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04. Claude Levi Strauss O Pensamento Selvagem Cap 1

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• • 
1 
.l 
1 
A CI:ËNCIA DO CONCRETO 
Durante muita tempo, aprouve-nos mencionar linguas às quais 
faltam termos para exprimir conceitos como os de "arvore" ou de 
"animal". ainda que nelas se encantrem todas os nomes necessârios 
para um inventario detalhado das espécies e das variedades . Mas, ao 
rccorrer a esses casas como apoio de uma pretensa inéps.ia; dos "pri-
mitivos" para 0 pensamento abstrato, omitiam-se autros exemplas que 
atestam nac ser a riqueza cm nomes abstratos unicarnente ocaËa~--ag!Q 
das linguas civilizadas. Il assim que a chinuque, Iingua do noroeste 
da América do Norte, utiliza nomes abstratos para designar muitas 
propriedades ou qualidades dos seres e das coisas: "Esse procedimen-
ta [afirma Boas] é mais freqüente ai que elll todas as outras Iinguagens 
por mim conhecidas". 0 enunciado: "0 homem mau matou a pobre 
criança", em chinuque torna·se: "A maldade do homem matou a po· 
breza da criança"; c, para dizer que uma mulher usa uma cesta 
muito pequena: "Ela coloca raizes de potentilha na pequenez de um 
cesto para conchas" (Boas 191 1, 657-658). 
V Em todas as Iinguas, alias, a discurso e a sintaxe fomecem os 
\ recurSQS indispensâveis para suptir as lacunas do vocabul:hio . E 0 
carMer tendencioso do argumento lembrado no paragrafo anterior fica 
bem clara quando se percebe que a situaçao inversa, isto é, aquela 
ern que os termos mais gerais prevalecem sobre as denominaç5es es. 
15 
" 
pecfficas, também foi explorado para afirmar a indigência intelcctual 
dos selvagens: 
Dentre as plantas e os animais, 0 indîgena nomeia apenas as espé-
c ies ûtei s ou nocivas; as outras sac indistintamente classificadas 
como ave, erva daninha etc - (K.rause 1956, 104). 
Um observador mais recente parece acreditar, da mesma forma, 
que 0 indigena nomeia e conceitua unicamente em funçâo de suas 
necessidades: 
. Eu ainda me recorda da hilaridade provocada entre meus am igos 
das ilhas Marquesas. pelo interesse (a seus olhos, pura tolice) 
dcmonstrado pelo botânico de nossa expediçao de 1921 em rclaçao 
às "ervas daninhas" sem nome ("sem utilidadc") que cIe colctava 
c qucr ia saber como sc chamavam - (Handy e Pukui 1958, 119, 
n.o 21). 
Entretanto, Handy compara essa indiferença àquela que, em nos-
sa civilizaçâo, demonstra a especialista em relaçâo aos fen6menos que 
nao estao diretamente ligados a seu dominio. E, quando sua colabo-
radora indigena enfatiza que no Havai Il cada forma botânica, zoo16-
gica ou inorgâni ca que se sabia ter si do nomeada (e personalizada) 
era ... uma coisa utilizada", tem 0 cuidado de acrescentar: "de uma 
maneira ou de outra". e acentua que, se "uma variedade ilimitada de 
seres vivas do mar ou da ' loresta, de fenômenos meteoro16gicos ou 
marîtimos nâo tinha nome", era porque eles nâo eram considerados 
"uteis ou ... dignes de interesse ll , termos nao-equivalentes, desde que 
um se situa no pIano pratico, e 0 outro, no te6rico. A seqüência do 
texto confirma isso, reforçando '0 segundo aspecto em detrimento do 
primeiro: "A vida era a experiência investi da de significaçao exata 
e precisa" (id., p. 119). 
\ 
Na verdade, 0 recorte conceitual varia de Hngua para lîngua e, 
coma 0 observou muito bem, no século XVIII, 0 redator do verbete 
"nome" na Enciclopédia, 0 emprego de termos mais ou menos abstra-
tos nao é funçao de capa cid ad es intelectuais mas de interesses desi-
guaI mente marcados e detalhados de cada sociedade particular no 
seio da sociedade nacional : "Subi ao observat6rio; ai, cada estrela 
nao é mais simplesmente urna estrela, é a estrela f3 do Capric6rnio, 
é a y do Centauro, é a , da Ursa Maior etc; entrai num picadeiro, 
cada cavalo tem ai seu nome pr6prio, 0 Brilhante, 0 Duende, 0 Fo-
goso etc" _ Alias, mesmo se a observaçao sobre as chamadas linguas 
primitivas mencionada no inîcio des te capitulo devesse ser toma da ao 
16 
pé da letra, nao se poderia disso concluir uma ausência de idéias ge-
rais: os nomes Ifcarvalho", IIfaia", "bétula" etc naD sac menas abstra-
tas que 0 nome Ifarvore", e, de duas linguas, das quais uma possuîsse 
apenas esse ultimo terma e a outra 0 ignorasse, mesmo tendo varias 
dezenas ou centenas relacionados corn as espécies e as variedades, 
seria a segunda e naD a primeira, deste ponto de vista, a mais riea 
em conceitas. 
Como nas linguagens profi ssionais, a proliferaçao conceitual cor--~' 
responde a uma atençao mais firme em relaçao às propriedades do 
real, a um interesse mais desperto para as distinç6es que ai possam 1 
ser introduzidas. Essa ânsia de conhecimento objetivo constitui um ! 
dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que chama- 1 
mos Uprimitivos". Se ele é raramente dirigido para realidades do mes- \ 
'mo nivel daquelas às quais a ciência modern a esta ligada, implica ' 
diligências intelectuais e métodos de observaçao semelhantes. Nos dois-
casas, 0 universo é objeto de pensamento, pela menos coma meio de 
satisfazer a necessidades. 
Cada civilizaçao tende a superestimar a orientaçao objetiva de 
seu pensamento; é por isso, portanto, que ela jamais esta au sente. 
Quando cometemos 0 erro de ver 0 selvagem como exclusivarnente go~ 1 
vernado par suas necessidades orgânicas ou econômicas, nao perce be- ! 
mos que ele nos dirige a mesma censura e que, para eIe, seu proprio , 
desejo de conhecimento parece melhor equilibrado que 0 nosso: 
A ulilizaçao dos recursos naturais dos qua is dispunham os indÎ-
genas havaianos era mais ou menQS completa; hem mais que a 
praticada na era comercia l atllal, que sem piedadc explora alguns 
produtos que, no momento, proporcionam vantagem fînanceira, 
desprezando e destruindo toda 0 rcsto - (Handy e Pukui 1958 , 
213 J. 
Sem duvida, a agricultura de mercado nao se confunde corn 0 
conhecimento do botânico. Mas, ignorando 0 segundo e considerando 
exclusivamente a prime ira, a velha aristocrata havaiana nad a mais Caz 
que retomar, por conta de uma cultura indîgena, invertendo-o a seu 
favor, 0 mesmo erra cometido por Malinowski quando pretendia que 
o interesse dos p-~itiVOS~" pelas plantâs e animais totêmicos era-lhes 
inspira de unicamente pelos reclamos de seu est6mago. 
• • • 
17 
Il' 
1 
1 A observaçâo de Tessman (1931 , 71) a respeito dos fang , do 
Gabâo, quanto à .. precisiio corn a quai eles reconhecem as menores 
diferenças entre as espécies de um mesmo gênera". corresponde às 
dos dois autores ja citados, para a Oceania: 
As faculdades aguçadas dos indigenas Ihes permitiam notar exata-
mente os caracteres genéricos de todas as espécies de seres vivos, 
terrestres e marinhos, assim como as mais su tis mudanças dos 
fenômenos naturais tais como 0 vento, a luz, as cores do tempo, 
as ondulaçôes das vagas, as variaçôes das ressacas, as carrentes 
'aquaticas e aéreas - (Handy e Pukui 1958, 119). 
Um habito tâo simples coma a mastigaçiio de bétele sup6e, nos 
hanunoo das Filipinas, 0 conhecimento de quatro variedades de se-
mentes de areca e de oito produtos de substituiçao, de cinco varieda-
des de bétele e de cinco produtos de substituiçâo (Conklin 1958): 
Todas ou quase todas as at ividades dos hanunoos exigem uma 
in tima familiaridade corn a flora local e um conhecimento pre-
ciso das c1assificaç5es botânicas. Contrariamente à opiniâo segun-
do a quai as sociedades que vivem em econo mia de subsistência 
utilizariam apenas urna fraçao minima da flora local, esta ûltima 
é utilizada numa proporçâo de 93 % - (Conklin 1954, 249). 
Isto nao é menos verdadeiro no que se refere à fauna: 
Os hanunoo c1assificam as formas locais da fauna de aves em 75 
categorias. distinguem por volta de 12 espécies de serpentes ... 
60 tipos de peixes. .. mais de uma dezena de crustâceos do mar 
e da âgua doce, outros tantos tipos de aranhas e de miriâpodes. 
As milhares de formas de insetos estao agrupadas em 108 cate-
gori~ nome~das, das quais 13sao formigas e térmitas. .. Identi~ 
ficam mais de 60 classes de moluscos marinhos e mais de 25 de 
moluscos terrestres e de âgua dace . .. quatro tipos de sanguessu-
gas . . ,l [aD todo, 461 tipos zool6gicos recenseados] - (id., pp. 
67·70). 
A respeito de uma populaçâo de pigmeus das Filipinas, um bi6-
logo se exprime da seguinte maneira : 
18 
Um traça caracteristico dos negritos, que os distingue ~e seus vizi-
nhas criSlaOS das planîcies, é seu inesgotâvel conheclmento dos 
reinos vege tal e animal. Esse saber nao implica somente a identi~ 
ficaçâo especîfica de um nûme~o fenomenal. de plan tas, p,âs.saros, 
mamlferos e insetos mas tambem 0 conheclmento dos habltos e 
costumes de cada espécie ... 
o negrito estâ completa mente integrado em seu ambien.te e, coisa 
ainda mais importante, estuda sem cessar tudo aqUilo que 0 
eerea. Muitas vezes eu vi um negrito, incerto Quanta à iden tidade 
de uma planta, provar 0 frulo, cheirar as folha5, quebrar e exa-
minar urna haste, observar 0 habitat. E somente depois de consÎ-
derac todos esses dados é que ele declarara conhecer o u nao a 
planta em qUest30. 
Depois de ter demonstrado que os indigenas também se interes-
sam pelas plantas que nao lhes sac diretamente uteis, devido às rela~ 
ç6es significativas que as ligam aos animais e aos insetos, 0 mesmo 
autor continua: 
o agudo senso de observaçâo dos pigmeus, sua consciêllcia plena 
das relaçôes entre a vida vegetal e a vida animal . sâo ilustrados 
de maneira impressionante ' por suas discussoes sobre os ha bitas 
dos morcegos. 0 tididi" vive sobre a rama seca das palme iras, a 
dikidik sob as folhas da bananeira selvagem, 0 li /lit nos bambu-
zais,o kolumboy nas cavidades dos troncos das ârvores, a bonanabâ 
nos basques espessos, e assim par d ianle, 
Ë assim que os negritos pinatubo conhecem e distinguem os ha-
bitas de 15 espécies de morcegos . E nao é menas verdade que sua 
c1assificaçao dos morcegos assim coma a dos insetos, aves, mamf-
feros, peixes e plantas repousa principal mente nas semelhanças e 
nas diferenças fisicas. 
