Buscar

direitos fundamentais em espécie

Prévia do material em texto

7a edição
revista, ampliada e atualizada
17
Coordenação
Leonardo Garcia
 coleção 
SINOPSES
para concursos
2018
J U L I A N O TAV E I R A B E R N A R D E S 
O L AV O A U G U S T O V I A N N A A LV E S F E R R E I R A
DIREITO 
CONSTITUCIONAL
TOMO II - Direito Constitucional Positivo
?IC A P Í T U L O
Direitos fundamentais em espécie
1. DEFINIÇÕES PRÉVIAS
Como se viu no item 1 da Parte III do Tomo I, direitos fundamentais são o con-
junto de direitos estabelecidos por determinada comunidade política organizada, com 
o objetivo de satisfazer ideais ligados à dignidade da pessoa humana, sobretudo a 
liberdade, a igualdade e a fraternidade. 
Porém, no âmbito dos direitos fundamentais, é preciso tratar ainda de outras 
divisões.
1.1. Direitos individuais
A Constituição de 1988, embora tenha feito referência no Título II tanto a direitos 
individuais quanto a direitos coletivos, não estabeleceu critérios precisos para distin-
guir os adjetivos aí empregados. Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, direitos individuais 
são aqueles que “reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e 
independência dos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do 
próprio Estado” (1998a, p. 194). Trata-se, pois, de direitos fundados no conceito amplo 
de liberdade individual.
1.2. Direitos individuais de expressão coletiva
São os direitos de titularidade individual, mas cujo exercício pressupõe a atuação 
convergente de uma pluralidade de pessoas. Exemplos: o direito de reunião e de asso-
ciação; o direito de votar e de ser votado.
1.3. Direitos coletivos lato sensu 
Formam a espécie de direitos fundamentais de titularidade de uma categoria de 
pessoas, ainda que não possam ser determinadas com precisão. Manifestação do plura-
lismo político do Estado brasileiro (art. 1º, inciso V), são direitos metaindividuais que 
atingem segmentos da sociedade civil (sindicatos, associações, família, partidos polí-
ticos), bem como grupos indeterminados ou dispersos de pessoas. Exemplos: o direito 
de greve e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
38 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
Todavia, no rol de direitos constante do art. 5º da Constituição quase não há 
direitos tipicamente coletivos. Para JOSÉ AFONSO DA SILVA, são coletivos apenas os di-
reitos previstos nos incisos XXI (direito de representação dado às associações); XXXIII 
(direito à obtenção de informações de interesse coletivo); e XXXIV, letra “a” (direito 
de petição).
1.3.1. Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
Conforme doutrina majoritária, é possível dividir os direitos coletivos a partir dos 
seguintes tipos de interesses juridicamente protegidos aos quais estão relacionados:
a) Interesse público lato sensu: engloba todos os interesses que, mesmo reflexa-
mente, alcancem a sociedade como um todo. Divide-se em:
i) interesse público primário: aqueles que visam ao bem-estar geral, como 
o interesse social e da coletividade. Exemplos: todos os interesses difusos, 
coletivos, e mesmo os individuais indisponíveis; e
ii) interesse público secundário: Trata-se do modo pelo qual a Administração 
Pública vê o interesse público. Para ilustrar, quando o Poder Público decide 
construir uma usina hidrelétrica, um aeroporto ou quando declara guerra, o 
interesse público aí envolvido não coincide, necessariamente, com os inte-
resses da coletividade.
b) Interesses difusos: interesses “transindividuais” de natureza indivisível, cujos 
titulares são grupos indeterminados e dispersos de pessoas ligadas por circunstân-
cias de fato. Ver art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC. Exemplo: os interesses 
conectados ao equilíbrio do meio ambiente, aos direitos do consumidor em não 
ser alvo de propaganda enganosa etc.
c) Interesses coletivos: são os interesses da titularidade de uma categoria determi-
nada ou pelo menos determinável de pessoas. Apresentam dois subtipos, como já 
reconheceu o Plenário do STF no RE 163.231/SP:
i) interesses coletivos em sentido estrito: os interesses “transindividuais” 
de natureza indivisível, mas cuja titularidade recai sobre determinado grupo, 
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, 
por uma relação jurídica base. Ver art. 81, parágrafo único, inciso II, do 
CDC. Exemplos: os interesses dos taxistas à regulamentação das respectivas 
concessões; dos advogados dativos em serem remunerados pelo Estado; dos 
consumidores de certa instituição bancária, em virtude de aumento abusivo 
e generalizado de tarifas.
ii) interesses individuais homogêneos: interesses de natureza divisível e 
decorrentes de origem comum, cujos titulares são pessoas individuais ple-
namente identificáveis. Trata-se de interesses que poderiam ser defendidos 
em juízo por meio de ações individuais, mas que a legislação processual 
39Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
permite defendê-los coletivamente. Ver art. 81, parágrafo único, inciso III, 
do CDC. Exemplos: os interesses dos consumidores que adquiriram certo 
produto industrial que apresenta um mesmo defeito técnico; os interesses 
dos alunos de uma escola cujas mensalidades sofreram aumentos abusivos. 
Tais interesses individuais homogêneos, quando revestidos de interesse so-
cial qualificado, passam a contar, ainda, com a proteção institucional do 
Ministério Público e da Defensoria Pública, cujos órgãos poderão defendê-
-los, extrajudicial ou judicialmente, a depender das circunstâncias.
Sobre a legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública para atuarem 
em defesa dos interesses coletivos lato sensu, ver, respectivamente, item 2.7 e item 5 
do Capítulo 9.
DIREITOS COLETIVOS SOB A ÓTICA 
DOS INTERESSES JURIDICAMENTE PROTEGIDOS 
A) Interesse 
público lato 
sensu:
Interesses que, mesmo reflexamente, atinjam a sociedade como um todo. Tem por es-
pécies:
(i) interesse público primário:
(ii) interesse público secundário:
B) Interesses 
difusos:
Interesses “transindividuais” de natureza indivisível, cujos titulares são grupos indeter-
minados e dispersos de pessoas ligadas por circunstâncias de fato. 
C) Interesses 
coletivos:
Interesses da titularidade de uma categoria determinada ou pelo menos determinável 
de pessoas. Tem por espécies:
(i) interesses coletivos em sentido estrito: os interesses “transindividuais” de natureza 
indivisível, mas cuja titularidade re-
C) Interesses 
coletivos:
cai sobre determinado grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a 
parte contrária por uma relação jurídica base.
(ii) interesses individuais homogêneos: interesses de natureza divisível e decorrentes 
de origem comum, cujos titulares são pessoas individuais plenamente identificáveis.
 ` Como esse assunto foi cobrado em concurso?
No concurso para Juiz do TJMT (2008), foi considerada errada a seguinte alternativa: “O 
mesmo interesse pode ser ao mesmo tempo difuso, coletivo e individual homogêneo.” 
