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ARTIGOS 87Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017 Da repercussão do Novo CPC no processo administrativo federal1 Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar. Ex-Professor do curso de Direito e de outros cursos de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Facex. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado à linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Natal-Central. Professor efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, campus João Câmara. E-mail: <rocconelson@hotmail.com>. Resumo: Em 2015 tem-se a publicação do Novo Código de Pro- cesso Civil, o qual entrou em vigor em meados de março de 2016. A inserção de uma lei desse porte no sistema jurídico brasileiro acarreta uma onda de impactos normativos intrassistê- micos, conduzindo a reajustes nas normas, em todas as searas jurídicas, diferenciando-se apenas o grau de afetação. O direito ad- ministrativo como parte do sistema jurídico tem seu microcosmos abalado com o eco do novel dispositivo processual. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usan- do os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter des- critivo e analítico, tem por linha de fundo analisar a temática sobre o conjunto normativo processual no Novo Código de Processo Civil e sua repercussão sistêmica, especificamente, quanto ao proces- so administrativo federal, regulado através da Lei nº 9.784/99. Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Afetação no sistema. Processo Administrativo. Sumário: 1 Das considerações iniciais – 2 Da afetação do pro- cesso administrativo pelo Novo Código de Processo Civil – 3 Da afetação do processo administrativo quanto à contagem de prazo processual pelo Novo Código de Processo Civil – 4 Considera- ções finais – Referências 1 Das considerações iniciais O objetivo do presente ensaio é estudar a re- percussão do Novo Código de Processo Civil quan- to ao processo administrativo federal, o qual tem sua regulamentação dada pela Lei nº 9.784/99. Adverte-se que não se realizará uma perscrutação analítica aprofundada, perfazendo, apenas, uma análise prefacial descritiva de forma pontual das os- cilações normativas que possam afetar o bojo da Lei nº 9.784/99 em face do Código de Processo Civil de 2015. Acredita-se que uma análise mais crítica da di- mensão jurídica acarretada pelo novo diploma, no que tange à matéria de processo administrativo, dar-se-á, apenas, no futuro próximo quando da aferi- ção das repercussões normativas ao caso concreto, quando poder-se-á valorar a aplicação da norma ao fato jurídico, conforme dinâmica traçada na teoria tridimensional do direito do professor Miguel Reale. É plausível afirmar que o novo codex resolve al- guns problemas do passado, mas novos problemas surgiram, sem dúvida, com a sua aplicação. Fazendo uso de uma metodologia de análi- se qualitativa e utilizando-se os métodos de abor- dagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, buscar-se-á fazer uma apreciação de como o Novo Código de Processo Civil abalou a estrutura normativa do microssistema do processo adminis- trativo, em especial quanto ao reconhecimento do contencioso administrativo como manifestação de jurisdição e a contagem dos prazos processuais. 2 Da afetação do processo administrativo pelo Novo Código de Processo Civil O Novo Código de Processo Civil, em sua parte geral, informa em seu art. 15 o caráter subsidiário e supletivo das normas processuais civis quando da ausência no que tange a normativas processuais trabalhistas, eleitorais e administrativas. Art. 15. Na ausência de normas que regulem pro- cessos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Já no art. 13 prescreve que a “A jurisdição ci- vil será regida pelas normas processuais brasileiras [...]”. A conjugação do art. 13 com o art. 15 permite a seguinte interpretação: a jurisdição se dá com o exercício de normas processuais, as quais regem o processo administrativo. Ao se vincular a jurisdição com o processo administrativo, pelo menos no que tange ao contencioso administrativo, tem-se o reco- nhecimento da jurisdição administrativa. De tal sorte, pode-se afirmar que os cole- giados julgadores do contencioso administrativo exercem função jurisdicional, e não meramente ad- ministrativa. Lembrar que a norma constitucional, no aspec- to funcional, não distingue processo judicial de ad- ministrativo, quando da leitura do art. 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contra- ditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente”. Em síntese, com o Código de Processo Civil de 2015 não se tem a distinção ontológica entre a jurisdição perpetrada pelo Poder Judiciário ou um FA_197_Miolo.indd 87 17/07/2017 15:15:59 Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson 88 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017 colegiado administrativo destinado, por exemplo, a aplicar uma sanção disciplinar a um servidor públi- co, ou a julgar condutas anticoncorrenciais no seio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ou do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na esfera federal.1 Ou seja, os respectivos colegiados quando da omissão total ou parcial de norma processual de- ve-se recorrer aos ditames das normas do Código de Processo Civil para exercer a função normativa substitutiva ou normativa complementar.2 A título de exemplo, apesar da existência da Lei de Processo Administrativo Federal, novas nor- mativas decorrentes do novel Código de Processo Civil devem ser incorporadas, como a questão da cooperação processual, da vedação à decisão-sur- presa, da adequação jurisdicional ao processo, da função conciliatória, de sistemas de precedentes, entre outros pontos nodais do respectivo Código. Atentar para não confundir o processo admi- nistrativo com a questão do procedimento adminis- trativo, um é expressão de jurisdição, em que se declara o direito para solucionar a lide; o outro é a corporificação da função administrativa em si. Como informam Paulo Cesar Conrado e Rodrigo Dalla Pria, chamando a atenção para a norma sub- sidiária, o silêncio da lei nas legislações tratativas do processo administrativo não constituem óbice à aplicação do Novo Código de Processo Civil.3 É certo que com o Código de Processo Civil de 2015 tem-se a consolidação do sistema de pre- cedentes no ordenamento jurídico brasileiro, como prescreve o art. 927 do referido diploma legal: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em con- trole concentrado de constitucionalidade; 1 “Possível dizer – e assim parece ficou muito claro com o Código de Processo Civil de 2015 – que, a despeito da pluralidade de órgãos exercentes de jurisdição (algo típico dos regimes em que voga a noção de interpenetrabilidade das funções estatais), não é dado distinguir, ontologicamente, a função por cada qual exercida. Não é menos jurisdicional a atividade do CARF, por exemplo, só porque sua posição orgânica não nos leva ao Poder Judiciário; por isso é que, no exercício de sua “jurisdição”, deve esse órgão servir- se, e assim todos os outros, das regras processuais apostas no Código de Processo Civilde 2015, fazendo-o supletiva ou subsidiariamente” (CONRADO, Paulo Cesar; PRIA, Rodrigo Dalla. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa (Coords.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015. p. 251). 2 Cf. CONRADO, Paulo Cesar; PRIA, Rodrigo Dalla. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa (Coords.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015. p. 251. 3 Cf. CONRADO, Paulo Cesar; PRIA, Rodrigo Dalla. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa (Coords.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015. p. 252-253. II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de com- petência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e espe- cial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Outro ponto de destaque seria o conjunto de regras sobre provas, que no seio do processo ad- ministrativo nunca teve um regramento próprio, utili- zando as regras previstas no antigo CPC, mas sem dispositivo expresso para tanto, o que sobreleva a importância do art. 15 do NCPC. Afira que, hoje, no âmbito do processo admi- nistrativo, podem-se utilizar de forma respaldada regras que tratam sobre produção antecipada de prova, ata notarial, reconhecimento da força proban- te de documentos eletrônicos, utilização de provas emprestadas, sistema aberto para produção de pro- vas, onus probandi etc. A partir de tudo que fora exposto, entende-se de forma clarividente a necessidade da observação, no âmbito do processo administrativo, em todas as esferas, dos precedentes do Superior Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça,4 concreti- zando, assim, o télos da lei em corporificar o trata- mento igualitários e a segurança jurídica aos casos análogos, no âmbito da jurisdição administrativa. Não se admite mais uma jurisdição adminis- trativa limitada dentro do seu próprio âmago, des- considerando precedentes judicias consolidados, forçando o contribuinte a judicializar a contenda contra a Fazenda Pública, alastrando-se de forma desnecessária a lide. 3 Da afetação do processo administrativo quanto à contagem de prazo processual pelo Novo Código de Processo Civil As regras gerais quanto ao processo adminis- trativo federal têm sua previsão na Lei nº 9.784/99, sendo sempre feito desta quando da omissão par- cial ou total de algum regramento processual em lei federal específica, como exemplo nas regras de processo administrativo disciplinar para apurar falta de servidor público federal, no âmbito da Lei nº 8.112/90. 