Quase todos os homens enumoram corn a maior facil idade os no-
mes especfficos e descritivos de pe la menos 450 plantas, 75 aves, 
de quase Iodas as serpen tes, peixes, insetos e mamîferos e ainda 
de 20 espécies de formigas ... J e a ciência botânÎca dos mananâm-
bal, feiticeiros-curandeiros de dois sexos, que usam constantemente 
as plantas em sua arte, é absolutamente espantosa _ (R.B. Fox 
1953, 187·1 88) . 
Escreveu-se, a respeito de uma populaçâo atrasada das ilhas 
Ryü kyü: 
Mesmo uma criança pode muitas vezes identificar a espécie de uma 
ârvore a partir de um minimo fragmento de made ira e, mais ainda, 
a sexo dessa ârvore, segundo as idé ias que os indigenas mantêm 
a respeito do sexo dos vegetais, e isso observando a aparência da 
madeira e da casca, 0 cheiro, a dureza e outras caracteristicas do 
mesmo tipo. Dezenas e dezenas de peixes e conchas sao con he-
cidos par termos distintos, assim coma suas ca racteristicas pr6-
prias, seus costumes e as diferenças sexuais denlro de cada lipo . 
- (Smith 1960, 150). 
Habitantes de uma regiâo desértica do sul da Cal if6rnia, onde 
apenas aIgu mas raras familias de brancos conseguem hoje subsistir, os 
1. Também 45 espécies de cogumelos comestiveis (I.e., p. 231) e, no pIano 
lecno16gico. 50 tipas de flechas diferentes (id., pp. 265-268). 
19 
.1 
1 
1 
1· 
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1 
Indios coahuilla, em numero de varias milhares, naD conseguiam esgo· 
tar os recursos naturais; vivi am na abundância. Isso porque, nesse 
lugar de aparência desfavoreeida, eonheciam nada menas que 60 plan-
tas alimentares e 28 outras corn propriedades nare6tieas, estimulan-
tes ou medieinais (Barrows 1900). Um unico informante seminale 
identifica 250 espéeies e variedades vegetais (Sturtevant 1960). Fo-
ram reeenseadas 350 plantas conheeidas pelas indios hopi, mais de 
500 pelas navajas. 0 léxico botânieo dos subanum, que vivem no sul 
das Filipin'as, ultrapassa de longe mil termos (Frake 1961) e a dos 
hanunoo aproxima-se dos dois mil 2. Trabalhando corn um unico in-
formante gabonês, recentemente a sr. Sillans publicou um repert6rio 
etnobotânico corn cerca de oito mil termos, repartidos entre as lin-
guas ou dialetos de 12 ou 13 tribos adjacentes (Walker e Sillans 
1961). Os resultados, na maior parte inéditos, obtidos par Marcel 
Griaule e seus colaboradores, no Sudiio, também prometem ser im-
pressionantes. 
A extrema familiaridade corn a meio bio16gico, a atençiio apaixo-
nada que lhe dedicam, os conhecimentos exatos ligados a ele freqüen-
temente impressionaram os pesquisadores como indicadores de atitu-
des e preoeupaçôes que diferenciam os indigenas de seus visitantes 
brancos. Entre os indios tewa, do Nova México: 
As pequenas diferenças sao notadas, ., eIes têm nomes para todas 
as espécies de confferas da regiâo; ora, nesse caso, as diferenças 
sao pouce visiveis · e, entre OS brancos, um individuo nao-treinado 
seria incapaz de distingui-Ias ... Na verdade, nada impediria que 
se traduzisse um tratado de botânica em tewa - (Rabbins, Har-
rington e Freire-Marreco 1916, 9 e 12) . 
Em uma narrativa levemente romanceada, E. Smith Bowen con-
tau corn graça sua confusao quando, chegada a uma tribo africana, 
quis começar aprendendo a lingua: seus informantes acharam muito 
natural, no estâdio elementar de sua instruçâo, juntar um grande nu-
mero de espécimes botânicos que eles iam nomeando enquanto apre-
sentavam-nos a ela, os quais, porém, a pesquisadora era incapaz de 
identificar, nao tanto par sua natureza ex6tica mas porque ela nunca 
se interessara pela riqueza e pela diversidade do munda vegetal, en-
quanta os indigenas tinham tal curiosidade pré-adquirida. . 
2. Cf. a seguir, pp. 158 e 174. 
20 
1 
~ 
~sse PO~? é cultivador: para ele. as plantas sac tao importantes. 
tao famlhares quanta os seres humanos. De m,·nh. part 
. . e. eu nunca 
VI~I cm um: ,fazenda e ?ao estau mesmo muita segura de distin. 
gmr a~ beg?mas das ~ahas ou das petûnias. As plantas, como as 
equaçoe~. lem 0 habue traiçoeiro de parecerem semelhanles e 
serem ~.lferentes ou de parecerem diferentes e serem semelhant'!s. 
Con~e.quentement~. a~rapalho-me cm botânica tante quanlO cm ma-
lematlca. Pela pnrnclra vez cm minha vida, encontro-me cm uma 
comunidade ,onde as cfianças de dez anas nao me sao superiores 
cm maternatlca, mas ,esteu também num lugar cm que cada plan-
ta, . s:!vagem ou cultlvada. lcm uma utilidade e um nome bem 
deflmdos, cm que cada homcm. cada mulher e cada criança co-
nhece centen~s de espécies. Nenhum deles podera jamais acreditar 
que eu sou IOcapaz, mesmo que 0 queira, de saber tanto quanta 
eles - (Smith Bowen 1957, 22). 
Bem diferente é a reaçiio de um especialista, autor de uma mOno-
grafia. o~de des:r~ve cerca de 300 espécies ou variedades de plantas 
medIClDaIs ou toxlcas, usadas par determinadas populaçôes da Rodé-
sia do Norte: 
Sempre fiquei surpreso corn a solicitude corn a quai 0 pavo de 
Balavale e das regioes vizinhas ace itava falar de seus reméd ios e 
poç6es. Estariam lisonjeados pela interesse que eu demonstrava 
par seus métodos? Considerar iam nossas conversas coma uma 
troc~ de informaçoes ent re colegas? Ou quereriam exibir seu co-
nheclIl~ento? Qualquer que fosse a razâo de sua atitude, jamais 
se fazlam de rogados. Recorda-me de um danado de um velho 
l~chazi que tra~ia braçadas de folhas sec as, raizes e hastes, a 
flm de me ensmar todos os scus usos. Seria ele herborista ou 
feiticeiro? Eu. nunca pude decifrar esse mistério, mas passa cons-
tat~r, corn tnsteza,. ~ue jamais possuirei sua ciência da psicologia 
afncana e sua habJildade para curar se us semelhantes: associadas 
meus conhecimentos médicos e seus talentos teriam formado um~ 
combinaçaa muita ûtil - (Gilges 1955, 20). 
Citando um trecho de seus cadernos deviagem, Conklin quis ilus-
trar esse cantato intimo entre 0 homem e 0 meio que 0 indîgena eter-
namente impôe ao etn610go: 
A 0600 e sob uma chuva fina, Langba e eu deixamos Parina em 
d~r~çao . a Bïoli " . Em Arasaas, Langba pediu-me para carlar 
vanas liras de 10 por 50 cm da casca da ârvore al/apla ki/ala 
(Albizûa procera (Roxb.) Benth. ), a fim de nos protegermos das 
sanguessugas. Esfregando corn a face interna da casca nossos tor-
nozelos. e pern as ja molhados pela vegetaçao go te jante de chuva, 
p~oduzla-se urna espuma rosa que era um 6timo repelente. Na 
tnlha perto de Aypud, Langba parou de repente, entiou agilmente 
21 
f· 
seu bastao na beira do caminho e arrancou uma erva pequ~na, 
tawag kûgun buladlad (Buchnera urticifolia R. Br..>. q.ue, dls<;e-
me ele, serviria de isea . .. em uma armadilha para Javah~. Alguns 
instantes mais tarde, e n6s andâvamos depressa, fez uma pa~~d~ 
semelhante para arrancar uma pequena orquidea terrest~e (d~flC II 
de perceber sob a vegetaçao Que a encobria) chamada hyam/lyam 
(Epipogum roseum (D. Do.) Lindl.), planta usada pa~a. combater 
magicamente os Însetos parasitas das culturas. Em Bmlt, Langba 
teve cuidado para nao danificar sua coleta, remexendo dentr~ de 
sua saeola de palmas trançadas para encontrar apug, cal exunta, 
e labaku (Nicotiana tabacum L.), que queria oferecer às pe~soas 
'de Bïoli em troca de outros ingredientes para masc~r. Depols ~e 
uma discussao sobre os respectivos méritos das vaneda~e~ locals 
de bétele-pimenta (Piper betel L.), Langba obteve permls~ao para 
cortar mudas de batata doce (Ipomoea batatas (L.) POIL) per-
teneentes a duas formas vegetais diferentes e distintas coma ka-
muti inaswang e kamut; lupaw . .. E, no canteiro de camote cor-
tamos 25 rnudas (corn cerca de 75 cm de cornprimento) de cada 
variedade, retiradas da extremidade da haste e. as embrulh~mos 
cuidadosamente oas grandes fo lhas frescas do saglflg saba cultlvado 
(Musa sapientum compressa (Blco.) Teodoro) para que conse~­
vassern sua unidade até chegarmos à casa de Langba. No c~m l~ 
oho mascamos hastes de tubu millama, espécie de cana-de-açucar (Sa~charum officinarum L.), delivemo-nos uma vez para 'colher 
algumas bunga, sementes de areca cafdas. (Areca catechu L.) e 
uma outra vez para colher e corner as fculas, sem~lhantes a ce~e­
jas selvagens, de aigu mas moitas de bugnay (Antldes'!'a brUIllUs 
(L.) Spreng.). Alcançamos Mararim par volta. do melO da tarde 
--e, ao 10ngo de toda a nossa caminhada, a malor parte _do tempo 
1 foi gasta em -disc"llss6es sobre as mudanças na ~egetaçao no de-correr das ûltimas dezenas de anOs - (Conkhn 1954, 15-17 ). 
Esse :ber e os meios lingUisticos de que disp6em estendem-se 
,1 também à morfologia. A lingua tewa emprega termos diferentes para 
:1 ca da parte ou quase do corpo dos passaros e dos mamiferos (~ender­
)' son e Harrington 9). A descriçâo morfol6gica das folhas das. arvores 
ou das plantas comporta 40 termos, e existem 15 termos dlferentes 
que correspondem às diferentes partes de um pé de milho. 
Para descrever as partes constitutivas e as propriedades dos ve-
getais, os hanunoo têm mais de 150 termos, que" con~tam as catego: 
rias em funçâo das quais identificam as plantas e dlscutem entre SI 
as centenas de caracteres que as distinguem, freqüentemente corre~­
pondentes a propriedades significativas, tanto medicinais quanto ah-
mentares" (Conklin 1954,97). Os pinatubo, entre os quaIs foram arr~­
lados mais de 600 nomes de plantas, "nâo têm apenas um conhecl-
22 
mento fabuloso dessas plantas e de seus modos de utilizaçâo; eles em-
pregam cerca de cern termos para descrever suas partes ou aspectos 
caracteristicos" (Fox 1953, 179). 