1.4. Abuso de direitos individuais e políticos
Na Constituição anterior, o art. 154 cuidava do “abuso de direito individual ou 
político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção”, 
situação para a qual era prevista a “suspensão daqueles direitos de dois a dez anos”, 
por decisão do STF, após representação do Procurador-Geral da República, e “sem pre-
juízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.” Nesse 
sentido, pelo regime constitucional revogado, o exercício dos direitos fundamentais 
era expressamente submetido a controle judicial de seus propósitos políticos, com 
possibilidade de suspensão de direitos, inclusive em detrimento de parlamentares 
40 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
(art. 154, parágrafoúnico). Tratava-se da chamada “suspensão” de direitos civis, algo 
típico de regimes de natureza autoritária.
Na atual Constituição, não há previsão semelhante. Nada obstante, como se viu 
nos itens 8.5 do Capítulo I da Parte III do Tomo I, nenhum direito fundamental é ab-
soluto. De modo que eventuais abusos de direito atraem regime próprio de nulidades e 
responsabilidades civil, penal, administrativa e/ou política. Vedada, porém, a suspen-
são de direitos por práticas que se pode considerar “subversivas”.
1.5. Deveres fundamentais
O nome do Capítulo I do Título II da Constituição trata não somente de direitos, 
mas também dos “Deveres Individuais e Coletivos”, embora os dispositivos que lhe 
sigam (art. 5º e seus incisos e parágrafos) não se refiram a estes, propriamente. Para 
JOSÉ AFONSO DA SILVA (2009, p. 63-64), os deveres decorrem da declaração dos direi-
tos, “na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer 
e respeitar igual direito do outro”. Porém, a “inviolabilidade dos direitos assegurados 
impõe deveres a todos, mas especialmente às autoridades e detentores de poder”. 
Mais sobre o assunto, ver item 1.4 do Capítulo I da Parte III do Tomo I. Sobre a 
especial vinculação de particulares a deveres originalmente concebidos para vincular o 
Poder Público, v. item 6.4 do Capítulo I da Parte III do Tomo I.
2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O critério de classificação abaixo considera o objeto imediato do direito assegura-
do. Nessa perspectiva, são espécies de direitos individuais (art. 5º, caput):
a) direito à vida;
b) direito à igualdade;
c) direito à liberdade;
d) direito à propriedade;
e) direito à segurança. 
 ` Atenção:
Para autores como JOSÉ AFONSO DA SILVA, os direitos que têm por objeto imediato a 
segurança incluem-se, todos, no campo das garantias individuais.
3. DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS MAIS DESTACADOS
3.1. Direito à vida
Previsto logo no caput do art. 5º, o direito à vida tem múltiplas conexões. Segun-
do JOSÉ AFONSO DA SILVA, é integrado por elementos materiais (físicos e psíquicos) 
41Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
e elementos imateriais (espirituais). Assim, convertida a vida num bem juridicamente 
tutelado, o conceito do direito à vida, para JOSÉ AFONSO DA SILVA, engloba também os 
direitos: (a) à dignidade da pessoa humana; (b) à existência; (c) à integridade físico-
-corporal; e (d) à integridade moral.
Todavia, embora a Constituição tenha trazido novidades como a equiparação do 
crime de tortura à categoria dos crimes hediondos (inciso XLIII), o constituinte não 
quis enfrentar questões polêmicas como a de quando tem início a vida e a morte das 
pessoas naturais, tampouco a eutanásia, a ortotanásia ou o aborto.
3.1.1. Questões polêmicas
a) Fixação do momento inicial da vida: A despeito da omissão constitucional so-
bre o assunto, o legislador ordinário, ao permitir a utilização de células-tronco 
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, 
acabou por excluir do âmbito de proteção efetiva do direito à vida os embriões 
considerados “inviáveis”, bem como os embriões congelados até 28 de março de 
2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu conge-
lamento. Ver artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), 
regulamentada pelo Decreto 5.591/2005.
Por outras palavras, o legislador reputou, reflexamente, que a proteção propor-
cionada pelo direito à vida não se inicia com a concepção, mas somente a contar de 
determinada fase de desenvolvimento do embrião humano. 
 ` Como o STF enfrentou a questão:
Na ADIn 3.510/DF, ao apreciar a constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança, 
o Plenário do STF considerou que a inviolabilidade constitucional do direito à vida diz 
respeito, exclusivamente, a indivíduos que sobreviveram ao parto. Ou seja, o âmbito de 
proteção do direito constitucional à vida não alcança embriões nem fetos, mas somen-
te aqueles que nascem vivos. Para a Corte, “o embrião é o embrião, o feto é o feto e 
a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, 
mas embrião de pessoa humana.” Contudo, o STF ressaltou que o princípio da dignidade 
da pessoa humana autoriza o legislador a transbordar a proteção constitucional à vida, 
para proteger momentos da vida humana anteriores ao nascimento, tal como preveem 
alguns dispositivos do Código Civil (direitos do nascituro), da Lei 9.434/97 (vedação à 
gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo) e do Código Penal 
(criminalização do aborto). 
b) Aborto: A Constituição Federal não cuidou do tema, mas a legislação penal con-
sidera crime a interrupção da gravidez, mesmo com o consentimento da gestante, 
salvo se inexistir outro meio de lhe salvar a vida (aborto terapêutico) ou se a 
gravidez é resultado de estupro – ou de outro crime sexual, por analogia. (Ver arts. 
124 a 129 do CP).
42 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
 ` Atenção:
No julgamento da ADIn 3.510/DF, todavia, o STF acabou por fixar que a proteção ao feto 
é matéria de status infraconstitucional. Logo, a Corte antecipou a constitucionalidade de 
eventuais mudanças legislativas que venham a descriminalizar procedimentos abortivos.
Por outro lado, com relação ao aborto de fetos anencefálicos, na ADPF 54/DF, o 
STF decidiu pela inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção 
da gravidez é conduta penalmente tipificada. Entendeu a Corte que a tipificação penal 
da interrupção da gravidez de feto anencefálico contraria os preceitos constitucionais 
referentes à laicidade do Estado, à dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e à 
proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. 
Ademais, em polêmica decisão de 2016, por três votos a dois, a 1ª Turma do STF 
promoveu a “interpretação conforme a Constituição” dos artigos 124, 125 e 126 do 
CP, que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, 
e acabou por excluir do âmbito de incidência dos mencionados tipos penais “a inter-
rupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre” (HC 124.306/RJ, j. 
em 29-11-2016). Conforme voto vencedor do Min. BARROSO, a criminalização dessas 
hipóteses de aborto, nos três primeiros meses de gestação, “é incompatível com os 
seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não 
pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da 
mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade 
física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os 
efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portan-
to, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa 
matéria.” Entendeu-se, ainda, que a tipificação penal do aborto consentido “viola, 
também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui 
medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida 
do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos pratica-
dos no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o 
Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a 
criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à 
mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida 
é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde 
pública e mortes) superiores aos seus benefícios”.
 ` Como esse assunto foi cobrado em concurso?
No concurso para Procurador da República (2008), na prova discursiva, foi apresentado oseguinte questionamento ao candidato: “Formule, pelo menos, três fundamentos consti-
tucionais, incluindo necessariamente argumentos sobre os direitos sexuais e reprodutivos, 
favoráveis ou contrários à recepção do artigo 124 do Código Penal (Provocar aborto em si 
mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de um a três anos) pela 
Constituição de 1988.” 
43Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
 ` Como esse assunto foi cobrado em questões dissertativas de concurso?
No concurso para Defensor Público/MS (2008), perguntou-se “a Constituição brasileira 
permite o aborto de fetos anencéfalos?”
c) Momento consumativo da morte: Ao regular a retirada post mortem de tecidos, 
órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante ou tratamento, o art. 3º 
da Lei 9.434/97 delimitou que o termo inicial da morte se verifica com o diagnós-
tico médico da morte encefálica da pessoa, ou seja, com a paralisação irreversível 
da atividade encefálica. Porém, a determinação de quando e como é que se deva 
considerar ocorrida a morte encefálica não é tratada pela ciência jurídica, senão 
apenas pela ciência médica. O legislador fez somente remissão aos critérios clí-
nicos e tecnológicos de diagnose da morte encefálica, a serem estabelecidos em 
resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM).
d) Eutanásia e ortotanásia (direito de morrer?): Eutanásia é a palavra de origem 
grega cujo significado literal é “morte sem sofrimento”. Trata-se da morte induzida 
ou antecipada, intencionalmente, com objetivo estancar sofrimento extremo de 
pessoa sem chances de recuperação. Implica, portanto, redução do período duran-
te o qual a vida normalmente se prolongaria. Exemplo: o uso de um medicamento 
letal para induzir a morte de paciente terminal. 
Já a ortotanásia (para alguns, eutanásia passiva) é a morte decorrente da simples 
interrupção dos tratamentos de saúde que mantinham viva a pessoa, mas sem chances 
de recuperação. Importa em deixar que a vida se esvaia em seu ritmo natural. Exemplo: 
o desligamento dos aparelhos de respiração artificial de doente com falência dos órgãos 
cardiorrespiratórios.
 ` Atenção:
A) Há quem faça distinção entre ortotanásia e eutanásia passiva. Nessa linha, na orto-
tanásia, a causa do evento morte já se iniciara quando da interrupção do tratamento; 
na eutanásia passiva, a própria interrupção do tratamento médico é que dá causa ao 
resultado morte. Assim, será a conduta omissiva do médico, ou de terceiro, que acarre-
tará o evento morte.
B) Na Bioética, discute-se, ainda, a figura da distanásia (ou obstinação terapêutica), que 
é o abuso das tentativas médicas de prolongar a vida de um doente incurável, me-
diante tratamentos artificiais, desproporcionais e até experimentais, mesmo que isso 
implique causar dor e sofrimento a uma pessoa cuja morte é iminente e inevitável.
As duas figuras envolvem o conflito entre direitos constitucionalmente protegidos. 
De um lado, o direito à vida e o dever do Estado e dos serviços e profissionais de saúde 
em protegê-lo satisfatoriamente; e, de outro, o direito à dignidade da pessoa humana 
e o direito à autodeterminação, que redundariam num direito à morte com dignidade. 
Porém, como o constituinte se omitiu a respeito, a resolução desse problema de colisão 
de direitos acaba por exigir juízos de ponderação dos órgãos constituídos (ver item 11 
44 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
do Capítulo 7 do Tomo I). Nesse sentido, a origem popular dos mandatos legislativos 
habilita o Parlamento a funcionar como o mais legítimo dos órgãos para cuidar desses 
assuntos, o que idealmente se deveria fazer por meio de leis que procedessem a pon-
derações em abstrato e, então, antecipassem regras de condutas e soluções concretas.
Pois bem. No Brasil, não há dúvidas em que os procedimentos voltados à euta-
násia (ativa) estão proibidos, já que enquadrados no tipo penal do homicídio doloso, 
ainda que sob a modalidade privilegiada (art. 121, § 1º, do CP). Mas é controversa a 
situação penal da ortotanásia.
Para muitos penalistas, a ortotanásia constitui homicídio privilegiado praticado 
por conduta omissiva (homicídio comissivo por omissão), pois o médico que assiste o 
doente teria a “responsabilidade” de empregar todos os meios disponíveis para evitar 
o resultado morte (art. 121, § 1º, c/c art. 13, § 2º, do CP). Melhor entender, contudo, 
que a ortotanásia não configura crime, pois o médico não possui obrigação de artificial-
mente prolongar o sofrimento de paciente em estado terminal, se essa não é a vontade 
dele próprio ou de seu representante legal.
Nesse sentido, por meio da Resolução n. 1.805/2006 e do Código de Ética Médica 
aprovado em 2009, o Conselho Federal de Medicina evidenciou que essa obrigação mé-
dica não existe e passou a permitir “ao médico limitar ou suspender procedimentos e 
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave 
e incurável”, desde que respeitada a vontade explícita do paciente ou de seu represen-
tante legal e garantidos os cuidados necessários para aliviar o sofrimento do doente. 
 ` Atenção:
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6.715/2009 cujo objeto inclui ao CP o 
seguinte dispositivo que deixará clara a exclusão da tipicidade da ortotanásia: “Art. 136-A. 
Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, 
deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte 
iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibi-
lidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. § 1º A situação de 
morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos. § 2º A 
exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos 
meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal.”
e) Direito ao testamento vital ou biológico (living will): É bastante atual a discus-
são sobre o reconhecimento de um novo direito fundamental relacionado ao direito 
à autodeterminação. Trata-se do chamado direito ao testamento vital, segundo 
o qual se reconhece à pessoa, em perfeito estado de consciência, a faculdade de 
outorgar a outrem poderes para decidir sobre questões relativas ao próprio trata-
mento médico aplicável, em caso de incapacidade de manifestação da vontade, por 
ocasião de doença em estado incurável ou terminal. Nessa linha, em países nos 
quais se admite a eutanásia, o direito ao testamento vital pode incluir até a polê-
mica possibilidade de autorização a terceiros para decidir sobre a própria eutanásia 
(eutanásia indireta). 
45Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
No Brasil, a eutanásia é proibida e a legislação ainda não cuida, expressamente, 
do direito ao tratamento vital. Porém, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já bai-
xou resolução sobre figura similar: as “diretivas antecipadas de vontade” (Resolução 
1.995/2012). 
 ` Atenção:
O art. 1º da Resolução 1.886/2012 define as “diretivas antecipadas de vontade” como 
sendo “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, so-
bre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver inca-
pacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.”
Ainda conforme a Resolução 1.886/2012: “Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e trata-
mentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de 
maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas di-
retivas antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha designado um representante 
para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. § 2º O mé-
dico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente 
ou representante que, em sua análise, estiveremem desacordo com os preceitos ditados 
pelo Código de Ética Médica. §  3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão 
sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. § 4º 
O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram 
diretamente comunicadas pelo paciente. § 5º Não sendo conhecidas as diretivas ante-
cipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares dis-
poníveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da 
instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao 
Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos 
éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.”