4 Ressalta-se que o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em seu art. 62, já indicava o respeito do respectivo colegiado às decisões firmadas em âmbito do STF e STJ. FA_197_Miolo.indd 88 17/07/2017 15:15:59 Da repercussão do Novo CPC no processo administrativo federal ARTIGOS 89Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017 A Lei nº 9.784/99 também é utilizada como mo- delo para criação legislativa nas esferas estaduais e municipais. E quando da inexistência de regras pro- cessuais estaduais e municipais, que é a regra, a re- ferida lei passa a ser o documento legal o qual as administrações públicas estaduais e municipais aca- bam por seguir, diretamente ou indiretamente. Em suma, no que tange à matéria de processo administrativo, a Lei nº 9.784/99 constitui-se como referência legal básica para todo o sistema jurídico brasileiro. Apesar de o referido diploma legal ter sido cria- do sob a égide da Constituição Federal de 1988, em que se percebe que o legislador buscou atentar-se para as regras e princípios processuais constitucio- nais, na elaboração das prescrições legais da Lei nº 9.784/99, fica evidente, como não poderia deixar de ser, que os elaboradores do projeto de lei que co- minou com a Lei de Processo Administrativo Federal inspiraram-se no Código de Processo Civil de 1973, em vigor à época. Uma das normas “copiadas”, por assim dizer, refere-se à contagem de prazo, o qual seria contí- nuo, não se interrompendo em feriados e contando- se da seguinte forma: exclui-se o dia de começo e inclui-se o do vencimento; e prorroga-se o prazo até o dia útil seguinte quando do vencimento em feriado ou quando não houver expediente ou quando este encerrar-se antes do horário normal. A adoção do mesmo regramento do CPC de 1973 na Lei nº 9.784/99 fica muito bem evidencia- do quando se comparam as redações: CPC de 1973 Lei nº 9.784/99 “Art. 178. O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados”. “Art. 66. [...] §2º Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo”. “Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar- se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento”. “Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento”. “Art. 183. [...] §1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: I - for determinado o fechamento do fórum; II - o expediente forense for encerrado antes da hora normal”. “Art. 66. [...] §1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal”. O Novo Código de Processo Civil, em seu art. 219, inova dramaticamente na questão do cômputo dos prazos processuais: Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabe- lecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais. Como se afere pela prescrição legal, abando- na-se a regra da contagem contínua do prazo para contar-se, tão somente, os dias úteis, o que acar- reta um sensível acréscimo de tempo para todos os partícipes do processo, seja para administração pública dos atos administrativos para impulsionar o processo, seja para as partes quanto ao prazo para apresentar defesa, manifestar-se nos autos, recorrer etc. Como dito e demonstrado, a Lei nº 9.784/99 espelhou o regramento dos prazos no seio do pro- cesso administrativo no CPC de 1973. Tem-se um Novo CPC cujo regramento dos prazos vem a ser alterado sensivelmente. É ilógica a tentativa de interpretar restritiva- mente, o que ocasiona uma incoerência sistêmica, de forma a entender pela manutenção da contagem contínua do prazo no processo administrativo e não em dias úteis. O télos que justificativa tal norma em 1999 cai com a entrada em vigor do NCPC, em 2016. Sabemos que este nosso entendimento não é majoritário, sendo predominante o argumento jurídi- co da obediência quanto às regras de lei específica, assim como faz a Lei nº 9.784/99, ao determinar a contagem do prazo de forma contínua. É importante frisar que nos estados, municí- pios e Distrito Federal que não tenham lei de pro- cesso administrativo, ou existindo uma que não determina a forma de contagem do prazo, deve-se obedecer à novel regra do NCPC, contando-se ape- nas os dias úteis. FA_197_Miolo.indd 89 17/07/2017 15:16:00 Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson 90 ARTIGOSFórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017 Destaca-se que há leis específicas como do processo administrativo do Cade5 e portaria do Carf,6 que já preveem a contagem do prazo em dias úteis. 4 Considerações finais A partir dos pontos desenvolvidos, podem-se extrair algumas premissas. Constata-se o reconhecimento, no seio do NCPC, da função jurisdicional do processo admi- nistrativo, inovando-se no dever dos conselhos e comissões administrativas em pautar-se de forma subsidiária e complementar no Novo Código, des- tacando-se, indubitavelmente, a necessidade de atentar para os precedentes dos tribunais superio- res com o fito de garantir decisões uniformizadas, de sorte a efetivar a segurança jurídica e decisões isonômicas, o que acarretará a diminuição da alta judicialização em matéria de direito administrativo. Por fim, no que tange à contagem de prazo, no seio do processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99), acredita-se, em face da vigência do Novo Código de Processo Civil, perdeu-se o télos da lei que justificava a contagem de um prazo contínuo, devendo-se realizar a contagem em dias úteis, con- forme o art. 219 do NCPC. Compreende-se que este entendimento é mi- noritário. Além de possuir muito mais densidade argumentativa o raciocínio do uso, apenas, suple- tivo e subsidiário quando da inexistência de norma especifica. No que tange à Lei nº 9.784/99, há a norma específica da contagem em dias contínuos, apesar de sua manutenção ir de encontro à melhor técnica de contagem de prazo, visto que outros dis- positivos normativos que regulam processo admi- nistrativo (v.g., no caso do Cade e Carf) já adotam a regra da contagem em dias úteis. Poderíamos nos restringir a sugerir uma pro- posta de lege ferenda para que a Lei nº 9.784/99 fosse alterada no ponto quanto aos regramentos da contagem de prazo, adequando-se ao NCPC. Isto sem dúvida seria o melhor. 5 Exemplo: Lei nº 12.529/11, art. 65: “[...]. §1º Em até 5 (cinco) dias úteis a partir do recebimento do recurso, o Conselheiro- Relator: [...]”. 6 Portaria MF nº 343/2015, art. 61: “[...]. §2º Considerar-se-á aprovada tacitamente a ata, se no prazo de 3 (três) dias úteis da sua disponibilização, não ocorrer manifestação expressa de conselheiro do colegiado em sentido contrário. §3º O presidente da turma terá o prazo de 15 (quinze) dias úteis para formalização da ata da sessão de julgamento, sujeitando-se às penas previstas no inciso III do caput do art. 45. §4º As atas serão publicadas no sítio do CARF na Internet em até 5 (cinco) dias úteis após o prazo previsto no §3º”. Sabemos, entretanto, que quando se fala em proposta de lege ferenda, no Brasil, caso não seja algo que esteja na pauta dos articuladores do po- der, por mais necessário que seja, adentrar-se-á em décadas e ainda se estará apontando a referida contradição. Acreditamos que ao final não haverá lei que venha a modificar a Lei nº 9.784/99. Não a curto ou médio prazo. De sorte que a matéria acabará sendo levada ao Judiciário, principalmente, quando de processos administrativos disciplinares e em relação a prazos recursais, ventilando que a norma da contagem em dias úteis melhor efetiva o devido processo legal, sobretudo, quanto ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Será uma tese, inicialmente, rejeita- da em face do argumento denso de que há lei es- pecífica sobre o assunto, apesar de ir de encontro à melhor prática processual. De forma derradeira, em clara manifestação do ativismo judicial e com o desiderato de sanar grave insegurança jurídica, em face da omissão do legislador, será constituída uma jurisprudência no bojo do STJ, por exemplo, que aca- be firmando a norma da contagem do prazo em dias úteis, também, no processo administrativo federal. The repercussion of the New CPC in the administrative federal process Abstract: In 2015 the publication of the New Code of Civil Procedure, which came into force in mid-March 2016. The insertion of a law of this magnitude into the Brazilian legal system entails a wave of intrassemic normative impacts leading to readjustments in the norms, in All legal fields, differing only in the degree of affectation. Administrative law as part of the legal system has in its microcosmos shaken with the echo of the procedural procedural noval. On-line research, using a qualitative analysis methodology, using the hypothetical-deductive approaches of a descriptive and analytical character, has as its background analyze the thematic on the normative set of procedures in the New Code of Civil Procedure and Its systemic repercussion, specifically, regarding the federal administrative process, regulated by Law nº 9.784/99. Keywords: New Code of Civil Procedure. Affectation in the system. Administrative process. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: atualiza- da até a Emenda Constitucional nº 91. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 18 jan. 2017. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 30 nov. 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529. htm>. Acesso em: 18 jan. 2017. FA_197_Miolo.indd 90 17/07/2017 15:16:00 Da repercussão do Novo CPC no processo administrativo federal ARTIGOS 91Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20 15-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 18 maio 2016. BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o proces- so administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, Brasília, 29 jan. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 18 jan. 2017. CONRADO, Paulo Cesar; PRIA, Rodrigo Dalla. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa (Coords.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015. MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo – Princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. Da repercussão do Novo CPC no processo administrativo federal. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 197, p. 87-91, jul. 2017. FA_197_Miolo.indd 91 17/07/2017 15:16:00 ARTIGOS 49Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo Thaís Amaral Dourado Advogada. Bacharel em Direito da Universidade Federal de Goiás. Advogada. Especializanda em Planejamento Tributário pela Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia da Universidade Federal de Goiás. Email: <thais_181@yahoo.com.br>. Fabrício Macedo Motta Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás. Mestre em Direito pela UFMG. Doutor em Direito do Estado pela USP. Procuradordo Ministério Público do TCM. Membro do Conselho Editorial das Revistas A&C, Direito Administrativo e Constitucional e Revista Brasileira de Interesse Público. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo. Professor da UFG e Professor convidado dos Cursos de Especialização do Instituto Bacellar e da Fundação Getúlio Vargas (EDESP) e de cursos de extensão da Sociedade Brasileira de Direito Público. Email: <fabricio.motta@uol.com.br>. Resumo: O presente trabalho se propõe a discutir a regulação da atividade de transporte individual de passageiros em face da economia capitalista que estima a autorregulação dos mercados, inovação, produtividade e outros valores característicos do ocidente. O objeto principal de análise deste artigo será o regime jurídico aplicado e aplicável à Uber e aos serviços de táxi no Brasil. Será realizada uma apreciação comparativa das características e do funcionamento dos serviços de táxi e daqueles prestados sob o modelo Uber em âmbito nacional, através do exame dos principais entendimentos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre os temas. As conclusões ao final deste estudo possuem a finalidade de servir como norte para a compreensão não só do sistema Uber, mas também de outros softwares relacionados à mobilidade urbana semelhantes a ele que vêm surgindo na atualidade. Palavras-chave: Mobilidade urbana. Uber. Táxi. Sumário: 1 Introdução – 2 Uber e serviços de táxi – 3 Con clu- são – Referências 1 Introdução A sociedade contemporânea vivencia nos dias de hoje o desafio das inovações tecnológicas disruptivas, termo de Clayton Christensen (et al., 2006), professor de Harvard, que são aquelas que rompem com os modos tradicionais de prestação e oferta de bens ou serviços, pressionando a com- petição e contestando mercados já consolidados, pelo que inauguram uma nova ordenação econômica e social. Quando essa situação ocorre em setores pou- co regu lados pelo Estado, há a absorção do desa- fio pelas leis mercadológicas. Entretanto, quando a inovação tecnológica disruptiva incide sobre seto- res regulados, pondo à prova serviços públicos tradi cionais, por exemplo, a questão se torna mais complexa. Nesse sentido, as estruturas sociais preexis- tentes, em regra, tendem a moldar novas tecnolo- gias que permeiam a sociedade. A contrario sensu, as tecnologias também amoldam o corpo social ao inovar, trazer perspectiva de retorno financeiro e convergir com os anseios do público ao qual se direcionam. A confluência desses dois fenômenos e inte- resses amiúde ocasiona controvérsias e gera polê- micas e contendas, como as que vêm ocorrendo acerca da Uber, aplicativo para dispositivos móveis dis ponibilizado pela empresa homônima, uma multi- nacional norte-americana facilitadora do transporte privado urbano que se baseia justamente em tec- nologia disruptiva em rede, ou seja, que visa suple- mentar espaços no mercado que as tecno logias tradicionais não conseguem atender. A evolução tecnológica disruptiva, no caso Uber, reedita o conflito entre serviços públicos e com petição, entre monopólio e regulação, de um lado, e concorrência e mercado, de outro, notada- men te ao polarizar com os serviços de táxi e os inte resses que os envolvem. Trata-se de revisitar as con cepções tradicionais de serviços públicos e poder de polícia, enquanto principais atividades admi nistrativas, sem, necessariamente, abandonar os institutos. Ao passo que a Constituição Federal estabe- leceu a livre iniciativa e a livre concorrência como princípios orientadores da ordem econômica, as restrições regulatórias à prestação de serviços em regime de concorrência devem ser exceção jus- tificada. A regulação é, sim, necessária e não raro pode fundamentar a prestação exclusiva de deter- minada atividade pelo Estado ou seu delegatá rio. Porém, a concorrência também tende a ser bené- fica ao produzir externalidades positivas, como diminuição de preços e aumento na qualidade dos produtos e serviços ofertados. Assim, é importante o estudo e definição do regime jurídico aplicado e aplicável aos serviços prestados pelos taxistas e pelos motoristas cre- denciados no aplicativo Uber para que a regulação possa modular os níveis de incidência da concor- rência sobre a prestação de serviços públicos e de utilidade pública. O objetivo é o equacionamento entre o direito dos cidadãos em receber serviços essenciais e o direito à exploração de atividades econômicas. 50 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Thaís Amaral Dourado, Fabrício Macedo Motta A questão principal discutida neste artigo é a regulação da atividade de transporte individual de passageiros em face da economia capitalista que estima a autorregulação dos mercados, inova- ção, produtividade e outros valores característicos do ocidente. Destarte, deseja-se concluir qual das seguintes possibilidades deve prosperar: a) a preservação da legalidade constituída favoravelmente aos que detêm licenças ou permissões de táxi; b) a libera- ção ampla e irrestrita das atividades sob modelo Uber no Brasil; ou c) a regulamentação do serviço em busca do convívio entre os táxis e a Uber nas cidades. Para tanto, proceder-se-á a análise do funciona- mento e do regime jurídico aplicável aos serviços de táxi e ao aplicativo Uber no Brasil, através de um estudo comparativo entre ambos, identificando semelhanças e diferenças, por meio do exame das principais compreensões legais, doutrinárias e juris- prudenciais sobre os temas. Ressalta-se, por derradeiro, a importância das conclusões ao final deste artigo, no sentido de ser- virem como substrato para a compreensão tanto do sistema Uber quanto de outros softwares relacio- nados à mobilidade urbana semelhantes a ele. Assim, é essencial que a sociedade, os juristas e legisladores captem a complexidade da questão e a relevância das consequências sociais e jurídicas por ela trazidas. 