E clara que um conhecimento desenvolvido tâo sistematicamenl 
te nâo pode ser funçâo apenas de sua utilidade pratica. Depois de tet:..! 
destacado a riqueza e a precisao dos conhecimentos zooIôgicos e bo- ' 
tânicos dos indios do nordeste dos Estados Unidos e do Canada : mon-
tanhês, naskapi, micmac, malecite, penobscot, 0 etnôlogo que me-
1 Ihor os estudou continua: 
Issa se poderia esperar no que se refere aos habitas de caça gros-
sa, de onde provêm a alimentaçao e a matéria-prima da indûstria 
indigena. Nao é de espantar . .. que 0 eaçador penobscot do Mai-
ne possua um melhor conhecimento prâtico dos habitos e do 
carater original que 0 mais experimentado zoologo. Mas, quando 
apreciamos na justa medida 0 cuidado que os îndios têm em 
observar e sistematizar os fatos cientificos relacionados Corn as 
formas inferiores da vida animal, podemos demonstrar aigu ma 
surpresa. 
Toda a classe dos répteis. .. nao oferece nenhum interesse econô-
mico para esses indios; eles nao consomem a came das serpentes 
nem dos batraquios e nâo usam parte nenhuma de sua carcaça. 
salvo em casas muito raros, para a confecçâo de amuletos contra 
doença ou !eitiçaria - (Speck 1923, 273 ) . 
E, contudo, como 0 demonstrou Speck, os indios do nord este ela-
boraram uma verdadeira herpetologia, corn termos diferentes para 
cada gênera de répteis e outros reservados para as espécies ou va-
riedades. 
Os produtos naturais usados pelos povos siberianos para fins me-
dicinais ilustram, por sua definiçâo precisa e pelo valor especifico 
que lhes é dado, 0 cuidado, a engenhosidade, a atençâo ao detalhe e 
a preocupaçâo corn as diferenças que devem ter empregado os obser-
vadores e teoricos nesse tipo de sociedade: aranhas e vermes brancos 
engolidos (itelmene e iakute - esterilidade) ; gordura de escaravelho 
negra (ossete - hidrofobia); barata esmigalhada , fel de galinha (rus-
sos de Surgut - abcessos e hérnia); vermes vermelhos macerados 
(iakute - reumatismo); fel de sol ha (buriate - doenças dos olhos); 
cadoz, caranguejo de agua doce, engolidos vives (russos da Sibéria _ 
epilepsia e todas as doenças); toque corn um bico de picanço, sangue 
de picanço, insuflaçâo nasal de p6 de picanço mumificado, ovo do 
pâssaro kouchka sorvido (iakute - contra dor de dentes, escrMulas, 
23 
1 
doenças dos cavalas e tuberculose, respectivamente); sangue de per-
diz, suor de cavala (ai rote - hérnias e verrugas); caldo de pombo 
(bu ria te - tosse); pô das patas do passaro tilégous moidas (kazak _ '~ mordida de dia rai vasa) ; morcego seco pendurado no pescoço (russos 
do Altai - febre); instilaçao da agua proveniente do gela suspenso do 
,', ninho do passaro remiz (oirote - doenças dos olhos), Sarnen te entre 
os buriates e limitando-se ao urso, a carne deste possui sete virtudes 
terapêuticas diferentes; 0 sangue, cineo; a gordura, nove; 0 cérebro, 
12; a bile, 17; e a pêlo, duas, Também os kalar recolhem os excre-
mentas empedrados do urso no fim da hibernaçao para curar prisao 
de ventre (Zelenine 1952, 47-59), Po de-se encontrar num estudo de 
Loeb um repertôrio igualmente rico para uma tribo africana, 
/
- De tais exemplas, que se poderiam retirar de ;o,das as, re~i6es do 
mundo, concluir-se-ia, de barn grada. que as espeCles ammaIS e ve-
\ getais nao sao conhecidas porque sao ûteis; el as sao consideradas ûteis 
lEu interessantes porque SaD primeiro conhecidas. 
• • • 
Î Pode-se objetar que uma ta l ciência nao deve absolutamente ser 
Uficaz no pIano pralico, Mas, justamente, seu objeto primeiro nao é de ordem prâtica. Ela antes corresponde a exigências intelectuais aD invés de satisfazer às necessidades . 
r 
A verdadeira questao nao é saber se 0 contato de um bico de 
picanço cura as dores de dente mas se é possivel, de um determinado 
ponto de vista, fazer "irem juntos" 0 bieo do picanço e 0 dente do 
homem (congruência cuja f6rmula terapêutica constitui apenas uma 
aplicaçao hipotética entre outras), e, através desses agrupamentos de 
coisas e de seres, introduzir um prindpio de ordem no universo. Qual-
quer que seja a classificaçao, esta possui uma virtude prôpria em rela-
çao à ausência de classificaçao . Assim cornaescreve um te6rico mo-
derno da taxionomia: " 
24 
Os cientistas sqpoflam a duvida e 0 fracasso, porque nao podem 
fazer de outra maneira. Mas a desordem é a un iea co isa que nao 
podem nem devem tolerar. Todo 0 objeto da ciência pura é con-
duzir a seu ponto mais alto e mais consciente a reduçao do modo 
ca6tico de percepçâo, que começou num piano Înferior e prova-
velmente inconsciente, com a pr6pria origem da vida. Pode-se. per-
guntar, em alguns casas, se 0 tipo de ordem elaborado é um ca-
rater objetivo dos fenômenos ou um artiflcio construldo pelo cien-
tista. Essa qucstâo é constantemente colocada em matéria de ta-
xionomia animal . .. Entretanto, 0 postulado fundamental da ciên-
da é que a pr6pria natureza é ordenada ... Em sua parte teôrica, 
a ciência se limita a uma ordenaçao, e ... se é verdade que a 
sistematica consiste em tal ordenaçâo, os termos "sistematica" e 
"ciência te6rica" podedio ser considerados sinônÎmos _ (Simp-
son t961, 5) . 
Ora, essa exigência de ordem constitui a base do pensamento que 
denominamos primitivo, mas unicamente pelo fato de que constitui 
a base de todo pensamento, pois é sob a ângulo das propriedades 
comuns que chegamos mais facilmente às formas de pensamento que 
no parecem muita estranhas. 
"Cada coisa sagrada deve estar em seu lugar", notava corn pro-
fundidade um pensador indigena (Fletcher 1904, 34), Poder-se-ia mes-
mo dizer que é isso 0 que a torna sagrada, pois, se fosse suprimida, 
mes ma em pensamento, toda a ordem do universo seria destruîda; 
portanto, ela eontribui para mantê·la ocupando 0 lugar que lhe cabe . 
Os requin tes do ritual, que padern parecer dispensaveis quando exa-
minados de fora e superficialmente, explicam-se pelo cuidado corn 
aquilo que se poderia charnar de .1 microperequaçao": naa deixar es-
capar nenhum ser, objeto ou aspecta, a fim de lhe assegurar um lugar 
Jno interior de uma cl asse. Nesse sentido, a cerimônia do Hako, dos 
indios pawnee, sô é particularmente reveladora porque foi bem ana-
lisada, A invocaçao que acompanha a travessia de um curso d'agua 
divide-se em varias partes que carrespandem respectivamente aa ma-
menta em que os viajantes calocam os pés na agua, em que os des-
locam, em que a âgua recabre seus pés inteiramente; a invocaçao ao 
venta separa os momentos em que 0 frescor é percebido s6mente nas 
partes molhadas do corpo, depois aqui e ali e, enfim, sobre toda a 
epiderme: "apenas entao podemos prosseguir em segurança" (id" pp, 
77-78). Como assinala 0 informante, "devemos dirigir um encanta::-l 
menta especial a cada coisa que encontramas, pois Tirawa, 0 espîrito ' 
supr.emo, reside em todas as coisas, e tu do ~quila que encontramos no i ;,; 
camlOho pode nos sacorrer. .. Fornos ensmados a prestar atençao a l' 
tudo a que vemos" (id" pp. 73 e 8 1). 
Esse cuidado corn a observaçao exaustiva e corn a inventario sis- J 
temàtico das relaçaes e das ligaçaes pode às vezes chegar a resulta- Ii 
dos de boa postura cientifica : é 0 caso dos indios blackfoot, que ideJPll 
tificavam a aproximaçao; da primavera pelo grau de desenvolvimen-
0~\\\\\~~' 
.;W~~.;.;!~:·, .") 'yl . .",_ " ,'::t -:." :" ~ , - 25 
I .... ~· 
( 
ta dos fetos de bisâo extraidos do ventre das fêmeas mortas na caça. 
Nao se padern, todavia, isolar esses resultados de tantas outras abor-
dagens do mesmo tipo que a ciência considera ilus6rias. Mas nao 
seria 0 pensamehto magico, If essa gigantesca variaçâo sobre 0 terna 
do principio da causalidade", diziam Hubert e Mauss (1950,61), me-
nas diferente da ciência par ignorância ou desprezo pela determinis-
ma do que por uma exigência de determinismo mais imperiosa e mais 
intransigente, e que a ciência pode, quando muito, julgar insensata e 
precipitada? 
'. 
Considerada coma sislema de filosofia natural, ela (wilchcraft) 
implica uma teoria das causas: a ma sorte é resultado da bruxaria, 
trabalhando conjuntamente corn as forças nalurais. Se um homem 
for chifrado por um bûfalo, se um celeiro que teve seus suportes 
minados pelas térmitas lhe cair sobre a cabeça ou se ele contrair 
uma meningite cérebro-espinhal, os azande afirmarao que 0 bufa-
10, 0 celeiro ou a doença sac causas que se conjugam corn a bru-
xaria para matar 0 homem. A bruxaria nao é responsavel pelo 
bUfalo, pelo celeiro ou pelâ doença, pois eles existem por si mes-
mos; ~as ela 0 é por essa circunstância particular que os coloca 
em uma relaçao destrutiva COrn determinado individuo. 0 celeiro 
teria caido de qualquer maneira, mas foi por causa da bruxaria 
que ele caiu num momento dado em que um dado individuo des-
cansava embaixo dele. Dentre todas essas causas, sornente a bru-
X-ùia admite uma intervençao corretiva, pois somente ela emana 
de urna pessoa. Nao se pode intervir contra 0 bûfalo ou 0 celeiro. 
Ainda que sejam reconhecidos coma causas, nao sao significativos 
no plana das relaç6es socia is - (Evans-Pritchard 1955, 418-419). 
Ir. Desse ponto de vista, a primeira diferença entre magia e ciência 
1 
seria, portanto, que uma postula um determinismo global e Integral 
enquanto a outra opera distinguindo niveis dos quais apenas alguns 
admitem formas de determinismo tidas como inaplicaveis a outros ni-
veis. Mas nâo se poderia ir ainda mais longe e considerar 0 rigor e , i a precisâo que 0 pensamento magico e as praticas rituais testemu-
! nham camo tradutores de uma apreensao inconsciente da verdade do , i determinismo enquanto modo de existência de fenômenos cientificos, 
! de maneira que a determinismo seria globalmente suposto e simulado, 
1 antes de ser conheGido e respeitado? Os ritos e as crenças magicas 
1 apareceriam entao camo tantas outras express5es de um ato de fé 
Lnuma ciência ainda por nascer. 