Nada obstante, em maio de 2014, na I Jornada de Direito da Saúde, organizada 
pelo CNJ, foi aprovado o Enunciado 37, segundo o qual as “diretivas ou declarações 
antecipadas de vontade que especificam os tratamentos médicos que o declarante 
deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, 
devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas 
testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação 
admitidas em direito.”
f) Natureza jurídica do cadáver: Cadáver (i.e., o corpo do indivíduo sem vida) é 
coisa cujo domínio e disponibilidade fica transferido aos herdeiros a partir do 
falecimento da pessoa (GÓIS, 2007, p. 420-430). Porém, como o cadáver reflete a 
imagem do indivíduo, trata-se de coisa fora do comércio (res extra commercium), 
cuja destinação deve ainda atender a normas de saúde pública. Ademais, o art. 
8º da Lei 9.434/97 determina seja o cadáver – cujas partes, órgãos ou tecidos 
tenham sido aproveitados em transplantes – “condignamente recomposto para 
ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para 
sepultamento”. Essa a razão pela qual GÓIS infere a proibição geral de exposição 
do cadáver sob condições vexatórias.
46 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
g) Comercialização de órgãos, tecidos ou substâncias humanas: Está proibida 
pelo § 4º do art. 199 da Constituição, cuja redação diz que a “lei disporá sobre as 
condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias 
humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, pro-
cessamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de 
comercialização.” Conferir a Lei 10.205/2001, que regulamentou tal dispositivo 
constitucional.
 ` Atenção:
Parte da comunidade científica defende que essa proibição constitucional só abrangeria 
a comercialização das substâncias humanas “naturais”, sem alcançar as substâncias hu-
manas sintetizadas em laboratório, ainda que a partir de células-tronco embrionárias (v. 
entrevista da geneticista LYGIA DA VEIGA PEREIRA publicada na Folha de S. Paulo do dia 27-
12-2014). As justificativas desse posicionamento passam por três vertentes principais: (a) 
as células-tronco, i.e., as substâncias humanas iniciais (“antecedente”), após doadas para 
pesquisas, passam por grandes transformações artificiais, o que termina por separá-las do 
produto final (“consequente”); (b) o produto final pode ser comercializado sem pôr em 
risco o objetivo constitucional de proteger pessoas em situação de vulnerabilidade, até 
porque o Constituinte de 1988 nem poderia prever esse tipo de avanço científico havido 
posteriormente; e (c) a proibição de comercializar substâncias humanas sintetizadas faria 
com que a iniciativa privada perdesse o interesse no desenvolvimento de novas terapias 
celulares.
h) Prolongamento da personalidade após a morte (eficácia post mortem da per-
sonalidade): A morte significa o fim da vida do indivíduo, mas não extingue 
todos os aspectos da personalidade do falecido. De modo que, hoje, não há mais 
dúvidas em torno da chamada “eficácia post mortem da personalidade”. 
 ` Atenção:
Embora os bens patrimoniais se transmitam aos herdeiros do falecido, certos atributos 
da personalidade dele, além de intransmissíveis, continuam a ser juridicamente tutela-
dos, como se, por ficção jurídica, a pessoa estivesse ainda viva. Nesse sentido, por exem-
plo, o nome, o pseudônimo, a identidade e a honra objetiva do morto recebem proteção 
jurídica post mortem. São partes legítimas à tutela da personalidade da pessoa morta: 
por substituição processual (NCPC, art. 18), o cônjuge sobrevivente ou os parentes do 
falecido (vide CC/2002, art. 12, parágrafo único, e art. 20, parágrafo único).
Nada obstante, a imagem da pessoa morta poderá projetar efeitos econômicos para 
além da morte, razão por que o cônjuge supérstite e os parentes mais próximos do fa-
lecido têm legitimidade ordinária para postularem (em nome próprio) indenização em 
juízo, seja por dano moral, seja por dano material (STJ, REsp 521.697/RJ, 4ª Turma; e REsp 
1.209.474/SP, 3ª Turma).
Da mesma forma, o art. 623 do CPP reconhece (ao cônjuge, ao ascendente, ao descen-
dente ou ao irmão do condenado já falecido) legitimidade ativa para propor revisão 
criminal da sentença penal condenatória de que fora alvo a pessoa morta.
47Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
i) pena de morte: O inciso XLVII do art. 5º só a admite em caso de guerra declara-
da, nos termos do art. 84, XIX. (Sobre o estado de sítio decretado com fundamento 
no estado de guerra, v. item 2.2 do Capítulo 10.) Ainda assim, somente poderá ser 
aplicada, após condenação definitiva e a comunicação ao Presidente da República 
(CPM, art. 57), pela prática dos mais graves crimes militares previstos no Código 
Penal Militar, incluindo os delitos de traição, favor ao inimigo e tentativa contra 
a soberania do Brasil. Já a execução da pena de morte se faz por fuzilamento (art. 
56 do CPM).
 ` Atenção:
O constituinte previu outro caso equiparável à pena de morte: a dissolução judicial 
compulsória de associação em razão da ilicitude da respectiva finalidade (CF, art. 5º, 
incisos XVII e XIX).
Já a doutrina identifica as seguintes penalidades equiparáveis à pena de morte: (a) a 
“medida de destruição” de aeronave classificada como hostil, nos termos do § 2º incluí-
do pela Lei 9.614/98 ao art. 303 da Lei 7.565/86; e (b) a liquidação forçada da pessoa 
jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar 
ou ocultar a prática de crime ambiental (art. 24 da Lei 9.605/98). 
j) Normas legais pertinentes: Vide ainda: (a) a Lei 8.501/92, que dispõe sobre a 
utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas 
e dá outras providências; (b) a Lei 9.434/97, que dispõe sobre a remoção de ór-
gãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá 
outras providências; (c) a Lei 10.205/2001, que regulamenta o § 4º do art. 199 
da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição 
e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento 
institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras 
providências; e (d) a Lei da Biossegurança (Lei 11.105/2005), que regulamenta 
os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal.
3.2. Direito à privacidade
Direito à autodeterminação sobre a vida privada e à subtração dos assuntos pes-
soais em face da intromissão e curiosidade alheias. Previsto em dispositivos cons-
titucionais específicos (art. 5º, incisos X, XI, XII e LX; art. 93, IX), o direito à 
privacidade, em sentido amplo, é o gênero jurídico que engloba os seguintes direitos 
mais específicos: (a) direito à intimidade; (b) direito à vida privada; (c) direito à honra 
e à imagem; e (d) direito ao esquecimento.
Além disso, a Constituição articula certas garantias constitucionaispara coibir 
ou para reparar atentados contra o direito geral à privacidade, tais como o direito à 
indenização por danos materiais e morais (art. 5º, V e X), a garantia contra a autoin-
criminação (art. 5º, LXIII) e a proibição da utilização, como meio de prova, de dados 
e informações obtidos com violação à intimidade (art. 5º, LVI). (Sobre as diferenças 
entre prova ilícita e convalidação da ilicitude da prova, v. item 3.6.3.2.C.)