2 Uber e serviços de táxi A política de mobilidade urbana historicamente concebeu o transporte de passageiros seguindo o modelo clássico de classificação dos modos de transporte urbano proposto por Vuchic (1981), segundo o qual tais modos são divididos em quatro grupos: a) privado; b) público; c) semipúblico; e d) de aluguel. No modo privado, o usuário é proprietário do veículo e possui total flexibilidade de tempo e espa- ço. No modo público, os veículos percorrem rotas e horário predefinidos, possuem maior capacidade, mas não têm flexibilidade espacial ou temporal, podendo o usuário livremente utilizar os veículos em circulação desde que pague a tarifa estabelecida. Por fim, no modo semipúblico o usuário encontra características intermediárias entre o público e o privado. É nessa classificação em que os serviços de táxi estão incluídos (MARQUES, 1998). Contudo, na ordenação urbanística das cida- des modernas contemporâneas, o transporte indivi- dual remunerado de passageiros, tradicionalmente mono po lizado pelo modal táxi, vem sendo desafia- do por novas modalidades de transporte, como é o caso do sistema criado pela Uber, que provoca essa tradição centenária e se coloca como um modelo que não só compete com o sistema de táxi, mas que também exigirá uma revisão da forma como a mobilidade urbana historicamente concebeu o transporte individual remunerado de passageiros nas cidades modernas, com reflexos determinantes em seu modelo regulatório. Essas novas modalidades têm se revelado complexos problemas de interpretação das normas jurídicas de direito público brasileiro, como se nota a partir das diversas visões, amiúde divergentes, que vêm sendo produzidas por juristas acadêmi cos e práticos do direito. Além dessas, ressaltam-se as manifestações e protestos, pacíficose violentos, realizados por taxistas, que têm ocorrido desde a entrada e consolidação do aplicativo Uber nas cida- des brasileiras. A Uber, no entanto, é apenas um software dentre uma série de tecnologias que têm surgido baseadas em inovação disruptiva, ou seja, que de sestabiliza e pode até “derrubar” determinado modelo tecnológico solidificado e dominante no mer- cado. Porém, esse aplicativo se destaca em razão de ter sido muito bem recepcionado pelo público, tornando-se um novo modelo de negócios que alte- rou o comportamento de consumo de opções de mobilidade dentro das cidades e foi a partir dele que outros aplicativos semelhantes surgiram e os preexistentes se desenvolveram. Pertinente, portanto, a análise das caracterís- ticas e do regime jurídico aplicado e aplicável aos serviços de táxi e aos serviços prestados sob o modelo Uber no Brasil, com o objetivo de contribuir na busca por uma solução para as controvérsias já levantadas acerca dos aspectos regulatórios de cada um desses serviços de transporte individual de passageiros, bem como de estabelecer um cami- nho para as discussões envolvendo outras tecno- logias de transporte congêneres que já existem e que ainda serão criadas. 2.1 Os serviços de táxi 2.1.1 Histórico e características Dias (2007) leciona que a origem histórica do serviço de táxi se deu com a invenção do riquixá (do inglês rickshaw), um veículo de duas rodas e tração humana, utilizado pelas elites desde a anti- guidade oriental e até os dias atuais, principal mente para fins turísticos. Apesar de já existirem veículos com rodas, na Roma Antiga os ricos circulavam em cadeiras sobre duas varas laterais transportadas por pessoas escravizadas ou animais, as chamadas liteiras, me- diante pagamento de preço aos amos. Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo ARTIGOS 51Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Apenas no início do século XVI, em Londres, as primeiras carruagens de aluguel surgiram. Con- tudo, em razão do elevado congestionamento das ruas, o parlamento restringiu sua circulação apenas às carruagens licenciadas, cuja quantidade passou a ser limitada. No século seguinte, os riquixás, da mes ma forma, foram restritos no Japão. Outras modalidades de carruagem de aluguel foram criadas até o século XIX, sendo que, em 1896, na Alemanha, o primeiro veículo de aluguel foi moto rizado. No ano subsequente, Freidrich Greiner inovou o sistema de tarifação instalando um taxí me- tro em seus veículos, aparelho criado pelo também alemão Wilhelm Bruhn e que deu origem ao nome táxi (DIAS, 2007). Com o serviço de táxi já difundido ao redor do mundo, nos anos 1920 os países em desen vol- vimento começaram sua regulamentação, institu cio- nalizando o sistema de licença para sua explo ração comercial, o que alargou tanto os níveis de serviço quanto os níveis tarifários (KANG, 1988). Em 1929, adveio a Grande Depressão, o que ocasionou uma ampla corrida no mercado de táxi em razão do súbito aumento do índice de desem- prego na maioria das indústrias; como consequência, as tarifas aumentaram e os taxistas passaram a ter prejuízo. Esse desequilíbrio de mercado, então, ori ginou a barreira à entrada instituída pelos gover- nos locais através de documentos autori zativos em quantidade fixa, estabelecendo-se, desde então, um mercado fechado e sem concorrência (DIAS, 2007). Nos anos 1970, os economistas já apresen- tavam variados argumentos favoráveis e contrários à regulação dos serviços de táxi, e diversos países já haviam adotado políticas buscando sua desre- gulamentação, como foi o caso dos Estados Unidos. Os serviços de táxi são chamados de paratran sit por Kang (1988), sendo um modo de trans porte, como dito, com características entre os veículos privados e os ônibus, sem rota regular e contínua, não acessível ao público em geral por ser um trans- porte individual de tarifa alta. São envol vidos na indústria de táxi o governo, os pro vedores (moto- ristas-proprietários, cooperativas, asso ciações ou empresas) e os consumidores (usuários), formando um mer cado sob a regulação das diver sas esferas gover namentais e dos agentes regu la dores e fiscali- zadores do Poder Público. Os três maiores grupos regulatórios desse modelo de indústria são, conforme a OFT: a) barreiras diretas à entrada: regulação qualitati- va (padrões de qualidade) e quantitativa (tamanho do mercado) dos provedores; b) barreiras indiretas à entrada: outros aspectos relacionados à criação de barreiras à entrada (requisitos veiculares e dos condutores, etc.); e c) regulação tarifária (OFT apud DIAS, 2007, p. 48). Segundo o autor, são os principais padrões de qualidade dos provedores a competência profis- sional, as condições financeiras e a reputação dos motoristas. Mesmo sujeita a determinadas regras regulatórias, a prestação dos serviços de táxi é oferecida ao consumidor de variadas formas, sendo as quatro principais os que procuram passageiros nas ruas (bandeirada), os pontos de táxi, os serviços de radiotáxi e, mais recentemente, aplicativos para dispositivos móveis, como o 99Taxi e o Easy Taxi. 2.1.2 Táxi é serviço público? 2.1.2.1 O que diz a legislação Na recente história da civilização ocidental capi talista industrial, a ideia de desenvolvimento sustentável, que é a do desenvolvimento que não esgota os recursos para as gerações futuras, con- seguiu forte adesão entre diferentes grupos e pas- sou a ocupar espaço significativo nas discussões urbanas, dentro e fora do meio acadêmico, e não se limita à sustentabilidade do meio ambiente natural, mas abrange também os meios econômico e social. Assim, surgiu a necessidade de se teorizar e praticar a “cidade justa”, que envolve pensar o am- biente urbano enquanto organismo complexo e lugar da experiência existencial completa do homem. Essa preocupação refletiu-se na Constituição de 1988, que dedica um capítulo de seu texto à política urbana, regulada nos artigos 182 e 183. A partir desses dispositivos, a doutrina enunciou o princípio da cidade sustentável ou da cidade justa, pelo qual ações públicas e privadas devem ser dedu zidas com o objetivo de assegurar a promoção de uma cidade justa ou sustentável (MELLO, 2016). O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, densifica e aperfeiçoa a ideia de política constitucio- nal de desenvolvimento urbano a partir do enfoque nas funções sociais da cidade e no bem-estar de seus habitantes, incluindo no seu conceito o direito aos transportes, aos serviços públicos e à segu- rança, por exemplo (BRASIL, 2001). Percebe-se, portanto, que política urbana é um conceito multidimensional, destacando-se, dentre essas múltiplas dimensões, a mobilidade urba na, que é a capacidade de deslocamento de pes soas e bens nas cidades, e possui interesse público tão relevante que levou à edição da Lei nº 12.587 de 2012, instituidora da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Tal lei, em seu art. 4º, define as diversas moda lidades de serviços de transporte urbano, 52 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Thaís Amaral Dourado, Fabrício Macedo Motta dentre elas o “transporte público individual”, no inciso VIII, como sendo um “[...] serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículo de aluguel, para a realização de viagens individualizadas [...]” (BRASIL, 2012). A partir de tal definição, os serviços de táxi podem ser classificados, com base nos critérios estabeleci- dos pelo art. 3º da mesma lei, enquanto serviço de transporte urbano de passageiros, individual e público, conforme o §2º, I, a; II, b; e III, a. Acerca desses serviços, o art.12 trazia origi- nalmente a seguinte redação: Art. 12. Os serviços públicos de transporte individual de passageiros, prestados sob permissão, deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qua lidade dos serviços e de fixação prévia dos valo- res máximos das tarifas a serem cobradas (BRASIL, 2012). (Grifou-se) Contudo, no ano seguinte, foi promulgada a Lei nº 12.865/13, a qual alterou o texto do referido artigo, passando a ser o seguinte: Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transpor- te individual de passageiros deverão ser organiza- dos, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máxi- mos das tarifas a serem cobradas (BRASIL, 2013). (Grifou-se) Assim, a qualificação do serviço de táxi, que era de serviço público, com a alteração legis la ti va passou a ser de serviço de utilidade pública. Além disso, a expressão “prestados sob permis são” foi supri mida. Essa alteração, que é conceitual, se