Ha mais. Nao apenas par sua natureza, es sas antecipaçôes pa-
dern às vezes ser coroadas de êxito; elas também podem antecipar 
26 
duplamente; em relaçao à pr6pria crencia e aos métodos e resultados 
que a ciência s6 assimilara num estadio avançûdo de seu desenvolvi-
mento, se é verdade que 0 homem enfrentou primeiro 0 mais diffcil, 
ou seja, a ~a~tizaçao no pIano dos dados sens.îveis, aos quais a 
ciência voltou as costas por muito tempo e que apenas começa a rein-
tegrar em sua perspectiva. Alias, esse efeito de 'antecipaçâo produziu-
se repetidas vezes na hist6ria do pensamento cientifico; coma Simp-
son (1961, 84-85) a demonstrou corn a ajuda de um exemplo toma do 
de empréstimo à biologia do século XIX, ele é resultado de que _ 
a explicaçao cientifica correspondendo sem pre à descoberta de urna 
"ordenaçâo" - toda tentativa des se tipo, mesmo inspirada em prin-
cipios nao-cientificos, pode encontrar ordenaç5es verdadeiras. Isso é 
previsivel se se admite que, par definiçao, 0 numero das estrutura~ 
é f~nito: a "estruturaçao" ~os~u~ria entao uma eficacia intrinseca, 
1 quar.squer que fossem os pnncrpros e os métodos nos quais ela s.:., 
1 InSpIrasse. 
A quimica moderna reduz a variedade dos sa bores e dos perfu-
mes a cinco elementos diversamente combinados: carbono, hidrogênio, 
oxigênio, enxofre e azoto. Formando tabelas de presença e ausência, 
calculando as doses e os limites, ela chega a dar conta de diferenças 
e semelhanças entre qualidades que ela outrora banira de seu domfnio 
como .. secundarias". Mas essas aproximaç5es e distinç5es naD sur-
preendem 0 sentimento estético, antes 0 enriquecem e esclarecem, 
criando associaçôes de que ja suspeitava, e, portanto, pode-se corn-
preender melhor par que e em que condiçôes um exercicio constante 
apenas de intuiçao ja teria permitido descobri-Ias; assim, a fumaça do 
tabaco pode ser, para uma ).9gi"-0. da' sensaçao, a intersecçao de dois 
grupos: um que compreende tamb-ém --'"carne grelhada e a crosta es-
cura do pao (que, coma ela, sao compostas de azoto), outra do quaI 
fazem parte a queijo, a cerveja e 0 mel , em virtude da presença do 
diacetil. A cereja selvagem, a canela,a baunilha e a vinho de Xerez 
formam um grupo nao mais apenas sensivel mas inteligivel, pois Iodas 
contêm aldeido, enquanto os adores aparentados do cha-da-canada 
(winter-green), da lavanda e da banana sao explicados pela presença 
de ésteres. Somente a intuiçâo incitaria a agrupar a cebola, a alho, 
a couve, 0 nabo, 0 rabanete e a mostarda, enquanto a botânica separa 
as liliaceas das cruciferas. Justificando 0 testemunho da sensibilidade, 
a qufmica demonstra que essas familias eilia';has~~ juntam num outro 
plana: elas contêm enxofre (K. , W. 1948). Um fil6sofo primitivo ou 
27 
, 
, um poeta teria podido trabalhar com esses reagrupamentos, inspiran-
do~se em consideraçôes estranhas à quîmica ou a qualquer outra forma 
de ciência; a literatura etnografica revela uma quantidade delas cujo 
i 
,1 valûr empirico e estético nao é menar. Ora, istD nao é apenas 0 efcito 
de um frenesi associativo às vezes fadado aD sucesso por um simples 
jogo da sorte, Mais inspirado que na passagem citada anteriormente, 
em que ele adianta essa interpretaçao, Simpson demonstrou que a 
exigência de organizaçâo é uma necessidade camum à arte e à ciência 
e. conseqü~ntemente, "a taxionomia, ordenadora por excelência, possui 
um valor estético eminente" (Le., p. 4). Entao, causa ra menos espan-
to que 0 sense estético reduzido a seus pr6prios recursos passa abrir 
caminho à taxionomia e mes ma antecipar alguns de seus resultados. 
• • • 
Entretanto, nao voltamos à tese vulgar (e alias inadmissivel, na 
perspectiva estreita em que se colaca) segundo a quaI a magia seria 
uma forma timida e balbuciante da ciência, pois privar-nos-îamos de 
, , ' todos os meios de compreender 0 pensamento magico se pretendêsse-
mos reduzi-lo a um momento ou a uma etapa da evoluçao técnica e 
cientifica. Mais uma sombra que antecipa seu corpo, num certo Sen-
tido ela é completa como ele, tao acabada e coerente em sua imateria-
lidade quanto 0 ser s6lido por ela simplesmente precedido. ~PJ01-
~~m~~t9_ ~T~}~~!~~ _ ~~o ~(...uma _es~a, um cameço, uro esbaço, a parte 
de um todo ainda nao rèllliza-do; ele forma um sistema bem articula-
'-----~------------
.9.9.; i!)gepende.!l!<,,_.n'::S~_I'9D.to~desse_ .~!r~jlst~.ma. q ue __ CO!l.s!!!':I~ a 
~iência, s,:lvo_ .LanalogiaJO'IT!~I. q~ .. os .proxima e que J~z_ do .J'!:i-
: më;~o -ùrrÎa espécie de expressaQ metaf6rica do segu·ndo. Portanto,--"", 
-:y: ,: !ii$0e_QP.Q~~~gi~:_ec;~l)cia, seria melhor::C~~H~.?_ ~!lL-P~~!o, 
'\ como dois modos de conhecimento desiguais quanto aos resultados 
"' ie6ri~~s- e .2r.aticos (p0is; -desse ponta de-Vi sta , é vefdadeqûe a clência 
, se sai melhor que a magia, no sentido de que algumas vezes ela tam-
, bém tem êxito), mas nao devido à E.P.éci~~~s!'.çoes me~is que 
<
o. ambas supoem e que difei~m_m--,,_no~A~ !!a~uJ,-z_a que na f!1l!ç~9. dos 
tillOS. de fenQmeno aos quais sao aplicadas. 
----- -----_. __ .. --
r Com efeito, essas ~o~. decorrem das. condiçoe.s obje!iv_'l.~ em *' ~u~ aparecem _O __ CODh_~ciment'2. __ lT!.~Eiç~_~ conhecimento èien~ico. A 
, histôria deste ultimo é bas tante curta para que estejamos oem infor-
madas a seu respeita; m!ls a fato de que a ciência moderna remonta 
28 
somente a alguns séculos coloca um problema sobre 0 quaI os etn610-
gas ainda nâa refletiram suficientemente: 0 nome de. paradoxo neo~ 
IiJJc.o Ihe conviria perfeitamente. '-'--
\ 
Foi no periodo neolitico que se confirmou 0 dominio do homem 
_ . sobre as grandes artes da civilizaçâo: cerâmica, tecelagem, agricultura 
e domesticaçao de animais. Hoje ninguém mais pensa ria em explicar 
essas conquis tas imensas pela acumulaçao fortuita de uma série de 
achados feitos por acaso ou revelados pelo espetâculo passivamente 
registrado de determinados fenômenos naturais 3. 
Cada uma dessas técnicas supoe séculos de observaçao ativa e 
met6dica, hip6teses ousadas e controladas, a fim de rejeitâ-las ou con-
firma-las através de experiências incansavelmente repetidas. Notando 
a rapidez com que as plantas originarias do Novo Mundo foram acli-
matadas nas Filipinas, adotadas e nomeadas pelos indigenas que, em 
muitos casos, parecem mesmo ter redescoberto seus usos medicinais, 
rigorosamente paralelos àqueles que eram tradicionais no México, um 
biôlogo interpreta 0 fenômeno da seguinte maneira: 
As plantas cujas fo lhas ou hastes têm um sabor amargo sao cor. 
rentemente empregadas nas Filipinas contra as dores de estômago. 
Toda planta introduzida que tiver a mesma caracterÎstica sera 
rapidamente experimentada. Por fazer constantemente experièncias 
corn plantas é que a maior parte das populaço.:s fiiipinas aprende 
rapidamente a conhecer, em funçao das categorias de sua prôpria 
cuHura, os usos possîveis das plantas importadas - (Fox 1953, 
212-213). 
Para transformar uma erva silvestre em planta cultivada, uma 
besta selvagem em animal doméstico, para fazer aparecer em uma ou 
em outra propriedades alimentares ou tecnol6gicas que, em sua ori· 
gem, estavam completamente ausentes ou apenas podiam ser suspei· 
tadas; para fazer de uma argila instâvel prestes a esfarelar-se, a se 
pulverizar ou a rachar uma cerâmica s6lida e vedada (mas somente 
com a condiçao de ter determinado, dentre uma multidao de mate-
3. 'Procurou.se saber 0 que aconteceria se um mmCflO de cabre fosse aciden· 
talmente misturado a urna lareira: experiências multiplas e variadas esta· 
beleceram que nada aconteceria. 0 procedimento mais simples a qOe se 
chegou para obter metal fundido consiste cm aquecer intensamente a ma· 
laquita finamente pu lverizada nurna taça de cerâmica coberta por uro vaso 
virado. Esse ûnico resultado ja faz prisioneiro 0 acaso no recinto do forno 
de algum oleiro especializado em louça vidrada (Coghlan 1940). 
29 
riais orgamcos e inorgamcos, a mais adequado para servir de deter-
gente, assim coma 0 combustivel conveniente, a temperatura e 0 tem-
po de cozimento, 0 grau de oxidaçao eficaz); para elaborar técnieas, 
\ muitas vezes longas e complexas, que permitem cultivar sem terra ou 
sem agua; para transformar grâas ou rafzes t6xicas em alimentas ou 
ainda utilizar essa toxicidade para a caça, a guerra ou a ritual, nao 
'jJi t dUVidemos de que .!~~':'.~~~a.:i-" .. uma_a.tL!ydcde. espirit2 _",-erdad.\lira-
1 Il mente cientifico, uma curiosidade assfdua e sempre_. alerta,_uma- von-
~\ ' t~~nh~~er-pelo~e;-cÏ~.~~nhecê~: - p~s ~pen~ -;ina_ p-e_tWena 
__ fraçao das' observaçôes ,e experiências (sobre as quais é precisa supor 
'! que tenham sido inspiradas antes e sobretudo pelo gosto do saber) 
~ ' 
odia fOr.!]~cer_ result~dos _ praticos _ejm"-~i~~~!lte __ utili;l~-,,eis, E ainda 
deixamos de lado a metalurgia do bronze e do ferro, a dos metais pre-
ciosos e mesmo 0 simples trabalho de martelagem do cobre nativo, 
que precedeu de alguns milênios a metalurgia, todos exigindo ja uma 
competência técnica muito avançada. 
o homem do neolitico ou da proto-hist6ria foi, portanto, 0 her-
,Q deiro de uma longa tr~diçao cientîfica; contudo, se 0 espirito que 0 
inspirava, assim coma a todos os seus antepassados, fosse exatamente 
o mesmo que 0 dos modemos, como poderiamos entender que ele 
tenha parada e que muitos milênios de estagnaçao se intercalem, como 
um patamar, entre a revaluçâo neolftica e a ciência_contemporânea? 