48 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
Nada obstante, conforme PAULO BRANCO (2008, p. 379), embasado na doutrina 
norte-americana, são quatro as modalidades básicas de violação da privacidade: (a) 
intromissão na reclusão ou solidão do indivíduo; (b) a exposição pública de fatos pri-
vados; (c) a exposição da pessoa a falsas ou enganosas percepções do público (false 
light); e (d) a apropriação do nome e da imagem da pessoa, especialmente aquela com 
finalidades comerciais. Temas que serão tratados nos itens referentes a cada um dos 
atributos específicos da privacidade.
Todavia, o direito à privacidade é limitado por razões fundadas em outros bens e 
direitos igualmente constitucionais, tais como a vedação ao anonimato (art. 5º, IV), 
o direito geral à informação (art. 5º, XXXIII), a liberdade de expressão comunicativa 
e jornalística (artigos 5º, IX, 220 e 221) e, sobretudo, pelo interesse público presente 
nas múltiplas reservas restritivas feitas pelo constituinte (v.g., arts. 5º, XI, XII, XXIII, 
93, IX, 145, § 1º). Por fim, certos direitos ligados à privacidade podem ser suspensos 
durante o estado de defesa e o estado de sítio (artigos 136 a 139).
3.2.1. Teoria das esferas da personalidade
Para analisar o grau de proteção proporcionado pelo direito à privacidade e seus 
subtipos, a melhor doutrina recomenda utilizar a teoria das esferas da personalidade 
(ou dos círculos concêntricos da personalidade). De modo que, quanto maior a proxi-
midade com a esfera central da personalidade, mais rígidos deverão ser os controles 
acerca das restrições admissíveis.
 ` Atenção:
Essa teoria foi originalmente concebida na década de 1950, por HEINRICH HENKEL, com 
três esferas (a esfera pública não era considerada): o círculo da vida privada em sentido 
restrito (a camada superficial) e os dois círculos menores: o círculo da intimidade (a cama-
da intermediária) e o círculo do segredo (núcleo das esferas). Porém, surgiram múltiplas 
variantes a respeito. 
O português MENEZES CORDEIRO, por exemplo, alude a cinco esferas (esferas pública, 
individual-social, privada, secreta e íntima). Segue esboço com quatro esferas, a consi-
derar, também, a parte externa dos círculos, ou seja, o círculo ou esfera da publicidade.
Pois bem. Não estão protegidos pelo direito à privacidade os episódios que se 
desenvolvem no âmbito público, ou seja, na esfera da publicidade (MARCELO NOVE-
LINO). Essa esfera inclui aspectos da vida pessoal que são essencialmente públicos 
(dados não sensíveis) ou que se tornaram públicos pelo consentimento do próprio 
titular do direito à privacidade (ver item 3.2.2), tais como os eventos havidos em 
locais públicos (praças, ruas, praias) e nos não reservados (bares, restaurantes, casas 
noturnas), bem assim os dados que a própria pessoa expôs ou arquivou em locais de 
acesso público (publicações, blogs ou redes sociais da Internet).
Já no âmbito mais periférico da proteção proporcionada pelo direito à privacida-
de está a esfera da privacidade. Tem a ver com aspectos da vida pessoal que, mesmo 
49Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
não abrangidos pela esfera da publicidade, são do conhecimento de pessoas sem grande 
intimidade com o titular do direito, tais como colegas de trabalho, vizinhos, presta-
dores de serviço em geral. Nesse âmbito incluem-se todos aqueles aspectos e dados 
sensíveis protegidos pelo direito geral à intimidade (art. 5º, X, da CF), cujo acesso não 
consentido pode ocorrer em condições menos rígidas que as exigidas para intervir nas 
duas outras esferas concêntricas. Daí por que, observados princípios como o interesse 
público e a proporcionalidade, o legislador pode estabelecer restrições a esta esfera 
da privacidade, sem que a Constituição exija condicioná-las à reserva absoluta de 
jurisdição.
Exemplos de aspectos protegidos pela esfera da privacidade cujo acesso indepen-
de de autorização judicial: dados de registro telefônico (informações sobre chamadas 
efetuadas e recebidas), que podem ser obtidos por CPIs ou pela agência reguladora 
do setor, bem como pelo Ministério Público; as encomendas postais, cuja abertura é 
permitida em alguns casos previstos na Lei 6.538/79 (ver item 3.2.3.3.A.1); os objetos 
sujeitos à verificação policial mediante buscas pessoais sem mandado judicial, nos 
termos do art. 244 do CPP; as informações patrimoniais e os dados cujo conhecimento 
seja necessário à administração e fiscalização tributárias (Constituição, art. 145, § 1º, 
c/c art. 195 do CTN). Incluem-se nesse rol os dados referentes aos sigilos fiscal e ban-
cário (ver item 3.2.3.2.A).
 ` Atenção:
Em se tratando de certos dados sensíveis armazenados por órgãos públicos, mesmo in-
formações da esfera da privacidade alheia poderão ser disponibilizadas às pessoas em 
geral, desde que demonstrada a presença dos requisitos ao exercício do direito geral à 
informação (art. 5º, XXXIII). Ver item 4.1.2 
Por sua vez, em relação à esfera da intimidade da pessoa, a Constituição Fede-
ral assegura proteção de nível intermediário. Essa esfera engloba tanto os ambientes 
reservados em que se desenvolvem os atos da vida privada (domicílio, escritório pro-
fissional e, eventualmente, até computadores, tablets e smartphones) quanto aquelas 
informações e dados sensíveis compartilhados somente por círculo bastante restrito de 
pessoas, tais como empregados do ambiente domiciliar (âmbito do sigilo domiciliar), 
amigos próximos (âmbito do sigilo de amizade), familiares (âmbito do sigilo familiar) 
e profissionais específicos (âmbito do sigilo profissional em sentido amplo) – v.g., 
médicos, psicólogos, advogados, contadores, padres. No Brasil, a esfera da intimida-
de beneficia as pessoas em geral (incluindo as jurídicas) e alcança os bens jurídicos 
especialmente protegidos pela inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), pelos sigilos 
profissionais em sentido amplo (v.g., arts. 5º, XIV, e 53, § 6º) e pelas comunicações/
transmissões de dados (art. 5º, XII). De modo que a proteção reforçada a essa esfera 
faz com que o acesso não consentido a tais aspectos sigilosos, quando admissível, além 
da presença de outros requisitos, dependa sempre de ordem judicial (reserva absoluta 
de jurisdição ou monopólio judicial da primeira palavra).