en- qua dra no âmbito da dicotomia cons tit ucio nalmente prevista “serviço público” (art. 175 da CF/88) versus “atividade econômica em sentido estrito” (art. 170, parágrafo único, e art. 173 da CF/88), apesar de a CF/88 nada dizer expressa mente sobre serviço de transporte individual de passageiros, como os serviços de táxi (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). A Constituição Federal, também, em nenhum momento fala expressamente em “serviço de utilidade pública”, mas alguns de seus dispositivos permitem que seja implicitamente deduzida a exis- tência de atividades de utilidade pública quando utiliza o termo “autorização” não como ato de dele- gação de serviço público, mas como possuindo, de fato, natureza de ato administrativo de poder de polícia (art. 21, XI e XII; art. 170, parágrafo único). Além disso, infere-se a existência do mencionado tipo de serviço quando o legislador constituinte explicitamente menciona a possibilidade de regu- lação das atividades econômicas realizadas por sujei tos privados (art. 174) (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). Partindo dessas premissas, a princípio seria simples indicar a qualificação dos serviços de táxi no país: antes da alteração da Lei nº 12.587/12, foram considerados serviços públicos a serem pres- tados sob permissão, ou seja, serviços de titulari- dade estatal, prestados em colaboração pelos particulares. Entretanto, atualmente, desde a Lei nº 12.865/13, os serviços de táxi passaram a ser atividade econômica em sentido estrito, exercida pelos particulares, mas que pode ser regulamen- tada pelo Estado de maneira contundente em razão do interesse público, uma vez que qualificado como serviço de utilidade pública e suprimida a exigên cia de permissão. 2.1.2.2 Entendimento jurisprudencial dominante A conclusão a que se chegou sobre a qualifi- cação dos serviços de táxi com base nas alterações da Lei de Mobilidade Urbana não é compartilhada, contudo, por muitos tribunais do país, de forma que há vários julgados, inclusive do Supremo Tribu- nal Federal (STF), que refletem uma vasta confu- são conceitual e defendem que táxi é, sim, serviço público, mesmo após a alteração da Lei de Mobili- dade Urbana e, dessa forma, os municípios têm regulamentado os serviços de táxi. O STF, desde a Constituição de 1988, possui dois julgados emblemáticos acerca do tema, con- forme a análise de Giacomuzzi (2016, no prelo): o Agravo Regimental na Petição nº 2.788-4/RJ, julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 24 de outubro de 2002, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, e o Recurso Extraordinário nº 359.444-3/ RJ, julgado em 24 de março de 2004, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. No julgado de 2004, o tribunal deveria deci- dir acerca da constitucionalidade da Lei Municipal do Rio de Janeiro nº 3.123/00, que transformava mo to ristas auxiliares de táxi em permissionários autônomos. Essa lei foi julgada constitucional pelo TJRJ, o que foi ratificado pelo STF. No acórdão de 2002, a discussão era semelhante e girava em tor- no da natureza do ato administrativo de outorga à prestação dos serviços de táxi (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). O pano de fundo de ambos os julgados era o fato de as normas municipais discutidas conside- rarem como permissão as outorgas para exploração do serviço de táxi e de os permissionários poderem Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo ARTIGOS 53Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 cadastrar até dois motoristas auxiliares. Entretanto, empresas também passaram a operar o serviço e as regras de cadastramento eram igualmente obri ga tórias a elas. Por isso, inúmeros motoristas auxiliares acabavam sendo explorados pelos per- mis sionários originais, o que acontece até hoje em vários municípios. Nesse sentido, discutia-se no STF se os permissionários originais haviam se sub- me tido a alguma licitação, posto que o instituto da per missão a tem como pré-requisito. De toda sorte, todos os ministros referiram- se de modo expresso ao táxi como um serviço público, mas concordando implicitamente que ele não pre cisava ser licitado. Assim, analisando tal enten dimento à luz da Lei de Mobilidade Urbana, conclui-se que o STF não revela clareza sobre o tema da dicotomia “serviço público”, cujo regime jurídico é público, e “serviço de utilidade pública”, de regime jurídico comum via regulação (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), todos os julgados sustentam, direta ou indiretamente, que o serviço de táxi é serviço público (exceto um, em matéria criminal, no qual menciona que o táxi é serviço de utilidade pública).1 A maioria dos casos julgados pelo STJ é proveniente do Tribunal de Jus- tiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), para o qual o serviço de táxi é serviço público, cujo instru- mento jurídico de outorga é a permissão, que seria precária, discricionária e revogável (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). Recente julgado do STJ,2 de 2015 e, portanto, posterior à alteração da Lei de Mobilidade Urbana, é claro em considerar os serviços de táxi como serviço público e manter a exigência de licitação para contratação de tais serviços, tendo em vista que a referida lei não a veda expressamente. Transcreve-se parte do julgado: [...] Com efeito, as Leis Federais 12.587/12 e 12.468/11, além da Lei Municipal 5.492/12, em momento algum vedam expressamente a realização de licitação para a outorga de permissão para o exer- cício da atividade. No ponto, cumpre destacar que a redação dos arts. 12 e 12-A, da Lei 12.587/12, não exclui a possibilidade de realização de certame licitatório, pois este pode constar entre os requisi- tos exigidos pelo poder público local para outorga do direito à exploração de serviços de táxi. O legislador pátrio, de forma consciente ou não, outrora classificou o táxi como sendo serviço 1 STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus nº 177.920/RS, rel. Min. Jorge Mussi, j. 04 dez. 2012. 2 AgRg no REsp nº 1.441.510/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20.08.2015, DJe 31.08. 2015. público e, atualmente, o classifica como serviço de utilidade pública. Entretanto, a jurisprudência, conforme analisado, se confunde nos termos e con- ceitos de direito administrativo e parece descon- siderar a dicotomia constitucionalmente prevista entre os dois institutos presente na alteração legis- lativa analisada. 2.1.2.3 Análise a partir das construções doutrinárias Caso parta-se de uma concepção amplíssima de serviço público, no entanto, é possível conside- rartáxi como tal, de forma que o entendimento dos tribunais brasileiros faria algum sentido. Porém, essa conclusão pressupõe que a alteração da Lei de Mobilidade Urbana foi vazia de propósito, ignora que a concepção ampla de serviço público não foi adotada pela Constituição de 1988, pelo menos não no art. 175,3 e não capta a riqueza da discussão sobre a amplitude do conceito de serviço público (GIACOMUZZI, 2016, no prelo). Além disso, na atualidade, não cabe mais se considerar o conceito extremamente amplo de serviço público adotado pela Escola de Serviço Públi co francesa, porque ela considerava que o Esta do nada mais era do que um grande prestador de serviços públicos (MELLO, 2003). Nesse aspecto, é importante analisar se, na prática, os serviços de táxi, em razão de suas carac- terísticas, se enquadram no conceito moderno de serviço público doutrinariamente construído. Para tanto, parte-se da análise dos critérios subjetivo, formal e material sobre os quais tal conceito foi edificado. Subjetivamente, os serviços de táxi são pres- ta dos de forma exclusiva por taxistas mediante ato de aquiescência do Poder Público, geralmente permissão precedida de licitação ou, mais raro, autorização, razão pela qual se infere que a titula- ridade de tais serviços é do Estado, que delega a execução ao particular, a despeito de não haver exigência legal para tanto. Formalmente, os serviços de táxi possuem regime jurídico característico, sendo fortemente regu- lados pelo Poder Público, principalmente através de regulação à entrada no mercado, caracterizada pelos 3 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. 