o paradoxo admite apen~s ü~a soluçao: é_ que . existe_m_ dois mo~s 
diterentes- de.._pensamento_cientffico, um e outro funçôes, -~â~'-ceria­
;e~tê' esîidios desiguais do desenvolvimento do espirito humano, m'as 
1 ~~_!.lh:~i.s._e'E"até.gicos em que a nat~reza se deix!!.oa.b.s>rc!gcpelo..m-
nhecimento cientifico - um aproximadamente ajusta do ao da per-
;'pç~;;-';' ao da imaginaçao, e outro deslocado; como se as relaçaes 
necessarias, objeto de toda ciência, neolitica ou moderna, pudessem 
ser atingidas por dois caminhos diferentes: um muito pr6ximo da 
intuiçao sensivel e outro maisdistanciado, 
Toda classificaçâo é superior ao _cao.§ , e mesmo uma classificaçao 
no nivel das propriedades sensiveis é uma etapa ~...Qi!'!'.çiio_a- uma 
1 ordem racional, Se nos pedem para classificar uma coleçao de frutas 
variadas em corpas relativamente mais pesados e relativamente mais 
leves , sera legitimo começar separando as pêras das maças, ainda que 
a forma, a cor e 0 sabor nao tenham relaçao corn 0 peso e 0 volume; 
isso porque, entre as maças, é mais facil distinguir as maiores das 
30 
: 
menore~ do que se as maçâs continuas sem misturadas às frutas d 
pecto dlferente, Por este exemplo ja se pode ver que el as-
da pere - " . . . . ' mesmo no p ana 
epçao estetlCa,. a classlÛf.!!l'ao tem seu mérito, ,. , 
,Por outro !ado, se bem que nao haja ligaçao nece~saria entre as 
dua;ldades senslvels e ,as propriedades, existe pelo menos uma relaçao 
e ato num ;rande nu~ero de casos, e a generalizaçâo dessa relaçao 
me~mo s"e~ ase na razaa, pode, durante muita tempo ser uma 0 e' 
r~çao teonca e praticamente satisfat6ria. Nem todos 0; sucos t6xi~o; 
:ao ardentes ou ar.nar~os, e a reeiproca naD é mais verdadeira; entre~ 
anto, }- _~atureza e. Eelta de manei.ra a ser mais vantajoso para a açâo 
... \ e a pensa~ento agIr coma se uma equivalência que satisfaz 0 senti~ 
, mento estetlco correspondesse também a uma realidade objetiva S 
due ndos claIba aqui pesquisar por que, .L prQyaY!'1 que espécie." do~: 
as e a guma caracteristica digna d t - . . . . h ' dA - ,.- ~-- -- ~._-- -_.-- '- ~ -.p.q a, coma forma. Cor ou 
c elro;, eem ao observador 0 que se poderia chamar de "d' 't d 
segUlr ou s 'd 1 - Irel 0 e 
C , d' ' d eJa, ~ e postu ar que es~as caracteristicas visiveis seJ'am 
o III Ice e prop dad '1 '-
-:-- - . . . , ' , .ne :s.Jgu~ mente , sinll!!lare§Lp'~rém , ocultas, Adml: 
tIr que a proPDa_relaçao entre· as du as seja sensivel (q~e um rao em 
forma de dente prote]a contra as mordidas de cobra que u~ 
amarelo seja, especifi~ para disturbios biliares etc), .. titulo pro~~s: 
no, vale malS,_que_ a .Illdlferença a qualquer ligaçao pois a l 'f' 
caçao mesmo h t 'r ' . b .. , c aSSl 1-
• J • ~ :roc Ita. e. ar itraria , preserva a riqueza e a diver-
;''-Qadedo _,-~ve;'l-t;no; decldIr que é preciso levar- tudo em conta faci-
Ita a eOI].stItUlçao de uma "~t::~6ria". 
tado Orad, é fat~ q~e métodos des se tipo podiam levar a certos resul-d s III Ispensavels para que 0 homem pudesse abordar a natureza 
e um outra ponta de vista. Longe de serem. coma muitas vezes se 
pretendeu, obra de uma "funçao fabuladora" 1 
real'd d ' que vo ta as cos tas à 
1 a e, _~s_ ~:'l1~~~ _e_ ~s ritos 9ferecem ÇQITIo_ valor principal a ser 
preservado ate lioJe, de forma rësldual modos d- - b-- .--= 
fi - f - -- . ' e 0 ser~ao e de re exao que oram (e sem duvidi . -)_._-_.- -- --
"oescoOëÏ'1iîS-de -t' d , - permanecem exatalJlel1~.-"_daptados 
- : -, __ _ _ -_._. _~pa etermmado: ~_9ue a natureza autorizava a 
parlIr da orgalllzaç~o e da exploraçao especulativa do munaosensi~el 
e~ t:rn:os de senslvel. ~ê_~~!~ d.Q...cQJ1creta devia ser, or essên. 1 
Cla, lImItad~ a outros resultados além dos prometidos às ciê~cias exa- 1 
;as e naturalS, m~s ela nao foi menos cientffica, e seus resultados nao . 
oram menas realS. Assegurados dez mil anos antes dos outras sac : 
sempre a su~s~~~~ .. ~,~ n~~~a civilizaçao. • 
• • • 
31 
Aliâs, subsiste entre n6s uma forma de atividade que, no piano 
técnico, permite conceber perfeitamente aquilo que, no piano da es-
peculaçao, pôde ser uma ciência que preferimos antes chamar de "pri-
meira" que de primitiva: é aquela cornu mente designada pelo termo 
o bricolage'. Em sua acepçao antiga, 0 verbo bricoler aplica-se ao jogo 
- dopélae de bilhar, à caça e à equitaçao, mas sempre para evocar 
um movimento incidental: 0 da péla que salta muitas vezes, do cao 
que corre aD acaso, do cavalo que se desvia da linha reta para evitar 
um obstâculo. E, em nossos dias, 0 bricoleur é aquele que trabalha 
corn suas maos, util izando meios indiretos se comparados corn os do 
artista. ara, a caracteristica do pensamento mîtico é a expressâo auxi-
liada par um repert6rio cuja composiçiio é heter6clita e que, mesmo 
sendo extenso, perrnanece limitado; entretanto, é necessario que 0 
utilize, qualquer que seja a tarefa propos ta, pois nada mais tem à 
mao. Ele se apresenta, assim, como uma espécie de bricolage intelec-
tuaI, 0 que explica as relaç6es que se observam entre ambos. 
Assim como 0 bricolage, no pIano técnico, a reflexao mîtica pode 
alcançar, no plana intelectual, resultados brilhantes e imprevistos. Re-
ciprocamente, muitas vezes se net au 0 carater mitopoético do brico-
lage; seja no pIano da arte cham ad a "bruta ll ou Ilingênua", na arqui-
tetura fantàstica da casa de campo do carteiro Cheval, nos cenarios de 
Georges Méliès ou ainda naquele imortalizado por As grandes espe-
ranças de Dickens, sem nenhuma duvida de inîcio inspirado na obser-
vaçao do "castelo" suburbano de Mr. Wemmick, corn sua miniatura 
de ponte-Ievadiça, seu canhao saudando as nove horas e seu canteiro 
de alfaces e pepinos, graças ao quai os moradores poderiam sustentar 
um cerca, se precisa . .. 
A comparaçiio merece ser aprofundada, pois permite melhor 
acesso às relaçôes reais entre os dois tipos de conhecimento cientifico 
que distinguimos. 0 bricoleur estâ apto a executar um grande nu" 
rpara melhor acompanhar 0 autor em suas consideraçoes sobre 0 pensamento mitico, mantivemos nesta traduçao. os termos bricoler, . ~ricoleur e bricolage que, no seu sentido alual, exemplifIcam cam grande Celicldade, 0 modus ope-randi da reflexao mitopoética. 0 bricoleur é 0 que executa um trabalho usan-
Uo meios e expedientes que denunciam a imsência de um piano preconcebido e se afastam dos processos e normas adOlados pela técnica. Caracteriza-o especialmente 0 fato de operar corn materiais fragmentarios ja :laborados, ao contrario, por exemplo, do engenheiro que, para dar execuçao ao seu abalho, necess ita da matéria-prima. (Nota de Almir de Oliveira Aguiar e 
M. Celeste da Costa e Souza, tradutores da l.a ediçao pela Ed. NacionaL) 
32 
mero de tarefas diversilicadas porém, ao contrario do engenheiro, nao 
subordina nenhuma delas à obtençao de matérias-primas e de uten-
silios concebidos e procurados na medida de seu projeta : seu unÎverso 
instrumental é fechado, e a regra de seu jogo é sempre arr an jar-se 
~ corn os "meios-limites". isto é, um conjunto sempre finito de uten-
sîlios e de materiais bastante heter6clitos, porque a composiçao do , 
conjunto nao esta em relaçao corn 0 projeto do momento nem corn f 
nenhum projeto particular mas é 0 resultado contingente de todas 
as opartunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer 0 
estoque ou para rnantê-lo corn os residuos de construç6es e destrui- , 
. , ç6e~ ~nteriores. ~Q_<!:.~ios. _d.~_~ricoJeu.r_,!-iio é, portantol 
deflmvel por um proJeto (0 que supor!a, aliâs, como corn 0 enge- n 
niièlro,aexistêncïa faht,,- de conjuntos instrumentais quanta de tipos '1 
de projeto, pelo menos em teoria); ele se deline apenas por sua ins. j 
trumentalidade e, para empregar a pr6pria linguagem do bricoleur, i 
porque os- ë1êmentos sao re,olhidos. ou conservados em funçao do : 
JI principio de q)Je .~~ isso-seI1!P~ J~..ode_s.er..'l ir". T~lis elementos sâo;;:' 
portanto, sëmiparticularizados : sulicientemente para que 0 bricoleur Î 
nao tenha necessidade do equipamento e do saber de todos os ele-! 
mentos do corpus, mas nao 0 bas tante para que cada elemento se i 
restrinja a um emprego exato e determinado. Cada elemento repre-\ 
senta um conjunto de relaç6es ao mesmo tempo concretas e virtuais; 
sao operaç6es, porém, utilizâveis em funçao de quaisquer operaç6:~ 
den tro de um ti po. 
Da mesma forma, os elementos da reflexao mîtica estao sempre-' 
situados3_~i'!E.1J1.inho 'mrrW';~êân~e1tos . Seria imposJ 
sfvelextrair os primeiros da situaçao concret a onde apareceram, en-
quanto que recorrer aos segundos exigiria que 0 pensamento pudesse, 
pela menos provisoriamente. coloear se us projetos entre parênteses. 
Ora. existe um intermediario entre a imagem e 0 conceito: é 0 .... ' 
s~~ desde que sempresè- pôdedèHnrfà- diC!or"ma inaugu~;da por.) 
Saussure a respeito dessa categoria particular que formam os signas 
lingüîsticos. como um elo entre uma imagem e um conceito, que. n;-
uniao assim estabelecida, desempenham respectivamente os papéis de .1 
significante e signilicado. 
Assim coma a imagem, 0 signa é um set concreto, mas _ assel 
melha-se ao conceito por seu poder referencial: um e, o~tro nao s"J 
referem exclusivamente a si mesmos; além de SI propnos, podem ' 
3.3 
1 
substituir outra COiS3. Todavia, nesse sentido, 0 conceito possui uma 
capacidade ilimitada, enquanto que a do signo é limita da. A diferença 
e a semelhança ficam bem ressaltadas corn 0 exemplo do bricoleur. 