50 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
 ` Atenção:
Certas pessoas encaixam-se num regime diferenciado de sujeição ativa em matéria de 
proteção à esfera da privacidade. Às pessoas “públicas”, ou seja, aquelas pessoas naturais 
(e também as jurídicas) que explorem comercialmente a própria imagem ou marca (tais 
como os artistas e esportistas em geral), a proteção assegurada pelo direito à privacida-
de é tanto menor quanto maior for o nível do interesse público à informação despertado 
pela atuação dessas pessoas. O mesmo ocorre com as pessoas que pretendam assumir 
cargo ou função pública. Daí por que, com base no interesse público, o Estado pode 
publicar dados sensíveis de candidatos a cargos eletivos (v.g., a declaração de bens exi-
gida à candidatura política pelo art. 11, § 1º, IV, da Lei 9.504/97), bem como investigar 
aspectos da vida privada de candidatos em concursos públicos, especialmente no âm-
bito das chamadas carreiras de Estado (magistrados, membros do Ministério Público, 
policiais, diplomatas, agentes fiscais etc.). E é ainda o interesse público que justifica 
outras restriçõesà privacidade dos agentes públicos, tais como a exigência de declara-
ção anual de bens (art. 13 da Lei 8.429/92), bem como a divulgação das remunerações 
respectivas (ver regulamentação da chamada Lei da Transparência – Lei 12.527/2011). 
 ` Como o STF enfrentou a questão:
Antes mesmo da edição da chamada Lei de Transparência (Lei 12.527/ 2011), no AgRg na 
SS 3.902/SP, confirmando decisão do Min. GILMAR MENDES, o Plenário entendeu que a 
situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 
5º da Constituição, de modo que a “remuneração bruta, cargos e funções por eles titula-
rizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse co-
letivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, 
vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a par-
te derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato 
é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade.”
No mesmo sentido, no ARE 652.777/SP (com repercussão geral, j. em 23-4-2015), o Pleno da 
Corte decidiu ser legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Adminis-
tração Pública, dos nomes de servidores públicos e do valor correspondente aos respectivos 
vencimentos e vantagens pecuniárias.
 ` Como esse assunto foi cobrado em concurso?
No concurso para Juiz do TRF/4ª Região (2010), foi considerada errada a seguinte alter-
nativa: “Relativamente ao direito que possui a imprensa de informar, deve-se conferir 
maior proteção à privacidade e à imagem de pessoas públicas do que às pessoas pri-
vadas.” 
No concurso para Juiz do TJSP (2015/Vunesp), foi considerada correta a afirmação se-
gundo a qual: “A divulgação, nos sites dos respectivos órgãos administrativos, de nomes 
e vencimentos de servidores públicos, observado o decidido pelo Supremo Tribunal Fe-
deral no julgamento do ARE 652.777, é medida que deve ser reconhecida como legítima 
diante dos princípios constitucionais que regulam a atividade pública e da Lei Federal 
no 12.527/11.”
51Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
Por fim, no mais íntimo campo da privacidade da vida pessoal (somente das pes-
soas naturais), encontra-se a esfera do segredo, i.e., o menor e mais central círculo 
da intimidade, onde gravitam as informações confidenciais e os segredos mantidos 
pelas pessoas naturais. Segundo HIDEMBERG FROTA, cuida-se do “melhor reduto para a 
pessoa natural estar só, livre para expandir a vertente espiritual de sua existência, onde 
se projeta a alma humana em sua essência, a personalidade deve evolver plenamente 
e se planteia a imagem mais autêntica de alguém” (2007, p. 492). Inclui os aspectos 
da personalidade inteiramente subtraídos do conhecimento alheio e informações de 
conhecimento apenas das pessoas mais íntimas ou de profissionais cuja atividade en-
volva necessário acesso a esses aspectos confidenciais (sigilos profissionais em sentido 
estrito ou segredos profissionais). Trata-se da esfera da intimidade cuja proteção quase 
não encontra limites, seja porque é muito difícil haver interesse público que justifique 
uma intervenção estatal não consentida a esse respeito, seja pela falta de meios juri-
dicamente admitidos ou faticamente possíveis que a permitissem conhecer. Exemplos 
de aspectos da esfera do segredo: sentimentos pessoais, questões conjugais íntimas, 
orientações e preferências sexuais, motivações íntimas que movem o indivíduo, incluin-
do a garantia contra a autoincriminação (art. 5º, inciso LXIII) e o direito a não fazer 
prova dos motivos de consciência alegados como escusa (art. 5º, inciso VIII e art. 143, 
§ 1º). (Sobre os crimes contra a inviolabilidade dos segredos, v. CP, arts. 153 e 154.)
3.2.2. Regime geral dos sigilos pessoais
A Constituição reveste de sigilo todos os aspectos compreendidos pelas esferas 
da personalidade incluídas no âmbito de proteção do direito à privacidade. Porém, ne-
nhum direito é absoluto, de modo que, em tese, mesmo os sigilos pessoais assegurados 
constitucionalmente podem sofrer restrições e intervenções baseadas em princípios e 
bens constitucionais igualmente importantes. Não são absolutos nem mesmo aqueles 
sigilos imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado (v. item 4.1.2).
A) Solução de conflitos: A solução de conflitos referentes a sigilos constitucionais 
abarca ponderações acerca dos limites dos direitos e bens constitucionais envolvi-
dos, sobretudo o interesse público. Algumas ponderações são feitas abstratamen-
te pelo constituinte; outras, pelo legislador. E muitas delas tornam obrigatória 
a intermediação judicial antes do acesso a informações sigilosas. Mas mesmo 
quando não há reserva absoluta de jurisdição a respeito (monopólio judicial da 
primeira palavra), o Judiciário poderá sempre ser convocado para decidir os casos 
conflituosos de maneira definitiva (monopólio judicial da última palavra).
B) Consentimento do titular: A Constituição protege o direito à privacidade, mas 
defere ao próprio titular boa margem de liberdade para decidir a extensão das res-
pectivas esferas de personalidade. Embora o titular do direito não possa abdicar 
da privacidade/intimidade em termos abstratos ou indefinidos, poderá deixar de 
exercê-lo quando violado concretamente ou ainda consentir em tornar acessíveis 
certos espaços, dados e informações em princípio reservados. 
52 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
 ` Importante:
O consentimento há de ser livre e bem orientado, embora possa ser tácito ou até poste-
rior. Nessa linha, considera-se tacitamente consentida publicidade, por exemplo, quanto 
a atos praticados em local público, sobretudo por pessoas que despertem interesse pú-
blico à informação. Contudo, em geral, não se deve presumir o consentimento tácito em 
situações de grande assimetria de poder, tais como em certas buscas domiciliares feitas 
por agentes do Estado.
 ` Como o STF enfrentou a questão:
Diferentemente da posição defendida no texto acima, no HC 79.512/RJ, o Plenário do 
STF entendeu que a prova da prévia resistência do particular era necessária à caracte-
rização da violação do domicílio por parte de agentes fazendários, pois a Constituição 
ressalva as hipóteses em que o ingresso domiciliar ocorre sob a permissão do morador.
 ` Atenção:
O direito geral à liberdade e à autodeterminação permite à pessoa consentir em que um 
dado seu, compreendido em quaisquer das esferas concêntricas da personalidade, seja 
transferido para esferas mais periféricas ou mesmo à esfera da publicidade.
Exemplo: uma pessoa, espontaneamente, pode divulgar segredos íntimos numa re-
união de trabalho ou numa rede social da Internet. Todavia, se a pessoa resolver dar 
publicidade a dado reservado que também pertença à privacidade de outrem, o con-
sentimento deverá ser plural, sob pena de colisão de direitos fundamentais idênticos 
(Tomo I, Parte III, item 9.2).