54 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Thaís Amaral Dourado, Fabrício Macedo Motta atos de delegação suprarreferidos (permissões e autorizações) e de tabelamento de preços. Por outro lado, o título que enseja o exercício da atividade pode, em muitos municípios, ser alienado ou transmitido causa mortis (art. 12-A, §§1º e 2º, da Lei nº 12.587/12), o que parece não conciliar com a lógica do serviço público. Além disso, o taxista não é obrigado a assegurar a continuidade na pres- tação do serviço, podendo deixar o táxi parado por longos períodos, caso prefira (SARMENTO, 2015). Refletindo-se sobre o critério material, consi- de rado determinante para a caracterização de certa atividade como serviço público ou não, a ativi dade prestada pelos serviços de táxi é o trans porte indi vidual de passageiros, o qual se compre ende carecer de essencialidade, porque não é indis pen- sável para a manutenção de um mínimo neces sário à persecução de uma vida digna pelo ser humano. É imprescindível assegurar a todos o acesso ao transporte, mas a universalização que se almeja é do transporte coletivo, e não do individual, que con- siste em atividade com custo elevado, cujo público- alvo possui maior capacidade financeira. Como pontuou de forma irônica Marques Neto (2015), “[...] seria risível um programa ‘táxi para todos’ ou o subsídio nas tarifas do transporte individual”. Quanto ao posicionamento específico dos doutrinadores, Marçal Justen Filho (2014) parte da regulamentação da atividade de táxi e da profissão de taxista, que se deu através da Lei nº 12.468/11, e entende que táxi trata-se de serviço de interesse coletivo, expressão proposta pelo próprio autor. Ou seja, são serviços que não são públicos, mas atendem interesses relevantes e abrangem os casos de transporte por meio de táxi, profissões regu la- mentadas em geral, hotelaria, bancos, entre outras atividades que, com base no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal de 1988, depen- dem da intervenção estatal para impor requisitos para seu desempenho ou para controle mais ou menos intenso da atividade. Meirelles (1998), por outro lado, concebe os serviços de táxi como serviços públicos autorizados, que não exigem execução pela própria Administra- ção e, a despeito de não serem atividades tipica- mente públicas, convém ao Poder Público conhecer, credenciar e controlar aqueles que os executam. Não obstante, o autor compreende que a contratação desse serviço com o usuário é sempre relação de direito privado, sem participação direta ou mesmo delegada do Poder Público em sua execução. Sobre tal entendimento, Di Pietro (2014) comenta que, em verdade, o que aquele autor inter- preta como sendo serviço público autorizado refe- re-se à classificação originalmente chamada de serviço público impróprio, que, juridicamente, não é serviço público. Diante do exposto, conclui-se que também a doutrina não está isenta de divergências sobre o assunto. 2.1.2.4 O “modelo” regulatório brasileiro O formato regulatório dos serviços de táxi no Brasil é muito diversificado e varia de município para município; por isso, não há um modelo regula- tório propriamente dito. A Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP (2003) considera que o táxi deve submeter-se à licitação por ser uma atividade de elevado interesse público. Em levantamento montado a partir de pesqui- sas nos sites oficiais de 16 capitais brasileiras, Dias (2007) concluiu que em todas há limitação do número de operadores e de veículos (barreira de entrada), revelando que a indústria de táxi brasi- leira ainda opta pela manutenção de mercados fechados. Além disso, a tarifação desses serviços é severamente restrita, sendo que quase todas as capitais pesquisadas têm suas tarifas pré-fixadas pelo Poder Público local. Existem, basicamente, três modelos de regu- lação tarifária dos serviços de táxi: a) tarifa fixa ou única a ser cobrada por todos os táxis, utilizada quando o mercado dominante é o segmento ponto de táxi, já que neles a competição é inviável devido à característica operacional de que a ordem de chegada à fila determina a de saída; b) tarifa teto (máximo e mínimo), que possibilita que os taxis- tas concedam descontos abaixo do valor máximo, geral mente utilizada quando se pretende evitar ou des montar um mercado sob monopólio ou oligo- pólio – há um preço máximo fixado no taxímetro que protege o passageiro de eventuais abusos, permitindo, ao mesmo tempo, que haja competição por descontos entre as diferentes empresas de táxi; e c) de livre concorrência, que, na verdade, é a ausência de regulação tarifária, permitindo aos taxistas fixar preços livremente. Essa modalidade não é encontrada nas cidades do Brasil (BRASIL, 2011). A grande maioria das capitais brasileiras utiliza tarifação fixa. Em diversos desses municípios, foi implantada a venda antecipada de bilhetes no aero- porto com tarifação preestabelecida por bairro. Brasília é uma exceção de tal perfil regulatório, uma vez que lá é utilizada a tarifação máxima, per - mi tindo que os operadores ofereçam descontos previa mente aferidos no taxímetro, estimulando a concorrência entre os permissionários (DIAS, 2007). Atualmente, todas as capitais brasileiras ado- tam o sistema de bandeira 2, que se justifica para Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo ARTIGOS 55Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 remunerar o condutor em seu trabalho noturno e de fim de semana ou feriado. A ANTP (2003) reco- mendaque seja adotado o índice de 20% de acrés- cimo sobre a bandeira 1, mas poucas capitais seguem tal instrução: a maioria utiliza-se de índices maio res, chegando a 50% em algumas (DIAS, 2007). Em relação à regulação de entrada, analisando as capitais do Centro-Oeste, notou-se que elas pos- suem a permissão como forma predominante de outorga da exploração dos serviços de táxi, como é o caso de Goiânia (2014), Cuiabá (2008) e Campo Grande (AGêNCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO, 2014); no Distrito Federal (2014), por sua vez, tal outorga se dá por meio de autorização. Em todos esses casos, é possível que o direito à exploração dos serviços seja transferido aos suces sores legítimos dos outorgados. Há, ainda, outras formas de transferência da outorga a ter ceiros, o que gera um mercado reservado sem concorrência. Nesse caso, para entrar no mercado, o preten- dente negocia de forma direta com o permissio- nário, em relação estritamente comercial, sob o re gi me de direito privado. Como resultado, o interes- se público fica de lado, uma vez que a prestação dos ser viços não necessariamente estará nas mãos do mais capacitado para exercê-la, mas sim do que propôs melhor oferta ao permissionário original. 2.1.2.4.1 Falhas regulatórias no mercado nacional de táxi As falhas regulatórias se dão a partir do momento em que o Poder Público toma medidas que vão além das estritamente necessárias e sufi- cientes para regular o mercado, uma vez que a função do regulador público é agir na exata medida para manutenção do mercado em funcionamento eficiente. Assim, quando ausente ou excessiva a inter- venção do Estado para sanar as falhas de merca- do, ou seja, quando o pleno funcionamento dos mercados de táxi não está associado à capacidade de prestar serviços de transporte de passageiros da melhor forma possível, constituem-se as falhas regulatórias (DIAS, 2007). Conforme a OFT (apud Dias, 2007), tais falhas se dão quando a regulação é aplicada para alcan- çar tão somente objetivos políticos, o que pode gerar externalidades, sendo as duas principais o desvio de recursos e a significante inércia no pro- cesso legislativo. Dessa forma, é necessário aten- ção a essas “falhas de governo”, que acontecem quando o Poder Público, na tentativa de remediar as falhas de mercado, é capaz de piorá-las ou gerar outros problemas. Santos e Orrico Filho (apud DIAS, 2007) entendem que a regulamentação da indústria de táxi não é necessária, podendo a intervenção do Poder Público ser oriunda de excessiva proteção social das partes envolvidas ou até mesmo da cap tura regulatória, teoria segundo a qual o órgão regulador eventualmente atua mais no interesse de grupos privados do que dos usuários, uma vez que os entes regulados costumam ser mais organizados politicamente. Para Kang (1988), tal situação é mais percep- tível quando a regulação é introduzida a requeri men- to da própria indústria regulada, sendo a indústria de táxi consideravelmente sujeita à captura, poden- do-se conduzir o mercado a tarifas superiores às necessárias e à redução da frota de determinada praça, criando um ambiente de oligopólio. A despeito de tudo isso, tem se notado que as mudanças regulatórias nos serviços de táxi têm se concentrado mais na qualidade dos serviços (DIAS, 2007). A diminuição das restrições regulató- rias dirige-se ao aumento da oferta de veículos e, em regra, à satisfação do usuário, através da busca por melhores padrões de qualidade dos serviços, principalmente diante do surgimento de diversos aplicativos de transporte que concorrem com o táxi, como Uber, T81, Cabify e WillGo. 