Observemo-Io no trabalho: mesmo estimulado por seu projeto, seu 
primeiro passa pratico é retrospectivo, ele deve voltar-se para um 
conjunto jâ constituîdo, formada por utensilios e materiais, fazer ou 
refazer seu inventario, enfim e sobre tu do, entabular urna espécie de 
dialogo corn ele, para listar, antes de escolher entre elas, as respostas 
possiveis . que 0 conjunto pode oferecer ao prablema colacado. Ele 
interroga todos esses objetos heter6clitos que constituem seu 
tesouro', a fim de compreender 0 que cada um deles poderia "signi-
fieat", contribuinclo assim para definir um conjunto a ser realizado, 
1" que no final sera diferente do conjunto instrumental apenas pela 
disposiçao interna das partes . Este cubo de carvalho pode ser um 
calço, para suprir a insuficiência de uma tabu8 de abeto. ou ainda 
um soco, 0 que permitiria realçar a aspereza e a polidez da velha 
madeira. Num casa, ele sera extensao, no outra, matéria. Mas es sas 
possibilidades sao sempre limitadas pela hist6ria partieular de cada 
'" \ peça e por aquilo que nela subsiste de predeterminado, devido ao uso 
original para 0 quaI foi concebida ou pelas adaptaçôes que sofreu em 
r virtude de outras empregos. Assim como as unidades constitutivas do 
\, mito, cujas combinaçaes possiveis sao limitadas pelo fato de serem 
~ tomadas de empréstimo à lingua, onde ja possuem um sentido que 
'~restringe sua liberdade de açao, os elementos .que 0 bricoleur cole-
ciona e utiliza sao "pré-limitados" (Lévi-Strauss 1960b, 35). Por outro 
ado, a decisao depende da possibilidade de permutar um outro ele-
mento na poslçao vacante, se bem que cada escolha acarretara uma 
reorganizaçao completa da estrutura que jamais sera igual àquela 
vagamente sonhada nem a uma outra que Ihe poderia ter si do 
preferida. 
Sem duvida, 0 engenheiro também interroga, des de que, para 
ele, a existência de um "interlacutor" é resultado de que seus meios, 
seo pader e seus conhecimentos naD SaD nunea ilimitaclos e que, sob 
"essa forma negativa, esbarra numa resistência corn a quaI lhe é in· 
dispensavel transigir. Poderfamos ser tentados a dizer que ele in-
terroga 0 universo, ao passo que O_IzLic.oleur ~:.._vo~~':.-E"_~"_ uma 
coleç~çu;t~~ ~~sîduos de obras humanas, ou seja, para um subconjunto 
- --- ------- ----------- ...... - -- -- ---
4, "Tesouro de idéias", dizem admiravelmente da magia Hubert e Mauss ( 1950, 
136). 
34 
~ cultura. Alias, a teoria da informaçao demonstra como é possivel, 
e muitas vezes iltil, reduzir as diligências do {(sico a uma espécie de 
dialogo corn a natureza,. 0 que atenuaria a distinçâo que tentamos 
esboçar. Entretanto, sempre subsist irâ uma diferença, mesmo se se 
leva em conta 0 fato de que (j cien1i;tâ dialoga nao com a naturezal 
pura mas_ c~m ~n: _ d~:er~i~d_o e~t~~o da relaçâo e~tre a natureza l 
e a cultura definiv.el. pelo perio_do da historia no quaI ele viVe, pela ; 
civilizaçao que -é a SUll e pe~os ~ëiiis-ïiiitèÏ:iafs--dë ' ~ë disp6e. Tanto 1 
quanto Q. bIJcoleur, posto em presença de uma dada tarefa, ele nao ! 
pode fazer qualquer coisa, ele também dever. começar inventariando ) 
um conjunto predeterminad9 _de canhecjmentos te6.rif9§ e prâticos e \ 
de meios técnicos que limitam as soluç6es possiveis. -.t 
_~slifer,nça, portanto, nao é tao absoluta quanto seriamos ten-
tados a imagi;;-ar; entretanto, permanece- reai na medida em que, em 
relaçâo a essas limitaç6es que resumem um estado da civilizaçâo, 0 
~ngs:nhe@ sempre procura abrir uma passagem e situ ar-se além, ao 
i passo que SLb.ric.QLel!!! de bom ou mau-grado, permanece aquém, ôl que é uma outra forma de dizer que 0 primeiro opera através d:J . conceitos, e 0 segundo, através de signos. No eixo de oposiçao entre natureza e cultura, os conjuntos dos quais ambos se servem estao perceptivelmente deslocados. Corn efeito, pelo menos uma das ma-
neiras pelas quais 0 signo se opae ao conceito esta ligada a que 0 
segundo se pretende integralmente transparente em relaçâo à rea-
lidade, enquanto 0 primeiro aceita, exige mesma, que uma certa den· 
sidade de humanidade seja incorporada ao real. Segundo a expressao 
vigorosa e dificilmente traduzivel de Peirce: Il addresses somebody. 
Poder·se·ia, portanto, dizer que tanto 0 cientista quanta 0 bn'-
co/eur estâo à espreita de mensagens, mas, para 0 bricoleur, trata-se 
de mensagens de alguma forma pré-transmitidas e que ele coleciona: 
como os c6digos comerciais que, condensando a experiência passada 
da profissâo, permitem enfrentar economieamente todas as situaçôes 
novas (porém corn a condiçâo de que elas pertençam à mesma classe 
que as antigas); jâ 0 homem de ciência, engenheiro ou fisico, ante· 
cipa sempre a outra mensagem que poderia sec arrancada a um in· 
terlocutar, apesar de sua relutância em se pronunciar a respeito de 
quest6es cujas respostas nao foram dadas anteriormente, 0 canceit1 
aparece assim coma 0 operador de uma aberlura do conjunto corn 
o quaI se trabalha, sendo a significaçâo 0 operador de sua reorgani-
~ 
35 
r zaçâO: ela nao 0 aumenta nem o· renova, limitaodo.se a obter '0 grupa 
1ge suas transformaçôes. 
tA imagem naa pade ser a idéia, mas ela pade desempenh~r a 
pa pel de signa QU, mais exatamente, ~oabitar corn ,3 idéia no interior 
de um signa; e, se a idéia 8inda naD esta la, respeitar seu futuro 
lugar e. fazet-lhe aparecer negativamente os contornos. A imagem é 
fixa, esta ligada de forma unîvoca ao ato de consciência que a acom-
panha; mas se 0 signa e a imagem tornada significante ainda nac 
têm compreensao, ou seja, se lbes faltam relaçaes simultâneas e teo-
ricamente ilimitadas corn outros seres do mesmo tipa (0 que é pri-
vilégia do conceita), ja sao permutaveis, isto é, suscetfveis de man ter 
relaç6es sucessivas corn outras seres, se bem que em oumera limitado, 
e, como se viu, em condiç6es de formar sem pre um sistema onde 
uma modificaçao que afete um elemento interessarâ automaticament.e 
a todos os outras: ,nesse plana a extensaa e a compreensao dos 16-
gicos existem nao ~como dois aspectos distintos e complementares mas 
coma Le.aJ idade solidarja __ Compreende-se, assim, que o· pensamenta mi-
l rtiCO ' se bem qu~ ~prisianada pelas imagen;, jâ passa ser _ gener~liz~d~ 1 e, p~rtanta , clentlfIco; ele trabalha tambem par analoglas e ~roxl­l maçoes, mesmo que, coma no casa do brtcolage, suas cnaçoes" se 
I~' , 1 redu~~m se~pre a. um arran~o nova de ele~entos . cuja nature~~_ s6 é 
i mod,f,cada a medlda que fIgurem no eon)unto mstrumental. ou ila 
i dispasiçao final (que, salvo pela dispasiçaa interna, forrnam sempre 
- 0 mesrno objeto) : "dir-se-ia que os universos rnito16gicos estao des-
tinados a ser desmantelados assim que formados, para que novas 
universos possam nascer de se us fragmentas" (Boas 1898, 18), Essa 
observaçao profunda , entretanto, negligencia que, nessa incessante re-
Qconstruçao corn 0 auxilio dos mesmos materiais,sao sempre os antigos fins os chamados a desempenhar a papel de meios: os significados se transformam em significantes, e vice-versa . 
'v 1 
Essa formula, que poderia servir de definiçaa para a bricalage, 
explica que, para a reflexao mitica, ~talidade dos meiQs....dispo-
nfveis deve esTai tarribérni üïp1iëftamente in~entariada ou conceJ1ida, 
para que se passâ definir ùù(-f§Illl_ta~~_ que sell1!,,". -Sér;r-;;;U" cam-
promisso entre a estrutura do cDnjun~o e--â- do projeto. Uma, vez 
realiz'do-, ista e~tara portanto iiïëV1ïavel;;:'ente deslocado em relaçao 
à intençao inicial (alias, simples esquema), efeito que as surrealistas 
denominaram corn felicidade "aeaso objetivo" . Ha mais , porém: a 
poesia da bricolage lhe advém, também e sobretudo, do fata de que 
1: 
36 
nâo se limita a cumpDr, ou executar, ele E~o .1:J2,h( _apenas .... ..r;.Qffi. as 
éois;s~b jâ demonstramos, ;uas tàIDbém .. at~~v~.~ . das eoi~.as~ .!!~F...:. 
rando,- através ... das escolhas que faz entre possrveis limitados, 0 ca-
r1Îer e 'a vida de seu autor. S'è!!' jamais completar seu projeta, a 
bricoleur sempre colaea nele aigu ma co!,a--.!(e si. 
~- -' . L • _ - " , ....4-
Também sob este ponta de_.:!~!a,_ +~ill~x~ . ~it~c,~ ' aparec~ 
, coma uma fo,::"a intel,ctua.L ~el bncolag~Toda a .9-,<!!".:.~}0~_ c.ons: 
r \ truida s~~re a ~§nciaÇao do _conllpg~ntL"-ddo_ necessa~ d(jlle~ 
também_,a.-dû- faI9 _e da estru~~~a. As quabda es que relVln Icav 
, OOo--;~as,--;ë-;:-asc~'~tà; eram preeisamente aquelas que, nao fa-
zenda parte em absoluto da experiência vivida, permaneeiam exte-
riores e coma que estranhas_ '!.'?s fatos: esse é~entido __ ç!'ld'0çao , de 
qualidadesp~hnetra"'s. -rfi8;-é p""eculiar ao pensamento mîtico, assim 
~omo ;; bricalage no plana pratieo, a ~raçao de conjunt~ ._e~­
truturados nao diretamente corn outros_ eonJu.ntos estrutur§G,os _ ~as 
utiliza'!slQ. . .!.esi<!.~ -"- fr,;g,!,ei1't~s de f~s - odds and ends, diria 
oinglês ou, em francês, des bribes et des morceaux - testemunhos 
f6sseis da historia de um individuo ou de uma saciedade. Num certo 
se.EJ.ido~s.~ ~.!'~l~çao e~t.:e .. diac.~on i a.. :.. si.nc~onia: 0 pensamento 
mitico, esse bricoleuse, elabora estruturas orgamzando os fatos ou 
os residuos dos fatos 6, ao passo que .;:! ._ci~ncia ..... ~eIlt m~r_cha :_a partir 
de sua px.9pria instaurJ!Çao. c~ia seus meios. e sel!s_!~?~lta.dos~ 50b a 
~deJ?ù)S:--i;-aças às estruturas que fa.bri.ca sem ___ cessar e que 
';, s~~s hip6tê+ses ; teorias. Mas naD nos enganemos corn isso: nao' se 
, tr;;;;'dedois"estagio; ou' de duas fases da evaluçao do saber, pois os 
d~nda~e~o igu~l."!.e_~te vali.ç1~~ .. Ja a ffsica e a qUim,iea as-
Piram a }~!!~:.~-~:-~~t.!--v ... ~t ou seja, a ~ar . co.~1t~ !~.rl~~~?1 d~ 
'lualida~.s--se.cundari~i que, 'l~aJ1d_~ . fo~em m~s!~~ J.or,!-,,_~e-ao 
& mQQ~~~e~E!!eç~; e talvez .. bIOlogla morque passa esperanda 
par isso, para poder, ela pr6prIa, expbcar a VIda. Par outro lado, 
o pensamento mrticD nao _é apena~_ 0 prisioneiro de .JatQ~~~­
rrêïR:iâSqUêiriëanSà:Ve!me';t~~paê e di~.2.e a Hm de.Jhes....c!.escobnr 
5. 0 pensamento mitico edifica conjuntos eSlfuturados através de uro coni\unto 
estruturado que é a linguagem; mas nao é no nivel da eSlrulura que e e se 
apodera dei a, pois constrôi seus palâcios ideolôgicos corn os restos de um 
discurso social antigo. 