Exemplo: o namorado publica vídeo no qual aparece em cenas íntimas com a namorada, 
que não consentira com a publicação.
Por fim, nas hipóteses em que o consentimento do titular é requisito necessário ao 
acesso alheio a dados sigilosos, mesmo que tais dados já tenham indevidamente caído 
na esfera da publicidade, o direito à intimidade serve de fundamento à pretensão de 
retirá-los do domínio público, sem prejuízo das eventuais indenizações por danos mate-
riais e morais. Exemplo disso são os frequentes pedidos judiciais para bloqueio de acesso 
ou para retirar vídeos e fotos clandestinamente publicados em redes sociais da Internet.
C) Quebra vs. transferência de sigilo: As restrições e intervenções admitidas em 
desfavor do direito à intimidade não implicam automática quebra de sigilo. Quan-
do a Constituição e a leis asseguram a autoridades públicas o poderde acessar 
informações sigilosas, o interesse público a nortear a mitigação ao direito à inti-
midade justifica, via de regra, apenas a transferência do sigilo a ambiente diverso 
(em geral, o ambiente das investigações policiais e dos processos judiciais). De 
modo que os dados, embora licitamente acessados, seguem sigilosos em face de 
outros ambientes. A efetiva quebra do sigilo só ocorrerá quando for obrigato-
riamente público o ambiente para o qual as informações sigilosas tiverem sido 
licitamente transferidas.
53Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
Sobre a questão específica do sigilo de dados processuais, v. item 3.2.3.2.C.
 ` Direito à intimidade vs. liberdade de imprensa:
Informações confidenciais obtidas ilicitamente não podem ser divulgadas por quem 
quer seja, tampouco pelos meios de comunicação social, pois a própria Constituição, ex-
plicitamente, determinou que a liberdade de informação jornalística se conformasse ao 
direito à intimidade previsto no inciso X do art. 5º (v. art. 220, § 1º). A rigor, informações 
confidenciais contidas em processos administrativos ou judiciais de tramitação sigilosa, 
ainda que obtidas licitamente, enquanto não levantado o sigilo, só podem ser publica-
das sob autorização da autoridade que presida o feito e somente quando constatada a 
presença de “interesse público à informação”, como deixa claro o inciso IX do art. 93 da 
Constituição. Cabe revisão judicial da decisão que indevidamente negar a pretensão de 
tornar públicos dados sobre os quais o interesse público à publicação justifica a mitiga-
ção do direito à privacidade (Constituição, art. 5º, XXXV).
Por outro lado, o jornalista que publica segredo de justiça não responde pelo crime (pró-
prio) do art. 325 do CP, cujo tipo penal só alcança funcionários públicos. Já o crime do art. 
10 da Lei 9.296/96 – que proíbe divulgação de dados obtidos em interceptações telefô-
nicas, informáticas e telemáticas – não traz restrição semelhante, pois tipificou o ato de 
“quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados 
em lei”. Sobre a liberdade de imprensa e o regime de restrições à liberdade de expressão, 
v. itens 3.4.5.2 e 3.4.5.3.
 ` Como o STF já enfrentou a questão:
a) no famoso precedente Rede Globo vs. Garotinho, o Plenário do STF decidiu que a Cons-
tituição não permite a divulgação jornalística do “produto de interceptação ilícita – 
hoje, criminosa – de comunicação telefônica”, independentemente do conteúdo ou do 
interesse público que possa haver em torná-lo conhecido, a despeito “da notoriedade 
ou do protagonismo político ou social dos interlocutores” (MC na Pet 2.702/RJ); 
b) na Rcl 9.428/DF (caso Estadão), o STF decidiu pela constitucionalidade da decisão 
do TJDF que proibira a publicação de dados processuais sigilosos a que o periódico 
tivera acesso. Entendeu o Plenário da Corte que, diante do conflito entre a liberdade 
de imprensa e os direitos previstos nos artigos 5º, X e XII, e 220, caput, da Constitui-
ção, deve prevalecer a “inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, 
notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos 
por segredo de justiça”. Daí não ter sido sequer conhecida a reclamação, pois a Corte 
entendeu não ter havido ofensa ao julgamento da ADPF 130/DF, que versara sobre 
a não recepção da Lei de Imprensa. (Sobre o regime de restrições à liberdade de 
imprensa em geral, v. item 3.4.5.3.)
 ` Como esse assunto foi cobrado em concurso?
No concurso para Juiz do TRF/4ª Região (2010), foi considerada errada a seguinte alter-
nativa: “Havendo colisão entre o princípio da liberdade de imprensa e o direito à privaci-
dade, prevalecerá aquela, porque informada pelo interesse público.” 
54 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
3.2.3. Direito à intimidade
Direito de salvaguardar aspectos da vida pessoal em face do conhecimento, da 
curiosidade ou da intromissão alheia. Está protegido, em termos gerais, pelo inciso X, 
primeira figura, do art. 5º da Constituição. Mas conta ainda com disposições de pro-
teção específica em relação a determinados bens jurídicos, tais como o domicílio (art. 
5º, XI), as comunicações/transmissões epistolares, telegráficas, telefônicas e de dados 
(art. 5º, XII) e as informações pessoais constantes em processos judiciais (art. 5º, LX, 
e art. 93, IX). E é também com base no direito à intimidade que se cristalizam posições 
de vantagem asseguradas pelos vários tipos de sigilos constitucionais.
A proteção à intimidade contra as intromissões estatais, todavia, deve muito ao 
direito norte-americano. Como exposto por MACIEL (2014), a despeito da inexistência 
de norma constitucional expressa, mas a partir das chamadas “emanações” e “penum-
bras” protetivas dos direitos fundamentais existentes na Constituição estadunidense, 
a jurisprudência da Supreme Court iniciou fecunda construção constitucional do direito 
à privacidade/intimidade. Do direito à liberdade e do direito à busca da felicidade 
(right to pursuit of happiness), passando pelo direito à não autoincriminação e pelo 
princípio do devido processo legal substancial, a Suprema Corte norte-americana sou-
be como nenhuma outra delinear os conceitos de privacidade, sobretudo o direito de 
ficar só (right to be alone).
Nesse sentido, foi com fundamentos baseados na garantia constitucional da pri-
vacidade/intimidade que o Supremo Tribunal americano recavou, por exemplo: (a) o 
direito à não intromissão estatal em matéria de planejamento familiar, a despeito da 
lei que proibia a utilização de métodos contraceptivos (caso Griswold vs. Connecticut, 
1965); (b) o direito de possuir e acessar material pornográfico no âmbito da intimidade 
do lar (caso Stanley vs. Georgia, 1969); (c) o direito dos pais decidirem acerca da saúde, 
guarda e controle dos filhos (caso Troxel vs. Granville, 2000); (d) o direito a manter 
relações homossexuais (Lawrence vs. Texas, 2003); e, mais recentemente, (e) o direito 
ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (Obergefell vs. Hodges, 2015), julgado no 
qual a Corte entendeu que os direitos fundamentais da Constituição norte-americana 
“estendem-se a certas escolhas pessoais e centrais da dignidade e autonomia indivi-
duais, incluindo as íntimas escolhas que definem a identidade e crenças das pessoas”.