2.1.3 Transporte individual de passageiros e concorrência Como visto, o serviço de táxi é, em regra, considerado serviço público pela jurisprudência e pelo Poder Legislativo dos municípios brasileiros. Nesse sentido, entende-se que devem ser aplica- das as normas concorrenciais na prestação desse serviço, porquanto a existência de um regime de direito público a que estejam submetidos os ser- viços de táxi não derroga a aplicabilidade da livre concorrência, que tem eficácia jurídica direta e vin- culante e tende a ser benéfica ao usuário. Entretanto, a Lei nº 12.468/11 (BRASIL, 2011) restringe aos profissionais taxistas “[...] a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remu- nerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros” e determina os requisitos exigidos dos motoristas para exercício de tal atividade. Assim, há regra de exclusividade na prestação do serviço de táxi expressamente prevista em lei, o que, em tese, afasta a aplicação das normas de concorrência ao caso em análise. Outro obstáculo para a aplicação das normas de concorrência é que o modelo regulador adotado para 56 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Thaís Amaral Dourado, Fabrício Macedo Motta esse tipo de serviço é o político, ou seja, exercido pelos órgãos governamentais. A despeito disso, entende-se que deve ocorrer a liberalização do serviço de táxi, uma vez que não há, na restrição referida, justificativa estrita e proporcional que fundamente o monopólio na pres- tação do serviço de transporte individual de passa- geiros ou mesmo a regulação política dele e que a concorrência é benéfica ao usuário neste caso, no qual o aumento de fornecedores tende a gerar melhor oferta na prestação do serviço. Além disso, não se tem ideia de qualquer aspecto do serviço de táxi de que decorram princípios que entrem em conflito com o da livre concorrência. Por outro lado, todos os julgados e práticas legislativas municipais que consideram o táxi como serviço público levam em conta essencialmente os aspectos formais da atividade, preocupando-se mais com a necessidade de licitação como forma de se executar um processo isonômico para esco- lher entre os particulares quais poderão explorar uma atividade econômica regulada. Materialmente, contudo, não há dúvidas de que o serviço de táxi não é serviço público, mas, sim, serviço de utili- dade pública, pois os outros aspectos (forma de pres tação e regime jurídico) decorrem justamente do critério material. Portanto, não há óbice e, pelo contrário, é dese jável a abertura à concorrência no transporte individual de passageiros, que representa, para o usuário, o reconhecimento do seu direito de esco lha e de obter da prestação de tais serviços o melhor resultado na satisfação de seus direitos funda- mentais, assegurada oferta adequada, acessível e universal a todos os fruidores. 2.2 Uber 2.2.1 Características O aplicativo Uber é uma plataforma tecnoló gi- ca para smartphones e outros dispositivos móveis, como tablets, lançado nos Estados Unidos em 2010 pela empresa homônima, o qual estabelece uma conexão entre motoristas profissionais e pes- soas interessadas em contratá-los para viagens espe cíficas. Através desse software, indivíduos nele previamente cadastrados conseguem encontrar, de forma simples e rápida, motoristas parceiros da Uber que promete transportá-los com conforto e segu rança. Esses motoristas são empreendedores indivi- duais que utilizam o aplicativo (app) Uber em siste- ma de economia compartilhada, a qual contempla mercados de redistribuição, lifestyles colaborativos e sistemas de produtos e serviços. Os mercados de redistribuição ocorrem quando um item usado passa de um local onde ele não mais necessário para onde ele é. No caso da Uber, muitos motoristas são pessoas desempre- gadas que tinham um carro parado na garagem e viram a possibilidade de auferir alguma renda através dele. No mesmo sentido, os lifestyles cola- borativos baseiam-se no compartilhamento derecur- sos, tais como dinheiro, habilidades e tempo. Por fim, os sistemas de produtos e serviços ocorrem quando o consumidor paga pelo benefício do produto, e não pelo produto em si. Tem como base o princípio, por exemplo, de que a necessidade não é de possuir um carro, e sim a locomoção que ele proporciona (TROPOSLAB, 2014). Os motoristas parceiros são credenciados pela Uber e pagam-lhe atualmente em torno de 25% do valor que recebem de cada passageiro como retribuição pelo uso da plataforma tecnológica. Apenas estão habilitados ao credenciamento no aplicativo motoristas cujas carteiras de habilitação autorizem o exercício de atividade remunerada de condutor de veículo, além de deverem satisfazer a exigências que englobam requisitos subjetivos, como qualificação do motorista, e objetivos, como qualidade, tempo de uso do veículo a ser empregado no serviço e seguro com cobertura APP (Acidentes Pessoais a Passageiros). A manutenção do credenciamento dos moto- ristas parceiros depende, principalmente, das ava- liações anônimas que recebem de cada passageiro após o término das respectivas viagens, através de um sistema de pontuação que admite comentá rios. Essa avaliação varia entre zero e cinco estrelas, sendo que os motoristas com média baixa podem ser descredenciados pela Uber. O valor das viagens é calculado com base em fatores como a distância a ser percorrida e o tempo de viagem, a partir das informações previamente cedidas pelo cliente de localização e destino. Além disso, o preço a ser pago está sujeito a oscilar em função da demanda, em legítima aplicação da lei da oferta e da procura, ou seja, quando há mais usuá- rios solicitando viagens do que motoristas dispo- níveis, o preço da corrida subirá. O usuário pode pagar sua corrida automati- camente com o cartão de crédito ou débito cadas- trado no aplicativo através do próprio, com dinheiro ou via PayPal, um serviço de pagamento online. Até dia 22 de maio de 2017, a Uber está dis- ponível em mais de quinhentas cidades no mundo e, no Brasil, nas cidades de Anápolis, Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Blumenau, Boa Vista, Brasília, Campina Grande, Campinas, Campo Grande, Campo dos Goytacazes, Caruaru, Cascavel, Criciúma, Caxias do Sul, Cuiabá, Curitiba, Dourados, Feira de Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo ARTIGOS 57Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Santana, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Itajaí, João Pessoa, Joinville, Juazeiro do Norte, Juiz de Fora, Londrina, Macapá, Maceió, Manaus, Maringá, Montes Claros, Mossoró, Natal, Palmas, Petrolina, Piracicaba, Ponta Grossa, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Rio Verde, Rondonópolis, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Luís, Salvador, São Paulo, Sorocaba, Teresina, Uberaba, Uberlândia, Vitória e Volta Redonda. Até o momento, há três categorias de moto- rista: X, a básica; Select, recém-lançada no Brasil, que possui veículos mais confortáveis e preços cerca de 20% maiores que a modalidade uberX; e Black, com carros mais luxuosos e preços, em condições normais de demanda, mais elevados que os das categorias anteriores. Em cidades como São Paulo, a Uber disponi- biliza acesso a carros que prestam serviços es- pecíficos, nas subcategorias Bike, que permite levar bicicletas no veículo; Pet, que transporta ani- mais de estimação; Bag, com veículos de porta- malas grande, possibilitando carregar bagagens ou demais itens que ocupem mais espaço; Pool, em que é pos sível compartilhar o carro com até quatro pes soas que estão indo na mesma direção, a um preço menor; Events, que permite que anfitriões de eventos paguem as viagens de Uber de seus convi- dados com antecedência; e English, com motoristas que falam inglês. Em outros países, a Uber disponibiliza outras opções, como Eats, para pedir comida em res- taurantes, e Rush, para entregas de encomendas, além de ter inaugurado recentemente, nos Estados Unidos, uma nova função que integra o aplicativo a outro chamado Transit, que oferece previsões de horários de ônibus e trens em tempo real. Depreende-se, a partir das características expostas, que cada viagem perfaz relação direta entre o consumidor e o motorista, uma vez que o aplicativo Uber apenas alcança a contratação para lhe agregar valor de segurança e qualidade, em decorrência do compartilhamento de informações em rede e do uso de um sistema de gerenciamento eletrônico do processo proporcionado pelo software. Apesar de os motoristas estarem sujeitos a regras operacionais da plataforma tecnológica para che- garem à demanda, não existe, até então, qualquer compromisso laboral entre os motoristas e a em- presa Uber. 2.2.2 Uber é serviço público? Primeiramente, é importante destacar que o serviço proporcionado pela Uber é dotado de uma fisiologia híbrida, caracterizando-se, num primeiro plano, como transporte individual remunerado; num segundo plano, aproxima-se da ideia de serviço com partilhado; e, num terceiro, a tecnologia atua no sentido de estruturar ou modelar a dinâmica de todo processo de transporte de pessoas (TAVARES, 2014). Nesse sentido, é importante ressaltar que o uso da tecnologia aplicada ao mercado de trans- porte não faz da empresa de tecnologia uma empre- sa de transporte. Da mesma forma, os aplicativos de táxi, como o 99Taxi, Easy Taxi, TaxiBeat e Vá de Táxi não são cooperativas de táxi ou algo dessa espécie, pois basicamente conectam os usuários com os taxistas de forma inteligente e otimizada. Destarte, indagar se Uber é serviço público significa refletir acerca da conformação jurídica dos serviços de transporte prestados sob tal modelo, ou seja, do regime de acesso à atividade econômica do transporte individual de passageiros, bem como do regime jurídico aplicável em decorrência de tal formato. Parte-se, para tanto, da própria Constituição Federal (BRASIL, 1988), que se funda nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, IV), na liberdade (artigo 5º, caput) e no livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, XIII). A ordem econômica, em consonância com tais preceitos, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a finalidade de asse gurar a todos uma existência digna, conforme dita a justiça social (artigo 170), segundo, entre outros, o princípio da livre concorrência (artigo 170, IV) e a defesa do consumidor (artigo 170, V). Resumindo todos esses princípios constitu- cionais, o parágrafo único do artigo 170 impõe que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de auto- rização de órgãos públicos, salvo nos casos previs- tos em lei. Nesse sentido, a criação de reservas ou con- tingentes de acesso à atividade econômica priva- da, bem como monopólios públicos de intervenção (quali ficação de atividades econômicas como públi- cas ou sob reserva de intervenção/execução públi- ca), exige razões jurídico-constitucionais legí ti mas e justificadas segundo o princípio da proporcionali- dade (CANOTILHO, 2015). Ressalte-se, ainda, que o contexto constitu- cional brasileiro da tecnologia se preocupa com o resguardo da liberdade de expressão científica, protegendo a criação tecnológica e reconhecendo o direito fundamental à livre exploração econômica da tecnologia criada. Ou seja, a liberdade do parti- cular torna-se ainda mais relevante no campo da inovação, sem a qual não há progresso. 