6. 0 bricolage também opera com qualidades "secundarias"; cf. 0 inglês second 
band. de segunda mao, de ocasiao. 
37 
Il , 
um sentido; ele é também liberador, pelo protesto que coloca contra 
- -----------:;------.--,.;----' 
a falta , de senti do corn 0 quai a clencia, em princfpio, se permitiria 
transigir . 
••• 
Por vanas vezes, as consideraç6es anteriores fizeram aflarar 0 
problema da~, e talvcz se pudesse, rapidamente, indiear como, 
~_._~~_~nsere _ a)!l~.:~:nit.00 entre 0 conheci-
(') Illi'Jll.~entifico e _o..-pc.!l"~etif6,-mîlic-''--9u magico,-poiftOdolirundo 
sabe que ~em, ao mesl!l9.-Jempa,- algo_ do cientis~do 
bricoleur: corn meios artesanais, ele elabora um objeto-~material que 
éta,m5éin um objeto de conhecimento. Nôs diferenciamos 0 cientista 
e 0 bricoleur pelas funçaes inversas que, na ordem instrumental e 
final , eles atribuem ao fato e à estrutura, um criando fatos (mudar 0 
mundo) através de estruturas, 0 outro criando estruturas através de 
fatos (f6rmula inexata pois ~ mas que nossa analise pode 
permitir matizar) . 
Observemos agora este retrato de mulher, de Clouet, e interro-
guerno-nos sobre as raz6es da tao profunda emoçao estétiea que pa-
rece inexplicavelmente provocar a reproduçao, fio a fio, de um cola-
rinho de renda, em meticuloso trompe l'oeil (prancha 1) . 
o exemplo de Clouet nao vern pOT acaso, pois se sabe que ele 
gostava de pintar em proporçaes menores que as da natureza; seus 
quadros sao, portanto, como os jardins japoneses. os carros . em mi-
niatura e os barcos dentro de 'garrafas 0 que, em linguagem de brico-
leur, denomina-se "modelos reduzidos" . Ora, a questao que se coloca 
é saber se 0 modelo reduzido, que é também a "obra-prima" do com-
panheiro, nao oferece, sempre e por toda parte, 0 tipo exato de obra 
de arte. Pois parece que todo modelo reduzido tem vocaçao estética 
(e de onde tiraria essa virtude constante, a nao ser de suas pr6prias 
dimensôes?) ; invérsamente, a imensa maioria das obras de arte é 
formada de modelos reduzidos. Poder-se-ia crer que essa caractens-
tica se prende, de inicia, a uma preocupaçao corn a economia rela-
cionada corn meios e materiais e invocar coma apoio a essa inter-
pretaçao obras incontestavelmente artÎsticas ainda que monum~ntais . 
~ necessario, ainda, que nos detenhamos nas definiçaes: as pinturas 
da Capela Sixtina sao um modelo reduzido, a despeito de suas di-
mensaes imponentes, pois 0 tema que ilustram é 0 do fim dos tempos. 
38 
Oeorre a mesrno corn 0 simbolismo e6~mico dos, monumentos reli-
giosos. Por oùtro lado, pode-se perguntar se 0 efeito estético de uma 
esta tua eqüéstre maior que 0 natural provém' do , fato de ela elevar 
um homem às dimensaes de um rochedo e nao de rèduzir às propor-
çaes oe um homem 0 que, no inicio, é percebido de longe como 
um rochedo. Enfim, mesmo 0 "tamanho natural" supae 0 modelo 
reduzido, pois que a transposiçao grafica ou plastica implica sempre 
uma renuncia a certas dimens6es do objeto: em pintura, 0 volume; 
as cores, os cheiros, as impress6e~ tateis, até na escultura; e, nos dois 
éasos, a dimensao temporal, pois a totalidade da obra figurada é 
apreendida num instante. 
Que virtude esta portanto ligada à reduçao, quer seja de escala, 
quer afete as propriedades? Parece que ela esta ligada a uma espécie 
de inversao do processo de conhecimento: para conhecer 0 objeto 
real em sua totalidade, sempre tivemos tendência a proceder come-
çando das partes. Dividindo-a , quebramos a resistência que ela nos 
opae. A reduçao da escala inverte essa situaçao: quanto menor 0 
objeto, menos temivel parece sua totalidade; por ser quantitativa-
mente diminuido, ele nos parece qualitativamente simplificado. Mais 
exatamente, essa transposiçao quantitativa aumenta e diversifiea nosso 
poder sobre um homôlogo da coisa; através dela, este pode ser to-
mado, sopesado na mao, apreendido de uma s6 mirada . A boneca da 
criança nao é mais um adversario, um rival ou rnesmo um interlo· 
cutor; nela e por ela a pessoa se transforma em sujeito. Inversamente 
do que se passa quando proeurarnos conheeer uma eoisa ou um ser 
em seu tamanho real, corn 0 modelo reduzido 0 conhecimento do todo 
precede 0 das partes. E, mesmo que isso seja urna ilusao, a razao 
desse procedimento é criar ou man ter essa ilusao, que gratifiea a 
inteligência e a sensibilidade de um prazer que, nessa base apenas, 
jâ pode ser chamado de prazer estético . 
Até este ponto, temos encarado apenas consideraçaes de escala, 
as quais, camo vimos, implicam uma relaçao dialéticaentre tamanho 
- yale dizer quantidade - e qualidade . Mas 0 modelo reduzido 
possui um atributo suplementar: ele é construido, man made, e mais 
que isso, I/feito à mao". Nao é, portanto, uma simples projeçao, um 
hom6logo passivo do objeto: constitui uma verdadeira experiência 
sobre 0 objeto. Ora, na medida em que 0 modelo é artificial, torna-
se possivel compreender como ele é feito, e essa apreensao do modo 
de fabricaçao acrescenta uma dimensao suplementar a seu ser. Além 
39 
do mais - nés 0 vimos a respeito do bricolage, mas 0 exemplo das 
fi maneiras" . dos pin tores mostra que também é verdadeiro para a arte 
- 0 problema sempre comporta varias soluçaes. Como a escolha de 
uma soluçao acarreta uma modificaçao do resultado .a que uma 
outra soluçao teria conduzido, 0 que esta virtualmente dado é 0 
quadro geral dessas permutas, ao mesmo tempo que a soluçao espe. 
cifica oferecida ao olhar do espectador, dessa maneira - mesmo sem 
o saber - transformado em agente. Unicamente pela contemplaçao, 
o espectador é, se se pode dizê·lo, introduzido na posse de outras 
modalidades possiveis da mesma obra, das quais confusamente ele 
se sente melhor criador que 0 prôprio criador que as abandonou, 
excluindo-as de sua criaçao; e essas modalidades formam muitas ou-
tras perspectivas suplementares, abertas sobre a obra atualizada. Dito 
de outra maneira, a virtude intrinseca do modelo reduzido é que ele 
compensa a renuncia às dimens6es senslveis pela aquisiçao de dimeoM 
soes inteligiveis . 
Voltemos agora ao colarinho de rendas, no quadro de Clouet. 
Tudo 0 que acabamos de dizer aplica-se a ele, pois, para representa-
10 sob a forma de projeçao num espaço de prapriedades cujas di-
mens6es sensiveis sao menares e menas numerasas que 0 do objeto, 
foi necessario proceder de maneira simétrica e inversa de como 0 
teria feito a ciência, se es sa se tivesse proposto, como é sua funçao. 
produzir - ao invés de reproduzir - nao apenas um nOVQ ponta 
da renda no lugar de um ' ponto ja conhecido mas também uma renda 
verdadeira no lugar de uma renda figurada. Corn efeito, a ciência 
teria trabalhado em escala real, mas' por meio da invençao de um 
oficio, enquanto a arte trabalha em escala reduzida, tendo como fim 
V' uma imagem homéloga do objeto . 0 primeiro procedimento é da 
t ordem da metonfmia; ela substitui um ser por um outra ser, um 
1 efeito por sua causa, ao passo que 0 segundo é da ordem da metarora. 
Isso nao é tudo. Se é verdade que", relaçao de prioridade en-
tre estrutura e fato se manifesta de maneira simétrica e inversa na 
ciência e no bricolage, é clara que, também desse ponto de vista, a 
arte ocupa uma posiçao intermediaria. Mesmo se a figuraçao de um 
colarinho de renda num modelo reduzido implica, coma demonstramos, 
um conhecimento interno de sua morfologia e de sua técnica de fa-
bricaçao (e, se se tratasse de uma representaçao humana ou animal, 
teriamos dito: da anatomia e das posturas), ela nao se reduz ,.~ um 
diagrama ou a uma tabela de tecnologia, ela realiza a slntese das 
40 
prapriedades in(rinsecas e das que dependem de uru contexto espacial 
e temporal. 0 resultado final é 0 colarinho de renda, absolutamente 
camo é mas também tal como, no mesmo instante, sua aparência 
é afetada pela perspectiva em que se apresenta, colocando em evidência 
determinadas partes e escondendo outras cuja existência, entretanto, 
continua a influir sobre 0 resta: pela contraste entre sua brancura 
e as cores das outras peças do vestuario, 0 reflexo do pescaça naca~ 
ra do que ele circunda e 0 do céu de um dia e de um momento; 
também pelo que ele signifie a como enfeite banal ou de aparato, 
trazido - novo ou usado, passado ha pouco ou amarrotado -
par uma mulher comum au par uma rainha, cuja fisionomia con· 
finna, anula ou qualifica sua condiçao, num ambiente, numa socie-
dade, em uma regiao do mundo, um periodo da histéria. .. Sempre 
a meio-caminho entre 0 esquema e a anedota, 0 gênio do pintor con-
siste em unir conhecimento interna e externo, ser e devir; em produzir 
corn seu pincel uro objeto que nao existe coma objeto e que, todavia, 
sabe criar sobre a tela: sîntese exatamente equilibrada de uma ou de 
varias estruturas artificiais e naturais e de um ou varias fatos naturais 
e sociais. A emoçaa estética provém des sa uniac instaurada no âmaga 
de uma coisa criada pela homem e, portanto, também virtualmente 
pela espectador que Ihe descobre a possibilidade, através da ob ra de 
arte, entre a ordem da estrutura e a ordem do fato. 
Esta analise leva a varias ohservaç6es. Em primeiro lugar, ela 
permite compreender melhor por que os mitos nos aparecem simul-
taneamente como sistemas de relaçaes abstratas e como objetos de 
contemplaçao esrética; cam efeito, 0 ata criador que engendra 0 mita 
é inversa e simétrico àquele que se encontra na origem da oh ra de 
arte. Nesse ultimo casa, parte-se de um conjunto, formado par um ou 
varias objetos e par um ou varios fatos, ao quaI. a criaçâo estética 
confere um carater de totalidade, par colocar em evidência uma es-
trutura comum. 0 mito percorre 0 mesmo caminho mas num outra 
sentido: ele usa uma estrutura para produzir um objeto absoluto 
que ofereça 0 aspecto de um conjunto de fatos (pois que todo mito 
conta uma histéria) . A arte procede, entao, a partir de um conjunto 
(objeto + fato) e vai à descdberta de sua estrutura; 0 mito parte 
de uma estrutura por meio da quaI empreende a construçiio de um 
conjunto (objeto + fato). 
