacheco tem razão-9!lando aQpna-que-e.::eeje.tl'lO-dos empresários teatrais é sugerir um pactq com o_I2.odpr,_p...r.o- cürando desta forma garantir o financiamento=das obras teatrais pelo Estado. Este tipo de estraJ~gia_não...se .Iiniíia, porém, a uma esfera altamente dependente de verbas esta- tais como o teatro ou o cinema, _elãémai!Lgeral. QuaTidO a TV Globo e a TV Tupi, assinalll.JJ1lLprotQcQlO-de-au~tGGen- sura em 1973, procurando controlar o conteúdo de suas programações, o que eSSas emissorãSeStao fazendo éC1r- cunscrever a vontade de se conquistar o mercado a quar= quer.preço,aceitando-se.cumprir.os compromissos adqui- .ridos anteriormente junto ao Estado militar. 10 Se elas cor- tam ou redimensionam determinados programas popula- rescos (Chacrinha~fci Gonçalves, etc.) é porque é neces- sário garantir (oPa&.;om os militares, que vêem esse tipo de espetáculo como 'degradante" para a formação do ho- \ mem brasileiro definido segundo a ideologia da Segurança Nacional. A contradição entre cultura e censura não se ex- pressa, pois, em termos estruturais, mas ocasionais, tá- ticos, por isso é possível deslocar a questão para o plano econômico, A conferência de Mauro Salles, que havíamos citado anteriormente, é sugestiva quando afirma que ~'é .Qe uma imp~ livre economicamente'-LeJn~a sobrevi- vêncía ga~nt:icl:a~era receita de uma ~Ii~idãlre]l!lgada em bases têcnicas que se deve esperar ~m-trensa livre eriitermos -olíti- os. É certo que estamos todos ainda a bra- ços com problemas da censura. Mas também é certo que os censores são passageiros e a censura não se institucionali- (9) "I Congresso da Indústria Cinematográfica", Filme e Cultura, n? 22. novembro/dezembro de 1972. p. 14. . (10) Sobre o pacto entre TV Globo e Tupi, e a censura aos programas popularescos, ver Sônia Miceli, "Imitação da Vida: Pesquisa Exploratória sobre a Telenovela", tese de mestrado, FFLCH. USP. 1973. A MODERNA TRADIÇÃO BRASILEIRA 121 zará e não há nenhum sinal oficial ou oficioso de que vamos marchar na direção inversa do progresso". 11 Se tivermos em mente que a constituição de um sis- tema ~ões economicamentefo;te.dependen- te da ce.g~.cldad. pa~ caso braSIleIro neceSsana- m~~~~-P-Q, podemos avançar no terreno de 'nossa ..-º-is'cussão. A-evolução do mercado de prepaganda no Braslr está intimamente associada ao Estado, que é um dos prin- cipais anunciantes._Q gQyern~ol atra~ de suas_agências, detém um poder de "censura econômica", pois ele é uma ___ •••. - M' ••••.••. - - ~ ~ - ~rças que compõem o mercado.12 Não há, portanto, 'U"iilcÕnflitõ aberto entre desenvolvimento econômico e cen- sura. Evidentemente os empresários têm prejuízos com as Q.eças, livros, programas. filmes censurados, mas eles têm consciência que é o Estado repressor que fundamenta suas atividades. A censura "excessiva" é certamente um incô- .modo para o crescimento da indústria cultural. mas este é o preço a ser pago pelo fato de ser o pólo militar o incenti- vador do próprio desenvolvimento brasileiro. O que caracteriza a situação cultural nos anos 60 e 70 é o -Y,olume e a dimensão do mercado.de bens~uJtur:ais. Se até a década de SO as produções eram restritas, e atingiam um nú- mero reduzido de pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez mais diferenciadas e cobrem uma massa consumidora. Du- rante o período que estamos considerando, ocorre uma for- I... mjd~:vei-e-~nsão, a ~ível dl('P~o, de dis~ribuição e de cf~sumo da 'el!1-ltura;e nesta fase que se consolidam os gran- d\~ conglomera os que controlam os meios de comunicação e M~ eu ur popular de massa. Os dados, quaisquer que sejam-e' s, confirmam o crescimento dessa tendência. To- memos como exemplo a evolução da produção de livros en- tre 1966 e 1980 (em milhões de exemplares). 13 (11) Mauro Salles, op. cit.• p. 9. (12) Sobre o papel do governo como anunciante. ver Marco A. Rodrigues Dias. "Política de Comunicação no Brasil", in Jorge Wertheim (org.), Meios de Comunicação: Realidade e Mito. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1979. (13) Laurence Hal1ewel, op. cito p, 510. Os dados sobre o setor livreiro provêm da mesma fonte. 