58 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Thaís Amaral Dourado, Fabrício Macedo Motta Nessa mesma perspectiva, a Lei nº 12.965/14, o Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014),estabe- lece como fundamentos, em seu artigo 2º, IV, a livre iniciativa e a livre concorrência, bem como fixa como princípio a liberdade de modelos de negó cios promovidos na internet no artigo 3º, VIII. Por fim, o artigo 4º, III, define como objetivo a promoção da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e novos modelos de uso e acesso. Assentadas essas premissas, passa-se à aná- lise da legislação sobre transporte individual de pas sageiros para responder ao questionamento enunciado neste tópico. 2.2.2.1 Uber versus táxi Como referido na discussão sobre os serviços de táxi, a Lei nº 12.587/12 alude ao serviço de transporte individual de passageiros de natureza pública. Mas o mesmo diploma traz também expre- ssa referência ao serviço de transporte individual de passageiros de natureza privada no artigo 3º, §2º, I, a c/c II, b, e III, b (BRASIL, 2012). Bem verdade é que o artigo 4º dessa lei não definiu a modalidade privada do transporte indi- vidual de passageiros; porém, isso não significa dizer que o legislador tenha deixado de reconhecer tal categoria. O fato é que esse artigo estabelece definições apenas “para os fins” da aplicação da Lei de Mobilidade Urbana, a qual, portanto, reco- nheceu, mas não regulou o transporte individual privado de passageiros. A Lei nº 12.468/11 (BRASIL, 2011), que regu lamentou a profissão de taxista, por sua vez, determina que o transporte público individual de passageiros seja atividade privativa dos taxistas. Entretanto, a eles não foi dado o monopólio do exercício de toda e qualquer atividade de transporte individual de passageiros. Assim, não há na le- gislação a publicização desse tipo de transporte, mesmo porque os próprios serviços de táxi, como já visto, são tidos legalmente como serviços de utilidade pública, que se enquadram no âmbito da atividade econômica em sentido estrito, prestada mediante mera outorga de um “direito à exploração de serviços de táxi”, como versa o art. 12-A da Lei nº 12.865 de 2013 (BRASIL, 2013), e não como serviço público. Ademais, entende-se, como já explicitado, que, no aspecto material, o transporte individual de passageiros, tanto público quanto privado – o que abrange igualmente o modelo Uber e os táxis –, carece de essencialidade e, por isso, não é possível que seja tido como serviço público. Ainda assim, mesmo partindo-se do posicio- namento jurisprudencial de que os serviços de táxi caracterizam serviço público, a forma como o transporte de passageiros é exercido pelos moto- ristas no modelo Uber não é compatível com aquela desempenhada pelos taxistas, bastando observar as características retrodescritas dos dois serviços. Na tabela abaixo, foi feita a comparação das prin- cipais diferenças entre eles. Critérios Uber Táxi Acesso Exclusivamente via app. Via bandeirada, ponto de táxi, radiotáxi e apps. Mecanismo principal de controle Avaliações dos passageiros. Fiscalização direta ou indireta pelo Poder Público municipal. Motoristas Empreendedores individuais cadastrados no app. Permissionários/autorizatários. Devem satisfazer os requisitos de credenciamento do app, que incluem exigências para o carro. Devem satisfazer os requisitos legais e exigidos pelo município em edital de licitação/seleção, que também envolvem características do carro. Podem ser descredenciados se tiverem avaliações baixas. Perderão seu título apenas mediante decisão final em processo administrativo. Impostos e taxas Motoristas arcam com o custo total do veículo e contribuem como Microempreendedor Individual (MEI) ou pelo Simples Nacional. Taxistas têm isenção de impostos na compra do veículo e, em certos municípios, há isenção de ICMS, IPVA e/ou ISS. Não pagam taxas específicas. Pagam taxas específicas, como de renovação de alva- rá e relativas a cadastros de taxistas. Caracterização do veículo Descaracterizado. Caracterizado por cor, placa diferenciada, letreiro luminoso e/ou sinais gráficos. Quadro 1 – Principais diferenças entre os serviços prestados sob o modelo Uber e os serviços de táxi (continua) Uber e serviços de táxi no Brasil sob a ótica do direito administrativo ARTIGOS 59Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 17, n. 196, p. 49-65, jun. 2017 Especialmente, destaca-se o fato de que as viagens realizadas pelos motoristas parceiros da Uber não são abertas ao público, mas restringem- se àqueles que tenham acesso ao aplicativo, única forma de contratar esses serviços. Na prática, essa seletividade se traduz no fato de que apenas aqueles indivíduos que contratam previamente, aderindo às condições operacionais especiais do serviço, estão possibilitados a usufruir deles. É essa caracterização de usuários a partir das definições operacionais de transporte que deter- mina a distinção entre o transporte público indivi- dual e o transporte privado individual, modalidade em que se considera inserido o serviço de transporte sob o modelo Uber (TAVARES, 2014). Como não houve, ainda, regulamentação da atividade prevista em lei de transporte individual privado de passageiros, pelo princípio da livre em- presa, garantido no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), não há impedimento para o exercício de tal atividade pelos particulares que tenham interesse em fazê-lo. Em razão do mesmo princípio, o exercício de ativi dade econômica em sentido estrito, como a desempe- nhada pelos motoristas parceiros sob o modelo Uber, não depende de prévia licença ou autorização estatal, até eventual advento de regulação que disponha em sentido contrário (SARMENTO, 2015). Os próprios atos administrativos de consen- timento concedidos aos motoristas de táxi, histo- ricamente, serviram para regular o baixo acesso às informações necessárias para os passageiros fazerem suas escolhas conscientes sobre servi- ços e produtos. Quer dizer, os passageiros não conheciam os motoristas, mas acreditava-se que poderiam confiar naqueles que detivessem a auto- rização estatal, partindo do pressuposto que eles reuniriam os requisitos para prestação do serviço satisfatoriamente (SARMENTO, 2015). Contudo, a inovação tecnológica que trouxe o aplicativo Uber proporcionou a criação de um mecanismo muito mais eficaz para a superação dessa ausência de informações do que as estraté- gias da burocracia estatal, que se tem notado cada vez mais serem falhas. Esse mecanismo consiste no acesso prévio do passageiro ao nome e à foto do motorista, ao modelo e à placa do carro que o transportará, mas principalmente na possibilidade de visualizar as avaliações do condutor do veículo realizadas pelos passageiros que já foram por ele transportados (SARMENTO, 2015). O usuário tem também prévio conhecimento da rota que será seguida, de estimativas do preço do serviço, do tempo de espera para a chegada do veículo e da duração da viagem. Dessa forma, o consumidor possui acesso a informações muito mais completas e confiáveis que aquelas propor- cionadas pelas estratégias regulatórias atualmente vigentes para o serviço de táxi (SARMENTO, 2015). Assim, as atividades que os motoristas par- ceiros da Uber desempenham são enquadradas no conceito de transporte individual privado de passageiros, que configura atividade econômica comum, não se qualificando, por óbvio, como serviço público, tanto por não haver disposição legal nes- se sentido quanto por não possuir regime jurídico próprio desse, nem visar suprir uma necessidade essencial. 2.2.3 Uber e poder de polícia Sabe-se que mesmo para atividades econô- micas tipicamente privadas, que não se considera em absoluto serem serviços de utilidade pública, é comum a existência de instrumentos públicos de Fontes: Aplicativo Uber e Dias
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