Se essa primeira ohservaçâo nos 
terpretaçâo, a segunda antes nos levaria a 
a generalizar nossa in-
restringi-la. Ë verdade que 
41 
toda obra de arte consiste èm uma integraçao da estrutura e do fato? . 
Parece que nao se pode dizer nad a disso dèssa' clavà haida de cedro 
para abater peixe, que eu vejo colocada numa prateleira de minha 
biblioteca, enquanto escrevo estas linhas (prancha 2). 0 artista que 
a esculpiu em forma de monstro marinho desejou que 0 corpo do 
instrumenta se confundisse corn 0 corpa do animal. 0 cabo corn a 
cauda, e que as proporç6es anatômÎcas, atribuidas a uma. cr'iatura 
fabulosa, fossem tais, que 0 objeto pudesse ser 0 animal cruel, ma-
tador de vîtimas impotentes, ao mesmo tempo que uma arma de 
pesca beni equilibrada, manejada cOrn desembaraço pela homem e da 
quai ele obtém resultados eficazes. Assim, tu do parece estrutural nes-
se utensflio, que é também uma maravilhosa ob ra de arte: tanto seu 
simbolismo mitico quanto sua funçao prâtica . Mais exatamente, 0 
objeto, sua funçao e seu simbolo parecem dobrados um sobre 0 outro, 
formando um sistema fechado em que 0 fato nao tem nenhuma 
chance de se introduzir. A posiçao, 0 aspecta e a expressâo do mons-
tro nada devem às circunstâncias hist6ricas nas quais 0 artista pôde 
percebê-lo "em carne e osso", sonha-Io ou conceber-lhe a idéia. Dir-
se-ia, antes, que seu ser imutavel esta definitivamente fixado numa 
matéria lenhosa cuja textura muito fina permite traduzir todos os 
seus aspectos e num usa ao quai sua forma empirica parece predes-
tina-lo. Ora, tu do aquilo que acaba de ser dito de um objeto parti-
cular vale também para outras produtos da arte primitiva: uma es-
tatua africana, uma mascara melanés~a... Nao terîamos, portanto, 
definido apenas uma forma hist6rica e local da criaçao estética, acre-
ditando atingir nao apenas suas propriedades fundamentais mas tam-
bém aquelas pelas quais sua relaçao inteligiveis se estabelece corn ou-
tras modos de criaçao? 
Acreditamos que para suplantar essa dificuldade seja suficiente 
ampliar nossa interpretaçao. 0 que a prop6sito de um quadro de 
Clouet tînhamos provisoriamente definido coma um fato ou um con-
junto de fatos aparece-nos agora sob um ângulo mais geral: 0 fato 
nad a mais é que um modo da contingência, cuja integraçao (perce-
bida como necessâria) a uma estrutura instaura a emoçao estética, 
qualquer que seja 0tipo de arte em questiio. De acordo cOrn 0 
estilo, 0 lugar e a época, essa contingência manifesta-se sob três 
aspectos diferentes ou em três momentos distintos da criaçao artistica 
(que, alias, podem acumular-se): ela esta situada no nivel da ocasiao, 
da execuçao ou da finalidade. Apenas no prirneiro caso a contingên-
42 
cia assume a forma de um fata, isto é, uma contingência exterior e 
anterior ao ato criador. 0 artista a apreende de fora: urna atitude, 
uma expressao, urna iluminaçao, uma situaçao, das quais eie capta 
a relaçao sensivel e inteligivel corn a estrutura do objeto que essas 
modalidades afetam e que ele incorpora a ·sua obra . Mas também 
é passîvel que a contingência se manifesta a titula intrfnseca, no 
decorrer da execuçao: no tamanho ou na forma do pedaço de ma-
deira de que dispoe 0 escultor, no sentido das fibras, na qualidade 
da textura, na imperfeiçao dos instrumentas de que ele se serve, nas 
resistências que a matéria lhe opoe, ou no projeto, no trabalho em 
vias de finalizaçâo, nos incidentes imprevisiveis que surgirao no 
decorrer da operaçao. Enfim, a contingência pode ser extrfnseca, camo 
no primeiro casa, mas posterior (e nao mais anterior) ao ata de 
criaçâo; é a que acontece cada vez que a ob ra se destina a um em-
prego determinado, pois que 0 artista elaborara sua ob ra em funçao 
das modalidades e das fases virtuais de seu emprego futuro (e, por-
tanto, colocando-se consciente ou inconscientemente no lugar do 
usuario). 
Conseqüentemente, de acordo corn os casas, a processo de cria-
çâo artfstica consistirâ, no quadro imutâvel de um confronta entre 
a estrutura e a acidente, em buscar 0 dialogo, seja corn a mode/o, 
seja corn a matéria, seja corn 0 usudrio, levando em conta este ou 
aquele cuja mensagem 0 trabalho do artista antecipa. Grosso modo, 
cada eventualidade corresponde a um tipo de arte faci! de determinar: 
a primeira, às artes pléisticas do Ocidente; a segunda, às artes ditas 
primitivas ou de épocas remotas; a terceira, às artes aplicadas. Mas 
seria excessivamente simplista tomar essas atribuiçëes ao pé da letra . 
Toda forma de arte comporta os três aspectos e apenas se distingue 
das outras par sua dosagem relativa. Por exemplo, é bem verdade 
que mesmo a pintor mais acadêmico se bate corn problemas de exe-
cuçiio e que todas as artes cham ad as primitivas têm duplamente 0 
carater de aplicadas: primeiro, porque muitas de suas produçoes s;;o 
objetos técnicos e, depois, porque mesmo as suas criaçëes que pare-
cern mais ao abrigo das preocupaçoes praticas têm uma finalidade 
determinada. Sabe-se, enfim, que mesmo entre n6s os utensilios se 
prestam a uma contemplaçao desinteressada. 
Feitas essas reservas, pode-se verificar facilrnente que os três 
aspectos estao funcionamente ligados e que a predominância de um 
restringe ou suprime 0 lugar deixado aos outros. A chamada pintura 
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erudita esta ou julgam que esteja liberta da dupla relaçao da execuçao 
e da linalidade. Em seus melhores exemplos, ela atesta um dominio 
completo das dificuldades técnicas (as quais se podem considerar 
alias, definitivamente superadas desde Van der Weyden, depois d~ 
quem os problemas que se colocaram os pintores nao pas sam de ffsica 
recreativa). No limite, tu da se passa como se 0 pintor pudesse fazer 
exatamente aquilo que lhe apraz corn sua tela, suas cores e se us 
pincéis. Por outro lado, 0 pintor tende a fazer de sua ob ra um objeto 
mdependente de toda contingência, que valha em si e por si; alias, 
é ISSO que implica a fôrmula do quadro "de cavalete" . Livre da 
contingência, sob 0 duplo ponto de vista da execuçao e da finalidade, 
a pmtura erudita pade, portanto, referi-Ia inteiramente à ocasiao' e 
se ~ exata nossa interpretaçâo, nao pade mesmo dispensâ-Ia. EI~ s~ 
defme, po~tanto, como pintura "de gênera", corn a condiçao de am-
phar conSlderavelmente 0 sentido dessa locuçao. Pois, dentro da 
persp~ctiva muito geral sob a quaI aqui nos colocamos, 0 esforço do 
retratlSta - seja ele Rembrandt - para captar sobre a tela a ex-
pressao mais reveladora e até os pensamentos mais secretas. de sell 
mode~o faz pa:te do mesmo gênero que 0 de um Detaille, cujas corn-
pOSlÇoeS respeltam a ho ra e a ordem da batalha, 0 numero e a dis-
posiçao dos botaes através do que se reconhecem os uniformes de 
cada guarniçao. Se nos pregam uma peça desrespeitos8, num e noutro 
caso, a.
ll
ocasiao faz 0 ladrâo", Corn as artes aplicadas, as proporçôes 
r:sp~ctl~as. do~ três aspectas se invertem; essas artes dao predomi-
nanela a fmahdade e à execuçâo, cujas contingências sac aproxima-
dame~te equilibradas nos exemplares que cansideramos mais Il puros". 
exclumdo ao rnesrno tempo a ocasiao, coma a vernas no fato de uma 
xfcar~, uma taça, uma peça de palha ou um tecida nos parecerem 
perfeItos quando ·seu valor pratico se afirma intemporal: correspon-
dendo pl~na~ente à fu~çao para homens diferentes pela época e 
pela clVlhzaçao. Se as dlflculdades de execuçao sao inteiramente do-
,:,inadas (como quando a execuçao é confia da a maquinas), a fina-
hd~de pode tornar~se cada vez mais exata e particular, e a arte 
aphcada se transforma em arte industrial; no casa inversa, nos a 
chamamos de camponesa ou rustica. Enfim, a arte primitiva situaMse 
no aposta da arte erudita ou acadêmica; essa ultima interiariza a 
~xecuçao (da ,~ual é o~ se acredita dona) e a finalidade (pois a 
arte pela arte é para SI mes ma seu prôprio fim). Em contrapartida, 
ela é levada a exteriorizar a ocasiao (que pede ao modelo que Ihe 
ofereça); esta se torna, ass im, uma parte do significada. Em corn-
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pensaçao, a arte primitiva interioriza a ocaslao (pois os seres sobreM 
naturais que Ihe apraz representar têrn urna realidade in temporal e 
independente das circunstâncias) e exterioriza a execuçao e a fina-
lidade, que se tornam, portanto, uma parte do significante. 
Reencontrarnos assim, num outro piano, aquele diâlogo corn a 
matéria e os meios de execuçao através do quai definimos 0 bricolage. 
Para a filosofla da arte, 0 problema essencial é 0 de saher se 0 ar-
tista Ihes reconhece ou nao a qualidade de interlocutor. Sem duvida, 
reconhecemo-Ia sem pre mas em grau minimo na arte muito erudUa 
e em grau maximo na arte bruta ou ingênua que se limita COrn a 
bricolage e, nos dois casos, em detrimento da es trutura. Entretanto, 
nenhurna forma de arte mereceria esse nome se se deixasse captar 
inteiramente pelas contingências extrfnsecas, · seja a da acasiâo, seja 
a da finalidade; pois entiio a obra entraria na categoria de icone 
(suplementar ao modelo) ou de instrumento (complementar à matéria 
trabalhada) . Mesmo a arte mais erudita, se nos emociona, apenas 
atinge esse resultado corn a condiçao de parar a tempo essa dissi-
paçao da contingência em proveito do pretexto e de incorpora-la à 
obra, conferindo-Ihe a dignidade de um objeto absoluto. Se as artes 
arcaicas, as artes primitivas e os periadas IIprimitivos" das artes eru-
ditas sao os unicas que nao envelhecem, devem~no a essa consagraçao 
do acidente a serviço da execuçao, portanto, ao emprego, que pro-
curam tornar integral , do dada bruta coma matéria empfrica de uma 
significaçao ' . 
I! precisa acrescentar, enEm, que 0 equilîbrio entre estrutura e 
fata, necessidade e contingência. interioridade e exterioridade é um 
equilfbrio precario, constantemente ameaçado pelas traçaes exercidas 
7. Continuando esta analise, poder-se-ia defioir a pintura nao~figurativa corn 
base em duas caracteristicas. Uma, que é comum a ela e à pintura de cava~ 
lete, consiste numa total rejeiçao à contingêncîa de finalidade: 0 quadro 
nao é feito para um uso particular. A outra caractcristica, prépria da pi n~ 
tura nao-figurativa, consiste numa exploraçao metoo ica da conlingência de 
execuçao, da quai se pretende fazer 0 pretexto ou a ocasi50 externa do 
quadro. A pintura nao-figurativa adota maneiras

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