122 RENATO ORTIZ Ano 1966 1974 1976 1978 1980 Exemplares 43,6 191,7 112,5 170,8 245.4 Mesmo se levarmos em consideração o índice de anal- fabetismo que continua alto na sociedade brasileira, e a dis- torção do desenvolvimento que concentra a riqueza nas re- giões do sul do país, dificilmente poderíamos equiparar este quadro aos números das décadas anteriores. Na ver- dade, o setor livreiro se beneficia de toda uma política irn- plementada pejo governo que procura estimular a produção de papel e reduzir o seu custo. Em 1967, 91% do papel para livros era fabricado no Brasil. O governo criou ainda em 1966 o GEIPAG, órgão que implementa uma política para a indústria gráfica, favorecendo a importação de novas ma- quinarias para a impressão. Hallewel observa que isso au- mentou consideravelmente a capacidade de produção da indústria. Os dados mostram claramente uma evolução constante e acelerada da impressão em off-set , em detri- mento de outras formas como a tipografia e a rotogravura. Em 1960 a produção brasileira de papel off-set para livros era de 7% do total, em 1978 ela sobe para 58%. Mas não é somente o setor livreiro que se beneficia da política gover- namental; a indústria editorial, na sua totalidade, pode se modernizar com a importação de novos maquinários. Isto se reflete não só no aprimoramento da qualidade do im- presso, como no volume da produção que encontra um mercado receptivo. Consideremos, por exemplo, o cresci- ~ mento do mercado de~istas (em milhões de exemplares)." \ Ano 1960 1965 1970 1975 1985 Exemplares 104 139 193 202 500 Se tomarmos 1965 corno referência, temos que em vin- te anos o mercado praticamente quadruplicou, sendo que (14) Thomas Souto Corrêa, "Mercado de Revistas, Onde Estamos para Onde Vamos", Anuário Brasileiro de Propaganda, 78/79. Obs.: o ano de 1985 é uma projeção. A MODERNA TRADiÇÃO BRASILEIRA 123 no mesmo espaço de tempo a população aproximadamente dobrou. Mas não é somente a quantidade que caracteriza .esse mercado emergente. O setor de publicação tem-se di- versificado cada vez mais com o surgimento de públicos es- pecializados que consomem produtos diretamente produ- zidos para eles. O caso exemplar é o da Editora Abril, que hoje domina o mercado de revistas. Fundada em 1950 por Victor Civita, ela inicia sua produção comprando o direito de publicar o Pato Donald no Brasil. Entre 1950 e 1959 ela edita 7 títulos; entre 1960 e 1969 este número sobe para 27; no período de 1970 a 1979 atinge 121 titules." Se obser- varmos suas publicações ao longo desses anos, percebemos que não é somente o volume que aumenta, mas também a ~d~~ do que é editado. Na década de 50 a Editora Abril praticamente se sustenta através de suas fotonovelas (Capricho, Você, Ilusão, Noturno) e o Pato Donald . Nos anos 60 surgem revistas mais especializadas: Transportes Modernos para Executivos, Máquinas e Metais, Quatro Rodas, Claudia. São lançados ainda os fascículos, que co- brem um público de gosto variado, os jovens (Curso Inten- sivo de Madureza), os universitários (Pensadores), os curio- sos (Conhecer). A década de 70 consolida e expande este processo de diversificação. Multiplicam-se os títulos in- fantis (Cebolinha, Luluzinha, Piu-Piu, Enciclopédia Dis- ney, ete.). A publicação de o Pato Donald, que em 1950 era de 83 mil exemplares, é agora ultrapassada pelos 70 títulos infantis, que totalizam uma tiragem de 90 milhões de exem- plares (1986). Para a Editora Abril, o gosto feminino na dé- cada de 50 é sobretudo marcado pelo lado sentimental; ela edita principalmente íotonovelas. Mais tarde é lançada Manequim, revista especializada em moda. A partir dos anos 60 a empresa busca atingir o público feminino setori- zando sua produção: fotonovelas (linha já inaugurada ante- riormente), costura (Agulha de Ouro), cozinha (Forno e Fogão, Bom Apetite), moda (Manequim), decoração (Casa Claudia), assuntos gerais (Claudia). O mesmo ocorre com o (l5) Ver Epopéia EditoriaL uma História de Informação e Cultura, Ed. Abril, abril de 1987.
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