No Brasil, é também com base no direito à intimidade que se discute a constitu-
cionalidade, por exemplo: (a) da criminalização do porte e consumo de entorpecentes 
para uso próprio (ver RE 635.659/SP, ainda pendente de julgamento); e (b) da proibi-
ção total de castigos físicos contra crianças e adolescentes, ainda que leves e aplicados 
pelos responsáveis no âmbito da educação privada familiar (art. 13 da Lei 8.069/90, 
com redação da Lei 13.010/2014).
Em casos assim, de intervenção estatal em assuntos da esfera privada íntima, o 
caráter subsidiário da atividade legislativa (item 3.2 do Capítulo 7) exige do legislador 
grandes preocupações em evitar o transbordamento do poder de conformação legisla-
tiva dos direitos fundamentais. Sob pena de inconstitucionalidade, será preciso haver 
55Cap. I • Direitos fundamentais em espécie
fortes justificativas sobre a necessidade, a adequação e os prós e contras das medidas 
(proporcionalidade), em face do núcleo essencial dos direitos fundamentais envolvidos 
(v. item 10.5 da Parte III do Tomo I).
Por outro lado, as novas tecnologias de informação, sobretudo a Internet, ofere-
cem imensos benefícios (elevação da produtividade, maior possibilidade de prevenção 
ao crime, melhora no atendimento médico, diversão interativa), mas costumam vir 
acompanhadas da diminuição do âmbito de intimidade.
 ` Marco Civil da internet e direito à intimidade
A recente Lei 12.965/2014, que trata dos princípios, garantias, direitos e deveres para o 
uso da Internet noBrasil, prevê série de dispositivos relacionados à intimidade. Desta-
cam-se os seguintes: (a) o art. 3º traz como princípios a disciplinarem do uso da Internet 
no Brasil: (a.1) proteção da privacidade; e (a.2) proteção dos dados pessoais, na forma da 
lei; (b) pelo art. 7º, o usuário tem assegurado o direito à “inviolabilidade da intimidade 
e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente 
de sua violação”.
3.2.3.1. Sigilo do domicílio
Conforme inciso XI do art. 5º da Constituição, “a casa é asilo inviolável do indi-
víduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso 
de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por deter-
minação judicial”. (Conferir ainda o art. 150, §§ 4º e 5º, do CP, na parte em que trata 
do crime de violação de domicílio.)
A) Âmbito de proteção: Segundo esclareceu o Ministro CELSO DE MELLO no RE 
251.445/GO, o âmbito de proteção efetiva do inciso XI do art. 5º compreende 
um conceito amplo de “casa”, de modo a proteger: (a) qualquer compartimento 
habitado (casa, apartamento, trailer, barraca); (b) qualquer aposento ocupado de 
habitação coletiva (hotel, apart-hotel, pensão); ou (c) qualquer compartimen-
to privado onde alguém exerça profissão ou atividade (escritórios, ofícios, lojas, 
estabelecimentos comerciais). Ainda para o STF, a inviolabilidade do domicílio 
também alcança (d) os estabelecimentos empresariais, que igualmente “estão 
sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido” (HC 106.566/SP, 2ª Turma). 
 ` Atenção:
Embora a proteção do domicílio tenha sido estendida pela jurisprudência, para além do 
“indivíduo”, a ponto de alcançar as pessoas jurídicas, a garantia não pode ser por elas 
invocada para evitar o acesso do próprio Fisco a documentos fiscais arquivados em esta-
belecimentos comerciais/industriais. Do contrário, estaria comprometida a autoexecu-
toriedade dos atos da administração tributária, a quem o constituinte atribuiu poderes 
para conferir efetividade à tarefa de apurar a capacidade tributária e as atividades eco-
nômicas do contribuinte (art. 145, § 1º). Daí a constitucionalidade do art. 195 do CTN, na 
parte em que afasta “quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas” do direito 
56 Direito Constitucional – Vol. 17 • Juliano T. Bernardes e Olavo A. V. Alves Ferreira
do Fisco “de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comer-
ciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de 
exibi-los” (art. 195 do CTN).
Bem por isso, decidiu a 2ª Turma do STF que pessoa jurídica que exerce atividade tri-
butável não pode invocar o sigilo domiciliar para evitar a fiscalização nem a eventual 
apreensão de seus documentos fiscais (HC 87.654/PR).
A 2ª Turma decidiu que “as apreensões de documentos no interior de veículos automo-
tores, por constituírem hipótese de busca pessoal — caracterizada pela inspeção do 
corpo, das vestes, de objetos e de veículos (não destinados à habitação do indivíduo) 
—, dispensam autorização judicial quando houver fundada suspeita de que neles estão 
ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos investigados, a teor do disposto 
no art. 240, § 2º, do CPP”, não se caracterizando o veículo como extensão da casa (RHC 
117.767/DF)
B) Restrições admissíveis: Conforme redação do inciso XI do art. 5º, o acesso não 
consentido à “casa” de alguma pessoa só pode ocorrer:
b.1) durante o dia: em situações de flagrante delito, desastre ou para prestar 
socorro, e ainda por determinação judicial; ou
b.2) durante a noite: em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socor-
ro. Nesse sentido, segundo o STF, nos crimes de natureza permanente (o pre-
cedente envolvia tráfico de entorpecente), caracteriza-se automaticamente 
a situação de flagrância, razão pela qual é cabível a prisão do criminoso no 
próprio domicílio, mesmo que durante o período noturno (HC 84.772/MG, 2ª 
Turma).
 ` Atenção:
Os conceitos de dia e noite seguem o critério físico-astronômico. Assim, o período diurno 
compreende o lapso entre a aurora e o crepúsculo, e não o intervalo entre as 6 e as 18 
horas.
Contudo, a intenção do inciso XI é proteger as dependências físicas do domicílio 
contra a penetração indevida de pessoas destituídas do consentimento do morador. Daí 
não incidir a cláusula de proteção domiciliar em face, por exemplo, de interceptações 
telefônicas, mesmo que os interlocutores falem ao telefone a partir dos respectivos 
domicílios. Nessas hipóteses, aplica-se o regime especial de sigilo previsto pelo inciso 
XII do art. 5º. Idêntico raciocínio se aplica, por analogia, às chamadas interceptações 
ambientais (ver item 3.2.3.3), ainda que tenham por alvo sinais acústicos, eletromag-
néticos e/ou óticos provenientes de recintos domiciliares. Nesse sentido, o Plenário do 
STF, no Inq 2.424/RJ, afastou a incidência do sigilo domiciliar e validou provas obtidas 
em interceptação ambiental feita em escritório de advocacia. A despeito de os apare-
lhos de escuta terem até sido instalados no local durante o período noturno, prevaleceu 
o voto do Ministro CÉZAR PELUSO, para quem a “escuta ambiental não se sujeita, por 
razões óbvias, aos mesmos limites da busca domiciliar, sob pena frustração da medida.”

Continue navegando